Episódio 12 A perda de Bernardo
NOTA DO AUTOR: no momento que posto este capítulo, o site ainda não liberou os episódios 6 e 7, não sei porque. Quem quiser os episódios pode pedir por e-mail que eu envio. O 7 é muito especial, é meu episódio preferido, sendo importante para compreender algumas atitudes de Bernardo.
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Na volta à São Paulo, Bernardo e Paulo continuaram a convivência no apart-hotel. Bernardo, no entanto, estranhou muito a longa convivência com Paulo, que era uma ótima pessoa, mas não era organizado como Bernardo, muito menos organizado como era Christopher, de quem Bernardo continuava sentindo falta, apesar de não admitir, nem para si mesmo. Não era apenas o sexo com Paulo, que Bernardo achava apenas gostoso, mas não extasiante como era todos os dias com Christopher. As coisas da convivência em morar junto também eram muito ruins para uma pessoa organizada e mesmo sistemática como Bernardo. Era Cristopher que, por vontade própria, todo dia organizava a roupa de Bernardo, coisa que Paulo nunca fez, nem Bernardo tinha coragem de pedir. Christopher, além de todos os talentos era um excelente cozinheiro, Paulo nem mesmo se dava ao trabalho de pedir comida no aplicativo, deixando essa tarefa sempre para Bernardo. Paulo era incapaz de lavar a louça, jogava a toalha molhada em qualquer lugar do apart, hábitos que exasperavam Paulo, mas ele não reclamava com o novo namorado.
Em um almoço com o irmão mais velho de Melisa, Bernardo soube que o pai de Melisa, dr. José, estava adoentado, mas em casa se recuperando. Bernardo aproveitou para se queixar da sua situação de Paulo.
"Eu fico constrangido em pensar isso, mas me arrependi de pedir para Paulo vir morar comigo. Eu me preciptei, achando que teria a vida maravilhosa que levava com aquela pessoa que não menciono o nome. Ele sim era perfeito, no sexo e na vida. Atencioso até os mínimos detalhes. Ele engraxava meus sapatos todos os dias, porra, sem eu nunca ter pedido isso. Paulo joga toalha molhada no sofá, parece uma criança de 15 anos", reclamou Bernardo.
"Christopher naturalmente devia ser quase perfeito, tanto no sexo, como em ser atencioso, pois ninguém ganha o título de Cura Hétero a toa. Você não pode comparar Paulo, um cara comum, com um mito como o Christopher, é até injusto", disse o ex-cunhado.
"Eu e Paulo não temos mais assunto. Ele só comenta sobre filmes e séries populares. Nunca lê um livro, nunca quer ir ao teatro, nunca foi num museu. É muito difícil, não temos mais afinidades", justificou Bernardo.
"Você está passando por algo que eu também passei. Como já te disse, já tive amantes mulheres. É sempre difícil conviver com alguém que não é da nossa classe social e intelectual, depois que passa a novidade. Você, Bernardo, mal ou bem, a partir dos 21 anos passou a ser uma pessoa da mais alta elite econômica e intelectual. É chato dizer isso, mas o Paulo é um proletário, não viu, não leu, não viveu, as mesmas experiências que você. O Christopher, ao contrário, era do nosso mundo", disse o ex-cunhado.
"Eu queria voltar a morar sozinho, mas não tenho como mandar o Paulo embora. Ele não fez nada para merecer isso. E ele tem um salário apertado, seria injusto ele voltar a pagar aluguel. Por outro lado, acho que se eu oferecesse bancar o apart-hotel para ele morar sozinho ele não aceitaria. Eu não sei o que fazer", disse Bernardo.
"Bom eu tenho uma ideia boa para você resolver isso", disse o ex-cunhado.
Bernardo ao voltar ao apart-hotel disse a Paulo que dr. José estava bem adoentado e que dona Rosa tinha pedido para ele passar uns tempos no quarto de hóspedes do apartamento, já que o casal já era bem idoso e estava inseguro de ficar sozinho. Foi uma desculpa engendrada para Bernardo deixar o apart-hotel e Paulo continuar morando lá sem pagar pelas despesas. Paulo ficou contrariado, mas Bernardo dizia que seriam apenas algumas semanas.
Dr. José por sua vez, que estava apenas um pouco adoentado, ficou maravilhado em voltar a morar com "seu filho preferido", como os outros dois filhos homens se referiam a Bernardo, em brincadeiras com um fundo de verdade. Melisa ainda estava na Europa, na casa de uma amiga de escola, namorando um escocês.
Bernardo, na primeira semana, ia ao apart-hotel todos os dias depois do escritório, mas no correr das semanas, passou a ir cada vez menos. Passado um mês, ficou uma semana sem ir ao apart-hotel, o que gerou a primeira briga com Paulo. Bernardo justificou pela quantidade de trabalho, mas era mentira. Bernardo não tinha mais satisfação, nem mesmo sexual, em ficar com o namorado. Paulo passou a aparecer, sem avisar, no escritório de Bernardo, como se quisesse descobrir alguma traição. Isto deixou o clima muito desagradável entre os dois, mas Bernardo tentou remediar dando um presente para Paulo, um carro novo. Paulo ficou mais algumas semanas sem reclamar, mas Bernardo sabia que o carro seria apenas um paliativo.
Um mês depois, Bernardo recebeu no escritório uma ligação do trabalho de Paulo. Foi informado que Paulo tinha tido um mal súbito e tinha sido internado no hospital. Bernardo imediatamente foi ao hospital e soube que a suspeita era de um AVC. Paulo estava internado com risco de vida. Os médicos, no entanto, não davam informações a Bernardo, mesmo ele se identificando como companheiro de Paulo. O hospital parecia também ter uma estrutura precária. Bernardo soube que era o hospital que o plano de saúde do emprego de Paulo proporcionava e pediu a transferência para o melhor hospital de São Paulo. O grande hospital, contudo, disse que a transferência só poderia ocorrer em dias, sendo que Paulo estava em risco de vida em questão de horas. Bernardo ligou para dois clientes importantes, pediu favores e cinco horas depois Paulo já estava na UTI do melhor hospital do país, na cidade de São Paulo, devidamente estabilizado. Bernardo estava pagando todas as despesas que eram altíssimas.
Bernardo ficou o tempo todo na sala de espera aguardando notícias dos novos médicos, que, desta vez, eram bem atenciosos e detalhistas, ao contrário do hospital privado popular anterior. O médico-chefe do setor era muito competente e estava sempre informando Bernardo do andamento de Paulo sem nem mesmo Bernardo precisar pedir por mais informações. O médico-chefe era um homem muito bonito, corpo atlético, não tanto como o de Bernardo, alto e com uma barba bem aparada. Bernardo até pensou que se interessaria pelo médico, se estivessem em outras circunstâncias. Apesar de ser sempre atencioso, Bernardo ficava sempre com a impressão que o médico-chefe queria falar mais alguma coisa, mas se continha.
"Desculpe, doutor, mas o senhor quer falar mais alguma coisa comigo?", perguntou Bernardo ante mais uma conversa inconclusa.
"Ah, não sei. Peço desculpas se não for conveniente eu te dizer isso nesse momento, mas... sabe o que é, bem, eu sou um dos convertidos do Christopher", respondeu o médico-chefe.
"É mesmo? Ele te enganou também?", perguntou Bernardo, surpreso.
"Na verdade, eu considero que ele me libertou. Eu sou muito grato ao Christopher. Eu era um cara porra-loca que só queria saber de viagens, balada e festa, mesmo depois de médico. Trocava uma mulher como quem troca de camisa, sempre insatisfeito, sempre achando que estava faltando alguma coisa. Quando tinha namorada, traia a namorada direto, sem nenhum respeito. Eu era um cafajeste com as mulheres", disse o médico-chefe.
"Como você pode ser grato em ter sido tão enganado?", perguntou Bernardo.
"Por um motivo simples", disse o médico-chefe, mostrando a aliança de casamento no dedo. "Eu casei há três anos com outro homem, sempre fui fiel, somos muito felizes. Eu não seria feliz se o Christopher não tivesse me convertido. Estaria até hoje trocando uma mulher por outra a cada fim de semana, sempre insatisfeito, sempre sem saber quem eu realmente era".
Bernardo não respondeu mais nada. Ficou em silêncio.
"Eu convidei o Christopher para o meu casamento. E ele foi. Eu sei que a comunidade gay se divide em relação ao Christopher. Se ele é herói ou vilão. Mas eu sempre vou ser muito agradecido pelo que ele fez", disse o médico-chefe.
"E quem pagou a aposta para te converter? Ele te tirou dinheiro?", perguntou Bernardo.
"Eu gastava todo o meu dinheiro com mulheres, balada, bebida e viagens, mesmo ganhando bem como médico, não tinha dinheiro para dar para o Christopher. Na verdade, o Augusto, aquele safado hilário, que era meu paciente. Eles fizeram o que chamam de experimento, sem interesse financeiro. Foi minha grande sorte na vida. O Augusto é uma figura", disse o médico-chefe.
"Na verdade, eu o considero o Augusto um viado safado mentiroso que merece uma surra", disse Bernardo.
O médico-chefe riu, mas depois ficou em dúvida se era ou não uma piada de Bernardo. Os dois se despediram e Bernardo ficou sozinho na sala de espera, pensando agora em Christopher, o pensamento que ele mais detestava depois e lutava para não ter, sendo sempre vencido. Bernardo divagou especulando se Christopher ainda estaria com o ator de Hollywood ou mesmo com o modelo Júlio. Bernardo nunca mais tinha visto alguma notícia sobre namoros de Christopher, mesmo buscando na Internet periodicamente.
Perdido em seus pensamentos, Bernardo só viu o médico-chefe de novo quando ele estava na frente de Bernardo com uma cara de contrariado.
"Eu sinto muito, Bernardo, mas Paulo falaceu, foi uma piora súbita imprevisível. Ele tinha uma veia defeituosa de nascença no cérebro, inoperável. Estourou em um lugar inoperável do cérebro. Foi uma fatalidade", disse o médico-chefe.
Bernardo sentou e começou a chorar por Paulo, arrependido de ter se afastado nas últimas semanas do rapaz. Bernardo tinha certeza que seu afastamento teria precipitado o incidente, apesar do que o médico-chefe tinha falado. Bernardo estava se sentindo um lixo por ter mentido e sido cruel com o rapaz. E Bernardo chorou também por si. Tinha perdido Melisa, perdido Christopher e agora perdido Paulo. Será que não teria direito a achar alguém para ser feliz ao seu lado pelo resto da vida?
Bernardo percebeu que uma hora tinham se passado desde a notícia e ele não tinha tomado nenhuma providência prática. Foi nesse minuto que sentiu uma mão no ombro. Bernardo se virou e tomou um susto ao ver Christopher.
"Eu vou embora se você não me quiser aqui, mas eu tive que vir para lhe apoiar, me desculpe", disse Christopher.
Bernardo abraçou e chorou no ombro de Christopher, como já tinha feito tantas vezes antes da separação de Melisa. O médico-chefe tinha avisado Christopher que Bernardo estava sozinho e desnorteado. O arquiteto ajudou Bernardo com todas as providências práticas, como funerária, marcação do velório e até ligou para a secretária de Bernardo avisar os pais de Paulo, providenciar um motorista do escritório e trazer os dois pais idosos do rapaz para São Paulo, hospedando-os em um hotel. Christopher mostrou mais uma vez como era uma pessoa eficiente, organizada e prática. Bernardo ficou ao lado de Christopher choroso, por mais quatro horas, até que tudo estivesse resolvido pelo arquiteto, para o funeral e posterior enterro.
Depois Christopher levou Bernardo até a portaria do prédio de dr. José, para Bernardo descansar até o dia seguinte, quando haveria o velório e enterro, no mesmo cemitério. Na frente do prédio, Bernardo se despediu com um obrigado e Christopher o aconselhou a tentar dormir.
No dia seguinte, no cemitério, Chistopher chegou durante o velório, mas não cumprimentou ninguém. Ficou observando e aguardando tudo discretamente. Bernardo estava ao lado dos pais de Paulo. Os irmãos de Melisa e as respectivas esposas também compareceram. O enterro foi discreto, com poucas pessoas, colegas de empresa e amigos de Paulo. Após o término do enterro, Bernardo se despediu de várias pessoas. Um carro com motorista, contratado por Bernardo, levou os pais de Paulo de volta ao hotel. Bernardo após se despedir dos pais de Paulo, se virou procurando uma pessoa e olhou para Christopher e foi em sua direção.
"Eu queria lhe agradecer por ontem. Suas providências ajudaram muito", disse o advogado.
"Que bom que pude ajudar nesse momento difícil", respondeu o arquiteto.
Eles ficaram sem assunto por cerca de um minuto, sem ter o que falar.
"Deixa eu ir pedindo um Uber, para ir embora", disse Christopher depois do silêncio constrangedor.
"Nada, eu te levo. É o mínimo que posso fazer para lhe agradecer por tudo", disse Bernardo.
Os dois foram até o estacionamento e entraram no carro de Bernardo, mas o silêncio constrangedor permaneceu.
"Se você precisar de mais alguma coisa, saiba que estou a sua disposição", disse Christopher.
"Obrigado", respondeu Bernardo de uma forma que o arquiteto achou apenas protocolar.
O carro chegou na frente de Buckingham House, o condomínio em que os dois viveram sua história, mas o silêncio constrangedor continuou.
"Você quer subir um pouco?", perguntou Christopher receoso de fazer a pergunta.
"Eu nunca mais vou entrar nesse condomínio. É o lugar em que passei os maiores sofrimentos da minha vida", disse Bernardo, num rompante, como se estivesse liberando a raiva.
Christopher ficou surpreso aluns segundos, sem reação.
"Tudo bem, desculpe", disse Christopher, abrindo a porta e saindo sem falar mais nada.
E sem olhar para o lado, Bernardo acelerou o carro e deixou a portaria da Buckingham House.