Poder e riqueza - O chifre que mudou a minha vida! - Parte 33 - Final

Um conto erótico de Mark e Nanda
Categoria: Heterossexual
Contém 10382 palavras
Data: 19/03/2024 11:02:27
Última revisão: 19/03/2024 14:44:35

Despedimo-nos enfim e fui para casa, trocar de roupa e trabalhar. Minha cabeça tentava se concentrar nos compromissos profissionais que eu tinha, mas as minhas dúvidas e sentimentos turbavam tudo na minha mente. Foi uma semana difícil, mas o final de semana seria ainda mais para todos que faziam parte daquele circo que havia se tornado a minha vida.

(CONTINUANDO)

Aliás, logo no primeiro dia, bem pouco após nossa trepada fenomenal, eu estava pisando nas nuvens. Não porque estivesse apaixonado pela Lucinha, mas porque fora realmente uma trepada das melhores que eu já dera na vida. Trabalhei como nunca e fechei ótimos negócios, ampliando sensivelmente o portfólio da “Candiru”, além de conquistar novos ótimos clientes. Como eu já havia anunciado, resgatei todo o valor investido pela Alícia e lhe devolvi nesse mesmo dia. Ela ainda tentou entrar em contato comigo para agradecer todo o meu trabalho, mas eu sequer a atendi, deixando que minha secretária cuidasse disso, protocolarmente.

Lucinha, como eu já imaginava, me mandou uma mensagem nesse mesmo dia de manhã, pedindo para que eu continuasse cuidando de seu dinheiro e eu concordei, afinal, não queria criar uma quizila com a mãe do meu filho. Aliás, acabamos nos tornando mais próximos e sempre que podíamos trocávamos mensagens ou mesmo ligações para falar dos mais variados assuntos, sempre com prevalência do dia a dia e das necessidades do Gú.

Gú, depois da cirurgia, parecia outro: muito mais alegre, ativo, esperto, arteiro… Soube pela Lucinha, numa dessas nossas conversas, que ele havia aprontado uma com a dona Helena. A Lucinha me contou que o danado inventou de infernizar a avó e o meio que conseguiu isso foi tirando o sifão da pia da cozinha sem que ela notasse. Então, sempre que ela ia lavar alguma louça ou copo, a água molhava toda a cozinha. Fez isso várias vezes até ser flagrado pela dona Helena que, irada, lhe deu um tapa na bunda. A dona Helena que lhe contou tudo e o castigo, mas o melhor foi quando ela contou que, após o tapa, ele saiu correndo e rindo da travessura feita. Adorei a inteligência do moleque e ri bastante de sua malandragem:

- Ele não vai parar. - Adverti a Lucinha.

- Minha mãe pediu para o meu pai colocar uma espécie de braçadeira de metal no sifão. Agora, nem que ele tente muito, conseguirá soltá-lo novamente.

Minhas videochamadas com o Gú também andavam a toda. Ele sempre vinha com uma novidade e a última foi contar do seu dia a dia na escolinha. Essa foi a primeira decisão conjunta que eu e a Lucinha tomamos juntos sobre ele, afinal, como ele estava se recuperando maravilhosamente bem e muito rápido, decidimos que seria bom ele conviver com outras crianças e aprender coisas diferentes das quais ensinávamos. Nesse dia, descobri que o meu filho era um safadinho:

- Pai, já tô namorando.

- Oi!? Sério! Que maravilha, Gú, mas, explica direito esse troço aí.

- Ah, tem um monte de menina lá. Então, eu escolhi três.

- Três!? - Fiz o maior esforço para não cair na risada.

- É! Tem a Ritinha, a Ana e a Marcinha. Ritinha é loirinha e baixinha, a Ana é uma sapeca e a Marcinha tem um bundão…

- Gustavo! Que conversa é essa!? - Falou meio irada a Lucinha, entrando na conversa enquanto se sentava ao seu lado.

- É, ué! Acho que vou casar com as três.

- Mas… Mas…

- Calma, Lucinha. - Eu a interrompi com um sorriso no rosto: - É coisa de criança. Não tem que se preocupar. O danadinho deve ter puxado a mãe.

- Há, há, há para você, Gervásio. - Disse e se levantou, mas não sem antes estipular tempo e dizer que ele já deveria estar dormindo.

Conversamos mais algumas poucas coisas e nos despedimos. Lucinha me ligou minutos depois:

- Gervásio, você ouviu aquilo!?

- Deixa o menino. É só brincadeira. Ele só está deslumbrado com as coleguinhas.

- Sei… Safado igual o pai!

- O pai!? Sério isso?

Ela ficou encabulada porque, obviamente, ela era muito mais safada que eu, inclusive, sua safadeza e falta de cumplicidade foram os fatores que culminaram no final de nosso casamento. Conversamos mais algumas amenidades e desligamos. Ah, o casamento, reatar ou não reatar, eis a questão? E que questão… Essa me atormentava 24h por dia, 7 dias por semana e eu não sabia o que decidir.

Após alguns dias refletindo, decidi ligar para o meu casal de orientadores para assuntos liberais: Mark e Nanda. Calhou deles virem para São Paulo, o Mark viria buscar a Nanda que estava retornando de uma viagem de negócios dos Estados Unidos. Reunimo-nos num almoço em minha casa. Após eu contar todas as novidades para eles, inclusive da minha experiência no motel, notei que eles se entreolharam por um instante e o Mark foi o primeiro a falar:

- Seguinte, Gervásio, acho que você está indo com muita sede ao pote. Nu! você é louco de fazer um ménage masculino logo de cara com um completo desconhecido. Cara, e se ele fosse um desequilibrado? E se fosse um doente ou se tivesse alguma doença? Vocês não podem ir se entregando assim não, meu amigo.

- Ah não, mas ele parecia de boa e saudável.

- Aham… - Ele resmungou enquanto tomava um gole de seu suco: - Um infectado por AIDS no início da contaminação, também não aparenta, aliás, acho que isso é quase uma regra para qualquer DST, não é, Nanda?

- É, acho que sim… - Resmungou a Nanda sem tirar os olhos de mim, como se quisesse contar algo e estivesse sem jeito.

- Entenda uma coisa: se você decidir voltar com a Lucinha e essa é uma decisão só sua, eu não vou opinar quanto a isso, se prepare, porque ela foi bem clara e não ficará só com você. Acha mesmo que está pronto para isso, aliás, você quer isso, ser um corno da sua esposa?

- Ué, mas não vou ser corno. Caso a gente volte, será jogo limpo agora: eu saberia de tudo, com quem, quando, etc…

Nanda explodiu:

- Gervásio para! - Disse, meio invocada e brava, chamando a minha atenção e a do marido: - O Mark não quer falar, mas eu vou: você não tem perfil ou bala para ser um liberal nesse momento. Corno! Muito menos ainda.

- Mas não vou ser corno, Nanda, eu já expliquei que…

- Para, para, para! - Ela me interrompeu novamente: - É claro que vai, cara. Ser corno não tem nada a ver com ser traído. Ser corno do parceiro é aceitar que ele tenha outro ou outra. Veja eu e o Mark: nosso jogo é aberto, falamos sempre com quem, quando, como, e tudo mais que o outro quiser saber, isso só nos torna cúmplices, mas mesmo assim ele é meu corno e eu sou corna dele.

Mark a olhava, sorrindo, mas balançou negativamente a cabeça:

- Uai! Cê sabe que é assim! Você é o meu corninho mais gostoso e que mora no fundo do meu coração e eu sou sua corninha mais safadinha. - Ela deu uma parada pensando e resmungou: - Essa palavra soa tão esquisito… Será que existe essa palavra corna? Se não existir, só você que leva chifre, mor!

- Ah vá!... - Resmungou o Mark, rindo.

Aliás, eles riram juntos da bobeira dita por ela, enquanto ela se aproximava e o beijava com uma ternura de dar inveja. Pouco depois, ela me encarou e não facilitou:

- Eu não sei se você daria conta do fogo da Lucinha; não sei se você daria conta de ser corno dela; não sei se você seria feliz nesse tipo de relação; e, não sei se ela está sendo totalmente honesta com você.

Essa última consideração me deixou curioso e surpreso. Será que ela sabia de algo e não me contou? Eu precisava entender:

- Como assim “totalmente honesta”? Você está sabendo de alguma coisa?

- Talvez…

- Talvez o quê, Nanda? Poxa, se a… a… Lucinha estiver mentindo novamente para mim. Bom, daí eu tenho um motivo para não voltar mesmo.

- Então… - Ela disse e tomou um gole de sua bebida, fazendo um breve suspense que só serviu para aumentar minha ansiedade: - É isso que está me deixando confusa…

- Como assim confusa? Do que você está falando, aliás, não está me contando?

Eles se entreolharam por um momento e foi o Mark que iniciou a explicação:

- Já que você começou, agora tem que terminar, né? - Virou-se para mim: - Nós soubemos que o Rick estava de olho na Lucinha. Parece até que eles ficaram uma ou duas vezes juntos.

- Mas souberam como, quando?

- Isso agora não vem ao caso… Só ficamos sabendo que ela estava com ele e depois da história do ménage entre ela e os dois. Isso foi verdade mesmo.

- Pois é… - Resmunguei.

- O Rick é um filho da puta, Gervásio, talvez pior que o Roger, igual pelo menos. Só que ele tem uma quedinha por mim…

- Quedinha o caralho! O cara carrega um caminhão de bosta pela Nanda. - Mark a interrompeu.

Ela o encarou, sorrindo e balançando negativamente a cabeça:

- Nossa que sutileza, mor. Cê parece uma lixa de parede limpando a bunda.

Ele a encarou surpreso e riu, virando-se para mim:

- Depois o sutil sou eu. Vê se pode, Gervásio!?

Ela sorriu e fez uma caretinha para ele antes de continuar, agora me encarando:

- Então… Ele tem uma baita quedinha por mim e num dia, nem me lembro quando, eu estava num almoço aqui em São Paulo com alguns diretores da empresa em que trabalho e uns investidores, e os vi almoçando juntos…

- Isso foi depois do meu divórcio, certo? - Perguntei, querendo entender.

- Ah sim… Bem depois. - Ela deu uma rápida olhada para o marido e continuou: - Você acredita que assim que me levantei para ir ao banheiro, o safado veio atrás de mim e me interceptou assim que eu saí? Puxou-me para um canto um pouco mais afastado e começou a dar em cima de mim, e isso porque ele já estava acompanhado.

- Filho da puta!... - Resmunguei, inadvertidamente.

- Ele é mesmo! - Ela continuou: - Só que não dei bola para ele e forcei meu retorno à mesa, quando ele começou a fazer suas juras de amor, etc e tal. Daí eu briguei com ele e ainda joguei na cara dele que ele estava acompanhado. Acredita que ele me falou que ela não era nada para ele, só uma acompanhante sem importância alguma?

- Acompanhante como? Garota de programa!?

- Foi o que ele deu a entender.

Eu estava assombrado com aquela revelação, mas não conseguia acreditar naquilo. Ela voltou a falar:

- Só que eu não engoli essa, sabe? Sei lá, acho que o meu sexto sentido apitou que tinha caroço nesse angu. Então, por conhecê-la e por conhecê-lo, e saber que ele não tem escrúpulos, tanto que insistia em querer ficar comigo novamente pelas costas do meu marido, fiz um joguinho com ele: eu disse que se ele dispensasse sua “acompanhante”... - Disse e fez as aspas com os dedos para mim: - … terminando qualquer envolvimento com ela, eu poderia considerar jantar com ele ainda naquela noite.

- E ele fez o quê?

- O que eu imaginava: terminou com ela na frente de todos do restaurante, sem pestanejar. Ele só não a humilhou, bem, não muito, mas terminou com ela, até falando alto e só não foi expulso do restaurante porque jogou algumas notas de dinheiro sobre a mesa e saiu no mesmo instante.

- Canalha… - Falei, bebendo um gole de minha bebida: - E ela?

- Ela… Sabe que ela até que reagiu bem? Ficou na mesa, meio triste é claro, mas se manteve altiva, terminou seu jantar tranquilamente. Eu é que não consegui me conter e pedi licença às pessoas da minha mesa, que tinha presenciado tudo, e disse que a conhecia e iria ver se ela precisava de ajuda.

- Por que você fez isso?

- E por que eu não faria, Gervásio? Eu a conheço mesmo. Apesar de tudo o que ela te fez, ela sempre me tratou relativamente bem.

- É…

- Então… Eu fui até a mesa e ali notei que ela estava bem mais triste do que eu havia notado, com os olhos marejados, mas me reconheceu de imediato e ficou muito alegre em me ver, tanto que se levantou e me abraçou. Daí nós nos sentamos e… Bom, vou resumir: eu contei que o Rick era o mesmo que quase acabou com o meu casamento e contei que eu havia feito ele terminar com ela.

- Porra! E ela? - Insisti, abismado.

- Ela ficou confusa num primeiro momento, meio brava comigo, mas expliquei que se afastar do Rick seria a melhor decisão que ela poderia tomar na vida porque ele não a amava de verdade. No final, acho que ela entendeu e fez algo que me surpreendeu bastante: pagou seu almoço com seu próprio dinheiro e doou o dinheiro do Rick para todos os funcionários do restaurante. Eu só queria que ele tivesse visto isso, porque eu achei o máximo!

- A Lucinha, garota de programa? - Resmunguei.

- Gervásio, ela não era, nem nunca foi uma GP. Para de ser burro, cara! Isso foi só uma forma que o Rick utilizou para diminuí-la para mim, para, sei lá, tentar me convencer que eu ainda era a mulher da vida dele.

- Eu também não acredito nisso, Nanda.

- Nem deve, Gervásio, não é o perfil dela. Ela ser safada, querer um relacionamento liberal, tudo bem, nisso eu acredito! Mas garota de programa foi só o filho da puta do Rick forçando a barra. - Mark disse.

- Nanda, só por curiosidade, você foi jantar com o Rick depois?

Ela deu uma gostosa risada nesse momento e abraçou ainda mais o braço do Mark:

- Fui! Não, mas antes deixa eu te contar. Depois que ela saiu e eu voltei para a minha mesa e terminamos nosso almoço, liguei e contei tudo para o Mark. Ele me perguntou qual o restaurante em que nós iríamos e eu falei, mas expliquei que não iria…

- Mas foi! - Ele a interrompeu, sorrindo também.

- Fui, mas não fui com o Rick. O Mark fez uma reserva no mesmo restaurante e convidou uma amiga nossa, a Denise, você conhece…

- Conheço! - Engasguei porque não sabia se eles sabiam do meu envolvimento com ela: - Conheço bem. É aquela loira, né?

- Qual é, Gervásio? Para de ser banana! Eu sei que você pegou ela. Ela mesma nos contou.

Fiquei constrangido, mas a Fernanda não queria perder o embalo e continuou, após dar uma bela risada da forma como o marido me repreendeu:

- Gervásio, meu amigo… - Disse e deu uma grande risada que chamou a atenção de todos: - Ai, ai… Você precisava ver a cara do Rick quando nós entramos no restaurante, as duas de braços dados com o Mark e fomos até sua direção, onde o cumprimentamos rapidamente e seguimos para a nossa mesa. Ele saiu instantes depois e nunca mais o vi.

Não consegui resistir em encarar o Mark:

- Cara, você é muito mau!

- Com aquele lá? Sou mesmo! Se cair na minha reta, passo por cima, dou ré e passo de novo. - Disse e riu.

- Ai, que macho! Hoje tem, tá? - Fernanda brincou e cochichou algo no seu ouvido que fez com que ele a encarasse, mas o deixou vermelho, encabulado mesmo.

- Mas que biscate! - Ele ainda resmungou antes que caíssem numa risada.

Passamos a conversar amenidades, mas no final, eles concordavam em uma coisa: que a decisão final seria minha, mas que eu precisava estar muito ciente das consequências de reatar um relacionamento, porque agora não envolvia somente dois adultos, mas uma criança também.

Passei quase um mês, pensando a respeito de reatar ou não o meu casamento. Minha rotina se manteve a mesma: trabalho, casa, ligações e videochamadas para meu filho e para a própria Lucinha, jogos online com o Gú.

Numa sexta-feira à tarde, após sair da “Candiru”, fui para Itu, visitar o meu filho como fazia semanalmente e naturalmente a Lucinha também. Passamos uma noite deliciosa e o sábado seguinte juntos, desfrutando a companhia um do outro. No domingo, após ela colocar o Gú para dormir, pedi para conversarmos a sós. Acho que pela entonação de minha voz, ela sabia bem sobre o que eu queria falar:

- Eu… Eu tomei uma decisão, Lucinha.

Ela suspirou fundo, olhando-me com preocupação e antes que eu pudesse continuar, me pediu:

- Só me dá um abraço antes, Gê? Eu… Eu… Acho que eu ainda quero ficar só um pouquinho mais na esperança de… - Calou-se, com os olhos marejados.

Antes mesmo que eu aceitasse o seu abraço, ela própria pulou no meu colo e me abraçou. Ficamos em silêncio por um bom tempo ali, naquela posição e confesso, meus olhos marejaram também. Quando ela se deu por satisfeita, ela própria se soltou de mim e voltou a se sentar no sofá, ficando praticamente de frente para mim:

- Pode falar.

- Olha… Eu pensei demais eu tudo o que aconteceu entre a gente e, Lucinha, eu vou ser bem sincero, eu... eu acho que realmente não dá mais para a gente. Não que eu não pudesse aprender a viver nesse meio, mas, sei lá… Há tanta coisa dita e tantas outros que parecem não ter sido contadas ainda e eu… Bem, eu não posso viver nessa ansiedade, nessa incerteza de saber se posso ou não confiar em você, entende?

Uma lágrima desceu por sua face, mas ela até que parecia estar bem tranquila com a minha resposta, o que me deixou confuso, porque eu esperava uma reação muito mais emotiva por parte dela. Fiquei mais confuso ainda quando, após uma grande conversa sobre companheirismo, cumplicidade, e tantas outras coisas que faltaram no nosso casamento, terminamos transando naquela mesma noite. Fiquei até com a impressão de que ela estivesse comemorando a nossa não reconciliação e isso eu fiz questão de tirar a limpo:

- Não, nada disso, Gê! - Ela começou a rir, enxugando lágrimas de seus olhos após: - Não tô comemorando nada, seu bobo! Bem, até que é se pensarmos bem, afinal, não terminamos juntos, mas estamos mais juntos do que nunca, não é?

- Não entendo direito não… - Resmunguei, mas sendo bastante honesto.

- Pensa assim, nos damos muito bem, somos muito amigos, transamos quase sempre que nos encontramos, nos ajudamos mutuamente, trabalhamos para dar um futuro legal para o Gú… O que mais eu posso querer? Só estou colhendo o que plantei e olha que estou colhendo frutos que eu sequer imaginaria conseguir novamente. - Disse e me beijou com paixão: - Obrigada, amor, por ser assim comigo apesar de tudo o que eu te fiz.

Estranhamente, aquelas palavras me fizeram bem. Compreendi, em partes, o que ela sentia e isso me deu paz.

A vida seguiu e realmente a gente transava quase sempre que se encontrava. Bastava termos uma chance de ficar a sós que a madeira se escondia na gruta e isso quando também não entrava na manilha. Acho que estávamos transando com mais regularidade que quando estávamos casados, mas isso não me impediu de começar um novo relacionamento com Ana Cecília, uma antiga colega dos tempos de colegial com quem topei, literalmente, enquanto caminhava distraído por um shopping de São Paulo.

Aninha era o tipo de mulher que se destacava discretamente na multidão, tinha cabelos pretos levemente ondulados, pouco abaixo da linha de seus ombros e olhos de uma cor que eu teimava em dizer que eram cinzas, mas ela jurava que eram verdes, enfim, uma questão que nunca conseguimos concordar. Tinha um belo corpo também, com seios de pequenos para médios, cintura fina e um bumbum redondinho. Nossa primeira transa foi espetacular, mas, por mais que ela se esforçasse, não era igual a Lucinha. Ainda assim engatamos um namoro e quando informei à Lucinha que teríamos que dar um tempo em nossos encontros, notei de imediato que ela não gostou, pois indicou-me a direção da porta da sala:

- O que é isso, Lucinha!? Pensei que, sei lá, fosse ficar feliz por mim!

- Feliz com o quê? Em saber que o meu Gervásio não vai mais ser meu!? Ah, faça-me um favor: vai lá ficar com essa tal de Aninha e vê se me deixa em paz, ok?

- Lucinha…

- Sai, Gervásio! - Interrompeu-me irada, com sangue nos olhos e espinhos no coração.

Fui para o hotel nesse dia e no seguinte voltei para São Paulo.

Na semana seguinte, conseguimos conversar melhor, pelo menos sem tantas animosidades e ela me desejou boa sorte em meu novo relacionamento, além de desejar que eu fosse muito feliz. Claro que era da boca para fora, pois ela tinha mágoa nos olhos e uma saudade que eu não conseguia entender bem.

No mês seguinte, seria o aniversário do seu Joaquim, pai da Lucinha, e dona Helena, sua mãe, decidiu fazer um churrasquinho para comemorar os 70 anos do meu ex-sogro. Como não podia deixar de ser, fui convidado, aliás, eu e a Aninha. Tentei explicar para ela que levar a Aninha poderia não ser uma boa ideia, mas ela insistiu, dizendo que já era hora da Lucinha entender que a vida tinha que seguir e que era importante aproveitarmos as oportunidades enquanto houvesse tempo.

O aniversário dele foi feito numa chácara que um amigo deles lhes cedeu no sábado e domingo. Familiares e amigos que viessem de foram poderiam pernoitar na chácara e foi o que fizemos. Quando cheguei na chácara com a Aninha, não vi Lucinha em lugar algum, mas fomos muitíssimo bem recebidos pelos meus ex-sogros, a quem fiz questão de presentear com uma exclusiva uma cachaça da região de Salinas, em Minas Gerais. Seus olhos brilharam com o presente e os da minha sogra também, mas criticando minha escolha, afinal, ele não vinha bem de saúde há alguns meses e a cachaça só iria piorar ainda mais, pelo menos foi o que ela disse:

- Deixa disso, Lena, isso aqui é álcool saborizado. Vai até ajudar a me desinfetar por dentro. - Ela falou rindo e já saindo de fininho com a garrafa embaixo do braço na direção de uma roda de seus amigos ali próximos.

- Bonito, hein, Gervásio? Quer matar teu sogro? - Dona Helena me falou de imediato, mas já me dando um abraço: - Brincadeira! Venham, sentem-se onde quiserem que logo estaremos servindo, aliás, cerveja, refrigerante, suco estão na geladeira do lado da churrasqueira. Você é de casa, pode pegar à vontade. - Depois se virou para a Aninha e arrematou: - Moça bonita, hein, Gervásio. Acho que dá casamento dessa vez…

Aninha corou, eu corei e para despistar, perguntei do Gustavo. Ela me deu uma direção, dizendo que havia um parquinho onde as crianças estavam se divertindo. Fomos eu e a Aninha para lá, e realmente o Gú estava se esbaldando, mas quando me viu parou tudo e veio correndo me abraçar. Era seu primeiro contato com a Aninha e quando a apresentei, ele fez uma cara de quem não estava entendendo nada:

- Pensei que você e a mamãe fossem morar juntos?

- É? Então, mas acho que não vai dar. - Engoli a seco e disfarcei, porque a Aninha sorria de uma forma meio enciumada: - Mas, não é bom do jeito que está? A gente brinca quase todo dia nos jogos e ainda nos falamos um montão.

- É… Mas se a gente morasse junto, a gente podia brincar todo dia e se abraçar todo dia. - Fez questão de frisar.

Ele voltou para o brinquedo logo depois, mas ouvir aquilo do meu filho, me doeu no fundo da alma, o que se refletiu em meu semblante, porque a Aninha veio logo em meu socorro:

- Não fica assim, amor. Isso só mostra o quanto ele gosta de você.

- Eu sei, mas, poxa, parece que eu o estou decepcionando.

- Sim e não.

- Como assim?

- Oras, ele precisa aprender que na vida não temos tudo o que queremos. É uma boa oportunidade para você ensinar essa lição e mostrar que podem ser amigos de outras formas, interagindo de outras formas, entende?

Aninha era pedagoga infantil. Então, concluí que sua visão era correta e que eu poderia explorar isso, apesar de ainda não saber como. Entretanto, de uma coisa eu tinha certeza: ela me ajudaria.

Ficamos distraídos vendo o Gú brincar e pouco depois notei a Lucinha sentada num banquinho um pouco mais afastado, debaixo da sombra de uma árvore. Ela parecia distraída, olhando seu celular, e seu semblante não era dos melhores. No ato, intuí que ela devia estar chateada pela Aninha estar ali:

- Vamos ali cumprimentar a Lucinha?

- Sua ex?

- É.

- Tem certeza? Não quero arrumar problemas, mas se ela me peitar, passo por cima dela também.

- O que é isso, Aninha!? A Lucinha é de boa. Vem, vou te apresentar.

Fomos em sua direção e quando estávamos quase chegando, notei que ela lia alguma coisa no celular, parecendo resultados de algum exame médico. No ato, fiquei preocupado com a saúde do Gustavo, mas decidi perguntar quando tivéssemos uma chance de ficar a sós. Assim que nos aproximamos e ela nos notou, fechou o aplicativo e sorriu grandemente para mim, minguando quando ela notou que eu estava acompanhado:

- Oi, Lucinha. - Falei, com a maior cautela do mundo, sem sequer me aproximar para beijá-la no rosto.

- Oi, Gê. - Ela retrucou e se levantou, vindo me beijar a face e encarou a Aninha: - Você deve ser a Aninha. Eu sou Lúcia, mas você também pode me chamar de Lucinha. É um prazer.

Foi então em sua direção e lhe deu dois beijos em cada lado da face, surpreendendo-me e, de certa forma, até a própria Aninha que imaginava correr o risco de alguma confusão. Foi justamente o contrário. Elas se deram super bem e ficaram de papo praticamente o dia todo, sentadas na mesma mesa, enquanto eu interagia com seus parentes porque, por muito tempo, eu também fiz parte daquela família:

- Caralho, hein, Gervásio! Arrumou uma gata maneira? - Disse-me o César, um primo da Lucinha de quem eu era bem próximo: - Não dá pra entender como um cara feio como você se dá bem.

Todos na roda riram do comentário e ele ainda espezinhou um pouco mais:

- Pintudo você não é! Dá pra ver que no máximo tem uma manjubinha aí…

- Pois é! Mas manjubinha é uma das melhores iscas, e no meu caso sempre ajudou a pescar sereia, seu cabaço. - Falei, dando-lhe um tapa no ombro.

Todos caíram na gargalhada e a gozação foi geral para cima dele.

No final da tarde, num momento em que a Aninha foi ajudar a dona Helena com as louças, consegui ficar a sós com a Lucinha e fui direto no assunto que me preocupava:

- Vi você olhando alguns resultados de exames hoje de manhã e…

- Você viu? - Ela me interrompeu, surpresa, e encarou com os olhos arregalados.

- Vi, ué! Está acontecendo alguma coisa? O Gú está bem?

Ela suspirou aliviada e sorriu:

- Está tudo bem, Gê. O Gú está cada dia melhor. São só exames de rotinas e os resultados têm sido os melhores possíveis.

- Mas sua cara não estava muito boa…

- É só cansaço. O trabalho tem me exaurido bastante.

Aceitei a explicação, mas não fiquei convencido, afinal, a Lucinha era a Lucinha. Entretanto, não havia razão alguma para ela esconder algum problema com o Gú de mim e imaginei se seus pais não estariam doentes, afinal, minha sogra havia me dado uma catracada logo pela manhã. Decidi que iria conferir essa história com a dona Helena quando pudesse.

No dia seguinte, o churrasco continuou e como o tempo limpou, algumas pessoas se aventuraram na piscina, dentre as quais a Lucinha e Aninha, que não se desgrudavam. Novamente fui alvo de chacota:

- Cara, se as duas decidirem partir para cima, o Gervásio não dá conta. Vai ter que terceirizar, mané! - Brincou Caetano, irmão do César, e igualmente sarrista.

- Eu topo, hein!? Se precisar de ajuda, conta comigo. - Retrucou o César.

Na roda de homens, vários outros “eu topo” surgiram, mas ignorei todos. Preferi não dar sequência aquela brincadeira e fui eu mesmo interagir com as duas na piscina. Sentei-me na beirada e logo a Aninha veio se aconchegar no meio de minhas pernas. Lucinha também se aproximou e tocava minhas coxas seguidamente. Eu já estava imaginando rolar uma discussão entre elas, mas tudo seguiu sereno por todo o dia. Não havia como negar que eu estava muitíssimo bem acompanhado, para inconformismo da rodinha dos machos. Não consegui falar a sós com a dona Helena, mas quando nos despedíamos, avisei que precisava muito conversar com ela:

- Quando quiser, filho. É só me ligar.

- Eu preferia falar pessoalmente.

- Ué! Então, na próxima semana. - Disse e me encarou: - Mas, se for urgente, dou um jeito agora mesmo.

- Não, não… Eu acho que não é nada urgente, mas é algo que eu preciso esclarecer.

Voltamos para a capital e a Aninha não se cansava de elogiar a Lucinha, tanto fisicamente, quanto na companhia agradável. Eu aproveitei para cutucar minha onça:

- Bom saber que vocês se gostaram tanto. Quem sabe da próxima não rola da gente, os três, ficar juntos?

Pra que fui falar isso? Ela brigou, discutiu, esbravejou e fez greve por uma semana. Entendi que com ela, eu não conseguiria fazer o ménage sugerido pela Lucinha.

Minha ansiedade por conversar com a dona Helena crescia a cada dia, mas, o acaso, fez que aquela semana fosse extremamente corrida para mim: compromissos, reuniões, novos clientes, fizeram meu tempo ser pouco, tanto que, pela primeira vez, não consegui visitar meu filho no final de semana.

Na outra semana, a rotina acalorada me arrancava o couro novamente. Já era quarta-feira e eu praticamente havia me esquecido da conversa que teria com a dona Helena quando recebo uma ligação da Lucinha tarde da noite:

- Porra, Lucinha, aconteceu alguma coisa?

- Desculpa ter te acordado, Gê, mas acabei de ficar sabendo.

- Sabendo o quê? O Gú está bem?

- O Gú está ótimo! Fica tranquilo… - Disse e suspirou, buscando coragem: - A Alícia acabou de me ligar. É sobre o Roger…

Já imaginei que aquele bosta estaria novamente ciscando ao redor da Lucinha e agora nada a impediria de ficar com ele novamente:

- O que aconteceu? Ele voltou a te procurar, é isso?

- Não e nunca mais fará. Ele morreu.

Eu poderia dizer que fiquei em choque, triste, chateado, mas a verdade é que eu dei pulos de alegria com aquela notícia. Eu nunca deixei de culpá-lo um instante sequer por tudo o que fizera na minha vida e aquela notícia era como se eu tirasse uma tonelada de peso dos meus ombros. Ainda assim mantive-me cortês:

- Sério!? Não sabia…

- Foi. Parece que ontem, ou anteontem, não entendi bem. Só sei que tem alguma coisa a ver com uma rejeição a um transplante e uma septicemia.

- Caramba!

- Pois é… Agora, eu não sei o que faço, se vou ao velório dar um abraço na Alícia ou se fico. O que você acha?

- Lucinha, a decisão é sua! Eu não sou amigo de nenhum deles e não irei. Sinto muito pela Alícia, mas talvez se ela não tivesse me envolvido e segurado no dia daquela maldita recepção, eu poderia ter te pegado e ido embora, evitando aquela merda toda.

- Credo, Gervásio, quanta mágoa…

- E queria o que de mim? Olha o que ela fez com a gente! Direta ou indiretamente, ela sempre foi cúmplice daquele merda do Roger! - Falei e bufei no final: - Espero que ele arda no fogo do inferno, sentado com o pau do capeta bem no meio do cu.

- Jesus, Gervásio, para! Não fala besteira.

Respirei fundo e apesar de tudo, vi que tinha mesmo falado uma baita besteira. Decidi ser mais polido:

- Sinto muito, Lucinha, mas se a sua intenção foi verificar se eu te acompanharia no velório ou no enterro, eu não vou.

- Tá, eu… eu entendi.

Estávamos já para desligar, mas uma luzinha se acendeu e não contive a curiosidade:

- Lucinha, você disse que o transplante dele não deu certo. Sabe me dizer que doença ele tinha? Afinal, ele, rico do jeito que é, teria os melhores médicos a sua disposição. Achei meio estranho…

- Também estranhei, mas aconteceu. Parece que era cirrose.

Desligamos logo depois e aquela informação me deixou preocupado. Fui pesquisar na internet e fiquei atônito, pois uma das causas da cirrose é justamente a contaminação pelos vírus da hepatite. Praticamente não dormi naquela noite e logo de manhã liguei para um amigo dos tempos de colégio, Pedrão, formado em medicina e fiz uma série de perguntas, chegando a conclusão de que o problema do Gustavo poderia ter sido causado pelo Roger, mas para isso a Lucinha também teria que ter sido ou estar infectada. Ele me explicou:

- E é bem isso, Gervásio. Em muitos casos, não há nenhum sintoma e isso aumenta os riscos da infecção evoluir e se tornar crônica, causando danos mais graves ao fígado, como cirrose e câncer.

- Então, não estou errado em supor que ele possa ter contaminado o meu filho?

- Não está mesmo! E digo mais, se for esse o caso, sua ex esposa pode estar contaminada e ser assintomática. Então, é imprescindível que ela faça alguns exames para se certificar e, sendo o caso, inicie o tratamento para ontem, antes que essa doença evolua e seja tarde demais.

Aquela notícia caiu como uma bomba na minha cabeça e imediatamente cancelei todos os meus compromissos na “Candiru”, e olha que eu estava com a agenda bem cheia. Fiz uma mala pequena e fui diretamente para Itu. Não havia tempo a perder.

Cheguei na casa de Lucinha e naturalmente meus ex-sogros se surpreenderam com a minha chegada. Informaram-me que a Lucinha estava no trabalho e o Gú na escola. Aproveitei a ausência deles e pedi para conversar com eles, afinal, eu tinha outras dúvidas e precisava de respostas imediatas. Dona Helena se surpreendeu ao ver que eu não sabia de tudo:

- Pensei que ela já tivesse te informado disso, Gervásio! A Lucinha está fazendo um tratamento há um bom tempo da mesma doença que o Gustavo teve. Só que, no caso dela, a doença praticamente estacionou, mas não se cura. Não entendo direito, mas parece que o vírus ou o organismo dela está se tornando resistente aos remédios.

- Porra, por que a Lucinha me escondeu isso!? - Disse e bati a mão na mesa, inconformado: - Mas como ela está? Está bem, não está?

- Está, está sim. - Ela respondeu, mas sem passar grande segurança nas palavras.

Meu sogro que ouvia tudo em silêncio, esclareceu:

- Ela se faz de forte, mas eu tenho notado que ela tem ficado mais cansada com facilidade e andou reclamando de dor na barriga dias desses.

- Joaquim…

- Para! Helena, nem começa! O Gervásio tem razão em estar preocupado, porque eu também estou! - Disse e se virou para mim: - Helena tem muita fé que nada acontecerá, mas eu sou mais prático e estou com medo sim. Posso estar enganado, mas acho até que a cor dela mudou um pouco.

A conversa ia longe quando um amigo do seu Joaquim ligou pedindo uma ajuda com um assunto qualquer. Até me ofereci para acompanhá-lo, mas ele recusou, dizendo para eu ficar e conversar seriamente com a Lucinha. Assim que ele saiu, minha ex-sogra me convidou para acompanhá-la até a cozinha, pois iria passar um café. Lá, descobri mais coisas que me deixaram confusos:

- Juro que pensei que vocês iriam voltar, Gervásio. A Lucinha, depois que vocês se reaproximaram, virou outra pessoa: saiu daquela depressão pesada em que estava e voltou a sorrir, a brincar, a cuidar do Gustavo. Parecia a minha menininha novamente…

- Como assim depressão? Ela não me falou nada de depressão.

- Não!? Bem, depois que vocês se divorciaram e ela chegou aqui, ela praticamente se isolou do mundo. Saía só para fazer o pré-natal, ou me acompanhava rapidamente em compras, mais nada.

- Dona Helena, eu não estou entendendo? Ela não chegou a sair com um tal de Roger, ou era Rick? - Tentei dissimular para não ofendê-la.

- Roger, Roger, Roger… - Dizia para si mesma, tentando ligar o nome a alguma pessoa: - Não! Nenhum Roger, nunca. Ah, mas Rick teve sim. Esse era um cara grandão, bonito, eles chegaram a sair umas duas, três vezes no máximo, creio eu. Depois de uma viagem a São Paulo que ela fez, eles terminaram e ela voltou a se fechar.

- E Alícia?

- Ah, uma moça alta, bonita! Essa veio algumas vezes, mas elas só ficavam aqui em casa. Só duas vezes nós saímos, as três juntas, para comprar o enxoval do Gustavo.

Não víamos o tempo passar e só nos demos conta do adiantado da hora quando a Lucinha entrou com o Gustavo na casa. Meu filho é um turbilhão que inunda de vida onde chega, pois é barulhento e muito interativo. Ele, ao me ver, veio correndo me abraçar e contar um pouco do seu dia a dia. Lucinha ficou surpresa e um pouco acuada, mas me cumprimentou e logo se sentou à mesa para tomar um café e comer um pedaço de bolo. Passei a reparar nela e realmente a impressão do seu Joaquim também se tornou a minha: sua pele parecia ter uma tonalidade mais amarelada.

Conversamos assuntos amenos por um bom tempo e logo a dona Helena, esperta, se ofereceu para levar o Gustavo para o banho. Era a chance de eu esclarecer algumas coisas com ela e não perdi tempo. Ao ser confrontada, seus olhos se arregalaram e se encheram de lágrimas:

- Minha mãe não tinha o direito! Não tinha…

- Como você está?

- Estou bem.

- Eu quero a verdade, Lucinha! Pelo menos, uma vez na vida, me fala a verdade, caramba. Estou mesmo preocupado com você.

Ela esfregava as mãos uma na outra com força, demonstrando o nervosismo que lhe acometia e ao tentar se levantar, teve uma vertigem. Eu a amparei de imediato e ela começou a chorar, deixando-me aflito. Naquele momento, a única coisa que eu podia fazer, era abraçá-la e o fiz, bem apertado, para ela se sentir acolhida, protegida. Funcionou e ela se controlou:

- Vamos conversar em outro lugar. Vou te contar tudo, prometo, e dessa vez não omitirei ou mentirei em nada.

Ela entrou indo até a porta do banheiro e avisou a sua mãe que estava saindo comigo para resolver um assunto importante, mas que voltariam em breve. Ouvi um sonoro “Ahhhhhh…” do Gustavo e ela lhe disse que traria uma pizza para comermos com o papai. Daí só se ouvia “Obas!”, “Ebas!”, “Aís!”.

Saímos e ela me pediu para dirigir até uma pracinha não muito longe dali. Assim que estacionei, virei-me para ela e vi que tinha lágrimas nos olhos:

- Lucinha… - Falei, sem saber o que falar.

- Eu menti para você, Gervásio! Menti novamente, mas foi na melhor das intenções.

- Tá! Explica.

- Estou doente, Gervásio. Também estou com hepatite e já faz um tempo que venho me tratando, mas a minha doença não evoluiu tão rápido como a do Gú porque eu já sou adulta e ele, criança, em fase de crescimento, a doença disparou. Pelo menos, foi isso que o médico me explicou.

Eu a olhava sem falar nada, mas ainda cobrando explicações. Ela continuou:

- A minha doença estava sob controle, mas de uns tempos para cá tem piorado. Parece que o remédio já não tem feito mais efeito como antes.

- Troca de remédio, Lucinha.

- Eu já estou usando o melhor que existe no mercado. Só um transplante para resolver de vez o meu caso, porque… - Ela se calou e pegou o celular, mostrando-me o resultado de um exame de imagem, com a conclusão de cirrose: - Eu já estou com cirrose. Não tem mais o que fazer, a não ser um transplante.

- Tá, ok. Isso se dá jeito. O Gú fez, você também pode.

- Doador compatível, Gê, eu preciso de alguém compatível e não achei ninguém ainda. Na minha família, ninguém combina comigo, ninguém, você acredita? Então, agora eu estou na fila de espera e rezando para aparecer alguém. - Disse e começou a chorar novamente.

- Foi por isso que você mentiu para mim, dizendo que havia se relacionado novamente com o Roger? Só para não voltarmos?

- Foi… - Disse e se surpreendeu, tentando voltar atrás: - Não, não… O quê?

- Sua mãe já me contou tudo, Lucinha. Me disse que depois do divórcio você ficou depressiva e não saía de casa para nada além dos exame de pré-natal e algumas compras.

- Ô mãe!...

Olhei bem no fundo de seus olhos e peguei em sua mão:

- A verdade! Só me fala a verdade, Lucinha!

Ela tremia e me olhava envergonhada, desviando o olhar e tentando ganhar um tempo que não poderia ter. Insisti e ela começou a chorar, mas não arredei minha posição ou a larguei. Algum tempo depois, ela respirou fundo e continuou:

- Quando você me pediu para voltarmos, eu vi que Deus estava me dando uma nova chance de ser feliz. Nós poderíamos ser uma família feliz, eu, você e o Gú, mas, a que custo?

- Como assim?

- Gervásio, você se divorcia de uma mulher saudável e pega depois ela toda podre por dentro! Acha isso justo com você? Acha que eu quero que você passe pelo que eu estou passando? Sabe qual é o próximo exame que eu terei que fazer? Uma biópsia do fígado. É isso mesmo!? Vão me abrir e tirar um pedacinho do meu fígado para confirmar se eu estou morrendo mesmo. Você não tem que passar por isso. Já basta o que enfrentou pelo Gú.

Fiquei em silêncio por um instante, olhando para ela que chorava em silêncio, mas sem largar sua mão um instante sequer. Algum tempo depois, perguntei:

- Nunca voltou a se encontrar com o Roger?

- Pessoalmente nunca. Só uma vez eu conversei com ele por videochamada a pedido da Alícia. Ele queria me pedir desculpas por tudo o que causou na nossa vida e disse que também iria ligar para você. Ele não te ligou?

- Talvez tenha ligado, mas eu deixei orientações expressas na corretora para não me passarem nenhuma ligação vinda dele.

- Então, ele morreu sem seu perdão.

- Quem perdoa é Deus! Eu sou falho, pecador e não tenho essa obrigação, não com ele.

- Gervásio, para com isso! Você não é assim, amor, para!

Depois de um tempo em que ficamos em silêncio, ela olhando para baixo e eu para ela, perguntei outra coisa que eu precisava entender:

- Aquele dinheiro que a Alícia te deu. Ele é…

- Uma indenização, uma compensação não só pela desgraça que causou nas nossas vidas, mas também para auxiliar no meu tratamento e no do Gustavo.

- Foi o Roger que te infectou com essa doença, não foi?

- Foi. Certamente foi, porque eu não me relacionei com mais ninguém até o Rick.

- Nas duas, três vezes, né? - Falei, encarando-a com um sorriso amarelo.

- Ô mãe, de novo!...

- Não foi só sua mãe que me contou. Bem, essa parte foi, mas a Fernanda me falou do dia em que ele terminou com você no restaurante.

- Pois é. Pensei que ele pudesse ser diferente, mas no fundo era só um babaca, machista e egocêntrico. - Disse e arrumou seu cabelo, me encarando: - Sinceramente, não senti nada quando ele terminou comigo. Não significou nada mesmo. Eu… Eu acho que estava com ele só por, sei lá, comodismo, tentando encontrar alguma coisa que nem eu mesma sabia o que era.

- E pelo Roger, você sentia alguma coisa?

Ela me olhou profundamente nos olhos e respondeu:

- Acho que o que eu sentia por ele era meio que uma relação de amor e ódio. Amor porque gostei de experimentar outro homem e ele era mesmo muito bom no que fazia, mas depois tive raiva por ele ter causado o nosso divórcio. Pior ficou quando eu soube que eu e o Gú estávamos doentes e ele era o culpado daquilo. Aí sim eu o odiei de verdade!

- Lucinha, você podia ter sido honesta comigo desde o início. Eu podia ter te ajudado. Eu podia…

- Podia o quê, Gê, sofrer comigo? Me ver definhar até morrer? Não quero te causar mais nenhum sofrimento, nenhum, ouviu? - Disse e enxugou outra lágrima: - Só preciso da sua amizade e que você cuide bem do Gustavo quando eu me for. Só isso!

- Você não vai morrer, Lucinha, não vai! - Eu falei e a abracei.

Agora quem chorava era eu e ela aproveitou a deixa para chorar novamente. Ficamos os dois abraçados e chorando por um tempo, até ela se recuperar:

- E você acha que eu quero, Gê? É claro que não! Mas se eu não encontrar um doador compatível, eu… eu…

- Calma, calma… Eu conheço pessoas, o Mark e a Fernanda conhecem pessoas, talvez a gente consiga te ajudar.

- Eu ficaria muito grata se conseguirem, mas já estou perdendo as esperanças, Gê.

- Seus pais já estão a par da sua doença?

- Não! Nem precisam ficar. Eu… Eu dou o meu jeito e quando não der mais, vejo o que dá para ser feito. É viver o hoje e rezar pelo amanhã, amor.

Nossa conversa foi longe, mas no final entendi que ela havia criado toda uma história para me afastar dela, quebrar o sentimento que nos unia e apesar de errado, era uma justificativa bem plausível e forte, dolorosamente forte.

Saímos dali e passamos numa pizzaria que conhecíamos bem e compramos duas pizzas tamanho família, uma calabresa e uma portuguesa. Voltamos para a casa de meus ex-sogros e fingimos estar tudo bem, apesar que nossos semblantes denunciavam que nada estava. Naquela noite, como que pressentindo que algo não estava certo, o Gustavo armou um belo barraco, obrigando eu e a Lucinha a dormirmos na mesma cama, com ele ao meio. Foi a primeira e última vez que fizemos isso…

Retornei derrotado para a capital e contei tudo o que estava acontecendo para a Aninha, pedindo um tempo para eu poder cuidar da Lucinha. Ela não só negou como se dispôs a ficar do nosso lado durante todo o momento, apoiando e ajudando no que fosse capaz.

Liguei para a Fernanda e para o Mark contando tudo o que eles ainda não sabiam. Pela primeira vez, vi a Fernanda se desmanchar em lágrimas e não terminar uma chamada que coube ao Mark assumir. Eles se mostraram muito solidários e fizeram de tudo para conseguir um doador compatível, inclusive contatando alguns conhecidos nos Estados Unidos, mas todo o esforço foi em vão, pois o sangue da Lucinha era raro e muito difícil de encontrar. Ainda assim passaram a visitar periodicamente a Lucinha e a ajudar, mesmo à distância, no que era possível.

A doença da Lucinha passou a evoluir rapidamente e logo os sintomas impossibilitaram que ela trabalhasse. Tentei trazê-la para a capital, afinal, poderia se tratar nos melhores hospitais, mas ela recusou, pois não queria sair do lado da família, tampouco me trazer problemas. Em menos de doze meses, sua situação era caótica: magra, com uma barriga acentuada, com a pele e olhos amarelados. Sua alimentação passou a ser intravenosa e para isso teve que ser internada num hospital, onde ficou ligada a aparelhos, cateteres, vários canos e fios que a impossibilitavam de ter uma vida plena. Para uma mulher ativa como ela, era o inferno na Terra.

Num dia, no meio da semana, recebi um áudio desesperado da dona Helena, dizendo que os médicos haviam chamado todos os parentes para visitarem a Lucinha, pois seu quadro havia piorado. Larguei tudo o que estava fazendo e corri para lá. Fui parado por um guarda rodoviário, afinal, eu estava descontrolado no volante, dirigindo extremamente fora do limite de velocidade, mas ao explicar o que se passava, mostrando fotos, exames e o áudio desesperado da minha ex-sogra, ele se compadeceu. Entretanto, ele não me deixou dirigir, assumindo a direção para me levar em segurança até o hospital, enquanto seu colega dirigia a nossa frente, abrindo o caminho no trânsito pesado.

Chegamos mais rápido do que eu esperava no hospital, ele me desejou sorte e melhoras para a minha “esposa”. No hospital, naturalmente não permitiam a entrada de todos, pois ela estava no CTI. Realmente era algo bem controlado, mas assim que cheguei, minha sogra me viu e veio correndo me abraçar, pedindo que deixassem eu entrar: era um pedido da Lucinha.

Uma enfermeira me escoltou até o seu quarto. Entrei e lá estavam meu ex-sogro, uma tia e uma prima dela que eu conhecia. Meu sogro também veio me abraçar, com os olhos já transbordando em lágrimas. Elas me cumprimentaram discretamente e saíram em seguida, levando-o e nos deixando a sós. Lucinha, apesar de ser só uma sombra do que já fora um dia, ao saber que eu viria, pediu para ser maquiada, por isso sua prima estava ali no quarto. Fez uma maquiagem simples, discreta, comedida, bem diferente das que costumava usar, mas ainda assim era o suficiente para deixá-la novamente linda. Aproximei-me, dando-lhe um beijo carinhoso na testa e puxei uma cadeira para perto de sua cama, mas antes que eu sentasse, ela brincou, sorrindo:

- Poxa! Na testa?

Sorri encabulado, mas, entendendo o recado, dei-lhe um selinho na boca que acabou evoluindo para um beijo mais íntimo, mas também já sem a energia de outros tempos em virtude de seu estado. Sentei-me então ao seu lado e peguei em sua mão. Estranhei porque estava gelada:

- Está com frio, Lucinha?

- Sabe que… até que não.

- É que sua mão está meio fria…

- Desculpa!

- Por que está pedindo desculpa?

- Sei lá, mas já estou deixando alguns em haver. Eu sempre erro mesmo. - Disse e riu graciosamente de si mesma como nos bons tempos.

Também ri, mas apenas num efeito de companheirismo porque, sinceramente, eu não tinha a menor alegria de estar ali e vê-la naquela situação:

- Como está se sentindo? Posso fazer algo para que se sinta melhor?

- Pode. - Disse e com sua mão, indicou-me um envelope em cima de uma mesinha lateral: - Pega aquilo ali. Você irá precisar dele logo, logo.

Peguei o envelope e o abri. Dentro havia uma escritura pública de última vontade, um testamento, no qual ela afirmava seu desejo de que a guarda do Gustavo me fosse entregue, mas que o trouxesse sempre que possível para visitar seus pais, bem como o deixasse passar as férias com eles. Olhei para ela sentindo um nó na garganta e não consegui mais me segurar, baixando minha cabeça e chorando, porque só ali tive a noção que o fim, não o do nosso relacionamento, mas o verdadeiro fim, estava próximo. Enquanto eu ainda chorava, ela começou a afagar a minha cabeça, brincando:

- Se eu pudesse, acho que também choraria, amor, mas estou meio desidratada ultimamente, então não vai dar.

- Por que, hein, Lucinha? Por que? - Perguntei ao levantar minha cabeça e a encarar.

Ela se calou por um instante procurando resposta, mas a única que conseguiu dar, gerava mais dúvidas:

- Porque tinha que ser assim. Acho que era o meu destino passar por isso. Eu só lamento que você tenha cruzado o meu caminho e agora esteja sofrendo também. - Dizia, agora acariciando meu rosto: - Não! Na verdade, eu não lamento não. Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, você e o Gú, claro. Eu só lamento não ter correspondido à altura.

Respirei fundo, afinal, eu estava ali para dar forças e não para fazê-la se sentir culpada ou pior do que já estava. Começamos a conversar e passei a falar de outros assuntos para tentar animá-la, especialmente, lembrando passagens prazerosas de nossa vida juntos. Funcionou e ela já ria bastante. Logo, o Gustavo foi autorizado a entrar com meus ex-sogros e fez uma verdadeira zona ao ver seus pais juntos novamente. Ele brincou, falou, caçoou, enfim, pintou e bordou, mas logo uma enfermeira pediu que o levassem, dado o horário e também porque outros pacientes precisavam descansar. Ele veio se despedir da Lucinha:

- Vou te esperar lá na casa da vovó, mamãe. Vê se traz o papai também. Já estou com saudade da gente junto.

Lucinha o acariciou, abraçou e beijou, mas nada falou, deixando em aberto para que cada um entendesse o que quisesse. Ele se deu por satisfeito e logo saiu com meu ex-sogro. Falei que iria dar uma saída para que algum parente pudesse entrar, mas ela não deixou, segurando a minha mão. Sua mãe entendeu a deixa e nos deixou a sós novamente. Ela respirava lentamente, de uma forma forçada, mas parecia decidida em encerrar de vez alguma questão:

- Eu nunca deixei de te amar, Gê. Nunca, nunca, nunca…

- Lucinha…

- Por favor… - Pediu, interrompendo-me e novamente respirando profundamente: - Eu sei que você já falou que me perdoou, mas eu nunca vou me cansar de pedir perdão pelo que te fiz.

- E eu vou te perdoar sempre.

- Obrigada. - Disse sorrindo: - Eu queria te pedir uma coisa também.

- Pode falar.

- Perdoe o Roger e a Alícia. Ele já encontrou o seu caminho, bem ou mal, mas já encontrou. Ela ainda terá que responder pelo que fez, mas… - Novamente respirou profundamente: - Mas não é justo que você carregue tanto ódio no seu coração, não é! Você precisa se aliviar desse fardo e seguir em frente, pelo seu próprio bem. Por favor…

Eu não tinha a menor intenção de perdoar ninguém, não achava justo, aliás, eu achava que isso seria me submeter, concordar com o que me fizeram. Entretanto, ela estava certa, eu não podia negar que às vezes me pegava pensando neles e desejando as piores coisas possíveis por terem feito o que nos fizeram. Antes que eu respondesse, ela continuou:

- Perdoar não significa que você… deva conviver com ela. Isso não! Só significa que você… se permite viver… sem esse fardo. Você é maior que eles, você é maior que eu. Então, seja maior e se liberte, por favor.

Sua voz começava a ficar mais fraca, falhando às vezes. Não seria justo negar um pedido dela naquele momento, mesmo porque ela desejava o bem para mim:

- Você está certa. Eu vou perdoá-los, Lucinha, prometo. Talvez não agora, mas eu farei isso sim.

Ela sorriu lindamente e fechou os olhos, ficando em silêncio, deixando-me aflito porque já se haviam passado alguns bons segundos. Cutuquei-a de leve na costela e ela deu um pulinho:

- Gervásio, eu tenho cócegas. - Disse e riu baixinho.

- Você fecha os olhos e fica em silêncio num momento desses. Quer me matar do coração?

Ela riu novamente e voltou a me encarar, sem cessar seu sorriso:

- Você foi o amor da minha vida, sabia? Não sei bem como vai ser daqui por diante, mas tenho certeza de uma coisa, para onde quer que eu vá vou levar esse amor comigo, para sempre.

Aquelas palavras me atingiram novamente com um peso imenso e meus olhos voltaram a marejar. Levantei minha cabeça para me controlar e, dessa vez, me contive. Voltei a encará-la e ela me olhava, sorrindo e feliz por saber que causava um efeito daquele, não da dor da despedida, mas de um sentimento recíproco que ela sabia mesmo sem eu ter confessado. Isso era uma covardia minha e eu estava disposto a enfrentá-la:

- Eu também, Lú. Eu nunca deixei de te amar, mesmo tentando, e acho que nunca vou amar outra pessoa.

Ela sorriu e lágrimas brotaram em seus olhos:

- Olha! Eu ainda tinha água. - Disse, riu e depois perguntou: - Será que existe paraíso, Gê?

- Claro que sim! Eu vivi boa parte dele com você aqui.

- Então, existe inferno também. - Disse e riu baixinho: - Porque sei que te fiz passar bons perrengues.

- Você sabe mesmo cortar um clima, hein, Lúcia Helena? - Reclamei, brincando.

Ela riu novamente:

- Mas você vai tentar, você precisa tentar amar outra pessoa. Não é justo que passe a vida sozinho e o nosso filho precisa de uma madrasta, e das boas, hein!? Promete para mim.

- Prometo, Lú.

- A Aninha parece ser legal. Gostei dela. Em outra situação, teríamos sido amigas. - Disse e respirou profundamente outra vez: - Posso te pedir só mais uma coisinha, um beijo?

Nem respondi, apenas me aproximei dela, olhando em seus olhos e o que vi foi justamente o que eu sempre busquei: arrependimento verdadeiro, real. Naquele momento, enfim, estávamos de volta ao que éramos no começo: apenas eu e ela! Sorrisos brotaram espontaneamente de nossos lábios enquanto nos olhávamos e acariciávamos a face um do outro. Aproximei-me dela e um beijo... Não! “O beijo” aconteceu: intenso, forte, caloroso, apaixonado, embebido no amor dos bons tempos. Perdi-me no tempo e nas sensações, mas ela precisava daquilo, era a sua redenção, enfim. Quando nossos lábios se separaram, encostei minha testa na dela e ficamos curtindo aquele momento que parecia ser eterno. Não foi:

- Eu preciso descansar um pouco, Gê. Se você quiser, pode ficar naquela poltrona ali. É mais confortável que essa cadeira.

- Eu estou bem. Prefiro ficar aqui juntinho de você. - Falei e lhe beijei a testa.

- Eu também prefiro que fique. - Disse e me piscou um olho.

Ela se ajeitou no travesseiro e ficou me olhando por um tempo. Depois, cerrou os olhos e passou a ressonar suavemente. Fiquei olhando para ela e pensando que a minha covardia em enfrentar aquela situação na recepção pode ter sido a causadora de todo o mal que passamos e do que ela enfrentava naquele momento. Não cheguei a abrir para ela essa minha culpa porque essa eu faria questão de carregar sozinho pelo resto dos meus dias, enquanto vivesse. Essa era a minha cruz.

O cansaço e o turbilhão de emoções cobraram o seu preço e acabei dormindo, com a cabeça apoiada na sua cama, segurando a sua mão. Naquela noite, Lucinha dormiu tranquila, com um suave sorriso nos lábios, e não acordou mais. Eu, entretanto, fui despertado, não sei quanto tempo depois, por duas enfermeiras e um médico que haviam entrado no quarto para checar a leitura de alguns instrumentos ligados a ela:

- Ela está sem batimentos. Aline, traga o desfibrilador. Jane, precisamos de adrenalina. Rápido, rápido… - Disso o médico.

A preocupação dele deixava claro o que estava acontecendo, mas já era o bastante:

- Doutor, por favor, deixe-a ir. - Pedi, com os olhos marejados novamente.

- Mas podemos trazê-la. Não quer que ela viva?

- Ela está viva, doutor, mais viva do que nunca! - Disse já chorando, sem tirar os olhos dela: - E mais que isso: agora ela está livre de tudo o que a machucava e limitava. Ela já sofreu demais…

Ele entendeu o recado, mais ainda quando olhou para uma das enfermeiras que tinha os olhos igualmente marejados:

- Eu… Eu… A gente vai deixá-los a sós. - Disse, enfim, sinalizando para as enfermeiras o acompanharem.

Assim que eles saíram, aproximei-me da Lucinha que tinha um semblante leve, ainda com aquele mesmo suave sorriso nos lábios e lhe dei outro beijo carinhoso:

- Vai com Deus, meu amor! A gente vai se encontrar, só não será em breve, mas iremos. Pode ter certeza.

Restabeleci-me da melhor forma possível e saí para dar a notícia aos familiares. Uma das enfermeiras aguardava na porta e disse que cuidaria dela. Fui até a recepção e não precisei falar nada, meu semblante me denunciou. Lágrimas, choros, lamentações, pessoas se abraçando e se consolando. Naquele momento, a família se apoiou e eu era o estranho, mas não para ela e voltei ao quarto. A enfermeira retirava alguns instrumentos dela e apesar de não ser usual, não pediu que eu saísse. Eu observava de longe, calado, conformado:

- Ela está linda, não está? - Perguntei para ninguém.

- Linda e feliz. Sua presença fez toda a diferença na sua travessia.

- Travessia?

- Sim! Não sei qual questão pendente ela tinha, mas a situação dela já vinha se degradando nos últimos dias, mas ela não desistiu até resolvê-la. Acho que a última questão dela era você e você cumpriu maravilhosamente bem o seu papel.

Eu não entendia e ela me explicou:

- Sou espírita e nós acreditamos na alma, no carma e na evolução. Algumas almas conseguem passar bem para o outro plano, outras não. Você fez a ponte para que ela encontrasse alívio e tivesse paz. Quando ela retornar, será outra pessoa, muito mais evoluída, pode ter certeza?

- Acredita mesmo em reencarnação?

- Você não?

- Não sei, sou católico.

- A Igreja Católica também acredita na reencarnação. Ela só limita o retorno a uma época própria. - Falou e se aproximou de mim: - O importante é que você acredite que fez o melhor por ela hoje. Há muita coisa que não compreendemos ainda, mas seria horrível acreditar que isso é o fim de tudo, não seria?

Concordei com ela e agora ela me pediu que saísse pois iria preparar o corpo para ser liberado à família. Fui até a Lucinha e novamente lhe dei mais um carinhoso beijo nos lábios, saindo.

O corpo foi liberado logo pela manhã. O velório durou dois dias para que a família tivesse tempo de se despedir a contento e o enterro foi realizado no final da tarde. Não preciso dizer que houve muito choro e lamentação pela passagem de uma mulher tão jovem, querida e cheia de vida, isso é óbvio. Gustavo, apesar de jovem, quis vê-la só no final do velório e não chorou, não, pelo menos, até chegar ao meu colo, quando sofreu a dura realidade da perda. Nesse momento eu desabei também, chorando com ele e tentando achar uma razão para o injustificável.

Como eu havia dito no início, “essa foi uma história de surpresas e reviravoltas, e porquê não dizer de superação” e, agora, eu entendi “porque decidi contá-la para vocês”. Não foi “para a infelicidade de alguns, acabou se tornando pública” ou porque tenha “causando um verdadeiro rebuliço na minha vida e da minha esposa”. Fiz para que saibam que devemos sempre diligenciar e proteger o que temos de mais preciosos em nossas vidas: nossos sentimentos, nossos companheiros, nossa família. Eu falhei em proteger a Lucinha dela mesma quando ela esteve vulnerável e perdida, deixou-se ser aliciada; ela falhou em não ter confiado em nosso amor e ter sido honesta comigo; mas, no final, acho que conseguimos encontrar o perdão dentro de nossos corações e era isso o que mais importava:

- Papai, vamos!? - Gritou o Gustavo, a minha "superação" viva, acenando para mim, enquanto saía de um brinquedo do parquinho do condomínio onde agora moramos, seguido pela Aninha que parecia uma criança brincando com ele.

- Vem, Gegê! - Ela própria me chamou, dando um toque no Gú logo depois e correndo para outro brinquedo, com ele atrás.

- Já vou, gente. Calminha aí… - Respondi, já me levantando do banco em que revisitava essas memórias.

"Eu te amo, Lucinha. Fique bem e até algum dia.", pensei e saí correndo atrás da minha felicidade.

FIM

OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.

FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DA AUTORA, SOB AS PENAS DA LEI.


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Comentários

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Um bom final pra limpar a barra da Lucinha,que cometeu um erro atrás do outro. Só matando uma corneteira pra o pessoal se aquietar. No entanto,vejo um final condizente.

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Bravo! Bravíssimo! Mil estrelas! Enredo digno de concorrer a um Oscar ou, no mínimo, a um Kikito no festival de cinema de Gramado. As lágrimas não chegaram a cair, mas encheram meus olhos que teimaram em resistir à minha vontade de chorar! Este conto que deveria ser apenas erótico, nos dá uma lição de vida sobre o perdão e o arrependimento dele ser realizado apenas no último segundo de nossa vida. Lembrando de Shakespeare, numa frase parecida: "Perdoar ou não perdoar, eis a questão"! Situação difícil! Nos faz ver a dualidade de nossas escolhas na vida. Nos faz perceber como nossas mágoas conduzem nossos destinos. Nos faz perceber o quão bom é um diálogo esclarecedor nos nossos relacionamentos humanos. Enfim, casal mineiro ou ... casal maneiro, sou teu fã! Mark, te admiro, um abraço quebra costelas! Nanda, me desculpe Mark, te amo, um beijo na buchecha!

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Apesar de ser uma pagina de contos, não li uma história tão boa como essa, que não foi só o erotismos, envolveu sentimentos, trama e digo gostei muito do final. Confesso desceu algumas lágrimas. Virei fã PARABENS.

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Esse conto desde o inicio foi norteado pela possibilidade se tratar de um caso real, de um conjunto de fatos que ocorreram na vida de um casal, o Gervásio e a Lucinha, fatos esses decorrentes das ações que um outro casal, Roger e Alicia, cometeram. Esse conto mostra como é tenue a diferença entre poder manter o amor ou perder esse amor em uma relação. Mostra com muita propriedade como é difícil as vezes perdoar. Mas mostra que o perdão deve existir, até porque no ato de perdoar a criatura perdoa não apenas aquele ou aquela que lhe causou o mal, mas também ao se apartar do rancor, do ódio. A Lucinha concedeu o perdão as criaturas que causaram e lutou para obter o perdão do Gervásio e unir ele ao Gú.

Nanda. Conto brilhante, excelente roteiro para um filme que sua exibição certamente faria com que a sala de projeção de cinema se tornasse um local onde muitos expectadores derramassem muitas e muitas lágrimas.

Parabéns e continue escrevendo novos contos possíveis de serem reais como este.

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Estou sem palavras pra descrever como foi maravilhoso acompanhar toda essa história e chorar com esse final maravilhoso

Parabéns ao casal nanda e mark vcs são d+💞

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Nanda você acabou comigo agora... Perdi em Dezembro de 2023 uma prima que faleceu praticamente igual a Lucinha. Parece que voltei naquele dia, uma mulher nova, linda cheia de vida... Parabéns pela história.

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Eu estou muito triste pelo fim da história do conto que vc escreveu nanda eu até mnum impulso iria te mandar um e-mail para você não acabar com a história, pensando que o final da Lucinha seria com o Gervásio, e então eu tinha

pensado em incluir os personagens "Marciana" e "Mailson" do conto erótico "tramando em segredo pra ela me trair" do escritor "leon medrado" q também tem um

aqui no site, mas depois que eu li o capítulo final que a vc postou hoje só tenhoa te parabenizar pelo excelentíssimo final q vc deu ao conto erótico, até no final desse conto erótico específico quando o Gervásio estava no leito de morte da me provocou lágrimas de emoção.entao eu queria te parabenizar pelo seu excelente conto Nanda.

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Sabemos que alguém, por preciosismo, pode vir a fazer alguma observação. Mas não existe reparo algum a fazer.

Considero que a narrativa e principalmente o Final é digno de um enredo de Filme.

Foi uma série que tratou , mais que de um conto erótico, das relações humanas, e das consequências das escolhas.

E ainda, ensinou através das mensagens contidas na narrativa, de como fazer a entrada para o Mundo Liberal de sexo, e principalmente do que Não fazer.

Depois do alto nível deste Conto, será difícil se satisfazer na leitura de outros.

Nanda e Mark!

Tributos já rendei a vocês. Deixo aqui registrado o meu agradecimento por terem nos brindado com essa série.

Mil vezes PARABÉNS!!!!!!

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Eu chorei lendo um conto erótico. Isso é normal ?

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Pois é... Triste pelo fim da história mas muito contente com a forma que Nanda encontrou para terminar. Gosto dessa pegada "didática", seja para esclarecer o funcionamento do mundo liberal ou para mostrar para os leitores mais jovens que putaria é bom quando as regras básicas de segurança e respeito são observadas.

Mark e Nanda já tinham mostrado essa preocupação no conto da "Marmita" quando foram enfáticos no "não é não e talvez também é não", agora mostram as desventuras do sexo desprotegido.

Como minha geração descobriu o sexo nos anos noventa, quando a infecção por HIV era uma sentença de morte, sexo sem camisinha era algo impensável, mesmo bêbado sem não rolava!

Hoje a garotada não quer nem saber, cansei de sair com garotas que diziam preferir "pele na pele".

Os próprios contos da CDC mostram a preferência pelo sexo "roleta russa".

Lucinha pagou caro por pensar com a xoxota e não com a cabeça, perdeu o casamento, fez o filho sofrer e, por fim, perdeu a vida.

Como não sou religioso penso que precisamos evoluir em vida, aprender que um orgasmo na pele pode ser mais prazeroso mas não compensa os riscos.

Independente da tragédia contínuo achando Lucinha um personagem a ser explorado, suas motivações não estão claras muito menos seu relacionamento com o casal Roger e Alícia.

Ela bem que poderia ter deixado algumas cartas, né Nanda...

Por fim tenho que, novamente, agradecer ao casal. Produziram entretenimento de qualidade sem custo para o leitor. Merecem nosso respeito e milhares de estrelas.

Tudo de bom!

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concordo, por isso acho bom um final alternativo.

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Poxa Nanda, só você para fazer com que choremos em um conto....😿😿😿

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Nunca li um conto erótico que me passou tanta sensação de realidade com esse.A vida é redigida por uma eterna lei da ação e reação, Lucinha fez uma escolho horrivel e no fim recebeu um final respectivo, espero que o tempo traga paz e alegrias ao Gervásio.

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Pois é, ao final vimos, surpresos, que a Lucinha não era aquela puta nem aquela malvada que, creio eu, a maioria de nós imaginávamos. Muito surpreendente. Obrigado pelo belíssimo conto.

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Podemos até questionar o aspecto dela ser ou não malvada. Para mim continua sendo. Não é porque morreu que virou santa. Continuou mentindo e enganando até onde conseguiu. Mas o Gervásio, esse foi coerente do início só fim: começou burro, continuou burro e terminou burro. Tenho pena do Gustavo por ter um pai assim

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Nanda sempre palavras para um final épico signo de um Oscar do livro amiga. meu semblante neste momento é de choro pelo que aconteceu com o

casal em sua trajetória não foi fácil mais no final superaram em grande estilo nota um e maisuma constelação amiga com certeza está entre os dez melhores contos do CDC parabéns abração e um bjao no coração ❤️ se o Mark permitir kkkkkkkk falou valeu amiga.

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parabéns ao casal pelo desfecho tão surpreendente.

série muito bem desenvolvida, cheia de conflitos e muitas vezes controversa em algumas abordagens.

foi muito legal acompanhar a série.

que logo vocês possam nos proporcionar uma novo grande história

Abraços

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não era fã da Lucinha, esperava um ménage dela o gê e a Ana, tô triste dele ter morrido.

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Parabéns por mais uma série terminada, casal! Foi tenso, hein! Abraço.

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Três estrelas é pouco. Belíssimo! Que fecho lindamente orquestrado! Parabéns e obrigado…

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Parabéns ao casal vcs são espetaculares aqui neste conto, podemos aflorar todos os nossos sentimentos em capítulos amor alegria odio amor novamente perdao e o tao importante, perceber e ter atenção carinho e cuidado com o parceiro e ainda no final sendo educativo mostrando uma lição importante nos tempos de hoje o cuidado com a saude nos relacionamentos em geral.....👏👏👏👏

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Narrativa massa, só vou ter que trocar a toalha de rosto que estava no travesseiro, que está molhada"entrou um cisco nos meus dois olhos" e um montão de caça do nariz.... , homem chora simmmmmm

Parabéns Nanda e Mark

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Listas em que este conto está presente



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