Meu nome é Yago, estou no primeiro ano do ensino medio e moro no interior de São Paulo com meus pais. Minha mãe nunca trabalhou; não éramos ricos, mas meu pai nunca deixou faltar nada.
Seu Antônio era pedreiro e se desdobrava o máximo que podia para que eu e minha mãe tivéssemos sempre o básico.
— Eu consegui! — gritei, saindo do quarto e abraçando minha mãe, que estava na sala. — Eu passei, mãe, consegui!
— O que foi, menino? — disse ela, rindo e retribuindo o abraço, sem entender nada.
— Eu consegui uma bolsa de 100% em uma das melhores escolas particulares do Rio de Janeiro.
— Como assim, Rio de Janeiro? — disse meu pai, levantando-se imediatamente. — Não temos como ir para o Rio de Janeiro. Não posso largar meus projetos aqui, morreremos de fome lá. Aqui é cidade pequena, todos já nos conhecem.
— Exatamente! — falei irritado. — Aqui é cidade pequena! Eu quero ter um futuro, ou você acha que eu quero ser ajudante de pedreiro a vida toda?
— Mas saiba que é o pedreiro aqui que coloca comida na sua mesa, menino! — disse meu pai, levantando a voz.
— Não foi isso que quis dizer, pai — falei, arrependido. — É só que eu quero estudar em um lugar bom, quero ter oportunidades.
Senti meus olhos se encherem de lágrimas e fui para o meu quarto. Ouvi minha mãe bater na porta, mas preferi ignorar e acabei pegando no sono.
Acordei algumas horas depois com um grito que vinha da cozinha. Levantei rapidamente e encontrei meu pai no chão, se tremendo, enquanto minha mãe gritava por ajuda.
Infelizmente, não teve nada que pudéssemos fazer. Quando os médicos chegaram, meu pai já não estava mais vivo; ele havia tido um AVC.
Os dias seguintes foram bem complicados. Comecei a me afastar dos estudos e a pegar as obras que fazia com meu pai. Minha mãe não conseguia emprego em lugar nenhum, e ficou para mim a obrigação de sustentar a casa.
A cada dia, eu me sentia mais triste e com menos vontade de voltar para casa. Sempre fui um garoto estudioso, e ter que jogar meu futuro fora para ter a mesma vida que meu pai estava acabando comigo.
Um dia, ao chegar em casa, minha mãe estava com todas as nossas roupas em malas e sentada no sofá, me esperando.
— O que é isso, dona Bia? — perguntei, sem entender nada.
— Aquela escola que você ganhou a bolsa... Eles ligaram.
— E aí? — perguntei.
— E aí que nós vamos para o Rio de Janeiro. Eu vou vender essa casa e lá a gente consegue se virar em uma kitnet por alguns meses. Vai ser o tempo que eu vou precisar para arrumar um emprego de faxineira ou sei lá.
— Você tá falando sério? — perguntei, com um sorriso enorme no rosto. — Eu vou poder estudar?
— Vai sim, meu filho. Não vou mentir, não estou com uma sensação boa sobre essa mudança, mas vou porque você é mais importante para mim — disse ela, fechando os olhos. — Só te peço uma coisa: não me decepcione.
Assenti com a cabeça e fui para o meu quarto ajeitar as coisas.
As aulas já haviam começado, mas só conseguimos nos mudar para o Rio cerca de duas semanas depois, tempo necessário para encontrar um comprador para a casa e arrumar algum lugar para morar no RJ.
Ficamos em um apartamento bem pequeno no centro da cidade, que era bem distante da escola onde eu ia estudar, já que o colégio ficava na Barra da Tijuca.
Meu primeiro dia de aula já foi agitado, pois toda a turma já estava entrosada e até havia trabalho rolando. Ou seja, eu estava atrasado e totalmente deslocado.
Estava sentado no pátio da escola, lendo o conteúdo atrasado, quando um grupo de três meninos chegou até mim.
— Se liga, menor — disse um deles. — Vou deixar você entrar no nosso grupo do trabalho, vou te dar essa moral.
— Obrigado, mas eu...
— De nada, meu consagrado — ele continuou. — Meu nome é Kadu, esses são Greg e Nicholas.
Kadu era moreno, forte demais para um aluno do primeiro ano do ensino médio, tinha olhos verdes, cabelo cacheado e chamava a atenção de todas as meninas da escola.
Greg e Nicholas eram gêmeos, ambos morenos, com corte de cabelo disfarçado e olhos castanhos. O que os diferenciava era o estilo: Greg era mais descolado, usava brinco em uma das orelhas e roupas de marca, enquanto Nicholas usava regata e tinha um braço todo fechado de tatuagem.
— Você sabe que o uniforme não é obrigatório aqui, não sabe, novato? — disse Greg.
— Sei, é que não tenho muitas roupas e...
— Você é bolsista, né? Pobre? — disse Nicholas.
— Deixa o moleque, Nicholas — falou Kadu. — Então, Caio...
— Yago, meu nome é Yago — respondi.
— Yago — disse ele, repetindo meu nome e me encarando. — Se a gente tirasse esse seu óculos e te vestisse melhor, dava até pra você fazer sucesso com a mulherada. Enfim, deixa isso pra depois. O negócio é o seguinte: você faz o trabalho, coloca nossos nomes e quem sabe eu não te levo lá em casa para desenrolar umas roupas que eu tenho pra doar?
— Obrigado, eu acho — respondi, confuso.
— Então é isso, a gente se vê na próxima aula — disse ele, saindo, enquanto os gêmeos o seguiam.
Eu nunca liguei para minha aparência. Não sou feio, mas não me preocupo em me arrumar. Tenho olhos pretos, cabelos lisos, sou branquinho, uso óculos e tenho o corpo definido por conta das obras que fazia com meu pai.
O dia na escola passou rápido, e assim que as aulas terminaram, resolvi andar pelo bairro em busca de algum lugar para trabalhar. Eu sabia que minha mãe não conseguiria bancar a casa por muito tempo, e eu precisaria ajudar.
Depois de quase duas horas andando, quando já estava quase desistindo, passei em frente a uma casa de shows enorme, onde alguns caras estavam lavando a parte de fora, deixando a porta aberta. Resolvi arriscar.
Entrei, procurando por alguém que pudesse me dar uma oportunidade, e fiquei completamente deslumbrado com o interior do lugar. Nunca tinha visto algo tão bonito assim.
— Aqui não é passeio escolar, meu queridinho — disse uma voz aguda e estridente atrás de mim. — Pode tratar de sair pela porta por onde entrou.
Virei-me rapidamente e me deparei com uma figura, no mínimo, curiosa. Era um homem de cerca de 1,80m de altura, super magro, vestindo uma regata preta e um short preto curtinho cheio de lantejoulas.
— Desculpa — falei, encarando-o. — Só queria uma oportunidade de emprego.
— Ah, que fofura! Agora eu tenho cara de programa do governo? — disse ele, rindo. — Aqui não é programa de jovem aprendiz, meu amorzinho.
— É que eu preciso muito... Faço qualquer coisa, preciso ajudar minha mãe.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, me analisando e andando ao meu redor.
— E se a gente tirasse esses óculos? — ele murmurava. — Uma regata também seria legal. Ah! Quem sabe uma calça colada no corpo?
— Uma calça colada? — perguntei, confuso.
— Já pensou em ser garçom... ou gogoboy, meu queridinho? — disse ele.
— Go-go o quê? — perguntei.
— Lerdinho, hein? Veio de onde? Da roça?
— Na verdade, sim — respondi. — Morava no interior de São Paulo e ganhei uma bolsa de estudos na...
— Ai, que tudo! O bicho do mato veio tentar a vida na cidade grande! — gritou ele. — Vamos fazer o seguinte: hoje vai ter um evento aqui. Quero você no bar, apenas servindo chope para alguns clientes. Me encontra aqui às 23h. Você vai ganhar 100 reais por hora.
— 100 reais? — falei. — Isso é muito! Me ajudaria demais!
— Isso, isso, isso! — disse ele. — O evento vai até às 5h da manhã, ou pode acabar antes... se algum cliente te quiser.
— Como assim, algum cliente? — perguntei.
— Você faz muita pergunta, novinho! Aliás, não se atrase. É só chegar e pedir para falar com a Medusa.
— E quem seria a Medusa? — perguntei.
— Ah, quem seria? — disse ele. — Claro que eu sou a Medusa!
Ficamos em silêncio, e ele foi se aproximando de mim. Eu estava nervoso e nem me mexia. Quando seus olhos chegaram perto dos meus, ele gritou, me dando um susto.
— Se vacilar comigo, vira uma estátua de pedra! — disse ele, rindo.
— Estarei aqui, então... Medusa, né? Te chamo de Medusa?
— À noite, sim! — disse ele, rindo. — Como dizem, de dia de um jeito, à noite de outro.
Voltei para casa e falei com minha mãe que tinha conseguido um trabalho para aquela noite. Ela não ficou muito feliz e disse que eu estava ali para estudar, que poderia ser perigoso sair de casa àquela hora, já que não conhecíamos ninguém por ali.
Mesmo assim, insisti que iria. Não podíamos ficar sem dinheiro; na próxima semana, a comida já acabaria, e até agora ela não tinha conseguido arrumar nada.
Quando deu 20h, coloquei a melhor roupa que tinha e fui para a casa de festas. Chegando lá, pedi para falar com a Medusa. Assim que entrei, vi que ele — agora ela — estava completamente deslumbrante, nem parecia a mesma pessoa que eu tinha visto mais cedo.
Medusa desceu as escadas com uma peruca vermelha e um vestido longo verde.
— É Medusa ou Ariel? — perguntei, brincando.
— Ai, você reparou que sou uma sereia, né? — disse ela, rindo.
— Sim, você está muito... bonita? — falei, com medo de errar o gênero.
— Bonito, bonita, por mim tanto faz — disse ela. — Agora, vamos tirar esses óculos e mostrar um pouco da sua beleza também.
— Mas sem eles eu fico cego, não enxergo nada de longe.
— E quer enxergar longe pra quê? — disse ela.
Ela me explicou o que eu deveria fazer: ficar no bar e servir chope para quem pegasse diretamente lá. Eu só deveria sair de lá caso ela mandasse, e, principalmente, o que acontece na Boate Luxos fica lá.
Quando a festa começou, percebi que a boate era de alto padrão. Havia camarotes ocupados por pessoas que pareciam muito ricas. Enquanto isso, na pista, todos também pareciam ter uma condição financeira boa. Não havia uma pessoa menor de idade naquela festa, acho que só eu.
— Quer bala? — disse um dos garçons, se aproximando de mim.
— Bala de quê?
— Da felicidade! — disse ele, rindo. — DROGAS!
— Ah, não, obrigado, não uso isso.
Continuei trabalhando, e, embora já estivesse ficando cansado, sabia que aquela noite ajudaria muito a manter minha casa.
Já eram por volta de 2h da manhã quando a Medusa veio andando na minha direção.
— Preciso que você deixe o bar e venha comigo — disse ela.
Seguimos até uma porta e pegamos um elevador para o segundo andar da boate. Aquele andar era mais silencioso, e o elevador dava em uma grande recepção, onde havia algumas meninas e meninos com homens e mulheres que eu já tinha visto em um dos camarotes da festa.
Medusa me levou a uma sala pequena, ao lado da recepção, que julguei ser dela pelas fotos espalhadas por toda parte.
— Tem um cliente. Na verdade, O CLIENTE — um dos mais influentes da cidade — que quer ver você — disse ela, me encarando.
— Como assim, me ver? Eu não tenho nada pra ele ver — respondi, confuso.
— Na verdade, você tem... esse corpinho — disse ela.
Comecei a rir, achando que fosse uma brincadeira, mas, quando percebi que era sério, fiquei sério também.
— Eu não sou garoto de programa, Medusa — falei, rispidamente. — Na verdade, não sou nem gay, e, além do mais, sou virgem.
— Meu Deus! — disse ela. — Uma joia rara! Isso triplica o seu valor, meu anjinho!
— Eu não tenho valor! — falei, indo em direção à porta.
— Quatro mil reais — disse Medusa, me fazendo parar. — Vai ser a noite mais bem paga da sua vida. Sua mãe não vai precisar se preocupar em trabalhar por um bom tempo, não é mesmo? E aí, é pegar ou largar.
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