...Antes que fosse tarde, resolvi procurá- lo e tentar a convencê-lo a ficar.
-Raniel, eu tô te pedindo, por favor, não se vá. Fique!
-Olha Victor, já estou decidido. Estou arrumando as minhas coisas e vou a princípio pra casa dos meus avós paternos, no interior. Depois vou ver com um chegado meu que também é músico e tá se ajeitando em Sampa, se posso ir pra lá.
- Raniel, eu ainda tô surpreso com tudo o que você me falou, mas eu só te peço um tempo pra digerir tudo isso. Eu estou disposto enfrentar a tudo e a todos do seu lado. Eu namoro com você. Eu me caso com você. Por favor, fique! - eu o pedi com um olhar firme, sincero e suplicante.
- Ah,Victor! Minha vontade é de desaparecer no mundo e não voltar nunca mais pra este lugar. Vontade de meter o pé e largar tudo pra trás.
- Relaxa, Raniel! Ir embora assim, não vai resolver nenhum problema. O que vai mudar é só o lugar. Você vai continuar triste, deprimido totalmente decepcionado com a vida. Aqui, apesar tudo você tem pessoas que te querem tão bem, você tem a mim, seus amigos, sua família, a música que é um porto seguro nesses momentos complicados, pense bem, Raniel - ele agora me ouvia. Parecia estar mais relaxado e que ia desistir daquela ideia maluca.
- Olha Raniel, o que tenho a te dizer é que tudo ainda é muito novo, muito recente mas a verdade é que eu também sempre tive um sentimento especial por você . Não gosto nem de pensar você longe, sabe Deus aonde e eu aqui sozinho. Não imagino na minha vida, outra pessoa, sabe? Mas, assim como você, eu também jugava ser impossível, que algo mais forte entre a gente poderia não dar em nada. Aí, você me pega assim de súbito dizendo essas coisas tão boas de se ouvir e me desarma totalmente.
- Então Victor, namora comigo?! - ele me um ultimato, me olhando com aquele olhar carente e irresistível. Eu meio relutante respondi.
- É o que eu mais quero, Raniel. Eu sei, é tudo muito recente, meio assim, tão de repente mas enfim, a gente tem que aprender a encarar o mundo de cara limpa, não é? Afinal ninguém paga as nossas contas.
-Victor, eu sei que seus sentimentos por mim são sinceros. Isso tá no seu olhar. Eu espero o tempo que for preciso até que você se acostumar com a ideia de ser meu e eu, só seu. Mas por favor Vitinho, não demore! Ajude a esse coração que não aguenta mais de tanto sofrer. Eu ia embora até amanhã a noite, mas por você Víctor, só por você eu desisto de ir.
Eu fiquei desarmado com aquela confissão.
Nos abraçamos, sorrimos, choramos. Raniel me apertava tão forte , parecia ser o seu último abraço. Eu fui pra casa cheio de esperança, bastante ansioso com pensamento a mil por hora. Eu tinha noção dos meus sentimentos por ele mas, não seria aquilo uma loucura? Será que um relacionamento entre a gente daria mesmo certo? Apesar da insegurança, eu sabia que eu estava afim mas e ele? Era isso mesmo que ele queria, namorar comigo? E como seria isso? Particular, so entre a gente ou ele assumiria publicamente a nossa relação? Nós frequentávamos a uma igreja evangélica conservadora. Ele tocava nesta igreja. Ele deixaria tudo se acaso os oficiais da igreja descobrissem sobre a gente, ou abriria mão do nosso namoro e preferiria ficar na igreja? Ah eram tantas indagações, uma mistura louca de sanções. Euforia, ansiedade, insegurança, e muito desejo pelo Raniel, tudo ao mesmo tempo. No fundo eu tinha convicção de que eu o queria muito.
"Ah, Victor! Deixa de bobagem - pensei com meus botões - " se é isso mesmo que você quer, vá ser feliz, caramba! E foda-se resto".
Todo mundo questionava o porque do término repentino do noivado de Raniel e Liz, que parecia estar dando tão certo e que caminhava rumo a um casamento promissor. Mas o que ninguém, nem mesmo eu, nem de longe imaginava, era que o amor que ele dizia sentir por mim e o sentimento tão singelo e verdadeiro que eu tinha por ele eram tão maiores que qualquer mentira. A família dele, que apostava tanto naquele casamento, estava desolada sem consegui entender. E o que dizer do próprio objeto da rejeição, a saber a Liz? Ultimamente vivia com o nariz vermelho e os olhos inchados de tão desgostosa com o fim do namoro. Dava pra ver que havia uma longa batalha a enfrentar pela frente.
A ansiedade me consumia de um jeito . Eu dormia e acabava sonhando com aquilo tudo. Numa noite daquelas, eu tive um sonho bonito e ao mesmo tempo esquisito e assustador. Sonhei que eu estava em um ambiente que muito lembrava a um pequeno teatro, com sua meia luz. Eu estava sentado no meio de uma numerosa plateia, em meio aquele burburinho típico de auditório, que antecede a uma apresentação. De repente, Raniel surgiu lá na frente, diante do palco em meio a penumbra com um violão nos braços e começou a dedilhar um solo maravilhoso e perfeito que fez a plateia ir silenciando pouco a pouco. Ele veio andando pelo corredor do meio e enquanto solava, ele caminhava beirando os acentos e esticava o pescoço freneticamente na direção da plateia escura que se derretia ao som do seu concerto, na ânsia de encontrar alguém. O curioso é que ele procurava apenas daquele lado e ignorava a plateia do lado oposto. Quanto mais ele se aproximava da fileira de onde eu estava, meu coração acelerava, tanto que mesmo dormido, era possível eu escutar suas pancadas descompassadas. Quando ele foi chegando mais ao meio daquele teatro, ele parou bem na diante da fileira de acentos em que eu estava. Então ele começou a cantar uma música muito agradável de se ouvir. Eu estava morrendo de medo e vergonha de que ele pudesse me achar ali no cantinho. Minha vontade era de me enfiar debaixo do banco e ficar encolhidinho, só de pensar que ele estava prestes a me ver. Nisso, uma moça que estava no acento da extremidade, que dava paro o corredor próximo de onde Raniel se encontrava, começou a se levantar lentamente da cadeira, gesticulando tatralmente para Raniel e olhando em seus olhos, dando grunhidos e espasmos como se o canto dele estivesse lhe proporcionando múltiplos orgasmos . De repente, ela começou a caminhar para o meio do corredor em direção a Raniel, e começou a se ajoelhar contrita, agarrando suas pernas, numa espécie de adoração a ele. Ele subitamente parou com a música e ficou imóvel com o violão nos braços olhando pra ela. O que se ouvia agora, eram só os gemidos aflitos dela ajoelhada aos pés do moço que a olhava com espanto. Todos observavam atónitos a cena. Por um momento, enquanto aquele cena estranha se desenrolava, eu me distraí e consegui me refazer do pavor de ser encontrado por ele. Com um movimento brusco ele conseguiu se esquivar da possessão daquela moça. Todo o teatro começou a gargalhar em deboche enquanto a moça ofegante e envergonhada, olhava rubra de constrangimento para todos os lados querendo se livrar dos olhares satíricos de todos. Raniel voltou a cantar. O riso foi diminuindo lentamente até fazer completo silêncio predominando apenas sua voz e seu acorde. Raniel agora começava a chamar pelo meu nome no canto, ignorando a moça que continuava desolada no chão atrás de si. Ele cantava e me procurava num ímpeto, enquanto eu sentado bem no canto voltava a ficar trémulo e desesperado, encolhido com o coração prestes a sair pela boca. Raniel insistia em me chamar na sua música, aí então não pude mais me conter e me levantei. Um surto de emoção tomou conta da gente quando ele conseguiu me ver . A música foi ficando mais acelerada. Ele ria, chorava, cantava, esticava freneticamente o corpo pra trás enquanto tocava. A pleiteia foi ficando cada vez mais eufórica. Eu já estava de boca aberta numa choradeira só, olhando fixo pra ele enquanto tentava achar passagem driblando as pessoas sentadas no estreito espaço com o acento da frente. Quando de repente o vulto da moça surge enlouquecida por trás do Raniel. Com as mãos tapando os ouvidos os olhos cerrados num aspecto assustador, ela soltou um berro estridente que por pouco não estourou os tímpanos dele, Um ruído bem alto, semelhante ao som de um metal que arranha o azulejo:
-Paaaaaraaaaaaaaa !!!
Ficaram todos paralisados inclusive eu. Nesse exato momento,o barulho da mesa que a minha mãe arrastava na cozinha, que de tão barulhenta acordava a casa inteira, deu sequência ao grito iniciado pela mulher no meu sonho, se é que pode chamar assim, me fazendo acordar assustado, afobado, como se tivesse voltado de um encontro com o Sete Peles. Saltei da cama e fui ligeiro até a cozinha pra tomar um pouco de água. Minha mãe ao me ver com aquele semblante assustado, foi logo perguntando:
- Que cara é essa menino? Parece viu um fantasma!
- Não é nada não, mãe. Só um desses sonhos de barriga cheia.
Voltei pra cama e tentei em vão, voltar a dormir.