Sinopse:
Após presenciar uma triste cena que culminou no fim do seu breve casamento, Luciana Monteiro fechou-se para o amor. Com isso, a dedicação ao trabalho ocupa todas as esferas de sua vida e assim, ela impede que este sentimento volte à bater em seu coração. Mas e se alguém estiver disposto a conquistá-lo mesmo que seja pelo caminho inicial da amizade?
***
A cidade do Rio de Janeiro possuía como um dos principais cartões postais o bairro de Copacabana cujo seu calçadão compõe as famosas pedras portuguesas nas cores em preto e branco. Recebendo turistas durante todo o ano, a princesinha do mar sempre foi dona de várias opções de diversão como bares, restaurantes e casas noturnas. E claro, não poderia deixar de mencionar, a sua praia se tornara o palco de um dos Réveillons mais famosos do mundo.
A região em torno do número 368 da Rua Santa Clara fora considerada calma em contraste com toda a agitação conhecida do bairro. Talvez até mesmo bastante isolada. O prédio de dez andares com a fachada nas cores de dois tons de azul e verde passava facilmente despercebido pois não havia nada que despertasse a atenção de quem transitara por ali.
Isolamento é um aliado da solidão.
Solidão que se fazia presente no momento em que Luciana Monteiro chegava tarde da noite de uma segunda-feira em seu apartamento localizado no sétimo andar, após mais um dia inteiro dedicado ao seu trabalho na Universidade. Não era um imóvel amplo, os cômodos possuíam tamanho suficiente para uma mulher na situação em que se encontrava.
Divorciada há cinco anos após um casamento de seis.
- Mais um dia, menos um dia - disse logo após fechar a porta de entrada atrás de si mesma.
Ao deixar as chaves de casa e do seu carro em um pequeno móvel no corredor que a levava até à sala, calmamente ela se livrou dos seus sapatos de salto alto e fino e enfim, pôde sentir o alívio nos seus pés. E também o cansaço. Colocando sua bolsa de cor marrom em um dos sofás da sala, tudo o que ela mais desejava era um bom banho quente enquanto caminhava em direção ao seu quarto.
Despiu-se de suas roupas formais as quais o cargo de Coordenadora Acadêmica exigia, composta por uma calça social preta e blusa vinho e entrou no chuveiro potente que era o seu revigorante. Ficara incontáveis minutos debaixo d'água até sentir que todo aquele esgotamento físico fosse embora escorrendo junto da espuma do sabonete de aroma calmante que usava durante o banho.
A calça folgada de moletom cinza e regata branca de algodão eram o seu uniforme de dormir e preparar o seu lanche noturno antes de ir para a cama era considerado um ritual.
Preparou rapidamente um ovo mexido no azeite e o despejou em um pequeno prato, salpicando com pimenta bem de leve. Duas torradas com creme cheese diet e um suco de laranja sem açúcar acompanhavam a leve refeição que fazia parte da sua dieta. Embora quem a observasse diria que ela não precisava. Na pequena mesa da cozinha, ela comia o que tinha preparado não pensando em absolutamente nada, além no dia seguinte, além do seu trabalho. Era ele, apenas ele que conseguia mantê-la em pé nos últimos anos.
Deixou o garfo, o prato e o copo ali mesmo para serem lavados no dia seguinte antes de sair de casa e seguiu para o banheiro, realizando sua higiene bucal e usando um tônico contra impurezas na pele do seu rosto. Olhou-se no espelho uma última vez, os cabelos curtos e loiros de tom dourado, observando o cansaço. Não é um trabalho fácil, mas é o que eu amo fazer pensou ela. Havia algo a mais além do cansaço mas ela preferia não enxergar.
E somente após deitar-se, permitindo ao seu corpo o merecido descanso, o que ela não quis ver através do espelho se transformava em uma solitária lágrima que corria pelo seu rosto chegando ao travesseiro.
A solidão se aliara à uma profunda e angustiante tristeza.
***
Realizar o trajeto de carro de onde morava até a universidade localizada no bairro vizinho durava cerca de vinte minutos a meia hora dependendo do fluxo de carros quase que rotineiramente intenso pela manhã. Mas para Luciana não era algo estressante. Seguindo o caminho pela Avenida Atlântica, a belíssima visão do mar era uma terapia. Pessoas caminhando e correndo, passeando com os seus cachorros de estimação, andando de bicicleta, os donos dos quiosques abrindo seus estabelecimentos... Tudo isso chamava sua atenção estando ao volante a cada sinal vermelho. O Sol daquela manhã ainda era fraco e talvez permaneceria assim, o normal em uma estação de outono. A estação que recebia menos atenção no Brasil se comparada com o verão e inverno.
Era o início do mês de abril, período de mais trabalho na Universidade pois as primeiras avaliações do semestre começariam em poucas semanas o que para Luciana seria perfeito. Assim, ela se manteria 100% voltada para o seu trabalho.
No momento em que chegou ao estacionamento na rua próxima ao campus e milagrosamente conseguir uma vaga para estacionar, pegou sua bolsa, algumas de suas inseparáveis pastas e saiu do carro, batendo a porta do motorista e ativando o alarme. Enquanto caminhava sem pressa pelas pequenas pedras no alto dos seus saltos e usando óculos escuros, não conseguiu segurar uma leve risada. Nunca mais conseguira enxergar aquele estacionamento após a aventura de Carnaval que aconteceu com o seu melhor amigo.
Conhecida e admirada por ser uma das melhores e mais profissionais Coordenadoras que a Universidade já teve, a beleza loira e clássica que possuía chamava a atenção por onde passava uma vez que sua altura contribuía para isso. Luciana assumiu o cargo ainda na assistência com apenas vinte e seis anos, sendo a mais jovem da equipe de coordenadores. Duas funções lhe foram designadas naquele novo ano profissional: reformular o quadro da graduação em Linguística e Literatura Brasileira e dar início a uma nova Licenciatura de idioma no curso de Letras, o francês. Algo claramente desafiador mas que sua competência mostrou o quanto ela foi bem sucedida sendo promovida de cargo no ano seguinte. Fluente em três idiomas, sempre foi dona de uma inteligência admirável.
Depois de passar na cafeteria onde comprou um café e seu croissant favorito, seguiu direto rumo à mais um dia de trabalho. Ainda não eram oito da manhã quando chegou na entrada, cumprimentando as simpáticas recepcionistas e viu de perto a correria dos alunos atrasados para a primeira aula do dia. Alguns estavam no pátio, sentados nos bancos de madeira ou até mesmo no chão. Nada preocupados, pensou enquanto caminhava rumo à sua sala do primeiro andar do prédio de Ciências Humanas. Já estivera naquela mesma situação em que a vida era apenas estudos.
Sua pequena, porém, confortável sala era o lugar onde Luciana poderia facilmente ser encontrada. Composta por um conjunto típico de mesa de escritório, sua cadeira e mais duas à frente para receber algum aluno ou professor, o lugar possuía um toque mais pessoal. Algumas fotos em um mural na parede era a primeira coisa que chamava a atenção da pessoa no instante em que chegava ao local. Um armário multiuso de duas portas em cor branca na parede do lado direito era onde ela guardara objetos pessoais e até mesmo compras realizadas pela Internet uma vez que seu endereço de trabalho seria mais fácil para receber suas entregas. Do outro lado, um suporte vertical fixado à parede onde vários livros estavam arrumados lado a lado integrava a decoração. Se não fosse ali era na sala dos professores que ficava no prédio em frente, composto pela área administrativa e burocrática além da Reitoria, que ela poderia ser vista.
Pegou seu celular e guardou sua bolsa no armário, colocou as pastas na mesa, ligou seu computador e esperou por alguns minutos até o momento em que suas funções estivessem disponíveis. A imagem na tela era uma foto de toda sua família: seus pais, irmãos e sobrinhos. Sentada na sua cadeira, visualizou as mensagens do grupo de coordenadores junto da Reitoria onde estava confirmada para nove horas, no pequeno auditório anexo à sala do Reitor, a reunião entre ele e os Coordenadores.
- Lu! - ouviu a voz e duas batidas na porta que deixara aberta - Bom dia!
- Oi Rosana, bom dia! Entra - Colocou seu aparelho na mesa e se ajeitou na cadeira. O que houve?
- Conseguiu finalizar o calendário de provas do seu curso?
- Comecei ontem e espero terminar hoje. Vai depender de quanto tempo a reunião vai durar. Por quê?
- As alunas do terceiro período - sentou-se em uma das cadeiras à sua frente - estão me implorando para que a prova de Didática III seja adiada para a segunda-feira após a semana de provas mas a professora Maria Cristina está dura na queda.
- E por que elas querem o adiamento?
- Porque na segunda-feira em que as provas vão começar elas terão duas avaliações. Mais uma e elas irão enlouquecer!
- E você quer que eu te ajude a realocar a prova de alguma outra disciplina?
- Faria isso por mim?
- Só depois que eu terminar o meu calendário, certo?
- Sem problemas! - ela se levantou animada - Ficarei no campus até a noite.
Rosana possuía quase o mesmo tempo de Coordenação que Luciana. A Pedagogia tornou-se a sua paixão quando estudou formação de professores no Ensino Médio. Foi o ponto de partida da sua carreira dedicada à Educação onde se graduou Pedagoga e alçou cargos acadêmicos com duas pós graduações e o mestrado, sendo posteriormente contratada para assumir a chefia universitária do quadro docente. Os cabelos cinzas quase prateados se tornaram o seu charme ao assumi-los quando completou quarenta anos. Não era casada e não tinha filhos. ''Meu marido é a minha carreira'' era o que sempre dizia.
- E você? Está com os olhos tão abatidos.
- Às vezes eu tenho dificuldade para dormir, você sabe. - suspirou.
Ouviu tocar o telefone fixo da sua mesa e, ao se inclinar levemente da cadeira para olhar no identificador de chamadas, reconheceu o ramal da recepção. Apertou o botão juntamente ao do viva voz.
- Luciana.
- Oi Luciana, é a Luana. Desculpe o incômodo, de novo é uma ligação da LR Publicidade. Daniel Novaes quer falar com você.
Ouvir o nome da empresa e principalmente aquele nome fez o seu corpo travar por inteiro. Respirou fundo por alguns segundos, que pareceram uma eternidade, e o silêncio por parte da Rosana foi o mais correto a ser feito.
- Luciana? - a voz do outro lado da linha questionou - Posso transferir a ligação?
- Luana, diga a ele que estou ocupada hoje e que retorno assim que puder.
- Tá certo.
E desligou.
Mais uma desculpa para não falar com a pessoa que telefonava. Na verdade já era a quarta vez que Luciana recebia aquela ligação vinda da agência de publicidade em menos de dez dias e também pela quarta vez, recusava-se a atender. Se deu conta da insistência e sabia que não conseguiria adiar por muito tempo a conversa, seja lá qual fosse o assunto que aquele homem gostaria de tratar. O que mais deixava Luciana com raiva não eram as tais ligações e sim como elas a deixava desestabilizada e fora de foco. Por mais que tivesse passado tanto tempo, Daniel Novaes ainda possuía este efeito sobre ela.
Luciana e Daniel se conheceram quando ela tinha apenas vinte anos e ele era apenas quatro anos mais velho. Faltavam dois semestres para que se formasse em Letras e durante um passeio à Universidade Católica com as amigas de turma, ela aproveitou a ocasião para pesquisar sobre os cursos de Pós Graduação que a instituição oferecia. Nesse dia, ocorria uma série de apresentações do curso de Comunicação Social onde Daniel Novaes era um dos palestrantes. Formado em Publicidade, ele fora convidado a se apresentar para os alunos do curso e ela e as amigas entraram de penetra no evento.
O que mais a encantou naquele jovem profissional foi o entusiasmo com que ele falava da carreira. Era um jovem falando para jovens. Os cabelos negros, a pele bronzeada e o quanto ele era bonito. O olhar de cor esverdeado era marcante, capaz de derreter geleiras. No final da apresentação, ela fez questão de se aproximar e para dar-lhe os parabéns. Daniel, por sua vez, não deixou de notar a beleza daquela jovem estudante. Ficou contente em saber que o seu trabalho havia despertado o interesse dela e das amigas. ''Literatura e Publicidade podem ser uma excelente combinação'', ele disse. Estava claro que Daniel não se referia à combinação das carreiras, principalmente depois de eles trocarem os devidos contatos.
Após o primeiro convite dele para saírem, o relacionamento amoroso não demorou a acontecer. Embora Luciana estivesse totalmente focada no fim da sua graduação, ela aceitou o pedido de namoro. Estavam, de fato, envolvidos e o relacionamento e carreiras conseguiram andar lado a lado. Daniel estava lá, testemunhando o momento da sua namorada, na cerimônia de graduação e foi o maior incentivador para que Luciana prosseguisse em sua carreira acadêmica onde ela trilhou sua pós-graduação e posteriormente, o Mestrado. Ambos realizados na Universidade em que se conheceram.
Tudo estava perfeito na vida da futura Coordenadora naquele período de sua vida.
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O clima na sala de reuniões estava tenso. A alta cúpula da Literação, considerada uma das maiores editoras literárias do país, não conseguia chegar a um consenso sobre se deveria ou não apostar em novos talentos. A maioria eram mulheres que se dedicavam a escrever para mulheres sobre uma temática que não parava de crescer nos últimos anos: o romance erótico.
Denise Ventura olhava no relógio de parede e respirava fundo, demonstrando sua impaciência. Quatro horas da tarde. Suas reuniões de trabalho não costumavam durar mais do que uma hora. Esta, entretanto, já estava chegando há quase duas. A equipe dividida sobre o tema discutia calorosamente o assunto. Sendo a Diretora Editorial, ela ouvia todos os argumentos ali passados e repassados.
- Sinceramente eu acho uma pena, esta pauta ainda se tornar um motivo de discussão quando na verdade já deveríamos estar trabalhando nela. - Eduarda Siqueira, supervisora responsável por receber manuscritos originais, dizia exasperada - Vocês têm ideia de quantas autoras esperam pelo retorno da minha equipe? A maioria delas escrevem de forma independente em plataformas digitais e merecem sim a chance de um reconhecimento maior.
- É mesmo, Eduarda? E de todas estas autoras, você garante que elas serão best-sellers chegando ao topo da lista nos principais jornais e revistas do país? E eu ainda nem mencionei as plataformas virtuais de vendas - Mauro Linhares, diretor comercial, rebateu os argumentos da sua colega.
- Com uma boa estratégia de divulgação focada no enredo que a autora apresenta, não vejo motivo para que seja um fracasso. A popularidade deste tema cresceu e muito na última década. Eu concordo com a Eduarda, não podemos ficar para trás - Elisa Vianna, diretora de marketing, ponderou.
- Isso é um completo absurdo! Por mais sucesso que esta temática faça, não podemos arriscar o prestígio da nossa editora apostando em um gênero que explicita a depravação e pouca vergonha! É algo abaixo do patético! - Raul Machado, diretor financeiro fez coro com o colega da reunião.
- Pensei que gostasse da sua função em ver o cofre da empresa crescer, Raul - Eduarda provocou o homem sentado à sua frente na longa mesa de vidro.
- Gosto sim, mas também sou cauteloso. Temos um público fiel, que são leitores em sua maioria conservadores e que fazem questão de terem acesso a uma literatura de boa qualidade. É esse público que mantém o prestígio da nossa editora por mais de quarenta anos. E tenho certeza de que o Paulo concorda comigo! - disse apontando para o Diretor.
Paulo Garcia, Diretor Editorial, estava sentado do outro lado da mesa, igualmente impaciente. Assim como Denise, ele possuía voz sobre como deveria conduzir o trabalho diário na Literação.
- Além do prejuízo financeiro, podemos ter sérios problemas jurídicos - sentado em sua poltrona, ele massageava lentamente a têmpora direita onde o seu cotovelo permanecia apoiado no descanso de braço - Ativistas e leitores defensores da moralidade argumentando que isso não é e nunca será literatura, podendo chegar na esfera política.
- Exatamente! - Raul saiu em defesa - Ou todos aqui se esqueceram do que aconteceu naquela edição da Bienal? Uma força-tarefa por ordem da prefeitura realizando fiscalização nos stands e censurando livros impróprios para menores pois eram romances voltados para o público homossexual. Censura. Conhecemos muito bem o peso que essa palavra possui.
- Mas isso cabia aos pais não levarem os filhos para perto desta temática! - Elisa contra argumentou - Foi tão absurda a atitude do prefeito que até mesmo analistas políticos conservadores criticaram a ação.
- E além disso, exatamente por conta desta proibição, um influenciador milionário fez questão de comprar estes livros. Logo em seguida a temática se tornou sucesso de vendas - Eduarda acrescentou e virou-se para a Diretora - Pense bem, Denise. Perdemos os direitos de publicação de ''Cinquenta Tons de Cinza'' para uma de nossas maiores concorrentes.
- Na época, eu subestimei o sucesso que a série poderia fazer no Brasil e por isso vetei.
- E nem por isso perdemos o prestígio já conquistado no mercado! - disse Mauro.
- Mas ainda podemos corrigir esta rota. Já perdemos muito tempo resistindo em publicar essa temática - Elisa reforçou a súplica da amiga.
A Literatura Erótica definitivamente era um gênero que conquistou seu espaço no mercado editorial e não poderia mais ser ignorado. No entanto, havia uma guerra naquela sala onde os homens não faziam questão alguma de esconderem o ponto de vista machista e preconceituoso que possuíam.
- Paulo? - Denise direcionou seu olhar questionador para seu sócio.
- O meu maior defeito dirigindo esta editora ao seu lado, Denise, é confiar em você. Vá em frente! - ele, enfim se deu por vencido pois sabia que não iria dizer não à ela.
E eles sorriram um para o outro.
- Por mim dou esta reunião por encerrada. - Paulo levantou-se da mesa, coçando seus curtos cabelos lisos e brancos e saindo rapidamente da sala. Apesar da aparência, ele não tinha chegado aos cinquenta anos e a cor que seus cabelos apresentavam lhe davam um certo charme.
- Eu espero sinceramente que estejam fazendo a coisa certa - Mauro resmungou também levantando-se.
- Eduarda, veja quem é a autora que mais chamou a sua atenção e da equipe e entre em contato para marcarmos uma reunião - Denise orientou.
- Hoje mesmo! - ela assentiu empolgada.
Reunião, enfim, terminada e Denise saiu em direção à sua sala. A rotina na Editora era sempre de muito trabalho. Ainda assim, ela amava o que fazia. Formada em Jornalismo, ela não conseguia se imaginar em outra carreira além de mergulhar no universo dos livros.
Exausta, em pé diante da sua mesa, ela começara a recolher seus objetos pessoais guardando-os na sua bolsa. Ouviu duas batidas na porta enquanto conferia se não havia esquecido nada.
- Pode entrar! - elevou sua voz e ouviu a maçaneta da porta se abrir.
- Encerrou tudo por hoje, senhora Ventura? - era Fabiana, sua secretária - Precisa de algo mais?
- Não Fabi, obrigada. Já vou para casa.
- Certo, vou enviar por e-mail os seus compromissos de amanhã.
- Verei tudo assim que chegar. - Colocou sua bolsa em seu ombro direito e saiu, a caminho do elevador despedindo-se de todos amigavelmente como sempre.
Começar cedo o expediente na Editora lhe dava o direito de sair mais cedo do que boa parte dos funcionários. Mais uma tarde igual às outras em que ela descia até o estacionamento, entrando em seu carro e dando a partida. Quem a via sair todos os dias naquele mesmo horário, antes do ápice da hora do rush, dizia que aquilo nada mais era do que a consequência de ser a diretora da empresa e assim, desfrutaria o prazer de chegar em casa antes do anoitecer.
Denise gostava que todos pensassem isso.
O que não era verdade.
***
O quarto do apartamento localizado na região do Jardim Oceânico, há alguns minutos do grandioso e luxuoso condomínio o qual a Família Bertrand vivia, era onde ecoavam os gemidos mais despudorados da linda mulher que já passava dos quarenta anos. Denise necessitava de dar prazer ao próprio corpo e Paulo era o cúmplice por isso.
Deitada de bruços, observando a porta da varanda aberta cujas cortinas balançavam por causa do vento e não contendo o tesão, suas mãos agarravam o lençol da cama com toda força que podia reunir e sentia o suor escorrer em seu rosto enquanto era invadida por trás pelo seu sócio. As mãos de Paulo seguravam com força a cintura daquela que deveria ser sua mulher por direito se Simon não tivesse aparecido entre eles. Enfiava de forma dura e raivosa e um tapa estalado marcava sua pele sensível fazendo com que ela se afogasse ainda mais no oceano de prazer em que mergulhara naquela tarde.
- Isso, mais alto! - Paulo exigia enquanto estava totalmente enfiado dentro dela, - Seus gemidos são minha terapia diária.
- Simon diz a mesma coisa... - ela provocou, causando a ira do homem, fazendo a sentir um tapa mais forte e enfiadas mais bruscas como se quisesse rasgá-la ao meio.
Paulo puxou os cabelos loiros, erguendo levemente e curvando o corpo de Denise da cama, fazendo a sentir a boca do seu amante próxima ao ouvido esquerdo.
- Não ouse falar o nome daquele homem enquanto eu estiver dentro de você, entendeu bem? - Denise apenas sentiu sua pele arrepiar ao ouvir a voz firme e torceu os lábios. Seu interior pulsava enquanto era preenchido por todo o volume que lhe arremetia de forma faminta - Entendeu, Denise? - ele repetiu a ordem.
- Só vou entender se me fizer gozar...
- O que só eu faço, não é mesmo?
Paulo ergueu o corpo que tanto amava deixando-o de quatro e começou a foder sem parar até perceber as primeiras reações que anunciavam um orgasmo. Com o coração acelerado, Denise rebolava rapidamente desejando chegar ao prazer e Paulo agarrou com força aqueles seios, sentindo o corpo tremer sob o seu poder e ouvindo um gemido maior ao saber que ela havia gozado. Não demorou muito e foi Paulo que a alcançou quando seu corpo enrijeceu ainda dentro dela e despejou todo o seu prazer na camisinha.
Exaustos, eles desabaram na cama e não tinham pressa para se separassem. O perfume misturado ao suor era o que Paulo sentia no pescoço da ''sua'' mulher. O vento frio invadia o cômodo em contraste com a temperatura quente dos corpos saciados e ofegantes.
Paulo, enfim, deixou o corpo que tanto amava e desejava e se virou, olhando na direção do teto. Lentamente, Denise se aproximou do peitoral que subia e descia, enchendo-o de beijos. Novamente, os olhares se cruzaram mas não de forma profissional como aconteceu horas antes na sala de reuniões.
- Conheço esse olhar... - ela sorriu fechado - Esse olhar em forma de pedido.
- Você me conhece bem.
- Há mais de vinte anos.
- Então sabe muito bem o que eu mais quero de você.
Denise levantou-se e virou-se de costas para ele, permanecendo sentada na confortável cama. Calada, ela sabia o rumo daquela conversa.
- Acaba com esse casamento, Denise. Você e eu sabemos que não é difícil.
- É difícil, sim! - ela o encarou - Não se trata apenas de mim e do Simon.
- Frederik já tem dezessete anos, ele é um menino inteligente e vai entender suas razões.
- Eu só quero que ele tenha um pouco mais de maturidade. Não quero que sofra com a separação.
Paulo suspirou, cansado de ouvir a mesma justificativa e Denise continuou sentada em posição borboleta, triste por sempre lhe dizer a mesma razão.
- Você sabe que eu sou sua. Meu corpo e meu coração são seus.
- Não tente me convencer de que vocês dois não trepam. Eu posso ser tudo, menos idiota.
- Não vou te convencer. Simon é meu marido e sim, nós trepamos - Paulo levantou-se em um rompante, sentando-se na beira da cama irritado por ouvir aquilo - Mas acha mesmo que ele me faz gozar? - Denise o abraçou por trás, por cima dos ombros - Deixei de sentir tudo o que eu sentia desde o dia em que descobri que ele trepava com a vagabunda da Carina.
- Essa é a parte boa - seu olhar a encarou de lado - Ele pensar que você não sabe - os dois riram - E me sinto ótimo em lembrar que no dia do meu aniversário no sítio você me chupava dentro de um dos quartos enquanto ele se achava o dono do mundo perante os convidados - ambos riram ainda mais.
- Eu ainda preciso manter as aparências com ele diante dos nossos amigos, diante do Frederik e fingir orgasmos. Mas aqui com você nesta cama é tudo real.
- Não me conformo em ter perdido você. O seu casamento pra mim foi o pior dia da minha vida. E depois quando você engravidou...
- Ei! - ela o interrompeu - Não ouse. Frederik foi a melhor coisa que me aconteceu. Amo o meu filho mais do que tudo no mundo.
- Eu sei... Se eu amo e quero você para mim, é claro que vou receber o Frederik na minha vida da mesma forma. Apenas sinto por ele ter o mesmo sangue daquele filho da puta que tirou você de mim.
- Simon é um bom pai para o Frederik, isso eu não posso me queixar. E é bom que a relação entre eles continue assim. Vem - Denise levantou-se da cama ficando em pé diante de Paulo e o puxou pela mão - Já são seis horas e ontem eu não jantei com o Frederik. Não posso faltar hoje.
Trocaram um beijo apaixonado e seguiram em direção ao banheiro e debaixo do chuveiro, Paulo novamente beijava de forma urgente a boca da mulher que sempre amou. As línguas duelavam entre si em meio à força potente da água. Com o beijo, Denise o abraçou pelo pescoço, dando um pequeno impulso, envolvendo ambas as pernas na cintura do homem que a amava verdadeiramente desde sempre. Encurralada na fria parede, Denise soltou um gemido escandaloso quando Paulo se enfiou de uma vez por entre as suas pernas. Agarrou em suas costas largas com toda força que conseguia, fincando as unhas na pele molhada a cada investida. Seus seios eram esmagados pelo peitoral forte e os olhos orbitavam a cada momento em que a língua e a boca do seu sócio e amante deslizavam pelo pescoço delicado que possuía.
- Paulo... Não para...
Seus pés cruzados se contorceram e não demorou muito para que um novo orgasmo a dominasse.
Denise era uma mulher verdadeiramente amada. E o marido Simon tornou-se o responsável por ela receber esse amor fora de casa.
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Desde o início do ano anterior, Luciana encarava com muito bom humor, e também com uma boa dose de paciência, a tristeza e indignação das alunas do curso de Literatura Francesa. Era noite de quinta-feira, o último horário de aula, ela e um grupo de três alunas estavam sentadas em uma sala vazia do terceiro andar. Apenas uma ou duas turmas estavam em aula nas outras salas e então, o silêncio era reinante. Ela sabia o resultado final daquela conversa e mesmo assim fazia questão de ouvir os pedidos insistentes das futuras formandas.
- Por favor, Luciana! - Cibele implorava - O professor Schneider precisa ser o nosso orientador no próximo período!
- Isso, conversa com ele! - Alícia fazia torcida com a amiga - Pede para ele orientar somente o nosso grupo aqui!
- Todas nós já escolhemos o tema para o trabalho! - Eva enfatizou - E mesmo assim, ele está irredutível e você é a nossa última esperança.
Luciana observava as súplicas de cada uma sentada à sua frente, tentando segurar a vontade de rir. Eric Schneider sempre fizera sucesso com as alunas desde os primeiros dias em que começara, anos atrás, a lecionar Literatura e esse sucesso crescia semestre após semestre cada vez que mais alunas se matriculavam na Licenciatura em Língua Francesa.
- Meninas - ela respirou fundo - Eu entendo e admiro muito o carinho que vocês possuem pelo Schneider mas é exatamente como você falou, Eva. Ele não vai se tornar professor-orientador por um bom tempo. Desde que começou a dar aula nos três turnos, ficou impossível para ele assumir essa responsabilidade.
- Não é carinho que sentimos por ele. É tesão - Alícia disparou sem pensar e Luciana, enfim, caiu na gargalhada - Se eu faço questão de sentar na primeira fileira durante as aulas dele é para ficar bem perto e sentir aquele perfume masculino delicioso, - ela pôs a mão no colo - Nossa, só de lembrar eu molho a calcinha.
- Vou agradecer para sempre à professora Ana Luíza por nos dizer qual o perfume que ele usa - Cibele suspirou - Comprei e dei de presente para o meu namorado e toda vez que transamos, é o perfume do nosso professor delicioso que domina a nossa cama. Aliás, a professora Ana é muito sortuda por ter sido a namorada daquele Deus em forma de homem.
- Vocês podem falar o que quiserem mas não se esqueçam que eu sou a aluna favorita dele - Eva chamou atenção para si mesma - Nunca tirei menos do que nove nas provas de Literatura.
- O Schneider não tem alunas favoritas, Eva - Luciana a repreendeu de leve - ''Ao menos não aqui na Universidade'', pensou.
- Mas é claro que tem! Desde o dia que ele falou, durante a nossa primeira aula no primeiro período, que o meu nome é o mesmo da atriz favorita dele, tive a certeza de que EU me tornei a favorita.
- Eva Green, dãã! - Cibele e Alícia falaram juntas em forma de deboche e reviraram os olhos.
- Exatamente! - ela afirmou de forma triunfante - Já perdi a conta de quantas vezes assisti a todos os filmes com ela no elenco mas Os Sonhadores* tornou-se o meu primeiro da lista.
- É um filme um bocado antigo - Luciana observou.
- Sim, mas o professor disse que é o filme favorito dele com a Eva, baixei ele pela Internet e então se tornou o meu favorito também - e sorriu - E se um dia acontecer algo a mais entre nós dois? Já temos coisas em comum: a coincidência com o nome e a paixão pelo mesmo filme.
Luciana balançou a cabeça em negação e ficou aliviada em saber que Eric estava lecionando no andar de cima e não ouviria tais confissões. No entanto, ela seria obrigada a fazer com que aquelas três alunas descessem das nuvens.
- Meninas - ela levantou-se da sua cadeira - o papo está ótimo mas infelizmente eu não posso fazer nada quanto ao trabalho de conclusão.
- Ah, Luciana, por favor!
- Conversa com ele!
- Você é Coordenadora, poxa!
- Eu vou fazer o que me pedem e conversar com ele mas já sabemos a resposta. Temos as professoras Lídia e Margot à disposição para orientar vocês.
As três alunas não gostaram do que ouviram e continuavam inconformadas. Luciana não se deixou atingir pelos rostos tristes à sua frente pois há exatos três semestres era a mesma coisa: alunas implorando por Eric na orientação de trabalhos de conclusão de curso.
- E se eu me trancasse com ele em sala depois do fim de uma aula, ficando nua e pagando um boquete bem gostoso? - Eva levantou-se em um rompante segurando sua mochila branca - Certeza que ele mudaria de ideia!
- Será que é muito grande? - Cibele questionou.
- Um homem maravilhoso como ele, é óbvio que foi muito bem abençoado por Deus da cintura para baixo e entre as pernas maravilhosas que ele tem!
- A única coisa que é óbvia querida Alícia, é de que está tarde e daqui a pouco as últimas aulas irão se encerrar - Luciana cortou aquele delírio insano - Vamos embora?
Cibele e Alícia levantaram-se colocando suas mochilas nas costas e as três saíram da sala na companhia da Coordenadora. Falando sobre outros assuntos, desceram o lance de escadas até o primeiro andar onde a movimentação era quase nenhuma.
- Tchau, Luciana! - as alunas despediram-se da Coordenadora seguindo em direção à saída.
- Até amanhã, meninas e juízo! - ela orientou, fazendo-as rirem e observou saindo na direção contrária da sua sala.
Mais um dia finalizado para ela e claro o seu corpo já sinalizava o cansaço. Entretanto, ao virar-se naquele corredor com a intenção de ir até a sua sala seu corpo paralisou ao reconhecer, mesmo que um pouco de longe, a pessoa encostada na parede em frente à uma das portas.
- Não é possível. - Luciana disse baixinho pois sabia que ninguém a ouviria. Ela caminhou lentamente até aproximar-se do homem que estava ali. Nunca imaginou que ele teria a ousadia de aparecer em seu local de trabalho após todas as ocasiões em que ela o evitou. A cada ruído que o salto ecoava no piso, seu coração acelerava e seus lábios apertaram-se um contra o outro na tentativa frustrada de conter a aflição em ficar frente à frente com ele.
- Daniel.
- Oi, Luciana.
A última vez em que estiveram em um mesmo recinto foi na assinatura dos papéis do divórcio. Desde então, Luciana não queria saber absolutamente mais nada a respeito daquele homem com quem foi casada. Mudou-se para o apartamento onde vivia atualmente e pediu para que nenhum amigo em comum ou familiar dissesse a ele onde morava. Por mais que fosse difícil, estava decidida a seguir em frente. O fim de um casamento nunca é fácil e vê-lo ali a fazia lembrar-se da forma traumática de como foi o fim do seu.
Poderia parecer ridículo mas ela precisava demonstrar que estava bem, ainda que não fosse algo fácil e por dentro aquele reencontro poderia destruí-la emocionalmente. Ergueu o seu rosto e cruzou os seus braços, fechando seu semblante. Queria deixar bem claro de que não estava nada satisfeita em revê-lo após tanto tempo.
- O que faz aqui? - ela o observou de cima a baixo e não deixou de notar um enorme envelope pardo que estava em uma das suas mãos.
- Não sei onde você está morando, não tenho o número do seu celular e não retornou as minhas ligações.
- Não vi motivo para retornar.
Ele ignorou a resposta atravessada.
- E então não tive outra opção a não ser vir até aqui no seu local de trabalho.
- Seja o que for que queira falar, diga logo! - Luciana não fazia questão alguma de esconder a rispidez em sua voz. As lembranças daquela noite começavam a lhe dominar, aumentando a sua raiva.
- Podemos conversar na sua sala? - ele apontou para a porta - Cheguei na recepção e me informaram que ainda era a mesma neste andar. Por isso achei melhor te esperar aqui.
Mantendo o semblante sério, Luciana tirou o chaveiro do bolso da sua calça preta de modelo jeans riscado e abriu a porta. O local estava abafado e ela entrou, sentando-se em sua mesa e ele fez o mesmo permanecendo em pé.
- Quer que eu feche a porta?
- Deixe aberta. - ela pediu e ele assentiu.
- Não mudou muita coisa desde a última vez que estive aqui.- ele comentou, observando ao redor.
Ela reparou que seu ex-marido não havia mudado tanto, com a diferença de alguns fios brancos que apareceram entre os seus cabelos. Continuava bonito. A mesma beleza que a encantou quando era estudante mantinha-se ali diante dos seus olhos.
- Você está ótima. - ele enfim, a encarou.
- Vá direto ao assunto, Daniel - sua paciência estava chegando ao limite - Não sei se você reparou na hora mas já está tarde e tudo o que eu quero é ir para casa.
- É claro. Acho que ainda se lembra do apartamento que compramos na Praia do Forte em Cabo Frio, não lembra? Bem localizado, há apenas uma quadra da orla?
- Claro que lembro.
- Pois bem, eu consegui um comprador - ele entregou-lhe o envelope - Mas para que a venda seja de fato efetuada eu preciso da sua assinatura. Afinal, o imóvel também estava no seu nome.
Luciana pegou o envelope e o abriu para ver a documentação. Eram papéis com toda a burocracia de compra e venda e ela deu uma rápida olhada apenas na primeira folha.
- Se importa se eu levar para a minha advogada? - ela guardou de volta no envelope.
- De jeito nenhum, está tudo em ordem, mas fique à vontade. Quando você assinar, darei continuidade à tramitação da venda e a metade do valor estará na sua conta em poucos dias.
Daniel estava comedido em suas palavras porque sabia o quanto aquele reencontro estava sendo difícil para ela. Porém, fez o que achou o que deveria ser feito. Era o mínimo após ele ter sido o causador do fim do casamento.
- Já que eu e você dividimos todos os nossos bens quando nos separamos é justo que receba a sua parte por esta venda. Eu fiz uma boa reforma e consegui vendê-lo por um ótimo valor acima do mercado.
- Que bom. Por que decidiu vender?
- Eu e você fomos para lá várias vezes mas não fazia mais sentido mantê-lo. E a Laura me apoiou na decisão.
- Que amor da parte dela... - falou com ironia - Sempre foi tão amorosa com você que fez questão de colocá-la na nossa cama.
- Luciana, olha, eu entendo a sua raiva.
- Com licença?
A conversa foi interrompida pelo dono daquela voz imponente. Daniel sorriu de lado e virou o olhar na direção dos livros no suporte da parede, claramente incomodado com a pessoa que acabava de chegar. Aquele que não suportava encontrar durante o tempo em que esteve casado com Luciana.
- Oi Schneider, entre!
- Na verdade, eu já vou embora e só passei aqui pra saber se posso te enviar amanhã o conteúdo parcial das provas - ele estava com a sua mochila preta nas costas e parou em frente à uma das cadeiras fazendo o seu porte dominar toda a sala.
- Claro, pode sim, eu terminei de montar o calendário, inclusive vou deixar uma mensagem no nosso grupo sobre isso. Bem lembrado! - ela sorriu.
- E você? - o professor de literatura sentiu a tensão que pairava no ambiente e ignorou a presença de quem estava ali além da sua chefe - Já encerrou por hoje?
- Claro que não! - Daniel interferiu grosseiramente na conversa - Estávamos conversando até você chegar!
Eric não teve outra opção a não ser olhar na cara do homem que também não suportava e nunca suportou. Estava de volta ao Brasil, morando no Rio de Janeiro para a série de entrevistas de admissão e após a aprovação, ele e Daniel se conheceram no pátio do Campus. Desde esse dia em que foram apresentados por Luciana, quando o casal estava há poucos meses de oficializarem a união, a forte intuição do professor em relação ao noivo da sua nova chefe gritou por todos os cantos da sua mente, alertando o quanto ele não tinha um pingo de caráter. Ainda assim, o tratou com educação. A amizade entre ele e Coordenadora não era forte naquela época e com isso, não fazia sentido dizer o que pensava daquele homem. Os dois se tornaram próximos somente após o divórcio. Uma relação de quase irmãos como ele gostava de dizer.
- Daniel, eu vou analisar a documentação. - Luciana levantou-se da cadeira e deu a volta sabendo que um embate entre eles dois era certo de acontecer - Se o seu advogado ainda é o mesmo, a Silvana entrará em contato com ele. Você já pode ir.
- Pensei que iria embora para casa. Vai ficar aqui com ele? - o publicitário questionou - Sozinha?
- Eu não te devo mais satisfação do que eu faço ou deixo de fazer. - Ficou entre eles dois - Agora vai embora.
- Ainda não terminamos de conversar!
- Sim, nós terminamos.
- Tudo bem, Luciana. Se o seu ex-marido quiser ficar e participar do pós expediente entre nós dois, não tem problema. Ou ele pode apenas ficar olhando - Eric sorriu debochado - Só não se sinta incomodado se o tamanho do meu pau for maior que o seu. Quer ir no banheiro antes? Eu e você podemos conferir sem pressa.
- Mas você é um babaca, mesmo! - Daniel partiu pra cima do seu algoz, que deu um passo para trás mantendo o sorriso fechado de escárnio.
- Daniel, para! - Luciana conseguiu impedir que ele perdesse totalmente a razão, ficando bem na frente do ex-marido - Eu já disse pra você ir embora!
Ele não conseguia tirar os olhos do Eric respirando ódio pelas narinas dilatadas. Odiava o professor e o ar confiante que ele possuía nas ocasiões em que se encontraram ao lado dos outros professores nas sextas-feiras. Não conseguia entender ou talvez não aceitava o fato de que Eric fazia sucesso entre as mulheres e com isso, sentia-se intimidado caso Luciana iniciasse uma relação extraconjugal com ele. E no fim, ocorreu o contrário.
Ao chegar em casa de uma viagem de trabalho, um dia antes do previsto e querendo fazer uma surpresa para o marido, ela o flagrou na cama com a sua chefe Laura Rizzi, a dona da LR Publicidade. Ela jamais foi capaz de perdoar tamanha traição. E meses depois do divórcio, Daniel se tornara sócio da sua amante.
- Otário!
- Sai daqui! - ela repetiu a ordem.
Daniel saiu sem tirar os olhos daquele que conseguiu lhe tirar do sério, sendo observado por Luciana. Ela respirou fundo massageando a nuca, tentando ficar calma.
- Eu não podia deixar passar essa chance. - Eric justificou.
- Eu me esqueço do seu talento nato em irritar as pessoas.
- Principalmente aquelas que eu não suporto.
- É, eu sei. - ela então o olhou nos olhos.
- Na época, comentei apenas com a Ana Luíza.
Luciana apenas sorriu de canto e voltou para a sua mesa, calada, guardando seus pertences na bolsa. Eric percebeu no rosto da sua chefe o quanto aquele encontro a abalou.
- Seu fã-clube do sétimo período implora por você no semestre que vem - ela mudou de assunto tentando dissipar a tensão, olhando para o fundo da bolsa.
- Alícia, Cibele e Eva? - Eric confirmou com a pergunta dando um meio sorriso.
- As próprias. Mas não se preocupe porque me tornei uma espécie de John Lennon**, acabando com o sonho das três.
- Obrigado. Se eu fosse você, não iria para casa dirigindo.
- Eu não vou. Vou de Uber.
- O que ele queria?
- Falar sobre uma documentação do tempo em que estávamos casados. E se tudo correr bem, talvez eu me mude antes do previsto.
- Isso é ótimo.
- Sim.
- Bom, eu já vou - ele ajeitou ambas as alças grossas nos ombros - Nos vemos amanhã?
- Mas é claro. - ela colocou sua bolsa no ombro, segurando o envelope - Só não saio junto com você porque ainda vou na sala dos professores.
- Sem problema.
Eric se aproximou e depositou um beijo em sua testa. Luciana o viu sair da sala e, enfim, pode retirar a armadura emocional que usava desde o instante que Daniel estava na sua frente. E sem a armadura, uma lágrima rolou livremente pelo seu rosto.
***
A sala dos professores era um andar inteiro.
Nele, várias mesas redondas com cadeiras em volta eram espalhadas pelo local dando a impressão de que as pessoas estavam em uma praça de alimentação. Sendo assim, o falatório nas mesas assemelhava-se ao daquele lugar nos shoppings centers sempre muito disputado quando casais e grupos de amigos queriam um lugar para lanchar.
No entanto, perto das enormes janelas de vidro, Luciana estava de pé tomando seu habitual café do fim de tarde observando todos lá embaixo no pátio. Uma visão quase que completa do Campus. Seu café expresso feito nas máquinas modernas da cozinha anexa à sala deveria estar frio em suas mãos pois ela estava ali pensativa e calada há tempos.
Sentado em uma das mesas, com os fortes braços cruzados na altura do torax, Eric não pôde deixar de notar a expressão vazia no rosto de sua amiga, com o olhar perdido na direção dos jovens universitários. Ele sabia que os pensamentos dela estavam bem longe dali.
- MINHA CHEFA TÁ NAMORANDO!!! MINHA CHEFA TÁ NAMORANDO!!! AEEEEEEEE!!!
Os gritos histéricos da professora Ana Luíza chamaram a atenção de todos na sala. Além dos gritos, ela entrou de forma eufórica e saltitante segurando uma linda cesta com rosas vermelhas e um laço de mesma cor na alça. Somente assim que os pensamentos e os olhos da Coordenadora voltaram-se na direção da professora de sua equipe.
- Lindas flores, Luciana!
- Parabéns, professora!
- Gostei de ver, hein!
Os elogios, assobios e até algumas palmas dos outros professores foram inevitáveis. Luciana permaneceu parada não entendendo o motivo de tanta euforia.
- Sua vaca! - Ana Luíza externou sem rodeios, colocando a cesta em cima da mesa a qual Eric estava sentado - Começou a sair com alguém e não me contou!
- São para mim? - ela perguntou colocando o pequeno copo de café na mesa.
- Luciana Monteiro, Coordenadora do curso de Letras - Ana Luíza confirmou - Foi o nome que o entregador falou na recepção e por sorte eu estava passando bem na hora, voltando da padaria linda que adoramos ir. Existe outra na Universidade? Se sim, me apresente. - e sorriu - Vai, abre o cartão! Quero saber o que o seu novo príncipe encantado escreveu! - pediu afoita.
- Eu não estou namorando com ninguém, Ana.
E sem demonstrar nenhuma reação, Luciana observava a cesta. Havia um pequeno envelope de cor amarelo mostarda no meio das delicadas flores. Cuidadosamente, ela o tirou do meio do arranjo mas não abriu. Voltou a olhar as flores que de fato eram muito bonitas.
Sob o olhar impassível de Eric e o repleto de expectativa de Ana Luíza, ela abriu o envelope e ao ler o que estava escrito, franziu o cenho.
- Só tem um número de telefone aqui.
- Nenhuma mensagem açucarada? - Eric perguntou.
- Misterioso e direto. Gostei! - Ana Luíza disse - Um claro sinal para você telefonar e então saber quem te enviou as flores.
- Acha que é um pedido de desculpas? - Luciana virou-se para o Eric - Talvez este número seja o dele.
- É o que você quer que seja? - ele devolveu com outra pergunta e Luciana sentiu seu coração bater forte.
- Do que vocês estão falando? - Ana Luíza alternou o olhar para os dois amigos - Dele quem?
- Não contou para ela? - Eric ainda encarava sua chefe.
- Não.
- Não me contou o quê?
- O Daniel esteve ontem aqui no Campus.
- É o quê??? - a voz da professora de Literatura Brasileira se alterou chamando a atenção de quem estava por perto - O que aquele embuste, filho do coisa ruim encarnado veio fazer aqui???
- Conversar comigo sobre uma documentação que eu preciso assinar - ela começou a massagear sua testa com a mão por baixo dos fios loiros da franja.
- Pois então se estas flores são realmente um pedido de desculpas daquele infeliz, pode jogar fora que eu te ajudo. - Ana falou enfática.
- Qual o final do número que está no cartão? - Eric quis saber.
- Vinte e um, sessenta.
Eric pegou seu celular que estava na mesa e desbloqueou a tela, checando a lista de contatos. Ao digitar os números que Luciana mencionou, um meio sorriso surgiu em seu rosto quando viu de quem pertencia aquele contato.
- Não foi o Daniel que te enviou as flores - ele pôs de volta o aparelho na mesa e voltou a encará-la.
- Não foi?
- Ah, meu Deus! - Ana Luíza cobriu a boca com as mãos para conter a mesma euforia de minutos atrás.
- Você sabe quem foi, Schneider? - A Coordenadora questionou.
- Sei.
- Por Deus, Eric, me conta! - Ana sentou-se ao lado do professor dominada pela curiosidade.
- Não cabe a mim contar. Quando a Luciana telefonar você vai saber.
- Eu conheço? Ele é daqui do Campus? Vinte e um, sessenta - ela parou e pensou - Não me lembro de ninguém que tenha este final de número.
- Isso eu posso te adiantar, Ana. Ele não é do campus.
- Então você está por trás disso? - Luciana continuou a questionar o professor nem um pouco contente.
- Não! - Eric ergueu as mãos em sinal de rendição - Não tenho nada a ver com isso, pode acreditar.
- Vai Lu, telefona! - Ana Luíza insistiu.
Luciana continuou a fitar o belo arranjo com o pequeno envelope nas mãos. E para a surpresa dos amigos, ela guardou o pequeno cartão de volta no envelope colocando-o entre as delicadas rosas.
- Pode ficar com o arranjo, Ana.
- Amiga, não faz isso...
- Luciana, se dê essa chance - Eric aconselhou - Estas rosas podem ser o início de algo bom na sua vida.
- Sim. Eu telefono, a pessoa me chama para sair, começamos a namorar, noivamos, depois casamos e então eu o flagro na cama com outra - ela explicou tomada pela ironia - Obrigada, mas eu dispenso.
- Ao menos telefona para a pessoa e agradeça.
- Não responder também é uma resposta! - e saiu da sala a passos rápidos não querendo mais alongar tal conversa, sendo observada por Eric e Ana.
- Já se passou tanto tempo e ela ainda não superou... - Ana suspirou e voltou o seu olhar para as rosas.
- O encontro dela com o Daniel a deixou abalada - Eric explicou - Está tentando se fazer de forte.
- Aquele cretino não tinha nada que aparecer aqui!
- Eu disse para a pessoa que enviou estas flores que não seria fácil...
- Ah Eric, larga de ser chato! - Ana virou-se para ele e deu um tapinha no seu braço - Me diz quem enviou!
- Mesmo se eu te contasse, não adiantaria de nada, você não o conhece.
- Hum... - ela torceu os lábios - E o que vamos fazer com o arranjo?
- Deixa comigo! - ele levantou-se da mesa, colocando o telefone celular no bolso e pegou o arranjo - Vou levar e pedir para as meninas do Arquivo tomar conta e conversar com a Luciana mais tarde.
- Tá bom. Cuidado para não derreter alguns corações de lá - Ana piscou e Eric apenas sorriu, saindo com o arranjo nas mãos.
***
O dia de sábado deveria ser de descanso.
No entanto, em todas as vezes que Luciana olhava na direção do arranjo colocado na pequena mesa de jantar da sua sala, ela se perguntava onde estava com a cabeça quando deixou-se convencer por Eric a levá-lo para casa. E isso a deixou agoniada. Principalmente pelo fato do seu melhor amigo saber o nome do responsável por enviá-las.
Aproximou-se do arranjo e lá estava o cartão. Pensou se deveria ou não telefonar pois sabia que a partir do momento que telefonasse, indiretamente permitiria alguém entrar em sua vida.
E não sabia se estava pronta para isso.
Pegou o envelope e sentou-se, esticando as pernas em seu sofá retrátil e ajeitando seu corpo para ficar mais à vontade. Suas mãos estavam suadas no momento em que tirava o cartão e olhava mais uma vez o número.
- Salvar o contato no whatsapp será mais fácil de lidar - falou enquanto pegava o celular ao seu lado e digitava os números no aplicativo.
No momento que salvou não havia foto. Olhou por longos minutos para o espaço em branco antes de iniciar ou não uma conversa.
- Isso é loucura, meu Deus... - Recostou-se no sofá, empurrando os cabelos para trás, agarrando os fios e respirou fundo. Estas rosas podem ser o início de algo bom na sua vida, lembrou-se da frase dita por Eric e encarou novamente o arranjo.
Olhou para a tela mais uma vez.
Oi, foi vc quem me enviou as flores?
Não tinha como voltar atrás. Colocou o aparelho em seu colo e esperou recostada o retorno do contato misterioso que não deixara mensagem alguma no cartão. Não demorou mais do que alguns minutos até senti-lo vibrar e o pegou novamente.
Cheguei a pensar que não tivesse recebido. Você não me ligou, rs...
Desculpa perguntar, mas quem é?
Já nos encontramos por 2x.
Quando recebeu esta mensagem, viu a foto do contato e então o reconheceu.
Evandro?
Sim. Sou eu.
Luciana ficou sem reação, com os olhos grudados na conversa e absorvendo o que acabara de acontecer.
Ainda está aí?
Estou. Olha, eu nem sei o que dizer. Bom, acho que devo começar te agradecendo, foi muito gentil. As rosas são lindas.
Que bom que gostou. Eu não sabia como fazer para me aproximar de vc, então tive a ajuda de duas adolescentes melhores amigas, na semana passada, quando elas passaram a noite de 6a aqui no Frederik.
Nívea e Melissa?
Sim. Foram elas que me deram a ideia das rosas.
Eu vou esganar as duas kkkkk
Rsrsrsrs.
Tem algum compromisso pra hoje à noite?
Isso é um convite pra sair?
Se gostou do arranjo não vejo razão para perder tempo.
A Coordenadora engoliu em seco. De repente, recebeu uma ligação do contato.
- Alô.
- Olha, me desculpa se estou sendo direto. Não quero passar uma impressão ruim.
- Não, tudo bem. É que sinceramente eu não esperava...
- Eu entendo.
- Vai entender se eu recusar o seu convite?
- Claro. Mas não vou aceitar que recuse a minha amizade. Mesmo nós dois sabendo que rosas vermelhas passam outra mensagem.
- É, eu sei. Eu aceito a amizade.
- Que bom. Se mudar de ideia sobre o convite, pode me ligar de volta.
- Tudo bem. Mais uma vez, obrigada pelas flores.
- Foi um prazer enviá-las. E se quiser conversar, estarei aqui.
- Tá bom.
- Ah e desculpe também por não escrever nenhuma mensagem no cartão. Não sou muito bom com palavras.
- Sou obrigada a confessar que foi no mínimo criativo. - ela riu - Eu preciso desligar agora.
- Daqui a pouco também vou encerrar o meu dia de trabalho. Um beijo pra você.
- Outro.
E desligaram.
Luciana ficou parada olhando para a tela do seu celular. E lembrou-se do dia em que conheceu o guarda-costas na festa surpresa de aniversário da Nívea. Era um rapaz simpático, com os cabelos raspados quase careca que lhe davam um ar de hooligan inglês e esperava que a profissão exercida não lhe dava a desculpa de um dia ter sido um baderneiro pelas noites da cidade.
Discou o contato já conhecido e esperou. No terceiro toque, ele atendeu.
- Oi.
- Tá em casa?
- Tô vindo de Ipanema, acabei de chegar com a Nívea.
- Ah, que ótimo! Pois é com ela mesma que eu quero falar!
- Você ligou pra ele? - Eric começou a rir do outro lado da linha - Ela acabou de me contar sobre as flores.
- Me deixa falar com ela!
- Não, eu não vou deixar. Como foi a conversa?
- Em resumo, ele me convidou pra sair e eu recusei. Mas nos tornamos amigos.
- Se você acha que é melhor...
- Eu sei que é. Vou desligar, não quero ser a amiga empata. Mas em breve vou ter uma conversa séria com sua princesinha. Tchau.
- Tchau.
É melhor assim, Luciana pensou. Não queria abrir mão da sua zona de conforto emocional e permitir um novo relacionamento que, para ela, seria mais um fracasso cujo coração não iria aguentar. O seu trabalho tornou-se prioridade e por mais que a solidão fosse ruim, era algo com que sabia lidar.
A vida e rotina acadêmica, seus colegas de trabalho, a histeria das alunas atrás do professor gato... Tudo aquilo a preenchia sem a chance de alguma novidade. Com a exceção dos planos em mudar de apartamento, o que poderia ocorrer em poucos meses.
Continua...
Então é isso, galera. Foi dado o pontapé inicial para um futuro romance, embora a personagem central deste capítulo especial demonstrasse relutância em se permitir amar novamente. Para muitas mulheres, não é fácil superar a dor de uma traição e com a Luciana não foi diferente. Em breve voltarei com ela e darei continuidade à sua história. Espero que entendam.
Mais um capítulo concluído, me sinto feliz e aliviada por conseguir dar um novo passo nesta história linda e que se tornou o meu maior suporte este ano que foi de longe o pior de toda a minha vida.
Entrego a vocês meu presente de Natal e espero que gostem bastante. Como sabem, continuarei escrevendo no meu novo ritmo que é devagar e sempre.
Um grande beijo e quem tiver Instagram, nos vemos por lá.
(*)Os Sonhadores filme lançado em 2003 e dirigido por Bernardo Bertolucci. Estrelado pela atriz Eva Green e pelos atores Michael Pitt e Louis Garrel.
(**) O Sonho Acabou frase de John Lennon que colocou o ponto final na história da maior banda de rock de todos os tempos, Os Beatles.
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