Meu corpo retesou quando ouvi “Raquel”. Em outra situação, Otávio e Rodrigo teriam notado a reação, porque meu entusiasmo fazia parte do tesão deles. Sua ausência atrapalharia a força do combate travado entre os dois machos. Mas não responderam ao meu choque, mais concentrados no final de seus gozos e, em seguida, na lerdeza que vem depois. Vesti o short e saí do quarto, silente. Pensar em garotas enquanto me comiam fazia parte do jogo, desde o início. Eu não tinha razão para reclamar. Mas era implícito. Bem diferente era me usar objetivamente como substituição de alguém que até nome tinha. Aí era tornar o jogo explícito.
Otávio chegou à sala, já de banho tomado e pronto para sair, já falando algo bem humorado, como sempre. Ele e Rodrigo conversaram, sem que eu participasse, e ao fim foi impossível para os dois não notarem como eu estava retraído. Fora das fodas, eu não era tão café-com-leite; eu era um “parça”, ainda que me vissem como um cara mais na minha, tímido. Mas não calado assim. Depois que Otávio saiu, Rodrigo sentou-se à minha frente.
– Raquel é o nome da mina dele.
Não respondi.
– Não fica bolado. Saiu sem querer. Ele sabe a merda que fez; falou nisso depois que você foi embora do quarto. Não foi de sacanagem contigo.
– Eu sei.
– Ele está paradão nela.
– Eu sei também.
Fez uma pausa.
– Você também, Zeca?
– Eu o que?
– Você gamou no Otávio, nesse tempo todo?
Eu sorri, pelo absurdo da pergunta. Disse que não, que não se tratava disso.
– Mas ficou bolado.
– Você não ía ficar?
Ele concordou. Falaria com Otávio para esclarecer as coisas comigo. Retruquei que não. Criar climas, pensei, só faria com que ele se afastasse de mim, e eu queria que continuasse me comendo.
A coisa era mais séria do que imaginava. Naquele sábado mesmo, Otávio estava indo almoçar com os pais dela, justamente porque queria conhecê-los. Na verdade, era a primeira vez que eu ouvia alguma história sobre ele ter um relacionamento sério. Conhecera a moça pouco antes das férias. Ficaram juntos; certamente houve alguns amassos, mas nada além disso. Foi ela quem, após muitas conversas pelo celular e muito mais outras trocas de mensagens, acabou oferecendo-se para conhecer a cidade dele. Lá, num clima bem familiar, engataram o namoro.
– O problema é que ela não dá.
Olhei para Rodrigo, surpreso.
– Não dá? É virgem?
– É. Otávio pegou uma virgem que quer ficar cabaço até casar.
Eu nem imaginava que isso ainda existisse. A moça, embora frequentasse mais ou menos os mesmos ambientes que ele e participasse das noitadas, era tão religiosa quanto sua família. Segundo Rodrigo, o limite eram beijos de língua e mamadas no peito dela. E só. Imaginei o quanto ela perdia se impedindo de usufruir do corpo daquele cara. Um cacete daquele e nada...?
– O pai dele trancava o Otávio no quarto, à noite, porque ela ficou hospedada na casa deles. Sério. Nem precisava, porque a garota não arreda. E se você olhar, Zeca, não dá pra adivinhar. É normal, como qualquer mina. Dança, bebe, escrotiza. Não é de falar muito palavrão, mas fora isso é igual a qualquer uma. E bonita, hein. Só que é cabaço e gosta de ser.
Era uma ironia. Otávio, que se dizia tão pegador e que, isso eu sabia bem, adorava meter, estava envolvido com uma virgem casadoira! Sua mudança comigo devia ter algo a ver com aquela história toda. Eu só não sabia bem como articular uma coisa com a outra. Ora, se ela não dava e ele estava tão doido assim por ela, então devia estar me procurando mais, e não menos, para compensar. Do modo como ele era, imagino o tesão desesperador que sentia depois que a deixava, limitado a namoricos de portão. Não desaguava em mim? Era estranho. Mas não quis pensar mais nisso.
Passei toda a tarde a espera do telefonema de Marcelo, que não veio. E ele também não, nem à noite. Dormiu fora. Comecei a achar que talvez a mulher não fosse casada. Ou talvez, embora me parecesse uma alternativa típica de conto erótico, que o marido tivesse viajado e ela aproveitando para passar o fim de semana com o ricardão da parada.
Foi um péssimo sábado, claro. Chamado de “Raquel” por Otávio e esquecido por Marcelo em função da Raquel dele. Dormi cedo.
Na manhã seguinte, finalmente Marcelo ligou. Pediu desculpas, disse que tivera um imprevisto e que só chegaria tarde em casa. Mandou que eu passasse o telefone para Otávio e falaram alguma coisa, numa conversa curta.
Estávamos na cozinha. Com chuteiras e meiões, shorts largos e camisetas mais ou menos da mesma cor, ele e Rodrigo se preparavam para ir jogar bola, o que faziam com uma periodicidade bem irregular nos fins de semana, mas geralmente à tarde. Desta vez, o jogo seria pela manhã, seguido por um churrasco. Por isso, tinham voltado da night juntos e deitado relativamente cedo. Rodrigo um pouco mais tarde, na verdade, porque aproveitou a tranquilidade da ausência de Marcelo para passar no meu quarto e dar uma segunda carcada.
Ambos faziam parte do time da faculdade e jogavam durante a semana no campo que havia na própria universidade. Nos fins de semana, jogavam em outro lugar, com alguns colegas do time mas também com caras de fora, que nem eram estudantes. Diziam que era bom para liberar as toxinas das noitadas mas, justamente por causa das baladas, mais faltavam do que iam às partidas dos sábados ou domingos. Otávio mangava que as toxinas eram pacientes e podiam esperar pela terça ou pela quarta-feira.
Eu era o único do apê que nada fazia, nem esportes nem exercício físico algum. De todos, o menos sedentário era Marcelo, com seu histórico de natação e jiu-jitsu, a bicicleta no trajeto para a universidade e a prática de corridas, na pista do enorme parque próximo ao campus. Nunca lavei as roupas que usava para isso. Eram sintéticas, e ele as enxaguava sob o chuveiro do vestiário do ginásio e as deixava secando durante as aulas seguintes, guardando no armário que alugava lá. Não as trazia para casa, e essa foi a razão de eu me surpreender quando me contou que, diferentemente do que supunha, as corridas não eram uma prática esporádica, mas diária. A discrição de Marcelo em tudo, até mesmo em um detalhe tão bobo quanto este, me levava a crer que eu jamais saberia ao certo sobre o caso que estava tendo.
Eu deveria ser gordinho, já que o único exercício que fazia era mesmo suportar o peso de Otávio e Rodrigo e exercitar-me com as trocas de posição nas trepadas. Mas mantinha um bom corpo, mesmo tendo mais tendência a engordar do que a emagrecer. Eu comia pouco, mas atribuía esse equilíbrio à genética, especialmente por parte de meu pai, que era mulato. Embora ele fosse mais para claro, eu acreditava ter herdade dele aquela vantagem da ascendência negra: um corpo mais rijo, a musculatura com uma definição mais pronunciada, a pele com aspecto sedoso. Infelizmente, embora no meu caso não fizesse diferença, a característica mais festejada dos caras negros, seja verdadeira ou não, eu não tinha.
Era o caso oposto do meu irmão, privilegiado por um bom dote, do qual se orgulhava e sobre o qual não fazia muita questão de se calar. Eu havia visto poucas vezes, porque logo no início da puberdade não dividimos mais o quarto. E, depois que eu me revelei gay, aí é que não veria mesmo: ficou amedrontado como uma donzela que convivia com um depravado sempre pronto a atacá-lo. Claro, para que ele me comesse, e não o oposto, porque era adepto da crença hétero de que viado só dá e alguma entidade desconhecida os come (não seriam os héteros, lógico). No meu caso, até tinha razão, porque eu não comia ninguém mesmo.
Desde cedo eu não lidava bem com meu irmão. Convivíamos muito, estudamos nos mesmos colégios e meus pais faziam questão que compartilhássemos as mesmas atividades. Queriam tanto que fôssemos unidos que, durante praticamente toda a infância, dividimos o mesmo quarto. Não havia qualquer necessidade, pois havia um outro, subutilizado, na velha casa onde meu pai havia nascido e o pai dele também, e onde o avô tinha morado quase toda a vida.
Talvez por ele ser primogênito e fisicamente mais parecido com meu pai, era o preferido e eu já nasci sabendo disso. Não era tão difícil perceber a predileção por ele, embora eu recebesse atenção também. À medida que foi crescendo, eu constatava mais e mais razões para que tivesse uma posição superior à minha, dentro e fora de casa. Sempre foi bonito, alto desde cedo e, para completar, todo esportista e brigão. Cultivava a fama de pegador, num perfil até próximo de Otávio, inclusive por ser quase tão moreno quanto, mas com uma diferença fundamental: era ostensivamente vaidoso. Tinha uma obsessão pelo próprio corpo que o fazia passar três horas por dia na academia e adotar uma dieta rigorosa da qual só abria a mão pelo álcool. Estava sempre na moda, muito estiloso, e escolhia namoradas e amigos pelo que eles poderiam agregar à sua imagem. Nada a ver com Otávio.
Quatro anos mais velho do que eu, estava com vinte quando me revelei gay para a família. A primeira coisa em que pensou – e disse – é que aquilo o comprometia, porque podiam achar que ele também era. Mesmo antes de saber de mim, meu pai, mas também minha mãe, se orgulhavam desse perfil garanhão dele. Depois que souberam do fracasso que tinham posto no mundo, não só passaram a valorizá-lo ainda mais quanto voluntariamente tornaram explícita, quase escandalosa, a preferência por ele. Meu pai disse que meu irmão me compensava na família, pois tinha de sobra o que eu nunca iria ter. Repetiu isso uma vez, numa conversa com dois amigos, embora nunca tenha admitido publicamente que eu era gay. Eu era vergonhoso demais.
Eu tinha inveja do meu irmão, óbvio. Nada doentio, mas uma ponta de inveja que me incomodava. Vinha desde cedo; não foi coisa surgida quando adultos. Na verdade, não me identificava em nada com o que ele decidira ser, tampouco com o modo como ele conduzia a sua vida. Não queria ser ele; só queria ser feliz como ele.
Ter me assumido gay para todos eles aliviou a pressão que essa inveja me fazia, porque a partir daquele instante eu assumia meu fracasso perante todos; desistia de qualquer competição. Eu não era bonito, não era pegador, não tinha pau grande, não era nem nunca seria um playboy como ele. Assumindo de vez minha derrota, não havia mais razão para a guerra. Eu não precisaria mais invejá-lo.
No início da tarde, Rodrigo voltou. Veio bem antes de Otávio, pois não ficou para o churrasco e conseguiu uma carona. Abraçou-me pelas costas e, como agora costumava fazer, dava um cheiro no meu pescoço. Era óbvio de que aquilo era um substituto de um beijo, mais funcional porque limitava a intimidade física que ele se via impelido a ter comigo. Acho que queria mesmo era beijar, mas homem não beija homem. E, como ele disse uma vez, “você não é homem na cama, mas é homem”. Café-com-leite, passivo, fudido, mas eu era homem.
Eu estava triste pela ausência de Marcelo e sua desatenção com o telefonema. Por isso a amargura com que me lembro daquele dia e que não consigo conter. Triste, decepcionado.
Parou com os carinhos em meu pescoço e permaneceu abraçado a mim. Estava suado, com cheiro de quem saiu do futebol, o que não me excita da forma como ocorre a muitos gays. Mas gostei assim mesmo, porque parecia um carinho muito forte, ainda que imóvel. Foi apertando a força dos braços; o peso da cabeça nas minhas costas. Seu membro inchava.
– Eu volto com um puta tesão quando jogo – sussurrou.
– É?
– É. Toda vez.
– Por que?
– Sei lá, deve ser o bagulho da endorfina. Em mim dá tesão. Toco punheta no chuveiro toda vez que volto.
Subiu as mãos da minha cintura aos meus mamilos. Outro dia, dissera que eu tinha peitinhos de moça. Fingi não escutar, porque não tinha qualquer cabimento. Não tenho muitos pelos e, como meus mamilos são pequenos, passam algo de púbere. Mas a associação era tão fantasiosa que soava esquizofrênica.
– Você é o viado mais gostoso que eu já comi, Zeca.
– Você fala isso pra todos... – brinquei, apesar de continuar não gostando que ele me chamasse daquela forma. E vivia me chamando assim.
– E o mais bonito. É foda dizer isso, porque você é homem, não é homem na cama...
E repetiu a ladainha. Mas, dessa vez, acrescentou:
– E homem pra mim não é bonito nem feio. Mas você é bonito pra caralho. Digo mesmo, tá ligado? Bonito pra caralho.
Puxou-me, voltando as mãos aos meus quadris, e me posicionou para empurrar-me como num trenzinho, levando-me assim até o quarto dele. Começou a tirar o improvisado uniforme do jogo, deixando cair tudo pelo chão. Ficou concentrado em mim, com cara de esfomeado, mesmo quando teve de equilibrar-se numa perna só para tirar os meiões e os tênis.
– Dessa vez não vou precisar de punheta pra aliviar o tesão.
Arrancou de qualquer jeito o meu short, que eu não havia tirado não sei por qual razão. Na verdade, sei: tinha tesão nele, estava querendo que me comesse, mesmo suado daquele jeito, mas minha cabeça estava em outro lugar. Estava no telefonema que Marcelo não tinha me dado a tempo, como havia prometido. Pelo barulho do tecido, concluí que a impaciência do gesto de Rodrigo o havia rasgado em algum lugar.
Deu-me o cacete para mamar, o que fiz com gosto, apesar do odor de suor. Não estava propriamente sujo nem nojento, mas apenas temperado pelo suor. Não tinha problema: eu servia era para isso mesmo, essa era minha função na vida e, afinal, gostava mesmo de chupar o pau dos outros. Por que alguém iria se dar ao trabalho de ligar para alguém como eu, se estava ao lado de quem realmente valia à pena?
Rodrigo fazia carinhos nos meus cabelos quando repetiu o falso elogio baixinho, como se apenas para si mesmo. Mas eu escutei:
– Bonito pra caralho...
Pegou-me pelos ombros e me pôs deitado na cama, de peito para cima. Com a mesma agilidade, se pôs como que de cócoras, com os pés ladeando meus braços. Suspendi a cabeça, prevendo que iria aproximar-se para eu continuar a mamada. Ele tinha escolhido uma posição não muito confortável para mim, ficando de costas para meu rosto. O pau entraria meio torto e, como não era tão comprido como o de Otávio, eu teria que esforçar-me para abocanhá-lo por inteiro.
Foi se aproximando, ainda de cócoras e de costas. Mas seguiu além do que eu esperava.
– Lambe meu cu, caralho – disse, enquanto eu via seu buraco peludo a centímetros do meu rosto.
Nunca havíamos falado a respeito, pelo menos não a sério, mas era óbvio que eu não gostava de cu. Não havia lambido o cu de homem algum, nem pretendia fazê-lo. Era a primeira vez naquele apê que ía ser obrigado a algo que não curtia.
Esfregou literalmente o cu em meu rosto, de cima a baixo. Os culhões de ouro bateram em meu queixo.
– Lambe o cu, porra.
Aceitei. Não sabia como fazer, mas aos poucos fui me lembrando do jeito que Otávio parecia usar a língua, pelas sensações que eu sentia. Fui deduzindo como seriam os movimentos, tentando imitá-lo. Não era algo que me desse tesão, mas também não que me agredisse. Apenas não via graça; preferia não fazê-lo. Os pelos às vezes roçavam em meu nariz, me fazendo cócegas. O cheiro era forte, mas não estava sujo. Estava suado pelo futebol, somente, tal como o cacete e o saco que eu lambera antes.
Levantou um pouco, mantendo-se próximo. Acocorado sobre minha cabeça, eu só podia ver a bunda peluda e parte de suas costas. Pegou uma das minhas mãos e começou a beijá-la. Depois, a lamber e a chupar meus dedos, enquanto vagarosamente reaproximou-se do meu rosto. Não precisou dizer nada para que eu percebesse que queria que eu mantivesse a língua apontada, para que o cu a tocasse lentamente, porque foi fazendo breves movimentos circulares, atentos, em busca dela. Quando a sentiu, sem fazer muita pressão, manteve o cu a uma distância que ela pudesse passear em torno de suas bordas.
Era assim que gostava. Depois que eu trabalhava bastante, afastava-se novamente, e eu aproveitava para umedecer mais a língua. Descia em seguida, também com vagar, para que novamente eu agisse. Repetiu aquele movimento várias vezes, sempre lentamente, enquanto eu delicadamente o acariciava com a língua. Arfava; às vezes, falava umas putarias.
– Bonito pra caralho – repetiu, novamente num tom baixo.
Não sei se o fez porque deslumbrado por conseguir elogiar outro homem daquela maneira e perceber que não se sentia mal com isso. Não sei. De qualquer maneira, não dei muita trela, porque eu não era assim; não era porra nenhuma mesmo. Só um viado babaca a espera de um telefonema que não veio porque não era mesmo para vir.
Ele tocava punheta todo o tempo, e ela foi se tornando cada vez mais furiosa. Percebi seu esfíncter se contrair de maneira muito forte, mas não me dei conta do que acontecia. Ele se levantou repentinamente e virou-se em minha direção. Meteu o caralho na minha boca, sem aviso. Encheu-a de porra, chamando-me de tudo o que era nome. Uma parte verteu diretamente na garganta, mas tive o suficiente para sentir seu gosto. Um pouco amargo, mas ainda assim saboroso para mim, muito semelhante ao de Otávio.
Mesmo depois de terminar, manteve o cacete enterrado até minha garganta. Ficou um tempo assim. Dificultou a engolida de toda a gala, o que nem achei ruim. O resto dela repousava sobre minha língua, entre os dentes, no céu da boca. Era a masculinidade que me faltava que eu podia ter por meio do macho que satisfazia. Rodrigo aproveitava a vantagem garantida por sua medida, que parecia feita de encomenda para entalar os mamadores sem que engasgassem.
Deitou-se, me dando uma empurradinha para que ambos coubessem na cama de solteiro, o que não era tão simples devido ao seu corpo largo, maciço. Pôs-se de lado, e aos poucos foi me acomodando, para que ficássemos em conchinha. Não era Marcelo, mas ao menos alguém me protegia em conchinha. Eu gostava de Rodrigo. Era de quem eu era mais afastado no apê, mas foi me ensinando a gostar dele, do jeito que ele era.
Adormeceu, num breve cochilo, enquanto eu aproveitava quietinho aquele corpo grande e quente que me envolvia. Quando levantou-se, me chamou para tomar banho com ele. No box, sob a água, descobri que não era bem isso: era para eu dar banho nele. Fiz com muito gosto, percorrendo todo seu corpo rijo como numa massagem, que ele pediu mais vigorosa aqui e ali. Era estranho estar com tanta intimidade com um homem sem beijá-lo, mas estava bom mesmo assim.
Terminei de me enxugar e me preparava para sair quando perguntou onde eu ía. Virei sem entender muito bem a pergunta, enquanto ele usava a toalha para esfregar as costas vigorosamente, abrindo o peito largo, cheio de pelos, de uma maneira muito máscula.
– Vamos ver TV. Comigo – convidou.
– Nós dois?
– Se chegar alguém, você levanta.
Ficamos assim, deitados juntos, com ele me comprimindo no sofá. Era bom. Ele não parecia muito interessado no que passava na tela, nem eu. A gente queria era se confortar um no corpo do outro, embora tanto romantismo enrustido de vez em quando fosse arranhado por um inchaço do seu cacete encostado em minha bunda.
Quase me chamou para passar o feriadão com ele, para o acampamento que faria com Otávio e outros amigos. Sairiam bem cedo, na quinta-feira, e vagava um lugar no carro. Mas desistiu. Seria arriscado me pegar no mato, pois poderiam nos flagrar. Eram uns quinze amigos acampando; gente demais de quem se esconder. E ele não aguentaria ficar sem me comer.
– Mas agora você não me comeu.
– Mas você não vai escapar da pica. Estou só trocando o óleo. Daqui a pouco te fodo.
Lá pelas tantas, pensativo, repetiu que não suportaria me ver quatro dias seguidos sem poder fazer nada.
– Olhar essa bundinha pra lá e pra cá sem meter ía ser tortura.
– Não ía dar certo mesmo – complementei. – A higiene. Em acampamento não teria como fazer direito.
Ele se calou e voltou a apoiar o queixo no meu ombro, com os olhos na TV. Uma hora depois, levou-me de volta ao quarto e me comeu. Em seguida, reclamou que estava com fome, e achei mesmo que não era sem tempo. Mas não reclamou de eu lhe oferecer apenas arroz com ovo. Fiz umas torradas para acompanhar, e ele brincou que se eu fosse mulher ele iria acabar magrinho. Passamos a tarde toda juntos, até a chegada de Otávio, mais pra lá do que pra cá, e ele então se afastou de mim. Quando finalmente Marcelo chegou, eu já estava deitado, em meu quarto. Não o vi, nem percebi que retornara.
Na manhã seguinte, foi Otávio quem me acordou, antes de partir para a faculdade.
– Quero ter um papo reto contigo, Zeca.
– Rã-rã – balbuciei, sentando-me na cama.
– Hoje, às cinco. Depois que eu sair da facul.
– É sério assim? Se for por causa do lance na foda, você não precisa...
– Na praça. Aqui, não. Só eu e você; papo de parça mesmo.
– Praça?
– É. Essa pracinha aqui embaixo, virando a esquina. Fechado?
– Você está me deixando preocupado, Otávio.
– Não fica. Mas é sério. Às cinco, na pracinha, então.
Saiu. Imaginei que fosse para me pedir desculpas por ter me chamado pelo nome da namorada. Mas não devia ser isso, ou pelo menos não só isso. Se marcou fora do apê, se me acordou para deixar assegurada a marcação do encontro antes de sair para a universidade, devia ser mais do que desculpas. Era estranho, porque não havia muito o que eu me preocupar com Otávio que não se referisse às nossas fodas. Não concebia o que poderia ser, e em realidade fiquei mais curioso do que preocupado.
Infelizmente, uma boa noite de sono, como a que eu tinha tido, não torna o outro dia um novo dia: levantei-me pensando ainda na decepção com Marcelo. Talvez tivesse sido essa a verdadeira razão do jantar: encher a bichinha de esperanças para depois vê-la sofrer todo o fim de semana, levando um bolo daquele tamanho. Bom, podia ser pior. Pelo menos não me humilhou em público; apenas me fez sofrer sozinho.
Eu o encontrei assim que entrei na cozinha. Estava colocando o pó no coador.
– Achei que não ía ter café hoje, preguiçoso... – disse, já sentando-se à mesa.
– Você acordou muito cedo... Já passo isso aqui rapidinho – respondi, sem olhá-lo, tomando a frente da tarefa.
Ao afastar-se, ele confirmava que aquele era meu dever, e não dele. Era o que eu esperava, e gostava que ambos reconhecessem que entre nós era assim. E eu gostava que fosse assim, mesmo estando chateado com ele.
Ficamos em silêncio. Eu estava de costas, mas sabia que ele me observava, como sempre. Desta vez, longo demais, o silêncio me torturou. Mas não o interrompi, e sim ele:
– Está brigado comigo, de novo – concluiu.
– Hã? – disse, mantendo-me de costas, fingindo não entender.
– Não é pra ser assim.
Fizemos uma nova pausa.
– Se eu não liguei no sábado, se não vim, é porque tive minhas razões.
– Eu sei.
– Senão, teria vindo. Eu queria ter visto os filmes com você.
– Rã-rã.
Nova pausa. Seu tom, habitual: sereno, seguro, afável.
– Você tem que entender que eu tenho razões, Zeca. Se ajo de uma forma imprevista, é porque há um motivo sério pra isso. Você deve compreender e esperar.
Tentei pensar no que poderia fazer para não ter que me virar para ele.
– Não adianta ficar assim comigo. Você espera, e quando der eu volto.
Na pia, não tinha mais nada; era hora de me virar para pôr a caneca e o prato dele na mesa. Não sabia o que fazer. Lavei uma louça que estava no escorredor de pratos.
– Eu não estou chateado. Tudo bem – murmurei.
Ouvi que ele se levantava. Gelei. E confirmei meu temor: ele veio até mim. Queria que me abraçasse, tal como Rodrigo fazia. Claro, não foi o que fez.
Mas me surpreendeu. Tocou em minha cintura, numa leve pressão para que eu me virasse para ele.
Tocou em minha cintura.
Ele nunca havia tocado em minha cintura. Um homem não toca na cintura de outro. Senti, a partir daquele ponto do meu corpo, como que uma descarga elétrica.
– Fica assim não, cara.
Não tive saída; virei-me para ele. Agora, estávamos nos encarando; próximos, mas não muito. Sorri, desconfortável com a situação.
– Tá limpo, Marcelo. Vi TV aqui, depois foi um domingo gostoso, só de bobeira... Foi um fim de semana bacana. O seu também foi?
O capiroto me olhava no fundo da alma, como sabia fazer. Não disse nada, mantendo o olhar. Não sustentei e baixei meus olhos.
– Olha pra mim.
Obedeci.
– Você ainda não aprendeu que não sabe mentir pra mim?
Tive vontade de jogar na cara dele que eu vivia mentindo e que ele caía como um patinho; que ele não conseguia entender nada do que acontecia na frente dele.
– Eu vejo nos teus olhos quando você mente.
Eu conhecia esse truque. Minha mãe fazia comigo, quando eu era pequeno. E quando ela ainda era minha mãe.
– Não fala comigo como se eu fosse uma criança. Eu não sou menor do que você.
– Você *é* menor do que eu.
Usou a mesma voz branda, mas dando ênfase no “é”, pelo tom e pelas sobrancelhas franzidas. Charmoso, até quando tão sério assim.
Ele me surpreendeu novamente, agora pela resposta tão ágil, tão objetiva e, filho da puta, tão serena. Eu não soube o que dizer e por um meio minuto ficamos assim, os dois se olhando, em silêncio. A água já fervia no fogão. Completou a frase:
– Em tudo.
Sorriu, daquele seu modo peculiar, controlado. Emendou, rápido, enquanto abaixava ligeiramente o corpo, como que simulando nossa diferença de altura:
– Ó, como meu amiguinho é altão! Que medo!
Começou a fazer cócegas em mim, nos meus quadris, na barriga. Rimos.
– Você vai viajar no feriadão? Vai fazer alguma coisa? – disse, voltando para a mesa, enquanto eu finalmente pegava a leiteira com água fervente no fogão.
Sorri por dentro. Talvez viesse um convite.
– Se você não for viajar, podíamos fazer alguma coisa juntos. Os filmes que eu prometi; podíamos ver.
Fiz rã-rã. Por dentro, uma confusão: alegria, tensão, ansiedade, desconfiança, esperança, tudo junto.
– Prefiro no feriado, porque eles não vão estar.
Adorei ouvir isso. Mas a razão não era bem a que eu queria:
– Se eu te chamar com eles aqui, tenho que convidar também. Seria ruim não chamar... Mas Otávio é meio entrão; sabe como é, né... Acaba que meu quarto vira sala de TV. Melhor só nós dois. Sozinhos.
– Também acho. Você tem razão.
– A não ser que você tenha já alguma coisa. Se tiver, não tem problema.
– Não, não tenho nada, não.
– Qual o melhor dia pra você? Quero dizer, noite.
– Qualquer uma.
– Pode ser todas? – e sorriu.
Eu sorri também. Marcamos para quinta.
– Maratona? Aguenta dois filmes? – perguntou, animado.
Fiz que sim com a cabeça.
– Três?
Eu ri. Ele estava querendo ficar bem na fita, depois do bolo que me deu. Eu gostei disso. Poderia pensar: “está convocando o reserva, porque a titular vai estar com o marido”. Mas preferi pensar: “que bom que a titular é casada”. Nesse time, não havia “o” titular; só “a”. Então, por que estragar aqueles quatro dias juntos? Por que não reviver aqueles outros dez, dos quais lembrava minuto a minuto, embora já tivessem se passado quase dois meses?
– Vinho ou cerveja?
– Tanto faz. O que você preferir.
Preferiu cerveja, e combinamos de comprar na manhã da própria quinta, após Rodrigo e Otávio partirem. Eu gostava muito quando ele deixava clara essa cumplicidade entre nós; que havia um mundo nosso do qual ele não queria que os dois participassem. Não sabia se era mesmo isso, nem com a mesma intensidade com a qual eu sentia, mas gostava.
– Faz o seguinte. Amanhã, tiro uma listagem dos últimos filmes que tenho. Te passo e você escolhe logo uns três. Vai ter tempo de sobra pra isso.
– Eu?
Era ele quem sempre tinha escolhido os filmes, naqueles nossos dez dias. Sabia deles previamente; alguns até já tinha visto antes.
– Você. Vou querer um “random mode”.
– Tá.
– Você vai ser o meu “random”.
Não escondi o sorriso por ele ter usado o pronome “meu”. Definitivamente, tinha que assumir; não tinha mais jeito: eu estava apaixonado. E, sendo eu gay e ele como era, essa não se fazia exatamente uma boa notícia.
...
[continua]
[PS: Como de costume, pus abaixo respostas aos comentários que os leitores fizeram à parte anterior da história]