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• Capítulo 5 ~ LÁBIOS PROFANOS
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Eu e o Fernando entramos no coletivo 512 por volta das dezoito horas e trinta minutos, não olhei a hora exata naquele momento, minha cabeça ainda estava naquela casinha encarnada. Ainda iríamos esperar mais um ônibus quando chegássemos ao centro da cidade, era uma viagem relativamente longa de volta para casa. Assim que nos sentamos, meu amigo começou a mexer em sua pochete procurando por algo e segundos depois puxou de dentro um MP4 da cor branca e seu par de fones, fez sinal com um dos fones na mão como se me perguntasse se eu queria dividi-los com ele. Minha vontade era de falar que não queria ouvir música naquele momento, queria que ele me contasse com detalhes o que o fez deduzir tão rápido que a "minha" Dayana era aquela que acabávamos de encontrar, mas me limitei a balançar a cabeça em um sinal positivo e ele me entregou um dos fones enquanto procurava algo em suas mídias salvas naquele pequeno aparelho. "Aqui está", disse o Nando na mesma hora em que apertava o play.
— Legal. O que é? — perguntei.
— Uma banda inglesa dos anos setenta chamada Japan. Essa é a música título desse álbum, 'Quiet Life'.
— Interessante, soa bem anos oitenta.
— Isso se dá porque esse álbum foi lançado no fim dos anos setenta e a banda estava começando a entrar na onda 'new romantic'*¹ inglesa.
— Faz todo sentido agora que você falou. Lembrou-me mesmo bandas desta cena musical.
A viagem de volta até o centro durou em torno de vinte minutos, bem menos que na ida pois o ônibus quase não tinha mais passageiros à sua espera em um dia de domingo naquele horário. Descemos na parada para esperar agora o coletivo 1213, a mesma parada em que eu esperava esse mesmo ônibus depois do curso, a mesma parada em que vi minha Deusa profana pela primeira vez. Rápidas lembranças daquela sexta-feira se misturavam em minha mente junto com as novas memórias do domingo que vos narro neste momento.
— Você tá bem longe daqui agora... deve estar com Dayana — o Nando interrompia meus devaneios com uma de suas brincadeiras certeiras. Foi quando aproveitei o ensejo para satisfazer a minha curiosidade.
— À propósito, tu tinhas algo para me dizer... esqueceste?
— Não sei do que estais falando — Fernando esboçava um riso que comunicava o contrário do que ele me falava e parecia ser de forma proposital.
— Ah, Nando... poupe-me disso agora. Conte-me logo sobre como você soube de Dayana tão rápido.
— Ok, querido. Não precisa de tanta agitação em relação a isso. Como eu disse naquela hora no quintal, não foi nada de extraordinário. Mas sei que da forma que falei pode ter te causado muita curiosidade... confesso que, te conhecendo, o fiz de propósito... desculpe-me por isso — agora ele escondia seu riso de gracejo com uma das mãos.
— Só você mesmo... — falei o repreendendo enquanto segurava um riso também, pois ele me conhecia tão bem ao ponto de fazer essas coisas comigo.
— Enfim, o que aconteceu foi o seguinte...
Quando o Nando ia começar a me narrar o seus detalhes, o nosso ônibus chegou. Dessa vez olhei a hora, o relógio marcava dezenove horas e dois minutos. Pagamos nossas passagens, passamos pela catraca e sentamos nas cadeiras do fundo do ônibus. Fernando me perguntou de novo se eu queria ouvir música com ele.
— Obrigado, mas agora só quero ouvir o que você ia me falar agora a pouco — respondi.
— Já sei disso. Eu não estava querendo te despistar, seu bobo.
— Desculpe a minha curiosidade... — peguei um dos fones outra vez e sorrimos. 'Fade to Grey' da banda Visage começava a ecoar através dos fones enquanto o Nando retomava aquele nosso assunto.
— Vou ser direto. A Dayana contou para o João... ele sabe sobre você...
— O QUÊ?!?!?! — quase gritei por impulso.
— Calma! Deixe-me falar sem muitas interrupções, prometo que explico tudo. Ou melhor, quase tudo.
— Foi mal, Nando. Prometo que não vou interromper. Por favor, conte-me!
— O João sabe sobre você, mas não sabe que é exatamente você. Aparentemente para ele não é um problema que a Dayana saia com outro cara, eles têm um relacionamento diferente.
— Diferente como? — perguntei curioso.
Até então eu só conhecia a monogamia apesar de não praticá-la. Eu achava que poligamia era coisa de romances literários ou filmes e jamais havia escutado o termo "relacionamento aberto" naquela época, não tenho certeza se o mesmo servia para o Fernando, mas quando o perguntei sobre o tipo de relacionamento que a Dayana tinha com o João, ele me respondeu categoricamente:
— Livre.
— Livre?!
— Sim! Eles têm um relacionamento livre. Se depender do João, é só por enquanto.
— Por quê?!
— O João me falou que curtia a relação deles assim, mas que queria noivar com a Dayana em um futuro próximo e começar a construir uma vida apenas com ela.
— Noivar... é verdade, ela me falou sobre... — sem perceber, eu falava exatamente o que pensava na hora.
— Quando estávamos bebendo vinho, enquanto você e Dayana se "engraçavam"... digo... quando você estava se lavando no quintal... — nesse ponto da fala o Nando me lançou um olhar acusador e eu desviei os meus olhos para os pés como fuga e segurei um riso de confissão da minha culpa — Então, bebíamos vinho e ele de repente começou a me falar sobre coisas da vida dele... foi quando ele me falou sobre a relação com Dayana e sobre ela ter conhecido alguém na última sexta.
— E aí?
— Perguntei se ele lidava bem com esse tipo de relacionamento e ele me respondeu que sim, mas que ultimamente pensava muito em ter uma vida somente para os dois, mas Dayana ainda achava cedo e eles resolveram ir fazendo isso aos poucos.
— Tá, mas ele falou mais sobre mim? Ou melhor, o que ele mostrou saber exatamente sobre essa "coisa" que eu e Dayana tivemos há dois dias?
— O João não enfatizou muito sobre isso, ele apenas falava sobre a liberdade que eles tinham no relacionamento e citou brevemente enquanto dizia que estaria com a segunda-feira inteira livre, porque estava de folga do trabalho e a Dayana tinha um encontro com um novo "amigo".
Fernando parou um pouco o que estava falando e parecia estar lembrando de algo engraçado. Perguntei o por quê daquela cara que ele fazia e ele respondeu:
— Porque lembrei que o João me falou que a Dayana tinha uma queda por garotos inseguros e facilmente manipuláveis pelo prazer... eu não pude segurar o riso na hora, pois isso explicava o por quê ela se interessou por você — ele ria e relembrava essa última parte.
Então isso explica a gargalhada dele quando eu estava no quintal. Não o contestei sobre aquilo, nem mesmo pude segurar meu riso tímido também, porque eu realmente era um garoto inseguro e facilmente manipulável se tratando de prazer sexual. O próprio Nando sabia disso melhor que muita garota que já fiquei. No geral, situações como a que tive com Dayana na parada de ônibus, ou como a que tive com a Nina no quarto dela logo no dia seguinte, ou como a que tive com a Jéssica no quintal da casa de veraneio e na mesma noite com o Nando dentro do guarda-roupas... ou seja, essas situações incomuns, moralmente reprováveis e até profanas pareciam me causar um prazer especial. Principalmente quando se tratava de Dayana, por todo o mistério que rondava a vida dessa garota que acabou se tornando para mim uma espécie de divindade herege.
— Por acaso o João não mencionou como a Dayana falou de mim para ele?
— Apenas disse que ela tinha comentado na mesma noite sobre um "amigo" interessante que havia conhecido e que o encontraria de novo na próxima segunda-feira. Logo depois ele falou que a única regra que eles têm na relação é a transparência, que se por acaso um dos dois viesse a se apaixonar por algum amante deveria ser claro sobre os próprios sentimentos.
— Então eles têm uma confiança absurda um no outro. Parece-me que eles têm um relacionamento mais saudável que muita gente casada no papel e na igreja.
— Ah, com toda certeza!
Meu coração e minha mente estavam mais calmos. Quando o Fernando falou que o João sabia sobre mim, de imediato eu imaginei o pior cenário possível, mas a situação era mais simples do que eu poderia imaginar. João e Dayana estavam juntos, porém livres. Ambos usufruíam suas liberdades como e com quem queriam. Aquilo exigia um nível de respeito e confiança que eu julgava improvável. Mesmo em um relacionamento como o deles, que tinha como regra única ser transparente, na minha cabeça parecia ser uma conduta muito difícil de manter por um tempo muito longo. Crescemos e nos formamos cidadãos em uma realidade onde o individualismo está inerente. Assim sendo, mesmo o mais puro dos seres humanos, uma hora ou outra precisa se aliar à mentira em benefício próprio, por menor e mais besta que seja essa mentira. Se não à mentira, ao menos a ocultação de verdades específicas nós abraçamos em algum momento da vida. Mas a imagem e tudo que Dayana representava para mim até aquele momento era algo próximo da perfeição, ela sim seria capaz de tal feito uma vez que destoava dos outros seres. Dayana estava longe de qualquer padrão ou comportamento condicionado por algum sistema ou por alguma tradição ou crença.
Boa parte destes devaneios que acabo de descrever eu tive ainda no domingo em questão. 'Pale Shelter' do Tears For Fears servia de trilha sonora para tais pensamentos, quando o coletivo 1312 chegou em nosso destino, às dezenove horas e trinta e cinco minutos, e me trouxe de volta para a minha realidade. Sentia-me tão exausto daquela longa viagem que por algum tempo eu parei de sentir a dor do ferimento em meu rosto. Finalmente na rua de nossas casas, eu e o Fernando nos despedimos com um breve abraço, acredito que àquela altura ele estava desejando um banho de verdade e uma boa noite de sono tanto quanto eu. "Não descuida com esse ferimento", ele alertou apressadamente na hora em que eu passava pelo portão da minha casa. "Pode deixar", foi o que eu respondi.
Corri para meu quarto, coloquei o álbum 'Mezzanine' do Massive Attack, fumei a pontinha de um beck que havia sobrado da manhã daquele dia, em seguida tomei um longo banho quente para, só depois, me entregar por completo ao descanso que meu corpo tanto ansiava naquele momento. Lembro-me que mesmo tão exausto, sonhei a noite inteira com Dayana mais uma vez, definitivamente ela havia se tornado a minha Súcubo*² particular.
* * *
Meu despertador tocou às cinco horas da manhã, como qualquer outro dia normal da minha semana. Era hora de me organizar e sair para tomar conta de um pequeno comércio da família. Vi que tinha algumas mensagens SMS ainda por abrir no meu celular mas, na correria, deixei para ver depois. Eu abria aquela humilde conveniência às cinco e meia e voltava para casa na hora do almoço para ir correndo para o curso. Assim era de segunda à sexta, as vezes eu ficava lá no sábado também mas era raro. Era isso que compunha os meus dias normais de semana, entretanto aquela segunda-feira não era um dia normal. A ansiedade tomava conta do meu ser porque, pela primeira vez, eu sabia que iria encontrar Dayana. Eu não me recordo de nada daquela manhã pois eu só pensava naquela que invadia até os meus sonhos.
Quando meu pai chegou para me substituir no início da tarde, fui correndo almoçar e me preparar para ir para o curso. Minutos mais tarde, quando estava no ônibus a caminho da escola, lembrei-me das mensagens. Parecia um déjà Vu do último sábado, pois se tratavam de mensagens da Marina. Tive receio de ler, no dia anterior ela não tinha ficado nada contente em encontrar eu e o Fernando na praia no meio daquela situação com o Leonardo e o tal Sérgio. Com certeza ela me enviou aquelas mensagens no puro ódio. Eram duas mensagens e, para a minha surpresa, não era nada do que eu estava pensando.
[NINA] Segunda-feira, 01:01hr am: Não estou conseguindo dormir e só queria saber como você tá. Espero que o ferimento tenha sido apenas superficial.
Apesar de a gente sempre voltar juntos, na ida eu sempre pegava um ônibus depois do dela. Naquele dia eu agradeci por isso, pois acho que se tivesse a encontrado antes de ler suas mensagens não saberia como agir, provavelmente eu iria esperar uma ação dela primeiro. Enfim, a segunda mensagem foi a seguinte:
[NINA] Segunda-feira, 01:23hr am: Por favor, acredite... não estou brava com você e nem com o Nando. Amanhã gostaria de conversar melhor com você no curso. Se puder, não falta.
Eu sei, estas mensagens deveriam ter me tranquilizado em relação à confusão do dia anterior. Porém eu escolhi ser egoísta naquele momento. Eu estava parado em frente a escola quando atravessei a rua de volta e decidi não aparecer no curso aquele dia. Temi que, de alguma forma, a tal conversa que a Marina queria ter comigo pudesse interferir no meu encontro com Dayana. Então fui caminhando em direção o centro da cidade para matar o tempo enquanto respondia as mensagens da Nina.
[ÍCARO] Segunda-feira, 13:12hr pm: Boa tarde, Nina! Não precisa se preocupar, amiga... Eu estou bem, mas infelizmente vou ter que pedir para adiarmos essa conversa. Precisarei resolver algumas coisas agora à tarde e não poderei ir ao curso. Eu te ligo se eu não chegar muito tarde em casa. Abraço!
[NINA] Segunda-feira, 13:20hr pm: Tudo bem. Entendo, querido. Podemos conversar amanhã, sem problemas. Beijos!
[ÍCARO] Segunda-feira, 13:24hr am: Combinado! Beijos!
Quando cheguei no centro da cidade, lembrei-me que não tinha trazido preservativo e fui logo em alguma farmácia comprar. Aproveitei para comprar também um lubrificante. Saindo da farmácia, parei em uma praça e, escondido por trás da pista de skate, bolei um beck de skunk*³. Não tinha noção do que aconteceria mais tarde entre eu e Dayana, não sabia se iríamos para outro lugar, mas queria estar preparado. Outra coisa, ainda eram duas horas da tarde, faltava muito tempo até a hora de voltar para o ponto do ônibus. Então dei uns dois pegas rápidos no beck e decidi ir até um fliperama clandestino que tinha ali perto, passei em torno de uma hora e meia por lá. Depois fui numa antiga banca de revistas localizada há uns dez minutos de caminhada do fliperama, só queria comprar um maço de cigarros mas lembrei que prometi recompensar Dayana pelo isqueiro dela que eu perdi no dia em que nos conhecemos. Foi quando vi um isqueiro de metal, modelo retrô, com um lindo dragão chinês gravado em alto-relevo na parte frontal... "Perfeito!", eu pensei... "Vou levar esse isqueiro também", falei para a dona da banca que me atendia. Guardei o maço de cigarros e o isqueiro na minha bolsa e fui até um Sebo**¹ que era relativamente perto da banca de revistas. Conferi a hora assim que cheguei para saber quanto tempo poderia gastar por lá, eram quase três e meia da tarde e eu tinha pouco mais de duas horas para estar na parada de ônibus, eu teria tempo suficiente afinal.
Eu adorava ler contos, em particular os que tinham um forte cunho político-social e, com sorte, encontrei duas obras que eu já queria há um bom tempo. Uma era um livro de contos de Jack London publicado pela editora 'Expressão Popular', a outra foi "Uma História Lamentável" de Dostoiévski. Essa última era um conto bem curto e eu devorei lá mesmo na salinha de leitura, na empolgação comecei a ler também o livro de London que era um compilado de contos. Quando estava quase na metade, no meio do conto "Ao Sul da Fenda" se não me engano, dei-me conta de que já havia se passado quase duas horas desde que eu cheguei naquela livraria. Eu precisava voltar correndo ou, provavelmente, Dayana já poderia chegar no ponto de ônibus e achar que eu tivesse furado o nosso encontro marcado.
Saí praticamente voando em direção à parada de ônibus, a ansiedade me fazia imaginar os piores desfechos caso o meu atraso acontecesse. Olhei a hora e constatei que não faltava muito para às seis da tarde, então considerei melhor cortar caminho pelas ruas do Centro Histórico da cidade. Era um lugar do centro da cidade quase que completamente esquecido pelo poder público. Localizava-se numa parte baixa da cidade, entre duas ladeiras enormes, era como um submundo. Por lá se concentravam os bares, os Pub's, as boates e as personalidades mais diversas e alternativas de todos os bairros da cidade. Era o lugar perfeito para os jovens considerados desvairados como eu, porém frequentei menos do que eu gostaria.
Descia apressadamente a longa ladeira do Centro Histórico, logo teria que enfrentar uma subida também. Passei por todos aqueles estabelecimentos undergrounds. Alguns já funcionavam, como era o caso de um Pub de rock e uma casa de samba, já outros, como uma boate alternativa e vários bares, ainda se organizavam para abrir. Quando comecei a subir a segunda ladeira notei que o sol já se escondia quase por completo no horizonte, o céu exibia um conflito entre as cores azul e laranja porém foi a escuridão que se saiu vitoriosa. Comecei a ouvir outra vez aquela ópera incomparável das aves noturnas iniciando. A tarde estava sucumbindo perante à noite. Visualizei o fim da subida e julguei que faltava uns vinte ou trinta metros até lá. Conferi a hora mais uma vez, seis horas em ponto. Suspirei. "Bom, ao menos uma parte do nosso combinado, Dayana, eu já cumpri: perdi o ônibus", pensei por fim.
A última vez que eu tinha frequentado aquele Centro Histórico foi há onze meses, quando completei meus dezessete anos, tempo o suficiente para não conhecer alguns dos estabelecimentos que vi naquele dia. A loja de discos usados, no fim da subida, foi a que mais me chamou a atenção. Um velho letreiro escrito "Amigo Vinil" tinha luzes oscilantes logo acima da porta. Parei de frente com a entrada da loja e vi algumas vitrolas usadas na vitrine e tive vontade de entrar para perguntar quanto elas custavam. Estavam muito bem conservadas para serem modelos antigos e de segunda mão.
—Lindas!
Desde que conheci Dayana tinha acendido em mim uma vontade de ter discos e, para isso, eu precisaria de uma vitrola. "Melhor eu voltar outro dia", tentei me convencer em pensamento, pois eu já havia abusado do meu tempo. "Se bem que eu não vou levar mais que um minuto só pra isso", no fim decidi entrar para saber os preços daquelas maravilhas. Quando empurrei a porta ouvi um som de guizo ecoar, o que me roubou a atenção por um segundo me fazendo olhar involuntariamente para cima surpreendido pelo pequeno objeto. Um segundo de distração foi o suficiente para me fazer esbarrar com alguém que vinha saindo da loja, fazendo com que ela derrubasse um disco, que acabara de comprar, sobre os meus pés. Rapidamente abaixei para apanhá-lo proferindo pedidos de desculpas repetidas vezes. Quando apanhei o disco, vi que se tratava do "Badtime For Democracy" do Dead Kennedys. Em seguida ouvi uma voz forte e sombria soando suave em meus ouvidos.
— É o seu preferido, não é mesmo?!
Incrível. Foi naquele dia que me convenci de que, quando se tratasse de mim e Dayana, definitivamente estaríamos reféns da eventualidade dos encontros. Era a terceira vez que nos encontrávamos acidentalmente. Tudo bem que a loja ficava próxima da parada de ônibus onde marcamos de nos ver outra vez, bastava subir mais uns cinco metros e atravessar a pista, mas ainda assim aquilo foi muito inesperado.
— É seu, ícaro. Comprei pra você — ela disse quando lançava seus dois olhos negros sobre os meus.
— Day...a...na...
Fui levantando devagar com o disco nas mãos e hipnotizado pelo olhar daquela divindade pagã que, ao mesmo tempo, me causava arrepios na espinha e um tesão descomunal.
— O que foi, não gostou do presente?
— Perdão. Eu adorei, Dayana. Muito obrigado!
— Ótimo! Fico feliz por isso.
Dayana expressava uma felicidade esquisita em seu rosto. Seus olhos escuros brilhavam e suas sobrancelhas indicavam uma certa malícia em sincronia com os cantos dos seus lábios. Ela me olhava com toda a sua segurança, o que me prendia na obscuridade daquelas pupilas.
— Pretendia comprar algum disco também? Não sabia que você também tinha uma vitrola ou algum toca discos.
— Oh... não tenho mesmo. Eu estava vindo justamente perguntar os preços das vitrolas que estão na vitrine sem nenhuma etiqueta.
— Entendi. Podemos falar diretamente com um vendedor amigo meu, ele pode até te conseguir algum desconto.
— Boa!
Guardei o disco em minha bolsa e acompanhei Dayana até o interior da loja, ela me apresentou ao seu amigo que trabalhava lá e conversamos por volta de dez a quinze minutos. Resumindo, ganhei um bom desconto em uma das vitrolas e combinei de ir buscá-la na semana seguinte. Finalmente eu teria minha vitrola, mas eu nem estava pensando tanto nisso naquela hora porque eu só conseguia imaginar que naquele momento eu passaria mais um tempo com aquela beldade sacrílega que me provocava tantas sensações diferentes. A maior delas era aquela luxúria ardente.
— Gosta de aventuras, Ícaro?
— Que tipo de aventura?
— Do tipo excitante e perigosa — ela me olhava com chamas em seus olhos.
— Então, sim. Eu definitivamente gosto de aventuras — eu já estava sob o domínio dela.
— Pois, acompanhe-me. Quero te mostrar um lugar.
Dayana segurou uma das minhas mãos e, descendo até um cruzamento antes da loja de discos, me guiou até uma rua, à esquerda de onde estávamos, que levava até uma praça. Em outros tempos, essa praça portava um lindo jardim mas, ano após ano, foi sendo ocupada por uma infinidade de plantas daninhas e toda sua beleza foi sendo tomada pelo horror do descaso, sem o perdão da ação do tempo. O pior é que esta mesma praça servia como cartão de visita para um enorme e histórico monastério que tinha o nome de um importante sacerdote que viveu por ali no passado. Nesse monastério, inclusive, funciona um museu que era um forte ponto turístico da cidade durante os anos noventa, mas aos poucos foi se tornando um espaço que, apesar de ser rico em história, mal era visitado por conta da difícil localização e falta de cuidados específicos. Eu ainda visitei essa construção através de uma aula de campo durante o ensino médio. Tratava-se de uma arquitetura do estilo barroco, é dividida em duas partes principais: do lado direito, onde tem mais ou menos umas vinte instalações que cercam um enorme claustro**² e é desse lado onde o museu foi instalado e onde a visita é paga; e do lado esquerdo, onde a visita é livre e tem dois templos, o principal e um secundário que é uma pequena capelinha, sendo o principal decorado por pinturas ilusionistas. Enfim, era uma estrutura realmente colossal.
— Pra onde estamos indo exatamente, Dayana?
— Para lá — ela apontava em direção àquela construção histórica.
— Para o museu? Mas ele só funciona até às cinco horas da tarde.
— O museu sim, mas o templo principal não.
De fato a gigante porta de madeira que dava acesso à parte direita, onde tinha o museu, já estava fechada e seu isolamento era reforçado por grades que dividiam um lado do outro, já do lado esquerdo o acesso ainda estava liberado. De qualquer forma eu não fazia ideia do que Dayana pretendia em um lugar daqueles. Eu a imaginava sempre como uma deusa pagã, uma divindade profana, ou qualquer espécie de astro que carregava consigo toda a força dos despudores e a deliciosa magia da libertinagem. Por isso não conseguia imaginar que ela tivesse um lado religioso, ainda que ela usasse um pequeno colar prateado que sustentava um minúsculo crucifixo como pingente.
Quando chegamos na entrada do templo principal, um homem que trabalhava como vigia alertou que, caso estivéssemos indo acender velas, tratar de promessas ou coisas do tipo, a capela, que era o templo secundário, estava fechada pois iria passar por uma revitalização, mas que poderíamos visitar o templo principal normalmente.
— Obrigada por avisar, mas só vou apresentar rapidamente o templo para o meu amigo que é de outra cidade e gosta de construções antigas — disse Dayana.
— Fiquem a vontade. Se possível, venham mais cedo outro dia para ele conhecer o museu também — respondeu o vigia.
— Com certeza farei isso, ele queria muito conhecer o museu. Não é mesmo, amigo? — Dayana me lançava um sorriso dissimulado.
— Erm... com certeza, quero muito mesmo — respondi meio sem jeito.
— Qualquer coisa, estarei rondando pelo pátio — prontificou-se o vigia.
— Obrigada por tanto, querido — agradeceu Dayana.
O vigia pegou seu rumo indo em direção ao imenso pátio em frente àquela construção até sumir nas sombras da noite que se formava. Dayana já adentrava no templo e remexia um pequeno bolso da sua mochila enquanto caminhava delicadamente. Apressei o passo para alcançá-la e perguntei, quase sussurrando, o que ela pretendia naquele lugar. Ela me lançou um olhar repleto de malícia e, com a mão esquerda, fez um movimento como se me pedisse um pouco de calma. A impaciência já me enchia de pensamentos conflituosos no momento em Dayana puxou um pequeno chaveiro que comportava três chaves.
— Aqui está! Por um momento achei que tivesse as deixado em casa.
— Que chaves são estas, Dayana?
— São as chaves para uma aventura excitante e perigosa — ela esboçava uma uma feição arteira e cheia de suspense.
Encarei-a esperando que ela revelasse algo mais, porém ela só piscou um de seus olhos para mim e em seguida mordeu o canto esquerdo da boca de uma forma provocante. Senti o meu coração acelerar e meu corpo esquentar gradualmente. Dayana subiu alguns degraus que davam acesso ao local onde ficava um grande altar e eu apenas seguia os seus passos. Logo depois fomos até uma porta no canto esquerdo daquela parte, ela conferiu a marca da fechadura, constatou que todas as chaves tinham o mesmo nome e inseriu aleatoriamente uma delas tentando abrir o caminho. Nada feito, mas o êxito veio na segunda tentativa. A passagem se abriu revelando o pequeno salão da capelinha, completamente tomado pela escuridão. Sem nem tempo para pensar, Dayana foi entrando enquanto eu continuei parado na porta.
— Venha comigo, Ícaro!
Já ciente do que possivelmente estava para acontecer ali, uma confusão tomou conta de mim. Não se tratava de alguma dúvida sobre me jogar ou não naquela nova aventura lúbrica, mas, sim, sobre as possíveis consequências caso fôssemos descobertos invadindo aquele local. Porém toda essa desordem mental só durou até eu ser fisgado outra vez por aquele par de luzeiros negros e redondos que me encaravam e me oprimiam, esperando a minha atitude.
— Você ainda vai me matar... se não for de tesão, será de ansiedade — falei quando entrei fechando a porta devagar.
Com a mão direita Dayana me pegou pelo rosto, olhou-me nos olhos exprimindo algum desejo e respondeu com a voz baixa:
— Espero que seja a primeira opção.
Quando a porta foi fechada, tornou-se impossível enxergar qualquer coisa lá dentro. Então desbloqueei a tela do celular para fazer alguma claridade enquanto Dayana trancava a porta por dentro. Somente naquela hora me bateu a curiosidade de saber como ela conseguiu ter acesso àquelas chaves.
— Como foi que conseguiste estas chaves? — perguntei apontando para o chaveiro.
— O João trabalha aqui e é responsável por manutenções do local, por algum motivo ele sempre chega em casa com cópias das chaves das áreas internas que estão para passar por alguma reforma ou algo tipo.
— E como tu deduziste de qual área elas eram?
— Assim que chegamos o próprio vigia me confirmou o local e, além do mais, está escrito "capelinha" bem aqui, olha — ela me mostrava o nome na plaquinha pendurada no chaveiro.
— Ah... isso explica tudo — falei enquanto ríamos baixinho.
Não estava conseguindo enxergar praticamente nada dentro daquele lugar, a tela do meu celular não iluminava muita coisa, mas foi o suficiente para conseguirmos andar pelo salão até o modesto altar do templo secundário. Percebi uns porta velas pelo local, examinei-os e constatei que alguns sustentavam restos de velas que, com certeza, ainda poderiam queimar tempo o bastante para aquela ocasião. Antes que eu falasse algo, Dayana teve a mesma ideia que eu.
— Veja, ícaro... temos velas. Nada mais romântico, não é mesmo? — gracejou Dayana.
— Dentro de uma capela vazia e escura?! É mais sombrio que romântico — retruquei.
— Seja como for, é também como tu escolheste: perigoso e excitante. Ou não?!
— Isso não posso negar.
— De toda forma, ainda temos um problema... como iremos acender as velas?
Só depois de ouvir a última pergunta de Dayana que fui me lembrar do isqueiro que eu havia comprado mais cedo para dar a ela. Naquele momento, catei depressa o isqueiro da minha bolsa e, em um movimento rápido, o acendi compartilhando sua chama com os pavios já gastos entre aquelas ceras parcialmente derretidas. Finalmente conseguimos visualizar melhor o espaço em que nos encontrávamos. Dayana viu o isqueiro em minha mão.
— Que lindo, Ícaro.
— Que bom que gostaste, pois ele é teu — estirei minha mão até ela, entregando aquele pequeno objeto metálico.
— É sério?! Adorei! — disse o pegando em minha mão admirando-o.
O altar da capela era da altura da minha cintura, Dayana deu um pequeno salto e sentou-se sobre ele. Reparei bem pela primeira vez nas roupas dela. Ela usava um casaco escuro que camuflava suas curvas mas, em compensação, vestia uma minissaia xadrez, que explanava suas lindas pernas com meia arrastão, e calçava uma bota preta de couro. Quando ela se acomodou em cima do altar, eu pude ver parte de sua virilha e flagrei um pedacinho de sua roupa íntima com tecido aparentemente bem fino e rendado também da cor preta. Senti uma ardência lasciva gradualmente começar a se espalhar pelo meu corpo. Dayana com toda certeza percebeu minhas intenções. "Trouxeste cigarro?", ela me perguntou. Respondi que sim e, com o dedo indicador, ela fez um gesto pedindo pra eu me aproximar mais. Escorei-me ao lado dela no altar, abri o maço de cigarros, coloquei um em minha boca e dei um para ela que, ainda segurava o isqueiro de metal. Dayana acendeu o seu cigarro e, quando fui pegar o isqueiro emprestado para acender o meu também, ela o guardou no casaco.
— Da última vez você deixou meu isqueiro cair e se perder em um esgoto — disse Dayana no mesmo instante em que, como em nosso primeiro encontro, puxou-me pela nuca até nossos cigarros se encostarem e compartilharem a mesma brasa.
— Tu és uma diaba, sabia?!
— Pensei que eu fosse um ser tão evoluído que parecia até intocável... ao menos foi o que me disseste na sexta-feira passada — ela tentou me contrariar usando minhas próprias palavras.
— Não deixas de ser uma por isso — retruquei triunfante.
Trocamos olhares cheios de desejos indecentes, Dayana mandou ao ar um trago do cigarro e despiu-se do casaco em seguida, ela usava por baixo o mesmo cropped preto da primeira vez. Os seus grandes seios redondos ganharam evidência e, sob a luz fúnebre das velas, eu até conseguia perceber as marcas de seus mamilos. Definitivamente eu queria a possuir.
— Na verdade, tu és como uma mistura divina. Tens um pouco de Lilith e Hedonê.
— Nossa! Causo-te tanto assim em teu âmago?
— Causa-me muito mais do que podes imaginar!
— Então quero que me mostre. Beija-me os lábios, Ícaro! Agora!
Não esperei Dayana ordenar outra vez, não tinha moral e nem vontade para contrariá-la. Eu estava de frente para ela, que por sua vez estava sentada no altar. Abruptamente segurei com fervor a sua cintura com minha mão direita, com a esquerda puxei-a pelos cabelos e introduzi a língua dentro de sua boca. Era a primeira vez que nos beijávamos. Um beijo lento, quente e molhado, além de demorado. Dayana envolveu minha cintura com suas pernas e, com as mãos por dentro da minha camisa, apertava minhas costas quase cravando as unhas. Quando me faltou o fôlego, lancei minha boca para o pescoço dela, afaguei o seu pescoço com chupões. Em seguida, algumas mordidas perto da nuca. Dayana aumentava a pressão de suas pernas em minha cintura e o meu falo, de tão rijo, cutucava-a em sua intimidade sob a renda. Quando acariciei seus seios e mordisquei sua orelha, Dayana deixou escapar um breve gemido e, de impulso, empurrou-me de leve. Não demorou mais que dois segundos para ela me puxar pela camisa, nessa hora nos beijamos de novo, com ainda mais fogo. Nossos cigarros se perderam pelo chão, tínhamos fumado pouco mais da metade até começarmos a nos devorar. Nossas línguas travavam uma batalha feroz, enquanto o meu teso membro lutava avidamente como se quisesse rasgar a minha calça. Dayana sentiu a minha pulsação ardilosa entre suas pernas e, com uma das mãos, conferiu por cima da calça aquele meu volume indecoroso.
— Delícia! Isso tudo é pra tua Deusa do prazer aqui?! — ela sussurrava em meu ouvido de maneira provocante.
— Sim. Tudo para minha divindade — respondi igualmente em tom baixo e com a voz trêmula.
— Hmm... já que é assim, como toda divindade, eu exigirei tua obediência.
— Você a tem!
Quando terminei de falar ela libertou minha cintura de suas pernas, arrancou-me a camisa e voltou a sussurrar em meu ouvido:
— Provastes dos meus lábios de cima, agora, ajoelha-te e vem provar os meus lábios de baixo!
— Com o maior prazer!
Deslizei minhas mãos por baixo do cropped de Dayana, envolvendo seus seios em uma breve massagem ao mesmo tempo em que fazia ela se livrar daquela peça de roupa. Beijei os seus firmes mamilos com meus lábios molhados, dando leves mordidinhas. Fui descendo com calma para a barriga, Dayana tremia a cada estímulo da minha língua e lentamente abria suas pernas começando a se tocar no meio delas. Já de joelhos, percorri a língua por suas coxas até chegar na virilha, enquanto ela resvalava, por dentro da calcinha, a ponta do seu dedo médio em círculos sobre o clítoris.
A barra da minissaia de Dayana já estava acima de sua púbis, ela havia suspendido uma das pernas apoiando seu calcanhar sobre o altar para aumentar sua abertura. Retirei sua calcinha com calma e seu corpo vibrou repentinamente, seguido por um gemido trêmulo, quando minha língua escalou macia do seu períneo ao monte púbico usando os lábios maiores como caminho. Dayana segurou com força nos meus cabelos e, em um ímpeto de prazer, me conduziu apressadamente até a glande do seu clítoris. Foi aí que, sob a luz amarelada das velas, com vários santos e anjinhos pelas paredes de testemunha, embebi-me da lascívia dos lábios profanos daquela divindade misteriosa chamada Dayana. Até que ela pressionou minha face entre as coxas, seu corpo começou a se contorcer compulsoriamente e os seus gemidos, gradativamente, transmutavam-se em uma espécie de uivo que reverberava dentro daquele salão sagrado repleto de trevas.
— Ícaro! — sua voz tremulante revelava — Tomai e bebei, porque isto é o mel sagrado, derramado entre estes lábios, para a remissão dos teus pecados!
Tal fala de Dayana, banhada em blasfêmia, fez-me lembrar do último sábado em que penetrei o jardim celestial da Marina enquanto ela transgredia a sua própria fé.
— Beberei até a última gota, minha Deusa. Limpa-me os pecados com o teu líquido divino! — supliquei imerso em tesão.
Senti o mel, sem nenhuma doçura, escorrer suavemente em minha boca no mesmo momento em que Dayana libertou seu grito de júbilo. O corpo dela atingiu o ápice daquela compulsão ímpia que, aos poucos, foi se desfazendo. Sem mais demoras, Dayana lançou as mãos em minha calça, livrou-se do cinto, abriu o zíper e puxou para fora o meu membro pulsante. Com o polegar, fez movimentos circulares em meu frênulo que já estava naturalmente lubrificado. Dayana encarava o meu mastro com uma expressão de desejo.
— Tomaste do meu mel. Agora eu te reclamo, dar-me o teu leite! — ordenou-me Dayana.
— Claro, minha Deusa pagã! — respondi enquanto pegava o preservativo.
— Esta camisa de vênus não será necessária comigo. Pode banhar o meu interior com teu gozo sem temor algum — repreendeu-me.
— Então, que seja feita a tua vontade.
Derramei lubrificante em minha mão e passei por entre as pernas de Dayana. Ela apoiou uma das pernas sobre o altar outra vez, convidamo-me para entrar. Lubrifiquei também o meu falo que já não aguentava mais esperar para ser introduzido no interior de Dayana. Deslizei-o por entre os lábios menores, deleitando-me mais um pouco nos portões daquele paraíso devasso antes de adentrá-lo.
— O que ainda esperas? Já sabes que não sou mais intocável para você. Entranha-te em meu paraíso, Ícaro!
Foi exatamente o que fiz. Nossos corpos se tornaram um só, interligados pela libertinagem de nossos órgãos pecaminosos. Incansavelmente eu penetrava Dayana, ela sempre pedia por mais. "Mete-me esse mastro sem pena!", suplicava-me Dayana. Nossos corpos em atrito, escorregavam de tanto suor. "Penetra-me com força!", implorava-me Dayana. O choque de nossas púbis fazia ecoar um estalo alto dentro daquele pequeno templo. Dayana gemia chorosamente em meu ouvido ao mesmo tempo em que pedia por mais. Meus gemidos graves aumentavam a frequência e assim Dayana percebeu que o meu ápice estava próximo. Percebi outra vez o corpo dela estremecer compulsoriamente, até que começou a estimular novamente o seu clítoris com a ponta dos dedos em um movimento frenético. Senti um calor descomunal tomando conta de mim.
— Vamos, Ícaro! Enche-me de teu júbilo! Explode de prazer junto comigo!
— É o que farei... — minha voz quase não saía mas, em seguida veio com ímpeto — AGORAA!
Naquele momento uivamos em sincronia, como criaturas da noite. O eco do nosso prazer parecia não querer parar. Deixei meu corpo cair sobre o de Dayana, em cima daquela mesa sagrada. Nossas respirações ofegantes se cruzavam da mesma forma que o calor de nossos corpos.
Aos poucos toda aquela adrenalina foi diminuindo. Junto com a volta da calmaria no local, escutamos alguns passos vindo do templo principal. Começamos a nos vestir apressadamente no instante em que notamos uma certa conversação. Parecia ter duas pessoas e uma das vozes era a do vigia que havia nos recebido ali mais cedo. Por fora eu mantive a tranquilidade mas por dentro eu estava em desespero, ao contrário de Dayana.
— Como vamos sair dessa agora? — perguntei.
— Sem mais barulhos. Apenas me acompanhe!
Assim como no templo principal, além da entrada, tinha uma saída alternativa pelos fundos e um acesso lateral, o templo secundário também possuía um terceiro acesso. Dayana pegou o chaveiro em cima da mesa e se dirigiu até a porta dos fundos da capelinha. No mesmo instante ouvi os dois homens, do outro lado, manuseando um molho de chaves e tentando abrir o acesso para o pequeno templo profanado por mim e Dayana. "É o fim", pensei.
As clássicas histórias mitológicas deveriam ter servido de aprendizado para mim. Eu havia voado muito alto e, por ironia do destino, seria em uma noite fria de lua cheia que eu poderia ter a cera de minhas asas derretidas e, sob toda aquela escuridão, ser jogado violentamente de volta ao chão.
(Continua...)
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*¹ New romantic foi uma subcultura inglesa do final dos anos 70 que influenciou tanto a moda quanto a música pop dos anos 80.
*² Súcubo (Succubus) é um demônio na forma feminina que se relaciona sexualmente com homens através dos sonhos e, segundo a cultura popular, são responsáveis por pesadelos e polução noturna (que é o orgasmo espontâneo durante o sono).
*³ Skunk (ou skank) é conhecida como "supermaconha", é produzida a partir do cruzamento genético de várias espécies de Cannabis e seu cultivo é feito em estufas com tecnologia hidropônica. Resumindo, contém uma maior concentração de substâncias psicoativas que causam um efeito mais intenso.
**¹ Sebo (ou Alfarrabista) é uma livraria onde livros usados são comprados, vendidos e/ou trocados.
**² Claustro em um mosteiro (monastério), é uma área aberta que corre ao longo das paredes dos edifícios e forma um quadrilátero ou um pátio.