Quando o taxista parou na frente do condomínio do William, eu senti um gelo na barriga e na espinha, como se fosse um aviso de que algo ruim estaria prestes a acontecer.
Êxitei em prosseguir enquanto o controlador abria o portão, eu não saberia como explicar a ele que precisava de um tempo para colocar todas as coisas no lugar. E que todas as ameaças feitas por meu pai, poderiam se concretizar.
Meus pensamentos ferviam dentro da minha cabeça, um ódio do meu pai, a dúvida sobre a sinceridade do Gabriel e o medo de que algo ruim pudesse acontecer ao William.
O fato é que o Dr. Roberto tinha maneiras doentias de mexer com os nervos e com a cabeça de qualquer ser racional. Quando dei conta já estava batendo na porta da casa do William!
Ele abriu a porta com um ar sério no rosto, braços hora cruzados, hora mãos nos bolsos. Caminhamos até a sala e eu pude ver um conjunto de malas expostas no corredor, "eram as minhas malas".
- O que está havendo William?
Eu perguntei já prevendo que era coisa do dono do mundo e ele respondeu.
- Fui sequestrado, roubado e quase morto por causa dos caprichos do seu pai. Você sabia sobre tudo e não teve a descência de me contar ou explicar. Henrique eles apontaram uma arma na minha cabeça, me fizeram tirar toda a roupa e me deixaram num lugar que eu nunca vi na vida, você sabe o quão grave isso é?
- William....eu.....
Ele andava em círculos enquanto me atacava, eu não tive a chance de me explicar.
- Você está com vinte e três anos Hick, mas se porta como se fosse um adolescente de dezesseis anos. Seu pai veio aqui me ameaçar, dizendo que a próxima não seria um simples sequestro e que os próprios amigos sumiriam com o meu corpo. Seu pai Henrique! Seu pai veio bater na minha porta para me ameaçar e você fingindo não ver o que estava acontecendo, tentando omitir e me esconder essas informações. Eu me enganei completamente a seu respeito Henrique, aliás, eu não deveria tentar mudar uma pessoa que não quer ser mudada. É melhor você ir embora da minha casa, da minha vida. Nossa história acaba hoje, não quero mais olhar na sua cara e nem dirigir uma única palavra a você. Amanhã eu peço ao seu irmão para redigir um contrato de compra e venda, vou pagar a sua parte da sociedade ainda essa semana, o Jean retirará tudo relacionado a você de lá da empresa.
Eu fiquei sem reação, não era o William que estava alí na minha frente, era um robô programado para dizer todas aquelas ofensas.
Ele não era daquele jeito, parecia que estava atuando de uma forma bastante descontrolada, mas estava! E aquele não era o jeito dele.
Eu tentei conversar.
- William pelo amor de Deus, eu soube sim, ia te contar. Eu ia te contar tudo isso hoje, mas cheguei atrasado pelo visto. Eu ia mesmo te pedir um tempo para colocar a minha vida no lugar, mas você simplificou tudo para mim. Só quero que entenda que, eu sou tão vítima nessa história, quanto você e você sabe muito bem de tudo que está havendo. Eu poderia ter sido um fraco, submisso e descabeçado no passado, isso foi no passado. Eu vou consertar tudo isso e depois volto a te procurar. É uma promessa.
Ele me interrompeu;
- Você, seu pai e seus irmãos transformaram a minha vida num inferno. É melhor você ir indo que o Manuel vai te ajudar com suas coisas.
Ele interfonou para o porteiro e pediu que o senhor me ajudasse com as malas.
As lágrimas escorriam por seu rosto, ele não me olhou nos olhos e também sequer encostou no meu corpo. Estava machucado e eu de mãos atadas sem saber que rumo ou decisão tomar.
Um táxi já me esperava no portão do condomínio.
Coloquei as malas no carro e voltei para minha prisão, minha vida de filho obediente sendo controlado pelo pai.
Minha mãe e irmãs já me esperavam, as crianças de certa forma alegres, mas arredias, procurando uma maneira de se aproximarem de mim.
Um abraço forte da Sara e um beijo quente no rosto, ela chorava copiosamente. Mamãe e Luma me olhavam como que se quisessem falar algo, mas não saberiam o que dizer e como dizer.
Ajoelhei no chão e abri os braços para Di e Fe que se jogaram pra cima de mim.
- Meus amores, eu sinto muito por tudo, senti muita saudade de vocês dois.
Diana: Nós também tio, você fez falta aqui.
Filipe: Tio o senhor é o melhor tio e não tinha mais graça as brincadeiras aqui nessa casona sem você.
Susan e Gabriel não estavam e o Jean havia ido a academia com o Matheus.
Levamos minhas coisas para o antigo quarto e depois eu desci até a cozinha.
Quando me viu, Cida largou algo escorregar das mãos e correu me abraçar.
- Meu mínino voltou....Deus abençoe. Como você está? Ta com fome? Quer comer algo? O que você fez Hick? Para quê provocar o seu pai daquele jeito? Meu Deus que te ajude dentro dessa casa agora meu filho.
- Calma Cida, eu voltei, mas será o tempo necessário para que eu descubra uma forma de me livrar desse demônio.
- Não fale assim Henrique, Deus castiga.
Ela era bastante religiosa e eu ri com a preocupação dela, ela também achou engraçado e riu enquanto me abraçava com bastante força.
- Te amo como a um filho Henrique, nunca duvide disso!
Ouvi conversas na sala e caminhei até lá para ver. Era meu pai conversando com o Gabriel no telefone.
- Então o filho rebelde engoliu toda a sua arrogância e resolveu voltar?
Meu pai com a cara mais lavada do mundo, rindo, me encarando, como se quisesse mostrar que ainda era o dono do local e eu teria que obedecê-lo.
- Eu voltei sim Dr. Roberto, mas só voltei porque você ameaçou a todos que pudessem me ajudar, só voltei porque o William me colocou para fora da casa dele e você sabe muito bem.
Ele chegou bem perto de mim e tascou um tapa seco no meu rosto.
- Não estufe o peito para falar comigo garoto, eu mando e você obedece, agora suma da minha frente, seu filho de uma puta.
Eu coloquei a mão no rosto e me segurei para não meter outro tapa de encontro ao dele, mas seria burrice da minha parte.
Subi e me tranquei no meu quarto.
Logo sou encomodado.
- Hick, abre a porta que eu preciso entrar, sou eu o Gabriel!
Eu: Melhor você não entrar Gabriel, não quero conversar ou ouvir mentiras novamente.
- Abre essa porta mano, não seja burro, eu quero te ajudar de verdade.
Ele insistiu e eu abri a porta. Me abraçou e beijou meu rosto.
- Eu te amo moleque, você é muito especial pra mim, pare de tentar ser forte sozinho e me deixe te ajudar. Papai não é tão inteligente como acredita e não é invencível da maneira que se diz ser. Ele tem um ponto fraco e o elo desse ponto fraco é você, a fraqueza do nosso pai é você Henrique.
- Como assim "eu" Gabriel? Eu tenho o que a ver com tudo isso?
Ele continuou:
- Você precisa saber um pouco do passado do meu pai, e com isso saberá toda a história dele. Eu não posso detalhar esse assunto, pois, o que eu te disser ele saberá que saiu palavra por palavra da minha boca. É a chave da sua liberdade.
Ele saiu do quarto me fazendo jurar que eu não contaria nada sobre nossa conversa a ninguém. Eu jurei!
Tomei um banho, me vesti e cai na cama, um sono cansado me fez desmaiar e eu só acordei no outro dia com a Sara me chamando para o café.
Eu começaria a investigar naquele mesmo dia e só pararia quando descobrisse tudo de ruim a respeito do Dr. Roberto.
Apenas eu, Sara e mamãe estávamos a mesa o restante já havia saído para seus compromissos.
Uma pessoa poderia me ajudar com minha procura e eu não êxitei em ligar para ela.
- Alô? Alô, é a Patrícia?
Ela: Sim, é ela. Quem gostaria?
- Sou eu Patrícia, o Henrique do hospital!
Ela: Nossa, quanto tempo Hick! Como você está?
- Estou bem! Gostaria de falar com você, o que está fazendo?
Ela: Nada Hick, a Fer está na casa da avó e me deixou sozinha, por quê? Quer fazer alguma coisa?
- Me passa seu endereço que eu passo te pegar em trinta minutos.
Ela me passou o endereço, peguei um taxi e fui até a casa dela.
Lá eu expliquei todas as atrocidades que haviam me acontecido, e pedi que ela me ajudasse a descobrir se as coisas que o Gabriel me falou eram verdadeiras.
Fomos até o colégio onde meu pai estudou, ficava uns duzentos quilômetros da nossa cidade e por isso fomos no carro dela.
Chegando no local, um prédio bastante antigo, sendo restaurado, a calçada ladrilhada, os bustos nas entradas e as vidraças desenhadas com rostos angelicais.
Vi um senhor varrendo a calçada, me aproximei e pedi informações.
- Boa tarde! O Senhor pode me informar onde fica a secretaria?
- Boa tarde! Claro, siga em frente, vire a direita nas escadarias e pronto.
Agradecemos e caminhamos até as portas da grande sala. Gritos e apitos nas dependências, não se ouvia voz de crianças, apenas os dos acredito eu "professores".
Chagamos na sala e uma mulher veio nos atender.
- Boa tarde! Posso ajuda-los?
Eu: Boa tarde! Me chamo Henrique. Poderia ver se esse colégio teve algum aluno com esse nome?
Ela pegou o papel da minha mão e se virou para procurar. Eu a chamei novamente e pedi uma caneta, anotei o nome do meu pai no mesmo papel e entreguei a ela.
Ela demorou alguns minutos e voltou com um livro de capa dura todo envelhecido, com as folhas amareladas.
Uma foto dos alunos da época, todos com o mesmo corte de cabelo e o uniforme que mais parecia uma farda.
Esses dois são o Roberto e o Carlos.
A Patricia interrompeu as observações da mulher.
- Esse é o Roberto? Tem certeza? O Roberto é o seu pai não é?
Eu: Sim! É o meu pai, porquê?
- Hick olha como esse outro garoto se parece com você.
De fato a semelhança era bastante visível, mas na hora eu não dei muita importancia.
- A Senhora saberia me dizer se esse Senhor ainda mora na cidade?
- Ele morreu tem mais de vinte anos, mas a família continua aqui na cidade, um sobrinho dele estuda aqui, vou ver se o professor o libera por alguns minutos para ver se ele pode ajudar vocês.
Nós sentamos para aguardar enquanto a Patricia insistia na semelhança do garoto comigo.
Logo um rapaz alto e bastante bonito chega com a Senhora e fica nos olhando.
- Esse é o Júlio, ele é sobrinho do senhor que vocês estão procurando informações, acredito que ele possa ajudar.
Eu me levantei e fui me apresentar.
- Boa tarde Júlio! Eu me chamo Luiz Henrique de....., e estou procurando algumas informações sobre o passado do meu pai, será que alguém de sua família poderia me ajudar?
Ele foi bastante simpático e atencioso, nos passou o endereço de sua casa dizendo que o pai dele era irmão mais novo do Carlos e ele também estudou com meu pai. Entramos no carro e partimos em direção ao endereço.
Batemos palmas e ninguém saiu, chamamos e alguns latidos de cachorro, mas nada de alguém surgir.
A Patricia sugeriu de irmos comer alguma coisa e depois nós dois voltaríamos.
Andamos algumas quadras e paramos num local que parecia ser um restaurante.
Estacionei o carro e caminhamos pela calçada até perto de uma floricultura.
Encontrei o carro do meu pai estacionado na esquina.
Me bateu um desespero, medo: - será que ele tinha descoberto que estávamos alí, será que ele tinha ido me buscar para que eu não desenterrasse o passado dele.
Escondi atrás de um muro e consegui ver meu pai saindo com um grande buquê de flores e pensei ser aniversário de casamento dele com minha mãe, mas porque ir comprar flores tão longe para dar a minha mãe.
Liguei para minha mãe e ela não entendeu a minha pergunta.
Enquanto observava de longe o meu pai entrando no carro e sumindo nas ruas da cidade natal dele.
Desconversei e assim que ele saiu, eu entrei na floricultura e perguntei a atendende sobre sua compra, ela respondeu que eram lírios brancos para alguém já falecido, disse também que ele as compra uma vez a cada mês.
Eu estava começando a ficar intrigado com tantas informações estranhas a respeito daquela cidade.
Comemos, bebemos, conversamos e depois voltamos ao endereço que o rapaz havia nos dado.
Um senhor no atendeu e nos convidou a entrar.
- Boa tarde jovens, eu chamo Miguel e meu filho disse que estão procurando informações do passado de seus familiares.
A Patricia;
- Eu não seu Miguel, apenas o meu amigo Henrique rsrs.
Ele me encarou por alguns segundos e disse:
- Você lembra muito o seu pai, até a forma de se expressar. Ele era carinhoso com as pessoas, sempre atencioso e sempre sorridente.
Eu não conseguia imaginar o Dr. Roberto sendo carinhoso e muito menos atencioso com as pessoas, mas continuei ouvindo a história do Miguel.
Roberto era um garoto solitário, não tinha amigos quando nós nôs mudamos para cá, e quando conheceu o Carlos parece que a vida dele ganhou sentido, eu sentia ciúmes dos dois, eles não me deixavam participar das atividades, diziam que eu era muito pequeno. Eram inseparáveis, faziam tudo juntos, isso foi desde o ensino fundamental quando eram brincadeiras inocentes, coisas de criança mesmo. Mas quando ganharam a adolescência, junto veio os hormônios, o desejo e isso fez o laço de amizade dos dois tomar uma proporção maior, eles começaram a se envolver sexualmente, começaram a gostar um do outro e a nutrir um amor que escondiam de todos. Estávamos no colégio e não haviam meninas, os dois tinham um ao outro e aquilo muitas vezes quase os colocou em problemas. Naquela época casos assim eram isolados, e os envolvidos muitas vezes presos, torturados, mortos ou expulsos do batalhão. Meu irmão e o Roberto se amavam tanto que não conseguiam ficar um minuto sequer separados. Até...
Patricia novamente;
- Aí meu Jesus, até o quê? Conta seu Miguel?
Ele: Até meu irmão conhecer a Célia, uma moça linda, seduzente e bastante cobiçada. Sua pele alva, seu rosto angelical e seus olhos azuis fizeram com que meu irmão mudasse com todos. Ele não procurava mais o Roberto, não estudava direito, não comia e nem praticava os exercícios corretamente. Aos poucos ele passou a direcionar todo o amor dele para Célia e ela também caiu nos encantos do Carlos. O Roberto ficou desolado, tristonho e passou a ter raiva do mundo, das pessoas e de tudo. O ódio tomou conta do coração dele e não parou por aí. Ele amava tanto o Carlos que se expôs frente ao batalhão, apanhou de alguns oficiais, foi humilhado e expulso do pelotão e se tornou a piada da cidade, os pais o obrigaram a se casar com uma moça na época filha de amigos da família do Roberto, eles tiveram um filho, mas o Roberto nunca deixou de amar ou procurar meu irmão. No dia que meu irmão se casou ele tentou se matar, mas não teve muita coragem para ir até o final.
Era difícil entender tanta informação, mas ele continuou.
- Alguns anos mais tarde, assim que minha cunhada anunciou a gravidez o Carlos não pode comemorar corretamente, pois ele foi convocado junto aos demais para irem servir e ajudar as forças na região síria. Meu irmão foi morto em batalha, servindo ao que ele sempre, desde criança acreditou. O Roberto entrou em depressão, depois disso foi internado, fez alguns tratamentos psicológicos, terapêuticos e bastante acompanhamento médico. Ele enlouqueceu e sumiu, a família mudou-se de cidade e nunca mais ouvimos falar dele. Quando meu sobrinho nasceu a mãe teve uma parada cardiorrespiratória e veio a falecer, o filho dela foi roubado no berçário e desde então nós não temos notícia alguma sobre eles. O Roberto foi um menino doce e carinhoso, mas as circunstâncias o transformaram num ser amargurado e de mal com Deus e com o resto do mundo.
Meu pai gay? Dr. Roberto tendo um caso homossexual?
Todo ignorante e homofóbico, dizendo que não queria ver o filho trepando com outro homem, que preferia um filho morto a um filho gay, eu fiquei espantado.
Era impossível digerir tantas informações como aquelas, uma bomba que estava agora a ponto de explodir nas minhas mãos.
Eu ainda precisava juntar provas para colocar o rancoroso contra a parede.
A nossa conversa estava interessante, mas nós precisávamos voltar já que o Dr. Roberto me queria em casa para o jantar e era provável que ele descobrisse onde eu poderia estar.
Combinamos de voltar no outro dia.