O que um simples pensamento não causa? VIII

“Mais uma manhã, mais um belo dia; mais um belo dia que surgiu de uma bela manhã. Talvez a noite não chegue e o amanhã também não venha, mas hoje ergui meus olhos para o céu azul desta manhã e vi que era um belo dia.”

Sara sentiu-se uma verdadeira poetisa quando escreveu esses pequenos versos para o cartão de visitas da sua floricultura. O pequeno sonho que ela havia cultivado com tanto carinho se tornou realidade — realmente é um belo dia para você, Sara. Uma alegria enorme invadia seu peito toda a vez que se imaginava fazendo seus primeiros arranjos de flores, quando se via dando dicas aos clientes de como cuidar melhor das suas plantinhas, quando se via observando o primeiro broto nascendo em sua floricultura… e agora tudo é realidade. Sara ouve a porta da sua loja se abrindo e, com um belo sorriso em seus lábios, vai atender seu primeiro cliente.

— Bom dia! Meu nome é Sara e quero que seja muito bem-vindo à minha floricultura! Em que posso lhe ajudar?

— Bom dia, moça! Sou Luís. Entrei para olhar as novidades que tem por aqui.

A memória do dia em que conheceu Luís vagava na mente de Sara. Ela começou a se perguntar como teria sido a vida se Luís tivesse permanecido apenas como cliente, se não tivesse cedido às suas incertezas e se entregado a ele. Infelizmente, para Sara, era muito difícil lutar contra um sentimento que desperta tantas emoções profundas em seu íntimo.

— “É uma pena estar acontecendo essas coisas entre nós, Luís.” Sara refletia em meio às flores do seu jardim. “Eu sei que tenho uma parcela de culpa nisso tudo, mas a qualquer hora vou contar ao meu marido e estará tudo acabado.”

Luís não mandou outras mensagens ou tentou ligar novamente para Sara, e isso para ela era um conforto e um incômodo ao mesmo tempo. Certamente não queria vê-lo e o achava egoísta demais por querer insistir no erro, mas as memórias dos bons momentos que tiveram juntos quando ainda eram apenas amigos a fazia se importar com ele. Precisava resolver os seus conflitos com Luís o quanto antes, antes de revelar tudo ao marido, mas como iria fazer isso? — como vai fazer isso, Sara? — o coração dela já sabia. Em um dia inventou que estava se sentindo mal, com dor de cabeça e uma leve febre. Iria ficar em casa até supostamente melhorar. Seu marido saiu para trabalhar e Sara esperou. Sara estava esperando surgir de alguma forma a coragem para enfrentar o que imaginava. Suspirou fundo, foi até a garagem, ligou o carro e saiu. Em pouco tempo — bem menos do que esperava — estava em seu destino. Sara desceu do carro e seguiu com o coração palpitando. Em alguns passos, encontrou Luís trabalhando em sua horta. Luís não a percebeu, e Sara teve um pouco de dificuldades em começar a falar, mas respirou fundo.

— Oi, Luís! — em uma voz suave — Tudo bem com você?

Luís olha na direção de Sara e parece não acreditar que ela estava ali.

— Sara? Desculpe, mas o que veio fazer aqui?

— Vim para conversar com você.

Luís convidou Sara para se sentarem. Ficaram de frente um para o outro, sentados em cadeiras. Os primeiros minutos foram de silêncio, de olhos baixos, de palavras que estavam presas em suas gargantas. Não olhavam um para o outro, ambos preferindo desviar o olhar para a paisagem. Sara respirou fundo novamente e, em um único fôlego...

— Luís, precisamos resolver isso hoje e agora.

— Peço desculpas se te incomodei naquela noite, Sara, mas eu não queria fazer aquilo. Tentei deixá-la quieta enquanto a poeira baixava, mas foi mais forte do que eu… preciso que entenda isso.

— Eu entendo… mas quero que você seja sincero. Por quê? Por quê sugeriu que eu traísse meu marido e logo com você?

— Eu não posso responder isso, Sara.

— Claro que pode! Na verdade, eu tenho uma ideia, mas queria ouvir de você.

— Que ideia você tem sobre mim?

— Que você é muito egoísta, Luís.

— Como assim?

— Não pensou em mim e nem nas consequências que sua sugestão poderia trazer. Só pensou em você! Viu que eu estava em um momento frágil e se aproveitou da oportunidade de uma forma tão bela que parece que a única pessoa errada sou eu. Você viu uma oportunidade tão boa que não pensou duas vezes em jogar a amizade que tinha comigo e com meu marido só para… só para me comer.

— E você deu, não deu? Gemeu, fez careta, ficou suada. Você mesma confessou que ainda tinha vontade de dar para mim de novo, lembra? Pode ter certeza, Sara, que eu te comeria outra vez com todo prazer do mundo.

Sara se levanta da cadeira e vai embora sem falar nenhuma palavra. Luís permaneceu imóvel até ouvir ela ligar o carro e partir.