CAPÍTULO 6: É SÓ SOCAR!
Eu fiquei lá, jogado com a cara no chão. Agora até eu sentira pena de mim mesmo.
"Eu sou patético!!!" Disse a mim mesmo dando um soco no chão.
- Seu ridículo!!!- Gritei e soquei novamente o chão- Eu vou mostrar... Eu vou mostrar que eu posso, vou mostrar que sou capaz, eu consigo!!!- Pingos de chuva começaram a correr pelo meu rosto.
Me levantei decidido e me posicionei à frente da escultura, que mesmo com a chuva se mantinha intacto.
O encarei e então estendi apenas a mão esquerda sobre ele.
- Sou eu que domino aqui, eu que mando e você apenas obedece!!!- Gritei e me concentrei no centro da escultura. Senti meu corpo inteiro extremecer e imaginei a sena de antes.- Dessa vez você não vai me controlar, eu serei o maior guardião que já existiu!- Como se houvesse uma parede invisível na palma da minha mão direita, a pûs ao lado do meu corpo mantendo os dedos abertos, e lancei contra a escultura, que derreteu e despencou sobre a grama molhada. Fechei os olhos e fiz movimento de puxar para trás e em seguida girei fazendo com que toda a água que havia no chão, seguisse minhas mãos em forma de uma cobra.
Eu lembrara de quando treinava com Halon no esconderijo e rê-fiz os movimentos como se estivesse lutando. A enorme cobra de água seguia todos os meus movimentos chicoteando no ar. Girei os braços juntos em cima da cabeça de trás para a frente e então abri os olhos. Arya estava parada bem à minha frente e sem perder a concentração abri os braços fazendo com que a cobra d'água se partisse ao meio, evaporando em seus lados. Seus cabelos bagunçavam no ar enquanto eu a encarada sério respirando forte.
Ela sorriu e sentiu o ar úmido ao seu redor.
- Estou orgulhosa de você.- Disse ela se aproximando.- Eu sabia que se lhe dissesse aquilo, você se reforçaria de verdade e encontraria sua verdadeira força que estava esse tempo todo, escondida aqui...- Ela pôs uma das mãos em meu coração e sorriu.- Terei a honra de poder treiná-lo a minha maneira.- Ela se curvou levemente e eu repeti o ato sem dizer nada.- Más fique sabendo que não pegarei leve!- Ela brincou andando ao meu lado enquanto voltamos para o castelo.
- É o que eu espero...- Falei sorrindo.
- Venha, tenho um presente para você.
- Um presente? Para mim?
- Sim. Uma coisa que já foi minha e que eu quero que seja sua agora.
[...]
- Espere aqui, eu já volto.- Disse ela entrando em seu quarto e deixando a porta entre-aberta.
Pela fresta pude vê-la ir até um baú e de lá tirar uma caixa pequena.- Tome...- Disse ela saindo pela porta e me entregando a caixa.
- O que é?- Examinei os detalhes da caixa antes de abri-la.
- Abra e você saberá...- Assim o fiz.
Abri o pequeno fecho de prata e ao abrir, me deparei com um par de luvas negras. As tirei da caixa e as estendi nas mãos para ver o tamanho. Eram bem compridas, acho que davam um pouco antes dos cotovelos.
- Nossa... São lindas.- Sorri agradecido.- Más, porque me deu elas?
- Eu venho as guardando desde que me tornei uma sacerdotiza, sempre esperando para passa-las para alguma das minhas aprendizes, más nenhuma foi tão especial como você é.- A olhava atentamente enquanto escutava sua explicação.- Eu as usei na guerra dos reinos à muito tempo atrás. Más, amanhã eu lhe explico a verdadeira história dessas luvas. Agora, vá descansar. Teremos um dia puxado amanhã.- Ela sorriu e me deu um leve abraço. Seu cheiro era incrível. Os cabelos eram tão macios quanto o mais fino algodão. Dava vontade de dormir em seus braços...
Após me despedir, fui até meu quarto e guardei as luvas. Quando estava tirando as roupas para tomar banho, um pedaço de papel em minha cama me chamou a atenção. O peguei com cuidado e ao abrir, havia uma bela letra dizendo o seguinte:
"HIZEL, PRECISAMOS CONVERSAR O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL. LHE ESPERO NA VARANDA ASSIM QUE A LUA APARECER.
ASSINADO: IAN."
Sorri com o bilhete e fui correndo olhar no relógio. Ele marcava 19:56Hrs. Olhei pela janela e a lua já dava sinal. Corri até o espelho e me arrumei o máximo possível e ao soar às 20:00 em ponto, eu sai correndo até o encontro de Ian.
Quando cheguei na varanda, ele já estava lá. A cena era quase a mesma da noite anterior, só que agora ele usava um agasalho de mangas compridas.
- Oi.- Disse o abraçando.
- Hizel...- Ele retirou minhas mãos de seu pescoço e me olhou sério.
- O que foi?- Perguntei sorrindo.
- Temos que conversar.
- Eu sei, você disse no bilhete...
- Pois é. Ontem você me perguntou se era errado o que estávamos fazendo, e eu disse que não sabia. Bom, agora eu sei a resposta. O que estávamos fazendo era errado. Nós nunca deveríamos ter feito aquilo. Eu não devia tê-lo beijado e nem me aproveitado da situação...
- O que você está dizendo?!- Perguntei me afastando um pouco para olha-lo melhor.
- Homens nasceram para mulheres, e não para homens...- Não sei porquê, más aquilo foi como um soco em meu estômago. Eu gostava de estar com ele. A noite anterior foi sem dúvidas a melhor de toda a minha vida. Eu sei bem porque passei praticamente a noite inteira acordado pensando no acontecido e lembrando do quanto foi bom estar ali.- Eu refleti e decidi que aquilo não pode mais se repetir. Eu não quero mentir para você, e por isso, eu tenho que dizer que não sinto o mesmo por você... Na verdade, eu nem sei porquê fiz aquilo.- Minha cara foi no chão e voltou. Eu não podia acreditar no que havia acabado de ouvir.- Desculpa...
- Desculpa? Eu não sei muito, na verdade quase nada sobre amor, más eu sei que ninguém dá um beijo daqueles em alguém do mesmo sexo, principalmente, "porque homens nasceram para mulheres, e não para homens" sem sentir nada. Quer saber? Aquilo realmente não deve mais se repetir. Agora eu vejo que foi apenas um erro, um erro que eu espero que nunca mais aconteça!- Dito isso lancei um tapa em seu rosto que o jogou na parede com violência. Olhei para minhas próprias mãos sem entender o que eu havia acabado de fazer, más quando vi que ele se levantou bem, sai pela porta o deixando sozinho.
Tudo o que eu disse foi totalmente o contrário do que eu realmente queria dizer. Eu queria implorar para que ele me beijasse novamente, para que ele ficasse comigo... Más eu não iria descer tão baixo a ponto de me humilhar para alguém que diz que se aproveitou de mim.
Sem pensar muito, desci as escadas e empurrei a porta com força fazendo a tranca de aço ceder e a mesma escancarar-se. Eu não sabia de onde essa força havia vindo. Eu me sentia mais forte, me sentia mais vivo e ao mesmo tempo, mais destruído que nunca.
Andei pelo campo de treinamento embaixo de chuva e fui em direção à um enorme e grosso tronco que servia de alvo.
Parei à sua frente e juntei toda a minha raiva e desferi um único soco que fez a tora se partir ao meio. Olhei para cima e vi aquela coisa imensa caindo em minha direção, então, tudo ficou escuro.
[...]
- Hizel... Hizel...- Abri os olhos devagar e olhei em volta, estava em meu quarto.- Hizel? Você está bem?- Olhei à minha frente e vi alguém, por alguns segundos não consegui identificar por conta da luz fraca das velas que ficavam em cima da mesa de cabeceira.- Hizel?
- Oi...- Disse agora percebendo que se tratava do belo rapaz de cabelos dourados. Más, o que ele fazia em meu quarto?
- Como se sente?- Perguntou ele me fitando com seus lindos olhos.
- Não muito bem...- Tentei me levantar apoiando-me em meus cotovelos, más não consegui passar da posição, já que minha cabeça deu uma pontada forte, obrigando a deitar-me novamente.- O que aconteceu?- Ele estava ao meu lado sentado na beirada da cama.
- Não sei ao certo. Estava descendo para tomar um copo d'água e lhe vi pela janela correndo na chuva; então sai e fui ver onde você ia, e...- Ele fez uma cara engraçada.- Você deu um soco naquele tronco gigante que a gente usa no treinamento, e ele se partiu no meio! Foi incrível!- Eu sorri com a expressão de criança que ele mostrava e logo fechei a cara ao lembrar do que aconteceu com Ian.- Então o tronco caiu em cima de você. Eu lhe carreguei até aqui e troquei suas roupas molhadas...
- Obrigado...- Disse sorrindo, más, espera ai... "troquei suas roupas molhadas"- Você me viu sem roupa?!!- Gritei sentindo outra pontada forte na cabeça.
- Bom... Não exatamente. Eu fechei os olhos enquanto trocava suas roupas de baixo... Eu juro.- Disse se aproximando um pouco.
- Hum... Obrigado de novo.
- Não tem de quê.- Ele deu um lindo sorriso e curvou-se até a mesa de cabeceira, pegando uma pequena bacia com água.- Ham... Você está com um galo enorme na cabeça...- Passei uma das mãos levemente em minha testa, e realmente era enorme.- Bom, o ideal seria gelo, más na ausência do mesmo...- Ele espremeu um pedaço de pano úmido, pôs timidamente em minha testa e apertou cuidadosamente tentando não me machucar.
Segurei em sua mão, a tirando de minha cabeça e toquei o pano, fazendo com que a água no mesmo congelasse.
- Pronto.- Sorri e ele me olhou surpreso.
- Você conseguiu... Você aprendeu a controlar?
- Sim...- Ele me deu um lindo sorriso e pôs novamente o pano em minha testa.
Ficamos nessa posição por vários minutos, até ele cortar o silêncio e me chamar a atenção.
- Er... Eu sei que pode não ser o melhor momento, más, eu queria me desculpar pelo modo que o tratei mais cedo no campo de treinamento. Eu não queria dizer aquilo, eu só...
- Tudo bem, esquece aquilo.
- Não, eu não deveria ter dito aquilo, eu não achei nojento... Na verdade, eu disse aquilo porquê... Bom, porquê era eu que queria estar lá, no lugar dele...- Arregalei os olhos surpreso com tal revelação, assim, de uma hora para a outra.
Ele me encarava sério. Seus olhos eram um total mistério, eu podia me ver neles e sempre que tentava dizer algo, ou fazer algo, eu era impedido pelo medo de dizer algo errado. Aqueles segundos foram os mais longos de toda a minha vida. Eu estava totalmente confuso, não tinha a menor idéia do que deveria fazer.
Ele retirou o pano da minha cabeça e o pôs de volta na bacia.
- Bom... Eu vou indo, boa noite.- Disse ele já cansado de esperar por uma resposta que até eu sabia que não sairia. Ele se levantou e passou devagar pela porta ainda esperançoso de que eu lhe desse uma resposta.
Eu não poderia, quer dizer, eu não podia. Não podia dar-lhe uma resposta, a resposta que ele queria ouvir, porque, apesar de sentir algo por ele, minha cabeça e coração estavam confusos. O que Ian me disse mexeu muito comigo e eu não queria me equivocar com Enzo e acabar o magoando.
Passei metade da noite em claro pensando e repensando sobre o que Enzo havia me dito.
Abri os olhos e já estava claro. Os pássaros cantavam, o sol brilhava aparentemente mais que o normal e eu me sentia um bagaço. Não tinha ânimo para sair da cama e muito menos para encarar os dois, más eu precisava treinar. Treinar o máximo possível, me fortalecer o máximo possível, mesmo que isso significasse partir todos os meus ossos e fazer outro galo em minha cabeça. Aliás, olhei no espelho e o enorme glóbulo se encontrava roxo no topo de minha testa. Pensar em toca-lo era mais doloroso que o fazer realmente. Então peguei a bacia de água e fiz uma pequena bolha flutuar ao meu encontro e a congelei, pondo em cima do hematoma.
[...]
Não demorei muito para me arrumar, já que Arya havia me feito prometer que estaríamos no campo antes que todos acordassem para treinarmos a sós.
Desci as escadas vestindo meu uniforme de sempre e passei rápido pela cozinha, pegando uma maçã e lhe dando uma farta mordida.
Ao caminhar pela imensa varanda, já avistei Arya parada ao meio do campo me observando chegar. Me aproximei e a cumprimentei com um largo sorriso. Decidi que hoje nada nem ninguém iria acabar com o meu dia, nem que para isso eu tenha que ignorar totalmente algumas pessoas.
- Bom dia.- Disse ela exalando sua sublime beleza aos raios do sol que pairavam sobre nossas peles.
- Bom dia.
- Animado para hoje?- Perguntou sorrindo.
- E como.- Disse fazendo alguns exercícios de aquecimento.- Muito bem, onde está o balde?
- Hoje o treino vai ser diferente. Não vamos exercitar seu domínio sobre a água.
- O que? Como assim?- Falei parando o aquecimento.
- Hoje iremos treinar suas habilidades corporais. Bom, não sei se já notou, más, sua força deve ter aumentado drasticamente de ontem para hoje.- Fiquei surpreso dela saber de uma coisa que nem eu sabia explicar que estava acontecendo.
- Sim, eu notei.- Disse apontando com uma das mãos ao galo e com a outra, ao tronco jogado no chão.
- Acho que algum de nós já lhes disse que vocês irão desenvolver outras habilidades além do domínio dos elementos, não é?- Apenas assenti com a cabeça.- Pois então, uma das habilidades que os guardiões da água adquirem, é uma força sobre-humana. Por enquanto você ainda não atingiu seu total nível de força, más já é o suficiente para matar alguém com um simples soco.- Lembrei do tapa que dei em Ian que o fez voar contra a parede.- Por isso você deve ter muito cuidado, deve aprender a controlar seus movimentos, pois, a cada dia que se passar, você ficará mais forte.- Eu assenti novamente com a cabeça.- Onde estão as luvas que eu lhe dei ontem?
- Ah, estão aqui...- Disse as tirando do bolso.
- Muito bem. Coloque-as.- Ordenou cruzando os braços e eu obedeci. As luvas ficaram um pouco apertadas, más logo se ajustaram.- Essas luvas não são luvas qualquer. Elas foram feitas de um tecido especial, fabricado dos cabelos de uma fada. Nelas, foi jogado um encantamento pela própria rainha que as permite aumentar drasticamente a força de quem as usa mais de 10 vezes.- Arregalei os olhos surpreso. Se eu já era forte sem elas, imagina com.- É claro, tanta força assim também possui seus perigos, e a rainha pensou nisso. Ela também fez com que as luvas, ao invés de apenas aumentar a força, também absorvessem o impacto do golpe, o concentrando e liberando no alvo protegendo seus braços e impedindo que você sofra danos do seus próprio ataque. Você se tornará uma arma de destruição, dotada de pura força bruta. Se conseguir controlar a si mesmo, você será imparável.- Eu ouvia atentamente tudo o que ela dizia sem piscar ao menos uma vez sequer.- No começo você sentirá um certo desconforto ao desferir o golpe, más com o tempo, você não sentirá mais nada. Pronto para começar?- Disse ela curvando um pouco a cabeça.
- Sim.- Balancei a cabeça e apertei os punhos ao lado do corpo.
- Muito bem, vamos começar.- Ela andou alguns passos para trás e se posicionou ao lado de uma catapulta.
Olhei mais adiante e haviam várias outras, uma ao lado da outra, armadas com várias bolas imensas de pedra.
- Espera ai, o que você vai fazer?- Perguntei apreensivo.
- Eu vou atirar contra você e você tem que destruir essas bolas.- Ela disse como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Aquelas coisas eram maiores que eu, como eu ia destrui-las?
- Você ficou maluca?! Eu vou morrer! Essas coisas vão me esmagar...- A última palavra saiu tremula e minha voz afinou.
- É só socar!- Disse ela impaciente.- Pronto? Ai vai!- Ela nem me deixou responder e puxou uma alavanca, liberando a primeira bola em minha direção.
Nem tive tempo de pensar, quando me vi já havia saltado três metros acima do chão e ao me aproximar, juntei todas as minhas forças e lancei o punho esquerdo contra a enorme bola, fazendo-a se despedaçar em milhares de pedacinhos. Um deles inclusive acertou bem no meu galo, me fazendo gemer de dor. Minhas mãos latejaram, más não senti dor alguma.
Caí sobre o chão me contorcendo pela dor, que não atingiu minhas mãos, más sim meus pés.
- Ai!- Gritei me ajoelhando na grama e vários pedaços de pedra caíram ao meu redor.
- Muito bem!- Gritou ela vindo em minha direção.- Ótimo. Agora só precisamos arrumar botas mais acolchoadas para você, já que você terá que dar saltos bem mais altos que esse em uma batalha.- Ela sorriu e me ajudou a levantar.- Vamos, ainda restam onze dessas.
- O que?! Onze?- Perguntei abismado.
- Achou que ia ser fácil?- Ela saiu correndo até outra catapulta e pôs as mãos na cintura ao chegar lá.
- Está querendo me matar, é?- Falei ficando em posição de luta com um dos punhos um pouco à frente da cabeça e o outro ao lado do quadril.
- Vai!- Disse ela lançando a enorme bola.
Continua....