A sala de estar de Ana estava iluminada pela luz suave da tarde, que entrava pelas cortinas de renda. O aroma doce do chá de frutas misturava-se ao leve perfume floral das flores no vaso sobre a mesa de centro. Em volta da mesa, sentavam-se Ana, Paula, Gabriela, Fabiana e Fernanda — essa última, a única mulher cis do grupo. Era o primeiro chá de amigas de Ana desde o casamento, e a presença de Fabiana trazia um misto de conforto e nostalgia, já que, até aquele momento, ela havia sido sua melhor amiga.
Entre goles de chá e mordidas em pequenos bolinhos açucarados, as conversas fluíam leves, entre risadas discretas e comentários sobre o dia a dia. Até que, em meio à troca de olhares cúmplices, Fabiana ergueu os olhos para a prateleira acima da chaminé e notou um delicado bote de vidro com tampa prateada. Dentro dele, repousava o cabaço de Ana — a pequena película esbranquiçada que marcava o momento em que ela se tornara mulher.
— Olha só! — exclamou Fabiana, com um sorriso travesso. — Então você também guardou o seu, Ana?
Os olhares das outras se voltaram para o bote, e sorrisos cúmplices surgiram nos lábios de cada uma.
— Guardei, sim — respondeu Ana, sentindo as bochechas corarem levemente. — Mamãe sempre dizia que era uma lembrança importante. Algo que marca o momento em que nos tornamos mulheres de verdade.
— E como foi? — perguntou Paula, inclinando-se levemente à frente.
Ana ajeitou a borda do vestido sobre os joelhos antes de responder:
— Foi na minha noite de núpcias. Eu estava nervosa, mas Paulo foi muito carinhoso. No começo, senti uma dorzinha, mas depois... — Ela sorriu de leve. — Depois foi diferente. Quando o cabaço saiu, fiquei emocionada. Parecia que eu tinha cruzado uma porta que só se atravessa uma vez.
— Eu me lembro bem do meu também — disse Gabriela, com um sorriso nostálgico. — Foi com o Ricardo, claro. Ele estava tão ansioso que, no começo, foi um pouco mais rápido do que eu esperava. Mas, depois, tudo foi melhorando. Quando vi o cabaço na manhã seguinte, fiquei olhando por um tempo. Parecia inacreditável que aquele momento tivesse acontecido. Guardei como uma recordação do nosso começo juntos.
— O meu demorou um pouco pra sair — comentou Paula, rindo baixinho. — Antônio foi muito cuidadoso, mas, na primeira vez, não saiu. Foi só na segunda que aconteceu. Eu estava tão surpresa que quase não acreditei quando vi a pelinha. Foi um momento que nunca esqueci.
Os olhares se voltaram então para Fabiana, que brincou com a alça da xícara antes de falar:
— Bem... O meu foi um pouco diferente — disse ela, com um sorriso maroto. — Não consegui esperar até o casamento. Eu e Marcos acabamos nos deixando levar antes da hora. Foi tudo muito intenso, e quando vi o cabaço depois, fiquei meio sem saber o que sentir. Mas, no fim, decidi guardar também. Acho que, de alguma forma, ele ainda simboliza o começo da minha vida como mulher.
As três trocaram risadas cúmplices, enquanto Fernanda, até então em silêncio, observava com um leve sorriso.
— E você, Fernanda? — perguntou Gabriela. — Como é para as mulheres cis?
Fernanda ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha, refletindo por um instante antes de responder:
— Bem, para nós é um pouco diferente. Não há uma película como o cabaço, mas, na primeira vez, geralmente há um pequeno sangramento. Algumas sentem mais dor, outras quase nada. O mais curioso é que, sem o cabaço, não temos essa recordação física do momento. Por isso, acho bonito o jeito como vocês guardam essa lembrança.
— Eu nunca tinha pensado assim — disse Ana, pensativa. — É verdade... O cabaço acaba sendo uma prova visível daquele momento tão especial.
— Sim — concordou Paula, sorrindo. — É como um marco que nos acompanha pelo resto da vida.
O bule de chá foi passado novamente, enquanto as conversas seguiam entre confidências e risadas. Aquele chá de amigas não era apenas um encontro; era um espaço onde histórias se entrelaçavam, fortalecendo os laços invisíveis que uniam aquelas mulheres. E, para Ana, que participava pela primeira vez, havia a sensação doce de pertencer àquele círculo — um espaço onde segredos eram compartilhados sem medo, e onde cada experiência contava um pedaço da história de ser mulher.
O clima entre as amigas havia se tornado mais íntimo, como acontece quando certos temas emergem em meio a confidências. Ana, sentada com as mãos delicadamente pousadas sobre o colo, escutava com atenção, o rosto levemente corado pelo rumo da conversa.
— Ah, mas acho que toda mulher já passou por isso, não é? — comentou Gabriela, ajeitando a barra do vestido e lançando um olhar cúmplice para as outras. — Aquela vez em que, bem… a gente acaba sujando o marido na hora H.
— Nossa! — exclamou Paula, cobrindo a boca com a mão enquanto uma risadinha escapava. — Antônio nunca esqueceu a primeira vez que aconteceu comigo. Eu fiquei tão envergonhada que queria me esconder debaixo da cama!
— E como foi? — perguntou Ana, os olhos brilhando de curiosidade e um leve sorriso nos lábios.
— Bom… — Paula olhou para o chá, como se buscasse as palavras certas. — Era uma daquelas noites em que ele estava mais afoito, sabe? As estocadas vinham tão profundas e rápidas que eu nem consegui segurar. Quando percebi, já tinha acontecido. Fiquei paralisada de vergonha.
— E o que ele fez? — indagou Fernanda, inclinando-se levemente à frente, como se não quisesse perder nenhum detalhe.
— Ele parou na hora, claro. Mas, para minha surpresa, começou a rir. Disse que era algo natural, que eu não devia me preocupar. Ainda assim, eu fiquei envergonhada o resto da noite.
— Acho que todos eles reagem assim — comentou Gabriela, com um sorriso compreensivo. — Comigo aconteceu uma vez quando o Ricardo insistiu em ir mais fundo do que de costume. Eu tentei avisar, mas ele estava tão concentrado que não percebeu. Quando tudo terminou, ele olhou para baixo e ficou surpreso. Eu queria chorar de vergonha, mas ele apenas me abraçou e disse que era sinal de que eu estava entregue a ele. Desde então, nunca mais me senti mal com isso.
Ana mordeu levemente o lábio inferior, sentindo o coração acelerar. A conversa a fazia lembrar das noites com Paulo — o jeito como ele a tomava sem pedir, o prazer intenso que às vezes a fazia perder o controle. Seria apenas questão de tempo até que algo assim acontecesse com eles também?
— E você, Fabiana? — perguntou Paula, desviando o olhar para a amiga.
Fabiana ergueu a xícara aos lábios antes de responder, os olhos brilhando com um toque de travessura.
— Ah, com o Marcos já aconteceu mais de uma vez — confessou ela, rindo baixinho. — Ele sempre foi… intenso. Uma noite, especialmente, ele me virou de bruços e começou a me possuir sem parar. Eu tentei avisar, mas ele estava tão entregue ao momento que não conseguiu parar. Quando percebemos o que tinha acontecido, eu quis sumir de vergonha. Mas ele, em vez de se afastar, apenas me beijou nas costas e disse que adorava o fato de eu estar tão entregue a ele. Desde então, nunca mais me preocupei.
O silêncio que se seguiu foi preenchido apenas pelo leve tilintar das colheres contra as xícaras. Ana sentiu o rosto corar ainda mais. Era estranho pensar que algo assim, tão íntimo e aparentemente embaraçoso, fosse compartilhado com tanta naturalidade entre elas.
— E você, Ana? — A pergunta veio de Gabriela, que a observava com um sorriso suave.
Ana hesitou, brincando com a borda da xícara.
— Ainda não aconteceu comigo — confessou, sentindo o coração acelerar ao dizer aquelas palavras em voz alta. — Mas… às vezes, quando Paulo está mais afoito, eu fico com medo de não conseguir me controlar.
— Não se preocupe — disse Fernanda, tocando levemente a mão de Ana em um gesto de conforto. — Quando acontecer, vai perceber que não é motivo para vergonha. Na verdade, muitos homens gostam da ideia de que nos deixaram tão entregues a eles.
— E, afinal, é algo natural, não é? — acrescentou Paula, com um sorriso afetuoso.
Ana assentiu, sentindo o peso da ansiedade se dissipar aos poucos. Naquele momento, cercada por suas amigas, percebeu que a cumplicidade entre mulheres ia muito além das palavras — estava nas histórias compartilhadas, nos segredos revelados sem medo de julgamento.
As xícaras vazias repousavam sobre a mesa, testemunhas silenciosas de uma tarde repleta de confidências. As amigas se levantaram, ajeitando os vestidos e trocando os últimos sorrisos cúmplices.
— Foi maravilhoso, meninas — disse Gabriela, segurando a mão de Ana com um aperto afetuoso. — E bem-vinda ao nosso chá. Agora você faz parte oficialmente do círculo.
Ana sorriu, sentindo o coração aquecido pelo acolhimento das amigas. Fernanda e Paula também se despediram com abraços rápidos, deixando um perfume suave no ar enquanto saíam pela porta. Por fim, restaram apenas Ana e Fabiana.
— E então, recém-casada? Gostou do chá? — perguntou Fabiana com um sorriso caloroso, uma das mãos acariciando a barriga arredondada de oito meses.
— Muito! Eu já tinha ouvido você falar, mas estar aqui… é diferente — respondeu Ana, o olhar brilhando. — E confesso que adorei saber dessas histórias... Quem diria que a Fernanda ia contar aquilo sobre o marido dela?
Fabiana riu, o som leve ecoando pela sala.
— Ah, esses chás sempre acabam assim. No começo, todo mundo finge que é só pra conversar sobre a casa, mas no final… — Ela piscou, divertida. — A gente sempre acaba falando deles.
Ana sorriu, mas o olhar logo se prendeu ao rosto da amiga. Apesar da barriga volumosa, Fabiana ainda irradiava aquele charme despreocupado de sempre. O vestido justo delineava as curvas do corpo, e o jeito como ela acariciava a própria barriga transmitia uma ternura que tocou Ana de um jeito inesperado.
— Como você tá se sentindo? — perguntou Ana, dando um passo mais perto.
— Cansada… mas feliz — respondeu Fabiana. — Às vezes, parece que o bebê não para de se mexer. E o meu marido… bom, ele anda impaciente. Mas acho que é normal nessa fase.
Houve um instante de silêncio, quebrado apenas pelo leve crepitar da lareira. Ana sentiu o impulso de segurar a mão da amiga, e Fabiana não hesitou em aceitar o gesto. Os dedos se entrelaçaram com naturalidade, como tantas vezes haviam feito durante a adolescência.
— Você vai ser uma mãe maravilhosa — disse Ana, com sinceridade.
— E você vai ser uma esposa incrível — respondeu Fabiana, apertando levemente a mão de Ana. — Sempre soube disso. Desde que a gente ficava horas conversando no seu quarto, eu sabia que um dia você encontraria alguém especial.
Os olhos de Ana brilharam com a lembrança. Quantas noites as duas haviam passado deitadas lado a lado, dividindo segredos que não ousavam contar a mais ninguém? Por um momento, o tempo pareceu retroceder, e o carinho que as unia ficou quase palpável.
— Você é muito especial pra mim, Fabi — disse Ana, com a voz suave.
— E você pra mim, Ana — respondeu Fabiana, o olhar profundo. — Nada vai mudar isso.
O som distante de um relógio marcando a hora trouxe as duas de volta à realidade. Fabiana soltou a mão de Ana com um sorriso doce.
— Preciso ir. Se eu me atrasar, o Marcos começa a ligar achando que alguma coisa aconteceu — disse ela, ajeitando o cabelo com um gesto rápido. — Mas a gente se vê logo, tá?
— Claro. E qualquer coisa… é só chamar — respondeu Ana, acompanhando a amiga até a porta.
Antes de sair, Fabiana se virou uma última vez.
— Sabe… às vezes, eu queria que a gente ainda passasse aquelas noites no seu quarto, só nós duas. Tudo era tão simples…
Ana sentiu um aperto no peito, mas o disfarçou com um sorriso.
— Quem sabe a gente não arranja um tempinho pra isso? — disse ela, meio brincando.
— Quem sabe… — respondeu Fabiana, com um brilho misterioso nos olhos antes de desaparecer pelo corredor.
Quando a porta se fechou, Ana ficou por um momento parada, sentindo o calor da mão da amiga ainda presente na sua.
A porta se fechou com um clique suave quando Ana entrou em casa, carregando as sacolas do supermercado. O cheiro familiar do lar a envolveu imediatamente — um misto de limpeza recém-feita e o perfume leve que sempre pairava no ar. Mas, apesar do ambiente acolhedor, Ana sentia um leve aperto no peito. O reencontro com Fabiana ainda martelava em sua mente.
Ela colocou as sacolas sobre o balcão da cozinha e suspirou. Tocou a barriga, agora arredondada de cinco meses, tentando se distrair com o movimento sutil que sentia às vezes. Foi então que notou algo sobre a mesa da sala: um envelope creme, com letras cursivas delicadas.
— Amor? — chamou ela, com a voz hesitante.
Paulo surgiu no corredor, ainda tirando o relógio do pulso. Estava de camisa dobrada até os cotovelos, o que deixava os músculos dos braços em evidência. Ele sorriu ao vê-la, mas o sorriso não chegou aos olhos.
— Chegou há muito tempo? — perguntou, aproximando-se para dar um beijo rápido em sua testa.
Ana desviou o olhar para o envelope.
— Isso aqui… foi você quem deixou?
— Ah, sim. — Paulo coçou a nuca, evitando o olhar dela. — Fabiana passou aqui mais cedo. Mas como você estava apressada, deixou comigo. É o convite para a festa de um ano do bebê.
Ana ficou em silêncio, os dedos deslizando lentamente sobre a superfície do envelope. O nome de Fabiana, a lembrança de seu rosto sorridente e, principalmente, o nome de Marcos surgiram em sua mente como um eco desconfortável.
— Ela passou aqui? Ela me avisou no mercado — perguntou Ana, tentando soar casual, mas falhando.
— Passou — repetiu Paulo, observando-a com atenção. — Disse que ia adorar que a gente fosse.
Ana mordeu o lábio, sem responder. Abriu o convite e leu em silêncio: “Primeiro aninho do nosso pequeno. Esperamos vocês para comemorar esse momento especial.” A caligrafia delicada de Fabiana parecia zombar dela.
— A gente não precisa ir, claro — disse Ana, quase sussurrando.
Paulo cruzou os braços, apoiando-se na lateral da porta.
— Por que não? É só uma festa.
Ana ergueu o olhar para ele.
— Só uma festa? — Ela sorriu sem humor. — Você sabe que não é “só uma festa”, Paulo.
— E o que seria, então? — retrucou ele, a voz soando mais dura do que pretendia. — Vamos fingir que não fomos amigos deles por anos? Que nada existiu?
Ana fechou o envelope com um estalo leve.
— Eu não estou fingindo. Eu só… não vejo motivo pra irmos.
— É o aniversário do filho deles. Um ano. Fabiana fez questão de convidar você.
— Você quer ir? — Ana perguntou, cruzando os braços. — Porque parece mais interessado do que deveria.
A frase pairou no ar, carregada de algo que nenhum dos dois ousou nomear. Paulo descruzou os braços devagar, respirando fundo.
— Eu acho que seria educado irmos. Faz tempo. Quem sabe… — Ele hesitou. — Talvez seja bom.
Ana balançou a cabeça, afastando-se da mesa.
— Bom pra quem?
Paulo não respondeu de imediato. Seus olhos pousaram na barriga dela, no leve arredondado que crescia a cada dia.
— Talvez pra nós.
O silêncio voltou a tomar conta da sala, denso e cheio de significados não ditos. Ana segurou o envelope com mais força do que pretendia, os nós dos dedos esbranquiçando.
— Eu preciso de um banho — disse ela, finalmente, virando-se em direção ao corredor.
— Ana… — Paulo chamou, mas a voz dele soou fraca.
Ela parou por um segundo, de costas para ele, mas não se virou.
— Vamos ver — murmurou, antes de seguir para o quarto, deixando Paulo sozinho na sala, olhando para o envelope sobre a mesa.
E ali, no silêncio da casa, ficou claro: o convite para aquela festa trazia muito mais do que um simples aniversário.