CAPÍTULO 10
*** MARCOS VALENTE ***
Apoio a cabeça na parede atrás de mim, agradecendo o silêncio ao meu redor, já que a minha cabeça não me oferece a mesma cortesia. Escondido em um corredor de acesso ao salão de eventos de um dos hotéis mais tradicionais de São Paulo, vestindo um smoking e prestes a dizer um sim, que nunca achei que diria, tento lidar com o fato de que esse não é o motivo do meu desespero.
— Se não é o noivo mais feliz da terra... — bufo, já me virando na direção da voz conhecida e encontro João Pedro de braços dados com o marido, que, claramente, faz um esforço para não rir.
— Pode rir, Eduardo, você ganhou esse direito... — como se estivesse apenas esperando por permissão, o homem pequeno de cabelos escuros e olhos azuis explode em uma gargalhada que faz eu me arrepender de ter lhe dito que podia rir. Como se puxado por um fio invisível, João Pedro passa a rir tão escandalosamente quanto o esposo, e eu agradeço por estarmos sozinhos no corredor do hotel. — Tudo bem, eu já entendi... Vocês podem parar agora... — resmungo e Eduardo ainda tenta se controlar, João Pedro não.
— Não é de você! Juro! — a voz do homem sai afinada pela risada e eu inclino a cabeça para o lado em uma pergunta óbvia silenciosa, — Tudo bem, talvez, seja de você. Mas não pelo casamento... Nem por estar se escondendo... — consegue dizer normalmente depois de alguns segundos puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca.
— E sobre o que é? — questiono com uma sobrancelha arqueada e ele olha para o marido em busca de socorro. Ele pisca para ele, galanteador, completamente desprovido do constrangimento que ela sente. — Deixa pra lá... — Decide, mas João Pedro não tem a mesma gentileza e eu bufo, o que faz Eduardo rir outra vez.
— Eu falei pra Edu que se eu separasse dez reais a cada vez que você bufasse hoje, provavelmente, poderia comprar um carro com esse dinheiro no final da noite — explica e eu reviro os olhos.
— Vai pra puta que pariu, João Pedro! — brado sem qualquer remorso, é o dia do meu casamento, a última coisa de que preciso é seu deboche. Ele ergue as sobrancelhas, mas o sorriso zombeteiro permanece em seu rosto.
— Não seja reclamão, Marcos... Você tá se casando, não indo para a forca...
— As duas coisas se parecem muito... — minto. O que está acabando com o meu humor não é o casamento em si, com esse eu já me conformei há algum tempo. O que está me enlouquecendo desde que me dei conta de algo óbvio, é o fato de que passarei três dias sozinho com Anthony em uma ilha deserta, e que terei sorte se ele decidir bancar a invisível por lá também.
— Eu vou ao banheiro... — Eduardo avisa e deixa um beijo no rosto de João Pedro, mas ele é um filho da puta exibido, e puxa o marido, tomando sua boca em um beijo que eu realmente não deveria ser obrigado a ver. Desvio os olhos e bufo, o beijo acaba com os dois gargalhando as minhas custas.
— Cospe... — fala quando os passos de Eduardo já estão longe e eu me viro em sua direção.
— Está tudo bem...
— Não, Marcos, nós dois sabemos que não está... Se você entrar lá com essa cara de cu, a última coisa em que essas pessoas vão acreditar é que você realmente quer se casar... O quê? Mudou de ideia no último minuto ou isso é só tensão sexual reprimida? — Brinca, mas eu desvio os olhos.
— Ah, não, porra! Você mudou de ideia no último minuto! — Acusa e eu bufo, só para me maldizer logo depois. Que caralho!
— Não, João Pedro, a outra opção...
— Tensão sexual? Você não fez uma despedida de solteiro ou algo assim? —questiona, parecendo realmente confuso, e eu não posso acreditar nesse filho da puta.
— Você é o padrinho da porra do casamento, João, você não acha que se tivesse acontecido uma despedida de solteiro, você deveria ter estado lá, ou que, pelo menos, saberia sobre ela?
— A sua despedida de solteiro? — ergue uma sobrancelha, — Do jeito que eu a imagino, achei que você tivesse tido um ataque de bom senso, porque sabia que eu não deixaria meu marido em casa pra uma coisa dessas...
— Grande amigo... — resmungo e seu rosto ganha um ar de afronta.
— Eu devo te lembrar qual foi a sua ideia genial do que seria uma despedida de solteiro pra mim, Marcos?
— Aquilo aconteceu um mês antes do seu casamento, João Pedro! E eu estava bêbado e triste! — Me defendo.
— Unhum... — ironiza. — Bêbado e triste, vou me lembrar disso para referências futuras...
Esfrego as mãos no rosto, decidindo que realmente não quero conversar sobre isso, porque uma coisa vai puxar a outra, e eu não estou disposto a admitir tudo o que minhas bolas azuis envolvem.
— Esquece, João... É só... Foda-se...
— Esse mau humor tem alguma coisa a ver com o seu futuro marido, Marcos? — Da um tiro certeiro e eu não sou rápido bastante em disfarçar minha expressão facial, — O que aconteceu?
— O que não aconteceu é a pergunta certa... Ele disse não...
— E desde quando você queria que ele dissesse sim?
Rio, desgostoso, porque a resposta para essa pergunta é a maior das contradições. Desde quando eu quero Anthony? Desde que descobri que aquele uniforme cinza era um verdadeiro objeto místico. Desde quando quero que o meu esposo bebê me diga sim? Eu não faço ideia... Não faço ideia de qual foi o momento em que cruzei essa linha, mas sei que, agora, estou muito além dela, e mesmo que todos os motivos para retroceder por esse caminho estejam muito bem-dispostos à minha frente, eu simplesmente não consigo.
— Porra, Marcos! Isso não tem como dar certo...
— Sério? Você acha? — ironizo, — Me diz uma coisa que eu não sei, porra! Por exemplo, como é que eu deveria passar três dias, sozinho, em uma ilha particular com a porra do cara que tá virando a minha cabeça, sem nem mesmo olhar pra ele!
— Puta que pariu! Você tá muto fodido!
— É, essa conversa simplesmente não tem utilidade...
**************
A música começa a tocar e todos os convidados se colocam de pé. E, achando que seu estado ansioso o dia inteiro não é o suficiente, meu coração acelera no peito. Engulo, olhando para a porta assim que ela se abre. No entanto, não é Anthony quem passa por ela, mas uma mulher que eu não conheço, Gabi, Graça, Ga ou Gra alguma coisa...
Honestamente, não lhe dou muita atenção.
Logo depois, não seguro o sorriso quando Isabella passa pela porta em um vestido armado que a deixa parecendo um pequeno bolo, eu realmente gostaria de ouvir o que ela tem a dizer sobre isso. Aquela criança tem uma opinião sobre toda e qualquer coisa, e aos três anos adora argumentar. Ela seria uma excelente advogada no futuro. Isabella caminha passos curtos, espalhando pétalas de flores por onde passa, e a porta atrás dela se fecha outra vez.
A menina vem em minha direção e quando chega ao final do corredor, uma mulher toda vestida de preto estende a mão para ela, mas ela a ignora e para diante de mim. Eu estreito meus olhos e giro a cabeça levemente. Isabella faz um sinal com a mão pequena, pedindo-me para abaixar, eu o faço.
— Oi, Marcos!
— Oi, Isabella! — Suas sobrancelhas se unem, colocando um ar confuso em seu rosto.
— Por que você não me chama de Bella? — Sorrio, achando graça do timing da pergunta.
— A partir de agora eu vou chamar, o que foi Bella? — Sorri, satisfeita.
— Você tá bonito, Marcos! — elogia, tornando o sorriso em meu rosto ainda maior, — E o papai também! Ele parece um príncipe! Mas não como o príncipe do dragão... Não..., — divaga, consigo mesma, — Como o príncipe do sapatinho de cristal! Eu queria te contar...Agora eu vou ficar com a dinda! — afirma, e vai para a lateral do altar improvisado, onde a madrinha escolhida por Anthony está. Franzo o cenho, estranhando o fato de Isabella tê-la chamado de dinda, mas a música muda e minha atenção é completamente desviada para as portas.
Inspiro profundamente e quando elas são abertas, o ar fica preso, porque eu paro de respirar. Porra! Lindo! Fodida, absoluta e incontestavelmente lindo. Sozinho, ele caminha até mim e ninguém jamais será capaz de dizer que falta algo na imagem que ele é.
Seu caminhar, o queixo erguido, o porte, Isabella estava enganada, seu pai não parece um príncipe, ele domina o lugar como a porra de um rei, e não há ninguém entre os mais de duzentos convidados que não o admire como um verdadeiro súdito, nem mesmo eu.
A roupa, tão diferente do que eu esperava e, ao mesmo tempo tudo o que eu esperava, não é convencional, não é branco, não lhe faz parecer jovem demais, inocente demais, não pinta o homem submisso, doce e invisível a quem eu pedi em casamento um mês atrás. Mas o homem determinado, feroz, sofisticado, sexy e quente feito o inferno que vem queimando cada um dos meus neurônios, deixando meu corpo a beira de um colapso, e me fazendo cada vez mais obcecado por qualquer que seja a oportunidade de tocá-la nem que seja por apenas um segundo. E quando me pego sorrindo, qualquer dúvida que eu pudesse ter sobre estar fodido, é sumariamente exterminada, pela enésima vez, restame apenas a certeza.
Ele me alcança, meus olhos encontram os seus e eu procuro qualquer insegurança, medo, qualquer indício de que ele queira desistir, e não há nada, nenhum sinal sequer. Estendo minha mão e Anthony a pega. Acabando com os últimos passos que nos separavam, para ao meu lado, sorri para mim discretamente, e todo o meu corpo parece ser atingido por esse simples gesto, puta que pariu!
— Estamos aqui reunidos... — O juiz de paz começa, mas nada além do toque quente da mão de Anthony na minha conquista minha atenção.
****************
— Parabéns, meu filho! Parabéns! Que a sua família seja tão feliz quanto a nossa sempre foi! — Minha mãe é a primeira a me cumprimentar ao fim da cerimônia e eu recebo seu abraço apertado e suas palavras doces, enquanto meu pai faz exatamente o mesmo com Anthony. Não ouço o que ele diz, mas não tenho dúvidas de que é algo muito parecido com o que acabei de ouvir.
— Obrigado, mãe! — Beijo seu rosto e ela me solta, trocando de lugar com meu pai, que me abraça quase imediatamente após soltar Anthony.
— Você fez uma escolha, meu filho... Espero que a honre! — Apenas aceno com a cabeça, incapaz de fazer em voz alta uma promessa que sei que não vou cumprir, pelo menos, não do jeito que ele espera.
A próxima a nos cumprimentar é a madrinha de casamento, Grazi é o seu nome, ouço Anthony dizer antes que ela entregue Isabella à mãe. Minha, agora, enteada, se agarra a Anthony de um jeito que começo a notar ser próprio seu, com braços e pernas. Seu pai beija seu rosto e a coloca no chão. Surpreendendo tanto a mim quando a tal Grazi e à própria mãe, ela caminha para mim e ergue os braços. Olho para Anthony, perguntando o que fazer, mas não é como se eu tivesse muitas opções com tantos olhos sobre nós.
Pego a menina, surpreendentemente leve, do chão, e agora sou eu quem é apertado por seus braços e pernas. Isabella não diz nenhuma palavra enquanto me abraça. Mas também, o que eu esperava? Que uma criança de quase quatro me desse parabéns pelo casamento? Não seja estúpido, Marcos!
— Já pode me colocar no chão agora... — pede, me fazendo rir. Obedeço e me viro, encontrando Anthony abraçado à madrinha de casamento. Estranho a intimidade óbvia entre os dois, porque tenho quase certeza de que Anthony me disse que eles se conheceram recentemente, não me lembro dos detalhes. Provavelmente, eu devo prestar mais atenção às coisas que meu esposo diz. O que só é confirmado quando, ao invés de me cumprimentar cordialmente, a mulher segura minha mão em um aperto firme, aproxima os lábios do meu ouvido, e me ameaça.
— Eu juro por Deus que se você magoar qualquer um dos dois, vai descobrir que eu posso ser muito cruel! — Depois, se afasta com um sorriso ordinário no rosto, como se não tivesse acabado de me dizer absurdos. Eu pisco, atordoado, enquanto a observo se afastar com Isabella. Para minha sorte, a pessoa que está diante de mim para me cumprimentar agora, realmente não se importa com minha distração e me abraça sem qualquer cerimônia, João Pedro.
— Parabéns! — debocha em meu ouvido e eu respondo o mandando tomar no cu.
— Eu lamento por você, Anthony, vai ter que educar duas crianças... — cantarola para ele e Eduardo ri, escondendo os lábios atrás de uma mão. Meu esposo me olha confuso, com as sobrancelhas arqueadas, e eu dispenso o comentário com um aceno.
— Apenas ignore-o. Talvez, assim ele vá embora... Eu estou tentando há trinta e dois anos, ainda não funcionou, mas você sabe, a esperança é a última que morre... — Ele ri e João Pedro se aproxima dele quando Eduardo se afasta.
— Não lhe dê ouvidos — meu amigo diz a Thony. — Eu sou o amigo, você ainda não deve ter ouvido falar de mim, mas acredite, eu já ouvi falar muito de você e do quanto você o tem mantido a distância! — pisca para ele e meu queixo cai com a audácia do filho da puta, então ele o abraça e diz em um tom fingidamente baixo, porque eu escuto, — Continue o bom trabalho!
A essa altura, Eduardo está soltando gargalhadas e eu quero chutar a bunda dele para o outro lado do salão. João se afasta de Anthony, pisca para mim, deixa um apertão em meu ombro, envolve a cintura do marido em seu braço e sai caminhando como se não tivesse falado nada demais. Thony olha para mim, diversão espalhada por todo o seu rosto, eu abro a boca para dizer alguma coisa, mas o quê? Sou poupado de pensar quando o próximo da fila se aproxima para me cumprimentar, e depois o próximo, e o próximo, até que eu comece a achar que a fila é infinita e nunca vai terminar.
Ao que parecem ser horas depois, ela termina. Somos dirigidos por uma das muitas mulheres vestidas completamente de preto para a mesa central do salão onde encontramos meus pais,
Isabella, Carmem, seu marido e a mulher que agora eu sei se chamar Grazi, já sentados. Ela entrega Isabella, que já dá sinais de sonolência, para o pai e, outra vez, aproveitando-se da distração de Anthony, me lança um olhar ameaçador, confirmando que estava falando sério na fila de cumprimentos. Franzo as sobrancelhas, dividido entre achá-la divertida ou louca, mas determinado a descobrir quem exatamente ela é para meu esposo e enteado.
Franzo a testa quando me dou conta de que deve ser a décima vez que me refiro a Anthony como meu esposo em meus próprios pensamentos desde que a cerimônia acabou e eu nem mesmo havia percebido. Estranho, eu tinha certeza de que a palavra seria amarga e me envenenaria aos poucos, talvez ela ainda o faça, talvez esteja fazendo neste momento, afinal, os melhores venenos são aqueles insípidos, inodoros e incolores.
Tenho dificuldades para desviar os olhos dele, percebo, quando pego meu pai sorrindo para mim com o olhar de admiração. Isso é, provavelmente, já resultado do veneno em meu sistema. Suspiro, deixo que meus olhos vaguem pelo salão, mas não adianta, antes que eu perceba, eles já estão obcecados pela imagem do homem ao meu lado, assim como minhas mãos, que insistem em tocá-lo em qualquer lugar, a qualquer momento.
— É hora da primeira dança dos noivos... — Mais uma integrante do exército das mulheres vestidas de preto nos aborda, anunciando, e eu me levanto, grato por ter qualquer coisa para fazer além de falhar miseravelmente na tarefa de manter furtivos os meus olhares para Anthony que conversa e interage com os convidados do casamento como se tivesse sido feito para isso, em uma completa inversão dos nossos papéis, era de se supor que ele estaria se sentindo deslocado, não eu.
Embora, deslocado, não seja exatamente como me sinto, eu só acho que tem gente demais aqui, que qualquer lugar que tenha mais alguém além de Anthony e eu terá gente demais, mesmo sabendo que a última coisa que eu deveria querer é estar sozinho ele, porque essa é uma péssima ideia. Uma ideia ruim. Uma ideia muito, muito ruim, não é?
— Marcos! — sua voz me arranca dos meus devaneios e atrai, sem esforço algum, minha atenção para o seu rosto. Os lábios gostosos, dançar é uma péssima ideia. Uma ideia ruim. Uma ideia muito, muito ruim.
Ele já tem os dedos entrelaçados aos meus, eu me levanto, ele faz o mesmo, e começamos a caminhar. Sorrisos se espalham por nosso caminho, nos alcançando juntos com cumprimentos sutis, até que nós estejamos sozinhos, ou tão sós quanto é possível estar em um salão cheio, no meio da pista de dança.
— Não me deixe cair... — pede e eu me lembro dele dizendo que não era boa nisso, semanas atrás.
— Nunca... — a palavra foge da minha boca ante que eu tenha a chance de impedi-la.
A música ecoa ao nosso redor, é lenta, sensual, quem quer tenha escolhido, sabia o que estava fazendo. Dou mais um passo, colando o corpo de Anthony ao meu e envolvo sua cintura com meus braços, ele faz o mesmo com os seus em meu pescoço e começamos a nos movimentar devagar. As sensações que sempre acompanham a proximidade dele me atingem como ondas, me derrubando sucessivamente, de novo e de novo, antes que eu tenha a chance de me proteger.
— Marcos... — sussurra e só então percebo o quanto nossas bocas estão próximas.
— Tudo o que você precisa fazer é dizer que não, Anthony. Uma palavra... — O sopro morno de sua respiração sobre meus lábios testa meu coração, ansioso com a possibilidade de receber aquilo pelo que vem esperando há dias, desde a última vez... Faz tempo demais que eu não provo seus lábios, sua língua, seu gosto. Tempo demais... O sutil toque de lábios durante a cerimônia não serviu para nada além de esfregar em minha cara aquilo que não tenho.
Espero, ansioso para que o silêncio entre nós se estenda. E ele se estende, Anthony não me nega e eu esqueço o mundo ao nosso redor quando meus lábios tocam os seus. Não é devagar, não é sutil e nem deveria ser feito em público, mas eu realmente não me importo, e tampouco meu esposo parece se importar.
Minha língua entra em sua boca e dança ao redor da dele, adorando-o, implorando por um pouco qualquer de atenção que ele esteja disposto a me dar e é recompensada com lábios, dentes e saliva, sendo chupada, massageada, saboreada de uma maneira que me obriga a interromper o beijo, porque embora eu realmente queira esquecer qualquer um ao nosso redor, não posso desfilar pelo meu próprio casamento com a ereção que já tomou conta da minha calça e, agora, luta com o tecido ajustado.
Quando minha boca deixa a dele, sons de palmas, gritos e assobios explodem em meus ouvidos, é a quinta série outra vez. Nós dois sorrimos um para o outro em um momento que não deveria ser tão bom quanto parece, afinal, é o meu casamento. Por que é que tudo parece tão certo?
—— um pigarreio soa bem ao meu lado, apenas comprovando minha total desatenção a qualquer coisa que não fosse meu esposo, e quando eu me viro na direção do som, franzo o cenho, sem entender.
— Vossa Excelência? — questiono, quando me deparo com o Juiz Mario Machado diante de mim.
— Será que eu poderia dançar com o meu filho? — questiona e eu estou pronto para lhe perguntar do que é que ele está falando quando meus olhos focam em Anthony e o encontram completamente pálido, branco como um papel, parecendo ter visto um fantasma.
Inclino a cabeça, não conseguindo encaixar as peças dentro dela, porque elas parecem não fazer sentido algum, mas decido focar em Anthony, me preocupando que ele possa desmaiar a qualquer segundo.
— Thony... você está bem? Talvez, seja melhor se sentar... — falo com ele, mas seus olhos parecem não ver nada além do homem que continua parado ao nosso lado, e minhas conclusões, apesar de absurdas, se tornam cada vez menos nubladas. Mas isso não seria possível, seria? Anthony era faxineiro na minha casa, isso não faria qualquer sentido.
E, como se finalmente voltasse de onde quer que sua mente tenha ido, seus olhos se movimentam, piscam, e ele puxa respiração profunda.
— Você não pode estar falando sério! — cospe as palavras com tanto desgosto, que três certezas me atingem em cheio.
A primeira, em algum mundo, faz sentido que Anthony, o antigo faxineiro da minha casa e meu agora marido, seja filho de um dos juízes federais mais importantes do Brasil. A segunda, de alguma forma, eu não sabia disso. A terceira, há algo muito errado em tudo isso, pelo tom de desprezo em suas palavras.
E agora, meu casamento parece exatamente como sempre achei que ele deveria se parecer. Como algo completa e absolutamente errado.
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*** ANTHONY RODRIGUES ***
Cinco anos. Cinco anos de silêncio, desinteresse e abandono e agora ele aparece assim, como se fosse a coisa mais normal do mundo me pedir uma dança. Balanço a cabeça, incrédulo, mas eu deveria ter imaginado, não deveria? A família de Marcos é umas das mais tradicionais no que diz respeito à advocacia brasileira, foi estupidez da minha parte considerar que porque eles não me conheciam, não conheceriam meus pais.
Dou alguns passos para trás, deixando claro que não pretendo me deixar ser tocado por ele e seus olhos faíscam, exatamente como me lembro que faziam na minha infância.
— Você não vai fazer isso aqui, na frente de todas essas pessoas, Anthony! Já basta a vergonha de ter entrado sozinho na cerimônia! — exige, como se tivesse algum direito de fazê-lo. Só percebo a lágrima quando ela escorre pela minha bochecha e pinga sobre o meu tórax. Não é dor, tristeza ou mágoa, é raiva! Muita raiva! Porra, eu consigo imaginar tantas coisas que gostaria de dizer a ele, começando com um sonoro “Vai tomar no cu!” Ao invés disso, ergo o rosto com ar de desdém.
— Você tem muita coragem, excelentíssimo juiz Mário Machado Rodrigues... —continuo olhando para ele com choque e desgosto na mesma medida.
— Anthony, se recomponha! Você não vai me envergonhar dessa maneira!
Um som de escárnio deixa minha garganta enquanto um sorriso triste e amargo toma conta dos meus lábios.
— Me observe! — Sem pensar em nada além de sair daquele lugar, pegar minha filha e sumir antes que eu seja obrigado a lidar com o outro fantasma do meu passado, aquele que um dia eu chamei de mãe, estendo a mão para um Marcos atônito e dou as costas para o homem que me criou. Exatamente como, um dia, ele fez comigo.
Não olho para trás, mas não preciso para saber que meu pai não está me seguindo. Abandoná-lo sozinho do no meio da pista de dança já foi ferida mais do que o suficiente em seu ego frágil, ele jamais correria atrás de mim. O risco que corro agora é o de ser encurralado por sua esposa em algum canto fora da vista dos demais convidados.
Ando a passos moderados, mesmo que minha vontade seja de correr. Mas não lhes darei essa satisfação. Não mais. Marcos anda ao meu lado, acolhendo minha mão dentro da sua e eu não ouso procurar seu olhar, porque sei que ele vai me pedir mil explicações que eu simplesmente não tenho condições emocionais para dar agora.
Chegamos à mesa e eu nem mesmo cumprimento a ninguém. Ignoro as expressões interrogativas e faço eu mesma a única pergunta cuja resposta me interessa.
— Onde está Isabella?
— Ela dormiu e Grazi e Carmem a levaram para o quarto — Giovana se apressa em responder, provavelmente, lendo em meus gestos o tamanho do meu desespero. Respiro aliviado, sabendo que ela está bem, está segura, protegida, e longe do alcance daqueles que jamais serão chamados de seus avós.
— Obrigado — digo para ela e me viro para Marcos, — Vamos nos despedir e podemos ir embora — aviso, sem deixar espaço para discussão, seu cenho se franze, afinal, a festa mal começou, mas ele acena com a cabeça. Com o mesmo gesto, me despeço de seus pais, ainda na mesa, e apesar de seus semblantes confusos, ninguém pergunta nada.
Começo a me afastar com o coração acelerado no peito, de alguma forma, sabendo que minha previsão vai se tornar real e eu serei obrigado a vê-la. Eu não quero, Deus, eu não quero vê-la. Ver Mário foi ruim, mas ver Rosana vai ser mil vezes pior. Respiro fundo, caminhando normalmente e mantendo a cabeça erguida, mas antes que eu tenha dado dez passos, uma mão quente e grande segura a minha, eu viro o rosto, encontrando Marcos, ali, ao meu lado, e eu nunca achei que me sentiria tão grato pela presença de Marcos babaca quanto agora.
Andamos em silêncio, no entanto, ele não dura muito tempo. Assim que o corredor termina e nós viramos à direita para alcançar os elevadores, a figura alta, loira, bem-vestida e maquiada aparece diante de nós. Não consigo conter o estremecimento do meu corpo ao vê-la, é quase como se os últimos cinco anos não tivessem passado, é quase como se eu ainda fosse um menino de dezessete, com um filho, se recusando a me livrar, e sendo expulso de casa em uma noite de chuva sem nada além da roupa do corpo.
— Anthony...
— Não! — me recuso a lhe dar a cortesia de qualquer outra palavra e continuo avançando, determinado a passar por ela exatamente como o que ela é, um fantasma.
— Meu filho...
— Não se atreva! — As palavras parecem percorrer o caminho para além dos meus lábios, mais rápido, até mesmo, que meus pensamentos alcançam minha própria consciência. Aperto minha mão livre em punho, tentando aliviar o tremor violento que sacode meu corpo e precisando da sensação de controle sobre alguma coisa, qualquer coisa, nem que seja da dor que sinto ao cravar minhas próprias unhas na pele fina da palma da minha mão. — Eu não sou seu filho, você não é minha mãe! — minha voz é surpreendentemente firme, apesar de todos os sentimentos que tumultuam e duelam dentro de mim. — Eu não sei o que é que deu na cabeça de vocês para achar que era uma boa ideia aparecer no meu casamento, mas me deixe ser bem claro aqui: se não quiserem um escândalo sobre um juiz que quis forçar seu filho menor de idade a fazer dar sua filha para a adoção, estampado nas capas dos jornais de amanhã, vocês vão sumir da minha frente, sumir da minha vida e esquecer que eu existo, ou eu juro por Deus que vou me lembrar que vocês existem e isso não vai ser bom para ninguém!
Quando acabo de falar, os olhos de Rosana estão arregalados e sua boca aberta, chocada com as minhas palavras, nada mudou. É tudo exatamente como eu me lembrava. E um riso raivoso deixa a minha boca.
— O-o que o seu marido... o que ele vai pensar, Anthony? — começa gaguejando, mas, como sempre, em nome das aparências, reencontra a própria voz e as últimas palavras saem como se ela estivesse conversando sobre o tempo. Balanço a cabeça, negando.
— Ele não vai pensar, Rosana, ele vai saber! Vai saber que para vocês eu estou morto e é melhor que continue assim, porque para mim vocês estão muito além de enterrados e nada vai mudar!
Dessa vez, quando volto a caminhar, ela se afasta, como se a mera possibilidade de encostar em mim fosse perigosa, passo pelas portas do elevador, já abertas, com Marcos ao meu lado, em completo silêncio, e quando as folhas de metal se unem, nos isolando lá dentro, deixo que meu corpo se solte na parede fria e fecho os olhos. Respiro fundo, puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca, a ardência em meus olhos beira o insuportável, assim como a vontade gritar.
Mantenho minha cabeça abaixada, lidando, uma a uma, com as minhas próprias emoções, e sentindo uma necessidade imparável de ter minha filha nos braços. Não olho para Marcos, o que ele está pensando é só mais uma das muitas preocupações que rondam minha cabeça. Mas, quando o elevador apita o andar da suíte onde sei que Isabella está, ergo os ombros e levanto a cabeça.
Saio do elevador. Em poucos passos bato na porta do quarto, Grazi atende. Pelos seus olhos arregalados, tenho certeza de que ela os viu. Minha amiga me abraça, me dando o conforto que só ela poderia me dar. Ela murmura palavras carinhosas no meu ouvido, diz que está tudo bem, sem dar a mínima importância para a plateia formada por Carmem e Marcos.
— Tudo bem? — Afasta-se de mim plantando as palmas das mãos em minhas bochechas.
— Bella está bem? — respondo e ela acena com a cabeça, dizendo que sim.
— Eles nem a viram. Assim que os vi entrar, saí de lá com ela, acho que eles não me viram também...
— Ótimo... — suspiro, aliviado, beijo suas duas mãos, antes de me desvencilhar delas e caminhar para o interior do quarto, onde sei que vou encontrar Isabella, sem me importar com mais nada.
Minha menina está deitada na cama imensa, já com os cabelos soltos e um pijama com estampa de coroas e dragões. Agacho-me ao lado da cama, uma vez que meu vestido não é um grande amigo no quesito mobilidade, e acaricio seus cabelos, sua bochecha, pego sua mão pequena e suspiro, sentindo-me em paz apenas por tocá-la.
Por minutos, velo seu sono. Em silêncio, aproveito sua presença, seu calor, seu cheiro doce, e quando me sinto recarregado, pronto para enfrentar o mundo inteiro por ela, me levanto, dou um beijo em sua testa, ajeito o cobertor em seu corpo, e saio do quarto, sabendo que lá fora há muitos leões para derrotar.
E, cedo demais, me deparo com o primeiro. Depois de fechar a porta com cuidado, me viro e encontro a sala da suíte quase vazia, Carmem e Grazi não estão mais aqui, há apenas Marcos, segurando um copo de uísque para o qual ele olha, vendo o líquido âmbar girar.
— Bem, esposo, acredito que chegou a nossa hora de conversar... — expiro e caminho em sua direção. Sem qualquer cerimônia, tomo o copo de sua mão e o viro de uma vez na boca. Eu preciso de uma bebida para ter essa conversa. — Agora isso faz muito mais sentido... — murmura para si mesmo, mas isso não me impede de ouvir.
Saboreio a bebida, deixo que ela inunde meu paladar, minha língua e cada pedacinho da minha boca antes de arrancar o bandaid.
— Cinco anos atrás, um mês depois do meu aniversário de dezessete, eu descobri que minha amiga que transei uma única vez depois de uma noite muito louca estava grávida mim e que quando deu a luz tinha falecido no parto. Foi um belo presente, sabe? Desespero como eu nunca senti... — digo, fazendo meu caminho até o bar e me servindo de uma dose dupla do uísque. — Eu não fazia ideia do que fazer, de como contar para os meus pais, do que aconteceria depois disso e, enquanto eu me recriminava e tentava, em vão, organizar meus próprios pensamentos, minha mãe, por um grande acaso, entrou sem bater no meu quarto e me pegou falando no telefone... — Tomo um gole da bebida, mas ela não chega nem perto de ser tão amarga quanto a lembrança. — Ela me deu um aviso, me mandou dar um jeito nisso e me disse que marcaria uma visita em um orfanato para mim, porque um Machado Rodrigues não tinha filhos bastardos — outro gole de bebida, dessa vez, um mais longo. — Quando eu lhe perguntei o que aconteceria se eu não quisesse, ela repetiu exatamente a mesma frase, um Machado Rodrigues não tinha filhos bastardos. No dia seguinte, me recusei a sair do meu quarto quando ela me chamou para ir ao orfanato, me tranquei do lado de dentro e só abri a porta quando vi o carro do meu pai deixando-o na entrada de casa. Corri para ele assim que o vi entrar, certo de que ele me ajudaria a colocar algum juízo na cabeça da minha mãe, chovia muito naquela noite. Parecia que o clima queria combinar com meu estado de espírito. Eu estava apavorado, arrependido da minha inconsequência, eu não tinha ideia de como seria minha vida dali para frente, mas não conseguia nem mesmo conceber o que minha mãe me impunha. — Balanço a cabeça de um lado para o outro, quase sentindo tudo de novo, o medo, o frio, a exaustão, tudo. — Contei ao meu pai, entre lágrimas e soluços, ansiando por um abraço e por um “vai ficar tudo bem”, ao invés disso, ouvi de sua boca, com algo que beirava o nojo, as mesmas palavras da minha mãe e uma escolha, ou eu dava minha palavra de que no dia seguinte, na primeira hora, estaria no orfanato médico, ou saia pela porta naquele momento, para nunca mais voltar, — rio, desgostoso. — Nunca foi uma escolha real, sabe? Eu simplesmente não podia, não com ela. Mesmo que naquela época eu não soubesse que era ela, Isabella não tinha culpa das minhas ações e eu não podia... — O gosto salgado se mistura ao amargo em minha boca quando a primeira lágrima desliza por minha bochecha e alcança o lábio, — Então, eu saí. Sem nada além da roupa no corpo, na chuva, sozinho e apavorada, procurei a única pessoa que eu sabia se importar o suficiente para me ajudar, Grazi. Minha melhor amiga da vida inteira... Naquela noite, seus pais não estavam em casa, ela me recebeu, cuidou de mim, me abraçou e chorou comigo, depois, me deu dinheiro e me hospedou em um hotel, nossos pais eram amigos e nós não tínhamos ideia de como seu pai e mãe reagiriam à minha presença em sua casa. Fomos ao hospital, resolvemos tudo e eu conheci o amor da minha vida. Tão linda e pequena. E eu já amava com todo meu ser. E ela só tinha a mim. Os avós maternos não estavam mais vivos, não tinha mais ninguém para cuidar dela.
Eu tinha um namorado na época, uma pessoa que eu pensei que me amava que ia me ajudar, me apoiar, mas descobri que ele estava do lado dos meus pais. Foi o fim para mim.
Duas semanas depois, nós nos mudávamos para São Paulo... Por quase cinco anos, moramos juntos enquanto Grazi fazia faculdade. Nove meses atrás, ela se formou e precisou voltar para o Rio, foi assim que eu cheguei à sua casa...
Depois de despejar tudo de uma vez, finalmente levo meu olhar até Marcos, ele me observa com atenção e eu ergo as sobrancelhas em um “é isso!”, silencioso.
— Eu sinto muito que você tenha passado por tudo isso, Anthony, eu sinto muito que eles tenham se achado no direito de aparecer aqui, hoje, eu sinto muito que você tenha sido obrigado a se lembrar de tudo isso, mas você deveria ter me contado...
Rio, nego com a cabeça, e desvio os olhos.
— Por quê? O que isso mudaria?
— Você mentiu para mim... — a seriedade em seu tom me faz procurar seu olhar outra vez. — Eu te perguntei antes de assinarmos o contrato se havia algo importante sobre você que eu deveria saber e você me disse que não, isso é importante, e você sabe. O que significa que você fez uma escolha, você escolheu mentir pra mim... — não há a acusação que eu esperava em sua voz, tampouco decepção, é mais algo como um alerta, talvez. — Se eu soubesse, o que aconteceu hoje jamais teria acontecido, eles nunca teriam chegado perto de você ou de Isabella. — garante e eu acredito. Pisco, confuso com a certeza que me atinge de que ele está falando sério. — Quem era ele, Anthony? — eu inclino a cabeça, estranhando o fato de ele não estar me tratando como um bibelô frágil.
Não que eu quisesse isso, mas definitivamente, eu esperava. Esperava que Marcos achasse que eu fosse precisar de espaço, tempo para lidar com a situação ridícula que se desenrolou apenas há alguns minutos, antes de me fazer perguntas e cobranças. Mas ele me surpreende, e eu gosto. Sorrio de canto, levo, mais uma vez, o copo de uísque à boca, e, por fim, lhe dou exatamente a mesma resposta de antes.
— Isso não importa!
— Anthony...
— Não! Isso não vai mudar! — Ele balança a cabeça, concordando.
— E existe alguma coisa a seu respeito que eu ainda não saiba, mas deveria saber, Anthony? — de novo, refaz uma pergunta que já havia me feito antes, e como num déjà vu, minha cabeça grita sim, mas meus lábios respondem o extremo oposto em um tom de voz bem mais baixo.
— Não...
— Tem certeza? — reforça e meu pensamento é rápido em gritar outra vez, “não!” Tanto quanto meus lábios são em dizer.
— Sim! — Não sei por que minto, o que está feito está feito, os papéis estão assinados, o casamento está selado, não importa mais que Marcos descubra que eu nunca fui o homem que ele achou que eu era, ainda assim, nego, não apenas uma, mas duas vezes, três, se contarmos a primeira vez, um mês atrás.
Marcos estreita os olhos para mim, investigando-me, antes de acenar afirmativamente.
— Eu te disse que para que isso desse certo, nós precisaríamos ser sinceros um com o outro, ainda assim, mais de uma vez, você não foi. Sua amiga? Você me disse que a havia conhecido recentemente...
— E como eu deveria te explicar que minha melhor amiga é a herdeira de um império de tecnologia?
— Você não deveria ter mentido pra mim sobre quem eram seus pais, para começo de conversa...
— Eu estava com medo... — Em voz baixa, recorro a mais uma mentira para justificar às primeiras. O semblante de Marcos muda, como sempre acontece quando eu lhe mostro meu lado frágil que não existe. — Medo de que você desistisse de tudo se soubesse... — encerro quase sussurrante.
— Eu não teria...
— Me desculpe... — forço-me a pedir ele gira o restante de sua bebida no copo uma última vez, antes de engolir tudo.
— Tudo bem... — concede.
— Tudo bem... — repito e o silêncio tenta se instalar entre nós, mas eu não deixo, — Onde estão Carmem e Grazi?
— Voltaram para a festa, Grazi me fez prometer que você vai passar lá antes de viajarmos. — Eu tinha me esquecido da viagem. Expulso o ar dos pulmões e fecho os olhos, a lua de mel.
— Isso é realmente necessário?
— Você está bem? — responde-me com outra pergunta.
— Estou.
— Então, sim, é.
— Marcos...
— Nós temos um acordo Anthony, você escolheu mentir pra mim, lide com as consequências... — avisa e seu tom não deixa espaço para discussões.
— Você está com raiva... — afirmo.
— Não acho que raiva seja a palavra certa, mas eu não gosto da sensação de ter sido enganado. Muitas coisas sobre você começam a fazer sentido agora, mas muitas outras param de fazer também.
Desvio os olhos.
— Eu não enganei você...
— Enganou. E, por que é que eu tenho a sensação de que você continua fazendo isso, Anthony? Eu não sou uma pessoa dada a intuições, mas essa está difícil de ignorar... — Seu olhar me varre de ponta a ponta, gelando minha espinha, porque diferente das outras vezes em que percorreu o mesmo caminho, dessa, há muito mais do que desejo, há desconfiança. Eu não deveria me importar, mas me importo.
— Você está paranoico e eu realmente não queria deixar Bella agora... — Tento trazer a conversa para onde realmente a quero.
— Paranoico... — repete a palavra com uma sobrancelha erguida em um questionamento silencioso que eu não respondo e ele finalmente muda de assunto. — Ela vai estar segura em casa, Anthony... — outra vez, aquele tom que me faz acreditar que cada palavra que sai da sua boca é verdadeira. — Ninguém que não esteja expressamente autorizado vai passar por aquelas portas. São apenas três dias...
— Eu sei... eu... —puxo outra inspiração profunda. — Tudo bem, vamos fazer isso. Vamos só nos despedir, e podemos ir... Não é como se alguém fosse se importar por não termos partido o bolo, e eu realmente quero sair daqui...
— Ótimo, o helicóptero está a nossa espera...
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— Pode ficar tranquilo, eu vou visitar Isabella todos os dias! Ela vai ficar bem! — Giovanna me diz ao me abraçar e eu me sinto grato. A mãe de Marcos tem sido um amor comigo desde que se deu conta de que seu filho realmente se casaria.
Recebi telefonemas seus em praticamente todos os dias que se seguiram ao almoço em sua casa. A conversa era sempre muito tranquila, quase natural, e diria, e Giovanna sempre demonstrava um interesse genuíno em saber sobre mim, sobre o casamento, sobre Isabella. Chegou, até mesmo, a nos fazer uma visita. E, depois da situação ridícula que se desenrolou hoje, é impossível não fazer uma comparação mental.
Suspiro, ainda dentro de seu abraço, e quando ela me solta, sinto falta. Retribuo seu sorriso e agradeço, antes de ser abraçado por Joaquim e, logo em seguida, abraço Carmem, agradecendo por tudo e ela me garante que Isabella estará muito bem cuidada nos próximos dias. Eu aceno, porque sei que é verdade, mas isso não torna mais fraco o aperto que sinto em meu peito por deixá-la.
Olho ao redor, tentando encontrar Grazi, que não está ao alcance dos meus olhos. E não encontrando-a, deixo Marcos com seus pais e vou procurá-la.