Ok, arranjei umas gambiarras aqui que me permitiram postar hahahah. Boa leitura.
Prólogo II - "Goodbye"
Henrique e eu somos amigos desde o primeiro ano. Nós nos conhecemos no primeiro dia de aula, quando eu acidentalmente tropecei na sua mochila e caí em cima dele, virando a cadeira e espalhando seus materiais pela sala toda. Foi hilário para todos os outros alunos da sala, disso eu tenho certeza, pelo volume das risadas deles. Para nós, no entanto, foi o horror. Primeiro dia de aula NÃO é dia de pagar mico, definitivamente. Depois que nos ajeitamos e que pedi desculpas, acabei me sentando atrás dele. Algumas poucas palavras serviram para fechar o laço que só iria se aprofundar mais e mais durante aquele ano e nos seguintes.
Desde então, nós fazíamos tudo juntos. Eu, ele e, é claro, nossos amigos. Sempre que saíamos para algum lugar eu dormia na casa dele, assim meus pais não tinham que sair de casa tarde para me buscar. Como ele era do interior e viera morar sozinho na capital para fazer um ensino médio mais puxado, a única regra na casa dele era "Nada de regras". O que era bastante aproveitado, devo dizer.
Sempre fui bastante sociável, nunca tive dificuldade para fazer colegas... digo colegas porque não considero qualquer pessoa meu amigo. Não é questão de maldade ou arrogância, até porque trato colegas da mesma forma como trato amigos, e acabava conhecendo a maior parte das pessoas dos locais que frequentava. A questão é que demoro bastante pra chamar uma pessoa de amigo, isso pra mim equivale a declarar um laço mais forte do que conversar com alguém todo dia. Está mais pra uma pessoa com quem eu me sinta plenamente confortável, que me faça sentir bem, de quem eu vá sentir saudades quando estiver longe, e que se torne importante na minha vida. Emotivo, é, sempre fui desse tipo de pessoa.
Por isso, dentre todas as pessoas que eu conhecia, seis eram meus amigos. Henrique era de longe meu melhor amigo, quase um irmão. Matheus já era amigo do Henrique antes de eu conhecê-lo, e acabamos nos tornando também bons amigos. Lucas, meu xará, entrou no colégio na mesma época em que entrei, e após alguns meses ele já andava com a gente.
E tem a Letícia. Bem, ela é um caso especial. Quando era mais novo, meu pai tinha um grande amigo, chamado Pedro. Tio Pedro, para os mais íntimos (no caso, eu). A amizade deles era/é tão forte que nunca acabou, ou pelo menos está firme e forte até hoje. Tio Pedro casou-se com a tia Cláudia, e, juntos, deram origem a um ser estupidamente maravilhoso e insuportavelmente barulhento, chamado Letícia. Nós nos conhecemos... bem, acho que nos conhecemos quando eu nasci. Não tenho como lembrar direito. Mas nós não nos dávamos muito bem naquela época. Você sabe, aquela coisa de ficar pegando minha chupeta e me chutando no berço, aquilo não me agradava muito não.
Ok, agora sério, Letícia e eu fomos nos conhecer de verdade apenas na quinta séria, quando nossos pais decidiram que devíamos estudar juntos. No começo foi insuportável, eu ainda não ia com a cara dela. A garota manteve os péssimos hábitos do berçário de atormentar cada momento vivido por mim. Porém, como já queria o destino desde então, um inimigo em comum nos aproximou: um garoto asqueroso e remelento chamado - irc - Alan. Aquela peste em corpo de garoto nunca foi com a minha cara, e vivia me implicando, mas eu era covarde demais para revidar. Ele, no entanto, não poderia imaginar a confusão em que se meteria ao decidir, numa bela manhã, cortar uma mecha do cabelo de Letícia. Eu poderia jurar que o demônio a possuiu naquele dia, porque seus olhos tinham a pura cor de fogo, e os gritos que saíram da boca dela pareciam reverberar como a voz de uma multidão. Bem, o que importa é que, após alguns dias e vários novos hematomas na peste Alan, acabamos nos aproximando. E nos tornamos inseparáveis. Melhores amigos sem sombra de dúvida. Quando mudei de colégio, ela infernizou seus pais até eles deixarem ela mudar também, o que já deviam ter feito logo de cara, já que o resultado era óbvio.
Mariana também era nova no colégio quando entrei, e acabou se tornando muito amiga de Letícia, e, por tabela, minha amiga. Por fim, tinha a Izabella, ou Bella para os íntimos, que já era amiga de Mariana há muito tempo e acabou se tornando parte do grupo também.
Enfim, estivemos unidos a maior parte do ensino médio. Não que não houvessem outras pessoas com quem saíssemos, ou coisas que fazíamos separados, mas sempre, no mínimo umas três vezes no mês, arranjávamos um tempo só para nós sete. Geralmente gostávamos de ir para a casa do Henrique e ficar por lá, ver um filme, pedir pizza e passar a madrugada batendo papo. Mas algumas vezes decidíamos por sair, seja um cinema, um clube, ou um restaurante, etc. Como essa vez devia marcar minha "despedida", sairíamos e, depois, terminaríamos a noite como de costume, na casa do Henrique.
- Pode parar aqui, mãe - disse a ela na esquina do shopping.
- Ok, que horas devo te buscar? - Ela sempre fingia inocência nessa pergunta, mas estava cansada de saber que não iria me buscar. Realmente, a esperança é a última que morre.
- Hmm, deixa eu ver, lá pra meio dia de amanhã já ta bom.
Ela suspirou e deu um risinho de canto de boca.
- Ok, já entendi. Manda um beijo pra Letícia.
Dei-lhe um beijo na bochecha e desci do carro. Estava a alguns passos de distância quando ela gritou:
- Avisa o Henrique que se eu sentir cheiro de cerveja na sua roupa eu esmago o focinho dele!
Fiz cara de quem ia matá-la por gritar aquilo em público, mas ela já tinha arrancado e ido embora. Ela sempre fazia essa piadinha, embora no fundo eu soubesse que ela falava a sério. Bem, meses de prática me ajudaram a evitar esse tipo de coisa, então o 'focinho' do Henrique ia continuar normal por um tempo. Estava na escada rolante quando meu celular tocou.
- Cadê você, seu puto? - É, eu e o Henrique sempre fomos extremamente carinhosos um com o outro.
- To chegando, idiota, onde vocês estão?
- Na praça de alimentação, e já faz meia hora que estou aqui. O relógio que eu te dei ainda está funcionando?
- Você nunca cala essa boca? Já estou subindo, aguenta aí.
Desliguei e continuei andando. O shopping era relativamente grande, e a praça de alimentação ficava no último andar, por isso decidi aumentar o passo. Chegando lá, comecei a procurar entre as mesas até achar alguns rostos bem conhecidos.
Henrique bateu o olho em mim e levantou o braço para acenar, com um sorriso no rosto. Ele tinha cabelos castanhos claros, meio desleixados, mas com certeza mais bem penteados que os meus, o que não é exatamente algo difícil de conseguir. Pele clara, contrastando com seus olhos bem negros, parecendo duas pedras de ônix, e estatura praticamente idêntica à minha. Quando cheguei na mesa, ele se levantou e me deu um soco no ombro.
- Achei que nunca ia chegar, aposto que ficou meia hora no banheiro de novo.
- Já estava com saudades? Desculpa, da próxima vez vou tentar reduzir seu sofrimento - disse devolvendo o soco e dando um sorrisinho sarcástico.
- Nem adianta, Luke, esse aí não aguenta um minuto longe de você - Matheus disse da mesa, arrancando uma risada da Bella.
Matheus era o nosso palhaço particular, então já era costume rirmos de qualquer coisa que saísse da boca dele. Tinha os cabelos bem cacheados, num tom meio castanho acobreado. Pele clara e olhos castanhos escuros, e era mais desenvolvido em estatura, devido a anos de natação. Uma paixão em comum, embora ele tivesse mais tempo no esporte que eu. Agarrei seu pescoço por trás e tentei, sem resultado, bagunçar seu cabelo, já que ele sempre voltava para o mesmo lugar. Ele tentou agarrar minha camiseta, mas me afastei dele e me inclinei para dar um beijo na bochecha da Bella.
Bella era extremamente carinhosa e amigável, uma companhia extremamente agradável para qualquer um que tivesse o privilégio de conversar com ela. Tinha longos cabelos castanhos e levemente ondulados, pele bem clara e um belo par de olhos verdes. Baixinha, pouco mais de um palmo e meio mais baixa que eu, e magra. Nunca parava de falar se começasse, e ria o tempo todo. Ela esticou o braço e me fez um carinho atrás da orelha, tentando ajeitar meu cabelo.
- Oi Luke. E aí, como foi passar o dia organizando tudo pra abandonar a gente? - Ela disse fazendo beicinho.
- Nem toca nesse assunto, vou ignorar esse fato hoje a noite.
A propósito, Luke é um apelido que a Letícia me deu quando eu tinha 10 anos, e que veio bastante a calhar quando conhecemos o Lucas, já que ajudava a não nos confundir.
- Aliás, Henrique, cadê a Lê? - Perguntei enquanto ele se sentava de novo.
- Ahh, ela deve estar cheg... OPA, pensa rápido, cara! - Ele disse enquanto olhava pra minha esquerda e arregalava os olhos.
Tarde demais. BUM, senti alguma coisa pesada se agarrando ao meu pescoço e quase caí para trás antes de conseguir me equilibrar. Ainda meio atordoado, vi duas pernas se enrolando na minha cintura e de repente um tapa na minha cabeça.
- AI!
- EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ VAI EMBORA, SEU MALDITO!
Bem, aquela voz tão conhecida e sempre usada acima do volume normal só podia ser de uma pessoa. Letícia desceu das minhas costas, deu outro tapa no meu peito e depois me abraçou bem forte. É, bipolar pra finalizar o conjunto.
- Alguém já te contou que seus tapas doem muito, digo, MESMO?
- Nem reclama, você merece! Como é que você pode fazer isso comigo?! - Ela me soltou e de repente já estava vindo pra cima de mim de novo. - Eu vou te matar!
- Ei, ei, ei, calma aí - disse segurando os braços dela e rindo. - Lembra do combinado? Nada de falar sobre esse assunto hoje a noite!
Ela abaixou os braços emburrada, com um olhar feio, me deu um beijo na bochecha e foi dar um alô para os outros. Letícia era um pouco mais baixa que eu, com uma pele clara, cabelos num tom castanho com mechas loiras, e olhos castanho-claros, quase num tom de mel.
- Oi Luke.
Mariana vinha logo atrás da Letícia, me deu um abraço e ajeitou minha camiseta, que tinha amarrotado. Ela sempre teve esse estilo mãezona, implicando quando fazíamos bagunça e sempre preocupada com o bem estar de todo mundo. Tinha cabelos bem pretos e lisos, pele levemente bronzeada e olhos castanho-escuros, que ela sempre estreitava antes de iniciar uma bela de uma bronca. Tinha a minha altura, magra, e adorava se colocar na ponta dos pés para ficar mais alta que eu.
- Bem - eu disse me sentando -, agora só falta o Lucas.
- Ele já chegou - Bella disse -, só foi no banheiro.
- Ahh, olha ele ali - Matheus apontou para o extremo oposto da área de alimentação.
Lucas vinha andando na nossa direção, sempre com a mesma expressão séria. Em questão de seriedade, ele só ficava atrás da Mariana, embora sempre abrisse mão dessa postura quando nos reuníamos. Tinha o cabelo loiro bem liso, pele clara e olhos azul-claros. Era ligeiramente mais alto que eu, e também tinha o corpo mais desenvolvido que o meu.
- Caramba, eu saio por dez minutos e todo mundo chega - ele cumprimentou todos e se sentou também. - Ei, Luke, você é o centro da noite, então você escolhe o filme.
- Ahh não, nós vamos comer primeiro, vocês demoraram uma década pra chegar e eu to morrendo de fome! - Bella reclamou.
- O quê?! Você com fome?! Tem certeza, não quer repensar isso não?! - Matheus falou com cara de assombrado, e todo mundo riu. Bella SEMPRE estava com fome.
Acabou que comemos alguma coisa primeiro e, depois, fomos para a fila do cinema. Como combinado, eu escolheria o filme, e acabei por apostar num tal de Inception (A Origem, na tradução, ridícula por sinal). Ninguém nunca tinha ouvido falar, então todos torceram o nariz.
- Caramba, Luke, você sabe pelo menos do que se trata? - Henrique me perguntou com uma cara de cético.
- Na verdade não, mas eu conheço alguns dos atores. Ahh, qual é galera, talvez seja legal, até porque não tem muitas opções.
- Bem, em questão de filme você é mestre, então acho que dá pra arriscar - a Lê veio em meu socorro. Já disse que eu amo ela?
Compramos os ingressos e entramos na sala. Bella olhou pra trás pensativa, e disse:
- Acho que vou ali comprar uma pipoca - e saiu andando.
Eu só revirei os olhos, já acostumado com isso, e Matheus estufou ainda mais a barriga, fingindo ânsia de vômito, e entramos na sala todos rindo.
Acho que uma coisa de que eu realmente posso me orgulhar é meu bom gosto em livros e filmes, e eu acertei de novo. O filme era fantástico, e não conseguimos desgrudar o olho da tela. Bella comprou mais um saco de pipoca no meio do filme (na boa, como ela consegue continuar magra?!) e Matheus a toda hora fazia comentários que destruíam os momentos de tensão, já que todos acabavam por rolar de rir. Na cena final, enquanto o pião girava, ele começou a falar baixinho "Cai, cai, cai, cai, CAI PORRA", gritando quando o momento passou. Eu e Henrique não conseguíamos nem levantar, com a barriga doendo de tanto rir, não sei se mais pelo que ele fez ou pela bronca que a Mariana estava dando nele enquanto saíamos da sala.
Henrique morava em um apartamento próximo ao shopping, mas como geralmente saíamos tarde, acabávamos por pegar um taxi até lá. Acho que pela animação daquele dia, acabamos por decidir ir a pé, mesmo já sendo meia noite e meia. Bem, irresponsabilidade é falar pouco, mas o que é a vida sem riscos? Fomos andando conversando, rindo, lembrando das coisas que passamos juntos. Havia momentos em que tínhamos que parar e aguardar um pouco, porque se tornava impossível andar rindo tanto. Quando estávamos passando pelo parque, Matheus deitou na grama e arrastou a Mariana com ele (sim, sim, é sempre ele). No começo ela ficou puta, mas depois riu até mais que ele.
Quando finalmente conseguimos chegar à casa do Henrique, estávamos ofegando. Como de costume, assim que passamos pela porta havia mil pessoas lutando pelo sofá, sendo as outras opções uma poltrona no canto ou alguns colchões que ele colocaria no chão.
Começamos com algum programa qualquer de TV, sem prestar atenção de verdade, mas mais como um pano de fundo para as conversas aleatórias. Algumas vezes arranjávamos alguma bebida alcoólica para dar uma animada, mas, como nenhum de nós era maior de idade, essas ocasiões eram um pouco raras. Bem, essa era uma delas, porque o Matheus tinha, de alguma forma, arranjado uma garrafa de vodka.
Depois de algum tempo jogando conversa fora, assistimos Silent Hill. Filme de terror mais álcool é uma combinação extremamente engraçada, experiência própria. Depois, resolvemos jogar no Kinect do Henrique.
Bella começou a reclamar da fome de novo, e pra falar a verdade todo mundo aprovou a sugestão. Pedimos algumas pizzas... ta, cinco pizzas, não posso fazer nada, a gente come muito mesmo. Isso porque, depois, tivemos a brilhante ideia de fazer brownies. O efeito do álcool já tinha diminuído, mas isso não evitou a imensa bagunça, apesar do resultado ter sido até aceitável... pelo menos não queimamos nada. E pra finalizar, descemos pra área de lazer do prédio. Tínhamos que fazer silêncio, porque já eram quatro horas da manhã, mas nada que impedisse alguma bagunça.
Depois de mais alguns minutos jogando conversa fora e falando besteira, acabamos por simplesmente deitar nas cadeiras de sol à beira da piscina e descansar. Matheus e Mariana estavam tendo um casinho já há algum tempo, e logo se afastaram um pouco. Sempre achei engraçada essa combinação, o palhaço e a responsável, mas desde que nos conhecemos eles sempre tinham esses casos esporádicos. Não sei se todos os opostos se atraem, mas não consigo pensar em exemplo melhor para afirmar que isso realmente acontece.
Me deitei em uma das espreguiçadeiras e apenas fiquei olhando. Matheus e Mariana estavam aos agarros no outro canto da piscina. Henrique, Lucas, Letícia e Bella estavam conversando do meu lado. E eu simplesmente olhava.
Não estava triste. Aliás, era um dos primeiros momentos em que não me sentia triste depois de finalmente tomar minha decisão. Estava só... em paz. E essa era a memória que eu queria guardar. Cada uma daquelas pessoas tinha se tornado extremamente especial pra mim, e eu ainda não sabia como seria minha vida sem vê-las toda semana, mas ao menos aquela memória eu teria para sempre.
Logo já marcavam quase seis horas da manhã. Bella morava no prédio ao lado e tinha que ir embora antes de sua mãe acordar, e Mariana dormiria na casa dela como de costume.
- Bem, acho que já tá na minha hora - ela olhou pra mim, e, com uma expressão triste, me abraçou. - Eu sei que você falou que não queria um clima de despedida, mas não dá pra evitar. Eu vou sentir tanto a sua falta.
Sua voz já estava meio embargada, e eu só a abracei mais forte. Houve uma época, na metade do segundo ano, em que eu comecei a gostar dela de outra forma a mais que amizade. Nós ficamos uma ou duas vezes, e realmente achamos que estávamos gostando um do outro. Mas acabou que não deu muito certo. Bella era minha amiga, e esse era um laço mais forte que qualquer outro que pudéssemos ter criado, e decidimos manter assim.
- Ei, se você quer ignorar a parte do que eu disse sobre despedidas, pelo menos tenta lembrar da parte quando eu disse que eu vou visitar vocês sempre, ok?
Ela deu uma risada meio sufocada, e eu a abracei ainda mais forte, até ela se afastar, me dar um beijo na bochecha e tentar ajeitar meu cabelo uma última vez.
Mariana não costumava chorar na frente de outras pessoas, ela sempre mantinha a pose de durona, mas não dessa vez. Algumas lágrimas escorriam em silêncio pelo rosto dela quando ela me abraçou, bem mais apertado do que a Bella devo dizer. Ela se afastou e disse:
- Se você não mandar notícias eu vou pessoalmente atrás de você! E nem se atreva a se meter em encrenca, não quero imaginar que tipo de coisa pode acontecer. E... - eu a abracei de novo e ela parou.
- Você tá pior do que a minha mãe, na moral - disse, tentando rir.
- Ainda não cheguei aos pés da Dona Carla, mas quem sabe um dia - ela me deu um beijo na testa e elas foram embora.
Logo o Matheus ligou pra mãe dele. Ele teve de onde puxar as crises de loucura, então a mãe dele não ligava de buscá-lo a essas horas, ao contrário da minha, que não sai da cama depois de deitar por nada. Ele me pegou pelo pescoço e me deu um abraço de urso.
- Ei Luke, eu já vou te avisando, se você sequer pensar em esquecer da gente, eu vou lá te dar uma lição, belê?
- Ai, tá bom, tá bom, desaperta esse braço um pouco - ele me soltou. - Acho difícil esquecer de você com todos os meus ossos quebrados.
- Ahh tá, confessa cara, você vai morrer de saudade das minhas piadas.
- Claro, claro, não sei como vou viver sem suas idiotices.
Ele riu e também foi embora.
Logo o Lucas também estava levantando e se despedindo da Letícia e do Henrique. Ele morava ali perto, mais ou menos uma quadra de distância, então iria a pé mesmo. Depois de terminar de se despedir deles, ele veio e me abraçou também. Embora sério, sempre soube que ele era quase tão emotivo quanto eu, só não gostava de demonstrar muito também.
- Ei Luke, te cuida viu? E vem visitar mesmo a gente, cara, vou morrer de saudades de você - ele veio e me abraçou de novo, só que dessa vez não me soltou. - Nunca fui muito bom em fazer amizades Luke, quando entrei no colégio não tinha muitas esperanças, mas, bem... digamos que você mudou isso. Foram os três melhores anos da minha vida, e espero ter mais alguns como estes.
Fica difícil de me concentrar quando ele faz isso. Lucas foi um dos garotos por quem eu já senti vontade de, digamos assim, ter mais do que uma amizade comum. Não que eu tenha sido apaixonado por ele, ou coisa do tipo, aliás eu vejo esse lance de se apaixonar por qualquer um que apareça na frente com extrema desconfiança. Ele é um cara muito bonito, eu acabei tendo uma quedinha por ele, e foi só. Fim de história. Até porque ele sempre foi hétero, e, embora seja do tipo mais quieto, sempre ficou com uma menina aqui ou outra ali. E eu, bem, embora já tivesse percebido meu interesse por garotos, ainda ficava com algumas garotas, embora com pouca frequência. Até porque não estava pronto para passar dos olhares.
Mas enfim, o que aconteceu é que nos tornamos grandes amigos, como já disse, e aquela atração inicial acabou se tornando algo mais fraternal. Henrique era de longe meu melhor amigo, mas o Lucas sempre me despertou um lado mais "cuidadoso". Embora ele tenha esse jeito todo sério, é muito brincalhão quando quer, carinhoso e até bem carente. Enfim, ele se tornou um irmão de quem eu devia cuidar (o que com certeza é idiotice da minha cabeça, já que o cabeça feita é ele, então sempre era ele que acabava tendo que vigiar eu e o Henrique toda vez).
Mesmo assim, eu não conseguia evitar que algumas vezes aquela pequena atração voltasse. E essa foi uma delas. Eu já estava de guarda baixa com essa situação toda, e ele ainda decide fazer uma coisa dessas logo agora?! Obviamente, não consegui evitar aquele sentimento de novo. Mas devo dizer que foi mais fraco. Aliás, bem menos intenso do que quando o vi pela primeira vez, sentado no canto mais afastado da sala de aula no primeiro dia. Dessa vez, era como se essa atração tentasse me dominar de novo, mas meus sentimentos de irmão por ele não deixavam. O que era bastante bom. Lucas era meu amigo, e só, não conseguia mais imaginar algo além disso com ele, e estava bastante satisfeito desse jeito.
- Ei, não posso ficar com todos os créditos, uma hora ou outra alguém ia te descobrir e incluir num grupo qualquer por aí. Mas eu estou feliz de ter sido eu a fazer isso - o soltei e coloquei a mão no ombro dele.
- Também estou - foi tudo que ele disse,com os olhos meio molhados, e então foi embora.
Me virei e comecei a andar de volta para a beira da piscina. Henrique e Letícia estavam me esperando, e quando cheguei, cada um pôs um braço em torno do meu ombro e saímos andando, os três juntos. Eu e meus dois melhores amigos.
- Ei cara, se anima. Tenta pensar positivo, se você for jubilado logo no primeiro semestre, não vai ter que ficar tanto tempo assim longe da gente - Henrique disse, dando um sorriso de lado.
- Ahh claro, bela maneira de me animar. Estudar como um condenado para o vestibular para ser jubilado logo no início. Bela ideia, Ricke, já estou bem mais animado - tentei forçar uma risada.
Continuamos andando até chegar na grade da área de lazer. Ela ficava numa espécie de mezanino, acima do piso térreo, então dali podíamos ver as luzes da cidade, pouco movimentada na madrugada, mas nunca parada. Nos encostamos os três na grade, e ficamos lá, em silêncio, curtindo a paisagem. Curtindo a companhia uns dos outros.
- Promete que não vai esquecer da gente, Luke? Promete mesmo? Eu não sei como vou aguentar ver você indo embora, não sei mesmo.
Não tinha percebido que Letícia havia começado a chorar, mas enquanto ela falava, já estava jorrando lágrimas.
- Ele não vai se atrever a fazer isso. Se você for, me diz logo que vou te colocar pra dormir na calçada - Henrique disse, e embora o tom fosse irônico, seu rosto não demonstrava alegria nenhuma.
Tinha sido difícil me controlar até aquele momento. Odeio chorar na frente de qualquer pessoa, é como se de repente eu estivesse fraco e vulnerável, e odeio me sentir assim. Mas barreira nenhuma que eu tivesse levantado poderia suportar aquilo. Ver meus outros amigos se despedirem tinha sido extremamente doloroso, mas naquele momento, com meus dois melhores amigos, a dor foi intensa demais.
Não consegui mais conter as lágrimas que estavam lutando para escapar já há algum tempo, e comecei a chorar. Em silêncio, sem escândalo, nem soluços, nem nada do tipo. Apenas lágrimas caindo, e um aperto intenso no peito. Continuei com o rosto voltado para a cidade, sem realmente focar em alguma coisa. Letícia colocou sua cabeça no meu ombro e me abraçou, também chorando, e eu coloquei meus braços em volta dela, tentando produzir algum conforto para nós dois.
Henrique nos abraçou também, e ficamos assim. Não sei dizer por quanto tempo ficamos ali, em silêncio. Nenhum tempo seria suficiente.
Logo o celular de Letícia tocou.Ela apenas me abraçou de novo, com os olhos inchados, e foi embora. Não falamos nada. Não havia nada que não tivesse sido dito, mesmo que não com palavras. Depois que ela foi embora, o aperto no meu peito se intensificou, e continuei chorando em silêncio, olhando para a saída do mezanino.
Logo Henrique se aproximou de mim e, colocando um braço em volta do meu ombro, me puxou para o elevador e subimos para o seu apartamento. Mesmo com o apartamento vazio, havia se tornado um costume eu dormir no quarto dele, num colchão ao lado da cama, sendo a mesma coisa quando ele dormia em minha casa. Nos arrumamos e nos deitamos em silêncio, embora soubéssemos que o outro estava acordado. Permanecemos assim por um tempo, apenas olhando para o teto, como tantas outras vezes.
- Vou sentir falta disso. Vou sentir sua falta, Luke.
Foi a primeira vez que ele falou isso. Éramos muito parecidos, tanto nos nossos gostos quanto na nossa personalidade. E, como eu, ele não gostava de dizer o que estava sentindo. Geralmente não precisávamos dizer, uma troca de olhares era bastante para quase saber o que o outro estava pensando. Mas naquele momento, embora eu já soubesse, foi bom ouvir aquilo. Foi especial.
- Também vou, Ricke. Você nem tem ideia.
E dormimos.