YURI:
Estou exausto. Entrei na equipe de vistoria das obras da empresa. Na realidade, algumas propriedades nem são da multinacional para qual trabalho, mas são terrenos que eles desejam adquirir. É uma análise minuciosa, que conta com uma enorme gama de profissionais. O último prédio não deu trabalho, mas esse possuía dois andares.
Os trabalhos iniciavam às 9h e seguiam até 19h. O nosso papel era reconhecer falhas e sugerir correções. Em alguns casos, a estrutura estava tão desgastada que o ideal era demolir e começar do zero. Porém, vivemos em um mundo capitalista, ou seja, quanto menos dinheiro as empresas perderem, mais elas ficam felizes.
Cheguei e todos estavam jantando. Tomei um banho rápido e desci. A discussão à mesa era sobre a tatuagem do Richard. Ele desenhou as nossas iniciais no pulso e um símbolo do infinito. "R + Y + G", nós achamos fofo, mas a tia Olívia não aprovava o jeito do meu irmão.
— O que os pais de vocês devem estar pensando, hein? Obrigado, Olívia, pela criação que tú deu para os nossos filhos. — ironizou a titia, colocando um pedaço generoso de lasanha na boca.
— Ficou legal, tia. — defendeu Giovanna, tirando uma foto do braço do Richard e publicando nas redes sociais.
— Ele não é mais criança. — me tremi ao lembrar do Richard quando criança. — Uma criança hiperativa, maldosa e cheia de ideias absurdas na cabeça.
— Ei! — protestou Richard. — Eu nem era tão ruim assim.
— Não, claro que não. — brincou Carlos, pegando mais um pedaço de lasanha. — Lembra quando Richard colocou várias mucuras no barco?
— Sim. — Giovanna serviu um copo de vinho e tomou. — Elas amaram o meu cabelo. Desgraçadas.
— E quando ele sumiu e a gente se perdeu no mato? — recordou Zedu, servindo um prato para mim. — Aqui, amor.
— Vocês deveriam me agradecer. Eu sei que vocês transaram no meio do mato. — revelou Richard, cruzando os braços e levantando a sobrancelha. — Quero uma declaração para mim no dia do casamento.
Os jantares em casa são os melhores. Como eu sinto falta dessa energia. Os anos vão passando e sinto que esses momentos vão ficando raros. Vai demorar para as minhas crianças chegarem. Será que o Zedu vai querer adotar ou vamos ter uma barriga de aluguel? Eu só sei que desejo uma casa cheia. Quero sorrisos, mesa farta e provocações.
O Zedu também teve uma infância parecida. Apesar dos traumas, a família é um tópico importante para o meu noivo. Ele confessou que quer vários filhos. A gente combinou a começar por um pet. Adotaríamos um cachorro de um projeto da Ramona. A minha amiga estava engajada em diminuir o número de animais nas ruas de Manaus.
— Vamos adotar um filho. — anunciei à mesa, deixando todos chocados, até o Zedu, que me olhou de maneira engraçada e jogou metade do suco para fora.
— Zedu! — gritou Giovanna, que ficou ensopada de suco de laranja.
— Vamos adotar um cachorrinho. — disse, mostrando uma foto para os meus parentes.
— Que susto, amor. Não faz mais isso. — me repreendeu Zedu, olhando para a Giovanna e oferecendo um lenço de papel. — Desculpa, cunha.
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ZEDU:
Estou animado com a possibilidade de adotar um cachorro. Na infância, o meu pai não deixava, porque era alérgico a pelos. Cresci sem um melhor amigo canino ou um gato, mas também nunca foi um problema. A Feira de Adoção era uma realização da ONG "Pequenos Anjos" e a Ramona fazia parte da equipe do evento.
A Feira de Adoção aconteceu na praia da Ponta Negra. Eles escolheram o fim da tarde, porque os animais não sofreriam com o calor. O Yuri parecia uma criança no parque de diversões. Ele fez uma lista com todos os requisitos de um cachorro ideal.
— Vira-lata. Caramelo. Dócil. Sexo não importa. Olhos bonitos. — li a lista do meu noivo. — Olhos bonitos?
— Sim. Os animais se expressam pelo olhar. Eu quero ter uma conexão com o cachorro, amor. — o Yuri parecia uma criança.
O meu noivo é o homem mais fofo do universo. Ele sai olhando todas as gaiolas, que contém o nome e idade dos cachorros. O Brutus se interessou por uma gata preta. De acordo com o meu amigo, os gatos são animais independentes e fortes. Já a Luciana, queria um cachorro de pequeno porte para fazer companhia a sua mãe.
— É tão difícil escolher. — salientou Brutus. — Todos são fofos.
— A mamãe adorou a foto do Tião, o cachorrinho da gaiola número 4. — afirmou Luciana nos mostrando a foto.
— Cadê o Yuri? — questionou Brutus, olhando em volta.
— Ali. — apontando para frente. — Parece uma criança. — sorri ao olhar para o Yuri.
— Gente, a feira está um sucesso. — disse Ramona, aparecendo para nos cumprimentar. — Já decidiram quais vão adotar?
Animado, o Yuri correu até mim e contou ter achado o cachorro perfeito. Ele pegou na minha mão e me levou até a gaiola número 13. Lá, havia um cachorro estranho e lhe faltava uma pata. Olhei para o Yuri, que estava com um sorriso enorme no rosto. Eu não podia dizer não, né? Era um momento tão feliz. Ok, o cachorro não podia ser a coisa mais bonita, porém, daria alegria ao Yuri.
— Escolheram? — perguntou Ramona.
— Sim, queremos o 13. — avisei a Ramona.
— 13? — Brutus avistou o cachorro e deu uma gargalhada. — Você vai levar aquilo? Eita, grandão. O teu gosto já foi melhor.
— Ele é lindo, Brutus. Fora que o coitadinho sofreu vários abusos e ninguém sequer olhou a gaiola dele. — o Yuri defendeu o cachorro.
— A beleza é subjetiva, idiota. — dei um tapinha na cabeça do Brutus, que pediu desculpas.
— Finalmente, o coitadinho vai conseguir uma casa. Essa é a oitava feira que ele participa. Parabéns, Yuri. No fundo, eu sabia que você ia escolhê-lo.
O cachorro não é feio. Ele é horrível. Parece que foi atropelado por um caminhão e colado de volta. Mas, o Yuri ficou radiante ao encontrá-lo. Só o meu ursão para enxergar coisas boas em lugares inóspitos. Afinal, ele me escolheu. Ele esperou por mim. Ele lutou por mim. Assim como fez com o cachorro feio.
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YURI:
Eu escolhi o cachorro mais lindo da feira. Tá bom, ele não é tão lindo, mas fiquei emocionado quando soube da história dele. O antigo dono o deixava preso em casa, então, ele machucou a pata e necrosou. Uma equipe seguiu para o local e encontrou o animal em estado deplorável.
Por causa disso, o cachorrinho perdeu parte da orelha e a pata amputada. Eu precisava adotá-lo. Apesar de não ter um dos membros, o cachorro corria e balançava a patinha, principalmente quando saiu da gaiola. Eu baixei e o abracei. O Zedu aproveitou o momento para tirar uma foto.
— A família está crescendo. — ele escreveu ao postar a foto.
— E já decidiu o nome? — quis saber Brutus, baixando para acariciar o doguinho.
— Já. Ele vai se chamar Oasis. — respondi todo alegre.
— Graças a Deus, — Zedu respirou aliviado. — pensei que ia ser "Don't Look Back In Anger".
— Idiota. Amor, precisamos passar em um pet shop. Quero comprar as coisas dele. — pedi, realmente, parecendo uma criança.
— Tá, ainda deve ter algum aberto. — Zedu concordou e se despediu dos nossos amigos.
O Oasis era curioso. Ele cheirou todo o carro e abanava o rabo com força. A Ramona nos deu um tapete para evitar qualquer tipo de acidente no banco traseiro. Agora, eu era responsável por outro ser vivo. Para celebrar, coloquei "Whatever" no sistema de som e cantei junto ao Zedu, que já havia decorado a maioria das músicas do "Oasis".
***
Eu sou livre para ser qualquer coisa que eu
Qualquer coisa que eu escolher
E eu cantarei o blues se eu quiser
***
Na loja, compramos vários mimos para o Oasis. O presente que ele mais gostou foi uma manta verde com a inicial de seu novo nome. Escolhemos uma área bem ventilada da casa para colocá-la. Ainda bem que o Oasis já veio treinado para fazer as necessidades no tapetinho higiênico.
No dia seguinte, eu o levei para passear pelo condomínio. A gente não correu como o Kleber costumava fazer com o seu velho companheiro Thor. Primeiro, que eu não sou o Kleber. E segundo, o Oasis têm os seus limites e preciso respeitá-los.
Um fato curioso sobre os cachorros? Eles param para cheirar e urinar em tudo. Sério, só de uma esquina para a outra, o Oasis urinou quatro vezes. No retorno para casa, uma vizinha nos olha de maneira estranha. Eu sei o que é ser julgado, mas não quero que as pessoas façam isso com o Oasis.
— Perdeu alguma coisa, senhora? — perguntei de maneira ríspida, mas me arrependendo no segundo seguinte.
— Oh, não. Me perdoe. — lamentou a senhora pegando sua bolsa e entrando no carro.
— É horrível, né? — questionei para Oasis, que colocou a linha pra fora e me tirou um sorriso. — Yuri, tú tá ficando muito velho. Tá falando com cachorro.
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ZEDU:
O Yuri virou um pai de cachorro e eu por tabela. Ele posta várias fotos por dias do Oasis. A melhor parte? Os seguidores gostam. Realmente, o Oasis tem um charme diferente e não digo isso devido a sua pata amputada, mas os seus olhos tem algo diferente. Sim, somos pais de um cachorro. O início da nossa pequena família vai ser incrível.
Inclusive, já fechei o negócio com a imobiliária. Em breve vamos nos mudar para um lugar só nosso. Espero que a mamãe aceite a proposta de morar conosco. Eu quero tratá-la como uma rainha, ainda mais depois de tanto trabalho na adolescência.
— Zedu. — Edgar entrou na sala e me avisou que uma reunião foi cancelada.
— Sério? Não mente para mim. — eu questionei alegra, porque iria para casa mais cedo.
— Sim. Eles vão reagendar, mas vou te deixar por dentro de todos os detalhes. — Edgar fez algumas anotações no I-pad e saiu da sala.
Convidei Camille para tomar um shop. Nos últimos dias, a gente quase não se viu. Ela estava cuidando de uma campanha gigantesca e não tinha mais tempo para o chefe. Nos encontramos no bar. A Camille é uma mulher preta, que consegue chamar a atenção de qualquer um. Nem preciso dizer, que quando estamos juntos as pessoas acham que somos um casal.
— E como está a vida de publicitária? — questionei servindo cerveja no meu copo.
— Difícil, mas eu adoro um desafio. E todos os meus materiais chegam até o meu chefe e não sofrem uma alteração. — ela se vangloriou e tomou um pouco de cerveja.
— Claro. São peças belíssimas. Inclusive, quero colocar o comercial do Hospital para concorrer a um prêmio. Parabéns. — avisei para a alegria da Camille, que saiu de sua cadeira e me abraçou.
— Você é o melhor chefe de todos! Sério, a agência tem sorte em ter você, Zedu.
Depois de um happy-hour perfeito, voltei para casa e encontrei o Carlos na sala. O tio do Yuri avisou que o julgamento de custódia da Isabelle havia sido marcado para o final do mês.
— Mas, Zedu. Devido aos antecedentes criminais do José Leandro, a batalha não vai ser fácil. Existe uma pequena chance da guarda de Isabelle ir para os avós. — avisou Carlos, deixando o livro de lado e pegando no meu ombro. — Se preparem. Eu vou fazer o meu melhor.