Olá, queridos leitores do CDC!
Desculpe, lukee, eu não consegui postar ontem este capítulo, já que estava estudando para uma prova. Mas aqui está o capítulo dois para quem estava esperando ;).
Muito obrigado pelo elogio, Irish, seu tipo de elogio faz com que meu ego se infle demais, cuidado! Obrigado pelos comentários, FabioStatz, cintiacenteno e Lucas M., espero que continuem gostando da série, tentarei manter o ritmo.
Boa leitura!
Contato:
---
APROXIMADAMENTE DOIS MESES DEPOIS
27 DE FEVEREIRO
_Ah... Hector, eu não sei o que eu peço...
Eu e Hector estávamos na fila da lanchonete da Faculdade de Medicina da ESOM. Eu olhava para a lista de coisas possíveis.
_Victor, estamos numa fila, tem gente atrás... – disse Hector ao meu lado preguiçosamente.
Olhei para trás, alguns alunos me olhavam com uma carranca. Provavelmente eram calouros também, o que significava que já não tínhamos passado uma boa impressão. Virei para o caixa.
_Um milk shake de chocolate médio para viagem, por favor. Vai querer o quê, Hector? – perguntei.
_Nada. – ele respondeu.
_Outro milk shake de baunilha grande para ele, por favor. – disse e paguei.
Hector deu um suspiro de indignação enquanto íamos para uma mesa. Ele estava usando uma camiseta lisa branca com uma jaqueta preta estilosa por cima que o deixava muito bem, além de calças jeans azul claras e sapatênis. Normalmente, eu comprava roupas com ele, já que, se não fosse dessa maneira, ele não faria questão ou compraria qualquer coisa que simplesmente cobrisse seu corpo.
_Eu sei que você adora milk shake de baunilha. – eu disse com um sorrisinho inocente enquanto nos sentávamos.
_O seu segurança bebendo um milk shake de baunilha, que piada... – ele disse com sua típica expressão vazia.
_O meu segurança passou no vestibular junto com seu protegido e fará seis anos de curso por causa disso. Realmente, chega a ser cômico. – retruquei sorrindo como se aquilo fosse realmente engraçado.
Era verdade, Hector havia feito o vestibular para medicina na ESOM e passou. E não era só isso, nós dois pegamos os dois primeiros lugares da lista de aprovados. Eu fiquei com o primeiro. Aquela situação era, no mínimo, peculiar. Meu pai era excêntrico, mas mandar o segurança do seu filho cursar seis anos de medicina era o nível máximo que o Sr. Voldi havia atingido. De qualquer forma, eu não me sentia incomodado, eu e Hector éramos quase irmãos, embora não nos fôssemos sempre fofinhos um com o outro. Eu tinha confiança plena em Hector, e gostava de pensar que ele sentia o mesmo por mim.
_Ei, olha a bolsista que pegou o terceiro lugar. – disse uma garota morena que era muito bonita para os padrões atuais. Ela estava falando com uma garota com o cabelo loiro longuíssimo.
_Nem sei como ela conseguiu passar. Aff, esse povo sem sal... – disse a garota loira.
Nossos milk shakes chegaram. Olhei para o lado e a vi. A tal bolsista estava encostada numa parede. Parecia nervosa, levantava seus calcanhares em sequência e olhava constantemente para seu redor. Tinha pele clara, cabelos pretos longos e ondulados, que ficariam lindos se ela não amarrasse daquela forma. Usava óculos de armação preta e lentes quadradas e vestia trajes normais: uma camiseta lisa, calça jeans e all star azul. Era magra, sem atributo corporal especial. De fato, se você a colocasse ao lado de qualquer garota presente no recinto, ela perderia no quesito “sal”. Mas isso era julgamento superficial. Aquela garota era Aline Reis, e ela era interessante, já que conseguiu ficar em terceiro lugar, logo atrás de Hector. O regulamento da ESOM dizia que só seriam bolsistas aqueles que comprovassem incapacidade de pagar a mensalidade (que, de fato, era alta) e, junto com isso, passassem entre os cinco melhores no vestibular (que não era nada fácil). Hector e eu havíamos conseguido a proeza de liderar a lista pelo fato de termos a melhor educação de ensino médio existente, com professores particulares bastante caros, mas bastante eficientes.
A garota loira que chamou a bolsista de “sem sal” virou-se para mim e Hector e disse:
_Olá, vocês. Como vocês se chamam?
Sua voz estridente me irritava, e ela olhava para Hector como se ele fosse um pedaço de carne suculenta. Eu não a culpava, Hector era, de fato, um pedaço de mal caminho. Decidi que eu não gostava dela.
_Meu nome é Victor. – respondi enquanto chupava meu milk shake, sem dar a importância devida àquela garota de uma elite qualquer – Ele é o Hector.
Respondi por ele porque sabia que Hector não responderia porque, provavelmente, ele a achara irritante. Além disso, ele era um homem de poucas palavras. A garota loira olhou para mim e ficou boquiaberta.
_Victor Voldi!? Meu nome é Larissa Ortino. Prazer em conhecê-lo!
Aquele início de puxação de saco se juntou com sua voz estridente e senti que meu milk shake ficava mais amargo à medida que olhava para aquele rosto cheio de maquiagem cara e sinais de falsidade. Decidi cortar a coisa toda pela raiz:
_Claro, claro. Larissa Ortino... filha do doutor Paulo Ortino, o melhor e mais renomado cirurgião oncologista de São Paulo, dono do Hospital Oncológico Ortino. Sua posição no vestibular foi 35ª, trinta e duas posições abaixo de Aline Reis. – dei um foco no “trista e duas” e apontei indiferentemente para a garota bolsista encostada na parede enquanto dava mais uma sugada no canudo – A tal da “garota sem sal”.
Larissa Ortino olhou para mim como se eu tivesse dito uma atrocidade, mas antes que ela pudesse manifestar qualquer coisa, um veterano se colocou no meio da lanchonete e disse, em voz alta:
_Calouros, vão para o auditório, a recepção vai começar em cinco minutos.
Eu e Hector nos levantamos com nossos milk shakes e nos dirigimos para o auditório, deixando para trás as duas garotas escandalizadas.
_Não é uma boa ideia fazer inimigos logo no primeiro dia. – disse Hector olhando para frente.
_Não gostei dela. – eu disse, simplesmente.
_Nem eu. – concordou ele.
Entramos no auditório e sentamos do lado direito na terceira fileira de cadeiras, de modo a deixar a cadeira da extremidade direita livre. Os quarenta alunos aprovados para Medicina pela ESOM foram entrando. A maior parte deles realmente esbanjavam riqueza. A maior parte daqueles jovens eram realmente bonitos, mas isso era um efeito que vinha com o dinheiro. Logo avistei Aline Reis, a bolsista, e ela ficou parada ao lado da porta, provavelmente procurando algum lugar longe dos outros calouros, o que seria difícil, visto que havia sessenta lugares para quarenta alunos. Ela estava ao alcance da minha voz, então eu disse, com uma feição indiferente:
_Pode se sentar aqui, se quiser.
Ela olhou para mim com um pouco de surpresa e, com cautela, aproximou-se da cadeira vazia e sentou-se. Inicialmente ela não disse nada, mas em seu rosto eu podia ler que ela estava pensando se devia falar comigo ou não, e se sim, como faria isso. Eu pensei em iniciar um diálogo, mas não podemos facilitar tanto para as pessoas. Aquela seria uma boa experiência para ela.
_Hum... Meu nome é Aline. – ela disse e estendeu a mão para mim.
Eu sorri e a cumprimentei.
_Eu sou o Victor. – olhei para Hector, que não mostrou sinais de que ia cumprimentá-la – Hector... Ela me parece uma boa pessoa, seja educado.
Hector olhou para Aline com seu típico olhar vazio e estendeu a mão a ela:
_Hector. Prazer.
Aline ficou meio incerta com aquilo, mas cumprimentou-o.
_Bom, Aline, já que você é uma pessoa interessante, eu vou te dar umas dicas sobre nossos novos colegas de curso. Primeiro, tome cuidado com todos eles. A maioria deles é um bando de jovens insensatos e relativamente perigosos. – apontei para um garoto loiro algumas fileiras à frente que estava junto com uma garota com uma trança longa, os dois conversavam e sorriam – Aqueles dois são pessoas gentis, diferentes da maioria. – apontei para um garoto alto e forte, de cabelo raspado – Já aquele ali gosta de se aproveitar sexualmente de garotas.
_Você os conhece? – ela me perguntou enquanto ouvia com curiosidade, assustando-se quando eu falei do garoto de cabelo raspado.
Hector deu um risinho debochado.
_É algo que podemos saber só de olhar para a pessoa. A forma como se senta, como sorri, como conversa, como gesticula, como olha para outra pessoa. – ele disse como se fossem coisas óbvias, mas era impressionante que ele estivesse se comunicando com Aline.
Aline o olhou como se achasse aquilo estranho. Avistei um grupo com três garotos e uma garota. Era a morena que estava com a tal da Larissa Ortino.
_Ah, Hector, olha ali na sexta fileira, do lado esquerdo. Estão falando da gente. – semicerrei os olhos e observei atentamente o que um dos garotos falava, e já que era uma boa ocasião para praticar leitura labial, fui repetindo as palavras à medida que ele dizia – “Aquele é o Voldi? Eu esperava alguém... sei lá, maior, mais imponente”. Uau, eu estou indignado, Hector!
Apesar de eu ter dito isso, eu estava rindo. Leitura labial era divertido. Hector fez o mesmo, agora repetindo o que outro cara falava:
_”E ele tá com aquela bolsista. Será que ele sabe quem ela é?”.
Aline corou um pouco. Repeti o que a garota morena estava dizendo:
_”E tem mais, o Voldi ofendeu a Larissa na cara dura! Quem ele acha que é?”.
Hector agora exibia um leve sorriso, coisa rara. Ele imitou o garoto que agora dizia:
_”Ah, fala sério, Ana! Ele é o filho do Orlando Voldi, um dos caras mais influentes do Brasil, a Larissa devia estar puxando o saco dele. Levou na cara!”
_”Tanto faz... quem será aquele cara que está do lado dele? Ele é gatinho.” – imitei a morena – Acho que estão falando de você, Hector.
_Vocês são psicopatas? – interrompeu Aline, que nos olhava incrédula e com um pouco de medo.
Olhei para ela com um sorriso calmante, embora um pouco forçado, e disse:
_É só leitura labial.
_”Só” leitura labial? – ela repetiu, agora com um sorriso duvidoso – Vocês são engraçados...
Sua expressão mudou de sorridente para pensativa:
_Espera... Voldi... já vi esse nome em algum lugar. – ela pensou mais um pouco – Ah! Drenididazona!
_Esse é um dos nossos medicamentos, sim. O mais simples deles, eu diria. – confirmei.
_Parece legal controlar uma empresa assim. Remédios e tal. – disse Aline com uma expressão admirada.
Dei um risinho. Eu gostei de Aline. Ela misturava inteligência e ingenuidade. Não me via só como uma peça do mundo controlado por influência, como faziam os integrantes da mesma elite que eu, e aquilo me agradava.
Percebi que meu milk shake acabou. Dei uma olhadela para o de baunilha de Hector.
_Pode pegar, se quiser. – ele disse, oferecendo seu milk shake.
_É só um gole. – eu disse enquanto pegava seu copo.
Um veterano subiu ao palco, que era grande e em madeira lustrosa, com uma enorme tela para apresentações de slides e um daqueles objetos de madeira com um microfone onde palestrantes ficam atrás. A luz do recinto era alaranjada, dando um certo calor ao local. O veterano começou a dizer:
_Bom dia, calouros. Antes de mais nada, bem vindos à ESOM. A turma 67 dá boas vindas e dá suas congratulações à turmaFoi uma boa recepção. Houve zoação dos professores do primeiro ano, embora eu achasse bastante ofensivo, visto que eu nutria uma admiração especial por professores e mestres, sejam eles quem fossem. Além disso, houve a apresentação da atlética, convites para departamentos do centro acadêmico, um resumo dos eventos anuais da ESOM e uma pequena fala do reitor da ESOM, Georgio Debner, um homem poderoso em seus 56 anos.
Quando a recepção acabou, Hector, Aline e eu íamos nos dirigindo para a saída do auditório quando fui abordado pelo reitor, que também estava de saída.
_Quer dizer que o garoto Voldi realmente veio para a ESOM. Seu pai me disse que viria, mas eu duvidei. Pensei que você só gostava de aprender de forma particular. – disse Georgio.
Eu já o havia conhecido uma vez, dois anos atrás, quando ele fez uma visita ao meu pai. Os dois eram amigos havia muito tempo.
_Não sei se vou gostar desse método, Sr. Debner. Mas isso é algo que meu pai quer que eu faça, então vou me esforçar. – eu disse com um sorriso natural enquanto caminhava ao lado do reitor.
Alguns alunos nos corredores olhavam para nós dois de modo estranho. Acho que não eram muitos os que conseguiam uma conversa casual com Georgio Debner. Ele parecia não se importar, continuou conversando:
_Espero que goste daqui. Como sei que você tende a querer aprender coisas excêntricas, dê uma olhada na lista de disciplinas de núcleo livre. Há umas matérias bem interessantes. – ele bagunçou meu cabelo levemente e deu um sorriso agradável – Se precisar de alguma coisa, apareça na minha sala. No mais, é bom ter o peculiar Victor Voldi aqui. Seja bem vindo.
_Obrigado. – agradeci.
Nos separamos, o reitor indo para o estacionamento de trás do prédio da medicina enquanto eu e Hector nos dirigíamos para o estacionamento da frente. Olhei para Hector, ele me olhava, ainda com sua cara vazia, mas eu sentia um certo deboche ali.
_Você está pensando: “o reitor acabou de tratar ele como uma criancinha”. Certo? – perguntei para Hector com um sorriso desafiador.
Ele olhou para o outro lado, sem demonstrar nada. Ele sempre fazia isso quando estava me zoando. Era uma maneira estranha de debochar.
_Não. – respondeu.
Dei um soquinho no braço dele, sorrindo divertidamente.
_O que vocês farão agora? – perguntou Aline.
_Vamos para casa. Onde você mora, Aline? – perguntei.
_Ah... hum... aqui perto, num pensionato. – acho que ela estranhou a pergunta.
_Ok, precisa de carona? – perguntei.
_Não, tudo bem. São só umas três quadras. – ela sorriu – Obrigada mesmo assim.
Nesse momento, quando andávamos no corredor principal da faculdade de medicina, eu vi alguém familiar no meio de uma roda de amigos. Ele conversava descontraidamente até me ver. Sua feição foi de naturalidade para uma preocupação pesada e urgente. Finalmente, eu o estava reconhecendo. Antes que eu pudesse fazer ou dizer qualquer coisa, o cara veio na minha direção com passos rápidos e vi que ele iria agarrar meu braço com sua mão. Num piscar de olhos, Hector se colocou na minha frente e segurou o braço do jovem que vinha até mim. O rosto do meu segurança adquiriu uma expressão perigosa. Aline parecia não estar entendendo nada, olhava de um lado para outro tentando achar uma dica.
_Se afaste. – disse Hector numa voz calma e perigosa.
_O quê!? Eu só quero conversar com ele, cara! Qual é o seu problema? Você é guarda costas dele ou coisa assim? – disse um indignado Eduardo Miller, enquanto tentava soltar seu braço do aperto da mão de Hector.
_Na verdade, eu sou sim. – disse Hector secamente, respondendo à pergunta retórica do Miller.
Os Miller detinham a maior parte das ações da Eletrocore, maior empresa do ramo de eletrônicos do Brasil. Leonardo foi o primeiro cara que eu beijei. Ocorreu numa festa beneficente dada por seu pai. Ele estava bêbado e eu era inocente demais, ele pediu para ficar comigo, e eu aceitei. Fazia um bom tempo já...
_Tudo bem, Hector. Ele só queria me puxar para um lugar mais reservado para conversar. – eu disse, tentando acalmar as coisas.
Olhei para os amigos do herdeiro Miller. Eram claramente do tipo mais repulsivo de heterossexuais. Homofóbicos, talvez. Em um instante, eu compreendi o que significava a preocupação em seu rosto: ele queria que eu ficasse de boca fechada sobre o que fizemos doisanos atrás, quando ficamos.
Hector soltou seu braço. No lugar onde ele havia segurado, havia uma marca avermelhada que provavelmente viraria um hematoma. Leonardo alisou o local onde estava a marca da mão de Hector e o olhou com raiva.
_Bom, eu ia te avisar, Leonardo: não se aproxime bruscamente. Se estivéssemos lá fora, Hector teria te nocauteado sem dar tempo de você sequer saber o que aconteceu. – eu disse, e seus amigos aparentemente trogloditas deram risinhos.
Leonardo olhou-me de forma indignada. Ele era bonito, e teria mesmo que ser para que eu me arriscasse a ficar com um garoto numa festa com meu pai e seus amigos presentes. Ele empatava em altura com Hector, mas tinha um pouco mais massa muscular, o que mostrava que ele andou frequentando uma academia por um certo tempo, eu não me lembrava de ele parecer tão forte ou tão másculo. Era loiro, com uma pele bem clara, tinha um corte de cabelo curto e casual, com um “bagunçadinho” na frente que dava um ar despojado. Sua mandíbula era bem marcada, o que dava ao seu rosto uma forma bem masculina, o que juntava com sua barba também clara. Ele usava uma camiseta preta com escritas em branco: Medicina ESOM Turma 67. Aquilo significava que ele era meu veterano.
_Não se preocupe, Leonardo. Já entendi o recado – eu disse e recomecei meu caminho.
Ao passar ao lado de Leonardo, olhei para ele e dei um sorriso perigoso, fazendo um sinal passando o indicador e o polegar na boca, como se fechasse um zíper, querendo dizer: “Vou guardar seu segredinho”. Leonardo pareceu ficar mais inseguro com aquilo, mas não ousou dizer nada. Hector e Aline me seguiram. Leonardo falou incisivamente para Hector, quando este estava ao seu lado:
_Você me paga, cãozinho dos Voldi.
Hector pareceu não se importar com aquilo e passou direto, sem sequer olhar para trás. Aline veio logo atrás. Meu rosto logo adquiriu uma expressão pesada. Eu não estava esperando encontrar Leonardo. Não posso negar que foi uma surpresa desagradável.
_Quem era ele? – perguntou uma intrigada Aline.
_Ninguém. – respondi secamente.
_Ninguém? Como se alguém fosse “ninguém” nessa universidade. – ela disse inconformada com minha resposta.
_As pessoas são mais do que seus nomes e a influência que eles carregam, Aline Reis – olhei para ela com um sorriso cansado – Eu esperava que você fosse capaz de compreender isso.
---
Ao chegar em nosso apartamento, eu fui direto para o congelador da geladeira e peguei um pote de Häagen Dazs de biscoito de caramelo e creme, peguei uma colher. O apartamento era muito bom. Tinha uma espaçosa cozinha com um balcão americano em madeira, assim como o chão, e era toda equipada com micro-ondas, um fogão com seis bocas instalado no balcão que continha a pia, uma grande geladeira duplex metálica e armários também em madeira de boa qualidade. Adjacente a ela estava a sala, também espaçosa, com um carpete que aquecia para dias frios, uma televisão de 60 polegadas, um home theater, e um PS4 (eu e Hector gostávamos de disputar no vídeo game). Havia também um sofá cama, no qual Hector naquele momento estava sentado com a cabeça pendendo para trás, como se ele tivesse voltado de um dia cansativo. Sentei ao seu lado com o pote de sorvete e ofereci para ele:
_Já provou desse? É bom demais! – eu disse.
_Não.
Peguei uma colherada de sorvete e encostei a ponta da colher na boca fechada de Hector. Seu reflexo foi se afastar um pouco. Olhou para mim como se eu estivesse agindo como um idiota. Apesar disso, ele abriu a boca e aceitou a colher de sorvete. Se outro alguém tentasse fazer o mesmo com Hector, essa pessoa provavelmente estaria com o braço quebrado nesse momento. Hector normalmente não gosta que se aproximem, mas ele baixa a guarda quando estamos só nós dois.
_É bom, não é? – abri um sorriso com expectativa.
_Prefiro baunilha. Seu pai disse para eu controlar seu comportamento com doces. – disse ele secamente.
_Nós dois sabemos que você não vai fazer isso, caro Hector. – eu disse em tom desafiador.
Virei pra frente e continuei tomando meu sorvete. O silêncio se instalou por uns trinta segundos. Quebrei-o:
_Hector... sobre o Leonardo...
_Você está bem com tudo isso? – ele perguntou repentinamente, com seu tom grave e monótono de sempre, mas eu percebia sua preocupação. Só o fato de ele perguntar já mostrava que se importava.
_Já faz tempo demais para que eu me sinta da mesma maneira. Eu era um adolescente carente e ingênuo, naquela época. – eu disse imitando Hector e pendendo minha cabeça para trás, como se observasse uma constelação no teto.
Depois de ter beijado Leonardo no jardim da sua casa na noite da festa, eu não consegui tirá-lo da cabeça pelas próximas semanas. Isso refletiu no meu comportamento, me deixando irritadiço e de mau humor, mas mais importante, profundamente triste. Quando eu pensava naquela época, não conseguia deixar de me ver como uma criança burra e apaixonada por um cara que nem conhecia direito, que não estava nem aí para tudo aquilo, e que, provavelmente, nem se lembrava de mim. Mas o tempo passou, eu deixei de centralizar a imagem de Leonardo e voltei ao meu eu normal. Havia sido um caso carência adolescente aguda típica. Um tempo depois, Oliver apareceu e eu tive minha segunda experiência homossexual que, aliás, foi muito melhor do que com o jovem Miller.
Apesar disso, vê-lo naquele dia, na recepção dos calouros, foi um choque. Lembranças vieram como uma torrente e eu não conseguia classificar Leonardo como outra coisa que não fosse “trauma”.
_O que eu ia dizer, Hector, é que peço desculpas pelo Leonardo. Isso é assunto meu, você não precisava ter sido ofendido.
Hector não respondeu de imediato. Ele era muito cauteloso para falar as coisas. Talvez por isso falasse tão pouco.
_Não se preocupe com isso...
Não me senti melhor. Mas ele continuou:
_Se ser o “cãozinho dos Voldi” me permite ter tudo o que eu tive, então eu posso até me orgulhar desse título.
Olhei para Hector e ia reprimi-lo por dizer algo assim, mas deparei-me com um sorriso completo em sua boca. Um sorriso genuíno.
Tão genuíno que me fez sorrir também.
<Continua>