Fernando apoiou-se na cadeira e notei que sua expressão mudou.
- o que ta pegando, Fernando?
- eu to indo embora Gabriel. Você topa ir comigo?
Eu soltei uma risada sem graça.
- você ta brincando né!?
- Não. - ele foi enfático.
- por que isso agora cara? embora pra onde?
- é um lance de trabalho, mas também é algo que eu já almejo ha algum tempo.
- mas justo agora?
- não é agora Gabriel. Já é de algum tempo.
- e não tem como ficar, ou ao menos adiar?
Ele balançou a cabeça em negativa.
- e você? Vem comigo? - disse me encarando.
- não sei Fernando. Tem minha família, amigos...
- você não vai perder nenhum deles. Só vai morar um pouco mais longe.
- e minha faculdade?
- também podemos ver isso. Da pra você transferir seu curso.
- não sei não Fernando. Eu não tinha planos de ir embora agora.
- nem tudo na vida precisa de planos, Gabriel. Algumas coisas são assim mesmo.
- mas não da pra eu decidir tão rápido assim. Por mais que eu goste de tu Fernando, tem muita coisa que me prende a essa cidade.
Fernando respirou fundo.
- você quem sabe, Gabriel. Pensa e se decidir ir comigo, será bem vindo.
Olhei para o anel e senti o gosto do fel na boca.
- não fica assim não. - Fernando tocou meu rosto.
- eu gosto de você Fernando, mas é tudo tão complicado cara. Por que tem que ser difícil desse jeito?
- eu também não sei Gabriel. Acho que se fosse fácil não teria graça.
- tu já tem data certa?
- eu vou pra fronteira na próxima semana, e quando eu voltar, já viajo na sequência.
- você vai pra fronteira novamente?
- é meu trabalho Gabriel.
- eu sei Fernando, mas... Ta... Ta certo. Deixa pra lá.
- fala. O que tu ia dizer?
- eu tenho medo dessas tuas viagens.
- medo de que Gabriel?
- medo de a gente não avançar. Medo do tempo passar, e acabar separando a gente.
Fernando sorriu.
- isso não vai acontecer.
- quem me garante?
- eu. Não é o suficiente minha palavra?
- claro que eu confio em você Fernando. Mas...
- mais nada.
Ele calou-me com um beijo.
- agora vamos comer que a pizza ta esfriando, e nossa bebida esquentando.
- quero não.
- como não?
- to sem apetite.
- pô, Gabriel. Ta assim por causa do que te falei. Soubesse, não teria dito nada.
- prefiro a verdade sempre. E não to assim só por causa disso não. Tô assim por causa de um monte de coisa.
- problema com teu pai também né!?
Confirmei com a cabeça.
- fica assim não Gabriel.
- é impossível Fernando. Poxa cara. Meu pai poderia ate ter me esmurrado, mas me ignorado não.
- isso machuca né!?
- muito.
Fernando arrastou sua cadeira, e colocou suas pernas entre as minhas.
- passa... Uma hora passa. - disse ele.
Apenas sorri discreto.
- eu vou dormir Fernando. Amanhã cedo tem aula.
- Não vai comer mesmo?
- não. Amanhã de manhã eu como alguma coisa.
Levantei da cadeira, e Fernando segurou por meu braço.
- vamos continuar o que começamos?
Apenas sorri.
- vamos.
Fernando também sorriu, e me conduziu ate o quarto. O cara fechou a porta, e foi logo abaixando a cueca.
Deitei em sua cama, e ele veio logo em seguida. Fernando colou seu corpo quente no meu. Sua barba arranhava meu pescoço. fechei meus olhos e esqueci o mundo.
Minhas mãos foram de encontro a suas costas. Fernando me tinha nas mãos. Ele sabia como me ganhar mais e mais a cada dia. E seria sempre assim.
Acordei na manha seguinte com o Fernando ao meu lado. Seus braços abertos na forma de envergadura, suas pernas por cima das minhas, seu ronco suave. Como eu iria me acostumar a acordar todo dia sabendo que ele estaria longe?
Levantei, e procurei tomar um banho fazendo o mínimo de barulho possível. Enrolei-me na toalha, e saí do banheiro. Fernando não estava mais no quarto, apenas os lençóis bagunçados na cama. Troquei minha roupa, e saí com minha mochila.
- Oi. - disse Fernando levantando do sofá.
O cara me deu um beijo assim que saí do quarto. Aquilo foi um tanto estranho.
- e aí Fernando. Eu to indo pra aula.
- eu fiz café.
Olhei no relógio de pulso, e infelizmente tive que recusar.
- já ta em cima da minha hora. - falei.
- é rapidão Gabriel. - disse ele caminhando ate a cozinha.
O acompanhei e vi uma mesa posta.
- tu que fez? - falei impressionado.
- o café sim. O resto comprei. - ele sorriu.
- caralho. O pior que meu estomago ta dando voltas aqui dentro.
- então come logo. Eu te deixo na faculdade.
Fernando não precisou convidar outra vez. Coloquei minha mochila sobre o armário e sentei à mesa disposto a comer.
Fernando sorriu ao ver minha rapidez.
- tava com fome. - falei com um pedaço de pão na boca.
Assim que acabamos com o café, Fernando me deixou no meu bloco.
- vai la pra casa hoje novamente? - disse ele parando o carro.
- posso?
- claro que pode.
- então eu vou sim. Vou trabalhar e depois passo em casa pra apanhar mais roupas.
- ta certo. Se precisar de qualquer coisa você me liga?
- ligo sim.
Saindo do carro dei de cara com o Victor.
- e aí mano? - falei.
- era o carro do Fernando? - ele disse com a mochila nas costas.
- qual?
Victor sorriu.
- esse que tu acabou de descer.
- e... era. Peguei uma carona com ele.
- e o Danilo?
- o que tem ele?
- tu sempre vem de carona com ele.
- hoje ele vai atrasar.
- mas ele já chegou. Ta la no refeitório tomando café.
Respirei fundo.
- beleza Victor. Eu tava com teu irmão cara. Passei a noite com ele. Você sabe que eu gosto dele.
- e pra que mentir pra mim Biel? Você acha que eu vou te recriminar por causa disso?
- não penso que você vai me recriminar. Só não gosto de me abrir sobre isso. Sei nem se vai da certo. - falei enquanto caminhávamos para a sala de aula.
- antes você reclamava que eu não gostava de ouvir quando você falava sobre homens. Hoje, que estou disposto a ouvir, você parece não querer tocar no assunto.
- e não quero mesmo não mano. Não me leva a mal, mas ele é teu irmão.
- e daí? - disse Victor sorrindo.
- e daí que você provavelmente não vai gostar de ouvir as intimidades do teu irmão.
- não quero saber da foda de vocês. Só quero entender o que ta se passando. Vocês tão se pegando? Namorando? Que porra é que vocês tão fazendo?
Levantei a mão e mostrei o dedo para o Victor.
- um anel. O que tem?
- o Fernando me deu.
- meu irmão? Meu irmão te deu esse anel?
Victor tentou rir, mas logo sua feição mudou.
- não acredita em mim né!? Então é melhor a gente mudar o rumo dessa prosa.
- não! Pera aí. - Victor me parou, segurou minha mão e alisou o anel. - o que significa? O anel, o que significa? - Victor estava um pouco nervoso, alvoroçado.
- ele disse que isso aqui significa um lance sério.
- lance sério? Contigo?
- é... A gente ta se conhecendo.
- mas então quer dizer que o Fernando é gay?
- num sei cara. Eu não sei definir as pessoas. Só tenho certeza de mim.
Continuei andando e Victor ficou parado me fitando.
- o que foi? Vai ficar parado aí? - falei olhando para trás.
- tu confia no Fernando?
Fiquei mudo por um tempo digerindo aquela pergunta.
- por que? Devo não confiar?
- só quero saber se você sente que ele ta sendo verdadeiro com você.
- eu acho que sim.
- acha que sim? Você não tem confiança cem por cento nele?
- eu num sei Victor, mas porque tu ta me perguntando isso?
Antes que eu pudesse ter uma resposta, ouvi Lucas gritando por meu nome.
Olhei para trás e vi ele correndo em minha direção.
- espera aí. - disse ele.
- eu vou pra sala. - falou Victor.
- vamos almoçar no R.U hoje? queria continuar com essa conversa.
- hoje não da, mas aparece la em casa. - foi a única coisa que ele falou antes de se virar e ir a passos largos para sala de aula.
Lucas chegou ao meu encontro quase sem voz.
- e aí mano. - falei. - Ta tudo bem?
- Não! - disse ele cansado.
- senta aí. - disse apontando para um dos bancos do imenso corredor.
Lucas desabotou alguns dos botoes da camisa, afim de tomar um ar.
- o que aconteceu? Ainda é sobre os caras da moto? - perguntei.
- eu acho que tão tentando me matar. Eles vieram me seguindo ate aqui. Tentei despista-los, mas eles conseguirem me alcançar.
- isso ta ficando cada vez mais perigoso.
- eu falei com o meu pai.
- o que ele disse?
- vai reforçar a segurança la de casa.
- só isso não é o suficiente não mano. Tem que ir na delegacia.
- nós vamos fazer isso assim que acabar a aula. Meu pai vai dar uma passada aqui.
- e os caras que vieram te perseguindo foram pra onde?
- não sei. Eu passei pela guarita e eles ficaram parados do lado de fora.
- vamos la no refeitório pô. Aí tu toma água e come alguma coisa.
- eu to sem fome, mas a água eu vou querer sim. Ainda acho que isso é coisa do teu primo. - disse Lucas levantando.
- bem que eu queria que fosse brother, mas acho que é algo bem pior do que uma simples brincadeira do Gustavo.
- que não seja ele, porque se for, eu mato aquele filho da puta.
- mata ninguém não cara. Agora dar uma apressada aí, que o primeiro horário já começou.
- acho que num vou assistir a aula não. Tô sem cabeça. - disse ele assim que chegamos ao refeitório.
- conteúdo de prova pô. Tu pode se prejudicar. - falei jogando a mochila em cima das mesas, e sentando.
- depois tu me passa a matéria. Não vou conseguir me concentrar, antes de descobrir quem são esses caras. - Lucas foi ao atendimento comprar uma garrafa de água mineral.
- se tu não for assistir aula, eu também não vou. Vou ficar aqui te fazendo companhia.
Lucas sorriu.
- vai la véi. Vai se prejudicar por minha causa?
- também não to muito afim de assisti aula. - lembrei do que o Victor havia me falado momentos antes.
- então o que nós vamos fazer? - disse ele sentando ao meu lado.
- ta afim de ir pra praia? - perguntei.
- agora? - disse ele estranhando.
- é... O que tem de melhor pra esfriar a cabeça?
Lucas sorriu.
- pode ser, mas tenho que passar em casa pra pegar uma sunga.
- frescura caralho, a gente cai de bermuda mesmo.
- mas aí eu vou ficar todo molhado.
- e o que tem? Troca de roupa quando chegar em casa, uai.
- e se os caras tiverem esperando a gente la fora?
- mano. - falei me aproximando dele. - vou te dar um conselho: Se tu ficar sempre lembrando disso, vai acabar neurótico como eu tava. Se esses caras quisessem matar algum de nós já teria feito.
Lucas ficou pensativo.
- de qualquer forma, eu vou pedir uma arma do meu pai.
- vai matar os caras?
- ao menos andar com ela dentro do carro. Nunca se sabe né!?
Concordei. Peguei minha mochila e fomos caminhando para o estacionamento. Próximo a saída, havia um aglomerado de pessoas, todas ao redor do banheiro feminino.
- o que ta pegando ali? - perguntou Lucas.
- será que alguma mina ta fazendo strip-tease? - ficamos observando de longe.
- se for eu quero ver. - disse ele indo na direção do banheiro.
Lucas parou ao ver o reitor acompanhado de seguranças e uma equipe da saúde.
- Será que eles também estão interessados em ver? - perguntei sério.
- será? - Lucas me fitou.
Os alunos abriram passagem e o reitor adentrou o banheiro. Em seguida, vi uma aluna ao prantos, tentando argumentar algo com o reitor. Chegamos mais próximo a modo de ouvir do que ela se queixava.
- essa não é a Luana? - perguntou Lucas.
- quem é Luana?
- essa garota que ta chorando. Não é a Luana la de dentro de sala? - ele perguntou.
- Nunca tinha visto ela não. - falei.
A moça chorava muito e não dava para entender o que ela pronunciava.
Beto me assustou chegando por trás.
- ai caralho. - falei dando um leve pulo.
Beto riu.
- cuidado com a Loura do banheiro. - disse ele.
- quem?
- a loura do banheiro. - repetiu.
- ta de gozação? Não acredito nessas lendas.
- a moça aí acabou de ver. - disse ele apontando pra garota.
- o que foi que ela viu?
- dizem que a loura do banheiro.
Beto sorria, e não dava pra saber se ele falava a verdade.
- to falando sério Beto.
- eu também brow.
- explica essa historia direito mano. - disse Lucas.
- essa menina aí ta dissendo que viu uma moça Loura dentro do banheiro.
Dessa vez Lucas que riu.
- e o que tem de estranho nisso? Aqui na faculdade tem muitas louras. - falei.
- mas essa tava com a cara enfaixada, toda ensanguentada e com uma criança no colo.
Lucas e eu nos olhamos. A cor do meu amigo mudou rapidamente.
- eles estão aqui dentro. - disse Lucas.
- eles quem? - perguntou Beto.
- os mesmos caras que perseguiram eu, o Lucas e agora essa garota.
- vocês não acham que isso seja uma brincadeira? - perguntou Beto.
- de mau gosto né mano? E ainda usar criança no meio disso? Ah, quero que esses caras se fodam.
- eu queria que eles viessem pra cima de mim.
- ui, ui, ui. Queria os caras em cima de tu é? Gosta de coisa bruta, Betão? - falei.
Lucas riu.
- Tem um que anda com um taco de beisebol. Tu queria esse né Beto? - Lucas completou.
- vão rindo vão. Mas não sou eu que estou sendo perseguido por um bando de loucos, ou...
- ou? - perguntei.
- ou então eles podem ser serial Killers. Estão se divertindo pra depois matar vocês cruelmente. - Beto falou sério.
O sorriso do Lucas, e o meu se desfez.
Beto gargalhou.
O reitor levou a universitária junto dele. A menina estava em estado de choque. Fomos o tempo todo acompanhando, ate chegar a reitoria, onde não podíamos entrar. Sentamos em um banco e ficamos aguardando por notícias.
- Gabriel, o treinador queria falar contigo. - disse Beto.
- sabe o que ele quer falar comigo? - perguntei.
- sei sim, mas eu prefiro que tu fique sabendo por ele.
- beleza. Vou no santuário dele.
Lucas estava paralisado olhando para a sala do reitor.
- hey mano. Acorda. - falei.
- oi. o que foi?
- eu vou conversar com o treinador, mas eu volto. Tu me espera?
- espero mano. Vou ficar aqui, e tentar tirar essa historia a limpo. - Lucas estava visivelmente nervoso.
- nossa praia melou né!?
- pois é. A gente combina pro final de semana.
- beleza.
Fui ate a sala do treinador com o Beto, enquanto Lucas continuou aguardando pela saída da garota. Depois daquele acontecimento, o campus ficou movimentado. Acho que poucos alunos ficaram dentro de sala.
Durante o caminho, Beto não me contou nada, só adiantou que eu iria receber uma ótima notícia.
- Tamos entrando treinador. - disse Beto abrindo a porta da sala.
O treinador estava ao celular, mas acenou com a mão para que entrássemos.
Sentei no sofá e fiquei aproveitando o ar. Aquela manhã estava um calor do diacho.
Beto sentou ao meu lado e deu uma leve massagem em minha coxa.
- ansioso? - disse ele.
- curioso. - sorri.
- você vai gostar do que o treinador vai te falar. Tenho certeza.
- to precisando mesmo de notícias boas. Ultimamente só to levando na cara.
Beto passou a mão por minha nuca.
O treinador encerrou a ligação, e sentamos nas cadeiras de frente pra ele.
- bom dia treinador.
- bom dia. - disse ele apertando em minha mão.
- ta aí o homem treinador. - disse Beto.
- O Beto disse que o senhor queria falar comigo.
- sim. Eu queria conversar um assunto com você.
- pode falar.
- Gabriel, vou direto ao ponto. Você joga muito bem, e isso não é segredo pra ninguém.
- obrigado treinador.
- tem que agradecer não. Tem que procurar evoluir cada vez mais, e manter os pés no chão.
- sim, sim. Eu procuro sempre fazer isso.
- e os frutos começaram a aparecer.
- como assim treinador? Não entendi.
- um olheiro viu teu desempenho no último amistoso e está interessado no teu futebol.
Eu soltei um sorriso de empolgação.
- isso é sério?
- seríssimo. - disse Beto. - e o melhor é que você não está só.
- tu também ta nessa Beto?
- com certeza. Só falta assinar com o clube. - disse ele.
- mas me explica isso treinador. Quem é esse olheiro? É time da cidade? Rola alguma graninha?
O treinador sorriu.
- calma rapaz. - disse ele. - Rola uma grana sim, não é algo muito grande, mas da pra atender suas necessidades básicas.
- isso é ótimo. Eu vou poder até largar meu emprego na loja.
- isso com certeza. Lá você não vai poder faltar treino não. - disse Beto.
- exato, e você terá que assinar um contrato, e seguir tudo a risca. - falou o treinador.
- eu entendo treinador, e eu tenho ate quando pra decidir sobre isso?
O Beto e o treinador se olharam.
- o clube queria que você assinasse o contrato ainda hoje. O Beto já assinou o dele.
Olhei para o Beto, e ele confirmou com a cabeça.
- hoje não da não treinador. Preciso resolver algumas coisas antes.
- eu posso tentar intermediar, mas não pode passar dessa semana.
- ta certo treinador, eu tento agilizar tudo o mais rápido possível.
- ok! Eu vou te entregar um cartão, e se você tiver dúvida, liga pra esse número aqui. - disse ele apontando para as letras do cartão.
- Cléber? - perguntei.
- isso.
- ele que é o olheiro?
- ele mesmo.
- beleza! qualquer coisa eu ligo pro Cléber então.
Despedi-me do treinador, e voltei com o Beto para onde havíamos deixado o Lucas.
- ué, cadê ele? - perguntei vendo o banco vazio.
- será que ele entrou pra falar com o reitor?
- ou então saiu perseguindo a menina em busca de informação.
O Beto riu.
- vou ligar pra ele, o Lucas ta tão louco que pode fazer besteira. - falei sacando o celular do bolso.
- eu vou chegar dentro de sala, ver se ta rolando alguma coisa importante.
- beleza! - falei sentando.
Completei a ligação, e Lucas atendeu de imediato.
****
- fala Biel.
- e aí Lucas. Cadê tu macho?
- to aqui no refeitório com o Kadu.
- fiquei preocupado. Achei que tu tivesse ido atras do reitor e daquela menina.
- atrás eu num fui não, mas já descobri o que aconteceu.
- então me diz.
- foi aquela historia que o Beto contou mesmo.
- da moça mascarada?
- isso.
- ah vei. Já deu! Isso ta parecendo filme do pânico pô. Coisa chata do caraleo.
- também acho, e o pior é que eles já sabem onde é minha casa.
- e o meu apartamento também. Você vai mesmo à delegacia com teu pai?
- vou sim cara.
- certo. Eu vou ir nessa, preciso resolver umas coisas.
- num vai esperar o Danilo não?
- não. O Danilo ta em semana de provas.
- ta de carro?
- não, não mano. Vou de bus.
- O kadu ta aqui dizendo que te leva, se tu quiser.
- o Kadu?
- é.
- precisa não pô. Agradece a ele, mas eu vou de ônibus mesmo.
- você que sabe.
- Me mantem informado cara, e se cuida.
- beleza. Você também mano. A noite a gente se fala.
- falou.
*****
Assim que desliguei o telefone, não levou muito tempo, e Kadu me ligou.
****
- oi Kadu.
- Gabo?
- eu!
- ta onde?
- na guarita.
- espera aí pô. Eu te levo.
- mas tu já ta indo pra casa?
- tô sim.
- então vou te esperar aqui na fonte.
- ta bom, já eu chego aí.
- beleza.
*****
Sentei ao lado da fonte no aguardo do Kadu. Enquanto esperava pelo meu amigo, fui abordado por alguns veteranos de arquitetura entregando uns panfletos. Pouco mais a frente um outro grupo fazia um pit stop divulgando um evento.
Li o panfleto que convidava para uma festa.
- arquitetura quebrando o salão? - falei em voz baixa.
O kadu estacionou o carro ao meu lado, coloquei o papel no bolso da calça, e entrei no veículo.
- e aí Gabo, ta indo pra onde? - disse ele dando partida.
- to indo lá em casa.
- vou ''praquelas'' bandas.
- então vai da canal.
- vai sim, mas agora me diz o que aconteceu ontem que tu sumiu?
- aconteceu um imprevisto mano. Um primo meu do interior chegou aqui na cidade, e eu tive que ajudar ele a achar a casa dos pais. - menti.
- uai. E o mané não sabe onde mora os pais?
- a casa antiga ele sabe onde fica, mas acontece que os pais dele se mudaram.
- e por que não passaram o endereço?
- até passaram, mas ele não conseguiu localizar, aí como ele sabia que eu já havia ido lá, pediu minha ajuda.
- entendo.
Não sei se Kadu acreditou na minha desculpa, mas ele não tocou mais no assunto.
- ta sabendo da festa da arquitetura? - disse ele com o pé na estrada.
- fiquei sabendo a pouco. - falei tirando o panfleto do bolso.
- já é esse final de semana né!? - disse ele.
- deixa eu ver aqui. - falei desamassando a folha.
- e aí?
- é esse final de semana mesmo. Lá no resort hotel.
- tu vai?
- acho que não mano.
- bora pô. É a festa do teu curso. Festa de boas vindas.
- festa de boas vindas depois de tanto tempo? - sorri.
- todo tempo é tempo pra festa. - Kadu sorriu.
Meu amigo estacionou o carro em frente ao apartamento dos meus pais.
- Kadu, posso te pedir mais um favor?
- fala.
- tu pode subir comigo, enquanto eu pego algumas roupas, e depois pode me deixar em outro lugar?
- claro.
- mas só se tu não tiver muito ocupado.
- tô não.
- porra. Vou ficar te devendo cara.
- que isso mano. Relaxa. - disse Kadu entrando comigo no prédio.
Cumprimentamos o porteiro, e entramos no elevador.
- tomara que meu pai não esteja em casa.
- por que tu ta falando assim?
Respirei fundo.
- não estamos nos falando mano.
- por que não cara? O que aconteceu?
- meu pai me flagrou vendo um site de relacionamento entre homens, e mostrou a verdadeira face dele.
- arri Biel. Que vacilada meu.
- pois é cara. Mas não tinha nada demais, nem sexo nem nudez não tinha. E de certa forma foi bom. Eu nunca imaginaria que meu velho fosse homofóbico.
- eu discordo de tu cara. Acho que teu pai não é homofóbico não. Para pra pensar um pouco, você é o único filho dele.
- e daí mano? Se ele ta evitando falar comigo porque sou gay, imagina com outros caras que não são nada dele.
Entramos no apartamento, e tava vazio. Nem meu pai, nem minha mãe.
- senta aí mano. Quer tomar ou comer alguma coisa?
- quero um copo com água.
- só é ir na cozinha velho. Tu já sabe onde fica. Sinta-se a vontade.
- pode deixar.
Entrei no meu quarto, e peguei apenas o suficiente de roupas. Joguei tudo dentro de uma mala, e saí do quarto. Kadu estava no sofá assistindo.
- já?
- uhum.
- então bora. - disse ele desligando a tv.
Olhei para a porta do quarto dos meus pais, e me bateu uma nostalgia. A gente cresce, chega o momento de fazer escolhas, e por mais que as coisas novas sejam boas, as antigas sempre fazem falta. Quando a gente é criança só pensa em crescer, ser independente, ter poder de decidir sobre a própria vida. Mas aí quando você cresce, e se depara com o mundo sóbrio da vida adulta, você sente saudade da infância - a melhor fase da vida.
- bora la Gabriel? - disse Kadu me despertando.
- hã? Bora, bora sim.
Quando abrimos a porta, eis que sou surpreendido por meu pai.
Ele me olhou e eu entendi seu olhar.
- benção pai. - falei.
Fiquei um tempo esperando pela resposta.
- eu vou te esperar no carro. - disse Kadu entendendo o momento delicado.
Apenas concordei com a cabeça.
- eu to saindo de casa pai. Tô levando só minhas roupas mesmo. Todo o resto é do senhor.
- que resto? - disse com a voz embargada.
- a cama, o roupeiro, computador, e tudo o que ta ficando lá dentro do quarto.
- deixa de besteira Gabriel. Aquilo tudo é seu.
- eu vou deixar com o senhor. Aí o senhor faz como achar melhor.
- e pra onde você vai?
- por enquanto eu vou ficar na casa de um amigo. Mas já penso em alugar um apartamento pra mim.
- tua mãe sabe dessa invenção?
Meu pai não me olhava nos olhos. Ele falava olhando para a parede cor de tabaco.
- não, mas eu venho falar com ela com calma.
Ele confirmou com a cabeça. Eu tinha esperança que ele tentasse impedir, ou tentasse conviver com o fato de eu não ser o filho que ele esperava, mas em nenhum momento ele se opôs a minha saída de casa.
- o senhor queria falar comigo algo sobre a pericia do acidente?
- sim. - disse ele seco.
- já saiu o resultado?
Ele confirmou com a cabeça.
- e aí pai? O que foi que deu? - falei ansioso.
Meu pai fez um suspense antes de falar.
- você ta limpo Gabriel.
- limpo? como assim limpo?
- não cometeu nenhum crime. Não vinha em alta velocidade, não ultrapassou sinal vermelho, não atropelou o pedestre em cima de faixa. O culpado foi o próprio velho que estava muito alcoolizado.
A primeira pessoa que veio em meu pensamento foi o Junior. Os problemas de saúde da mãe, a perda do pai. Eu não conseguia me alegrar com aquilo, era estranho, mas era a realidade.
- mas tem um problema pai.
- que problema Gabriel?
- eu estava falando ao celular na hora do acidente.
- mas você não precisa falar isso pra ninguém.
- mas eu não consigo conviver com isso pai.
- pois precisa aprender. Tem que ser mais racional, ou você acha que crime de transito, paga-se com serviço comunitário?
Olhei para o meu pai sem reação alguma. Minha cabeça pesava.
- eu vou ter que ir pai.
- tudo bem. - disse ele.
- pai. - falei antes que ele fechasse a porta na minha cara.
- diga. - ele me olhou sério.
- eu te amo muito pai. Muito mesmo. Se um dia o senhor precisar de algo que eu puder ajudar, ficarei muito feliz.
- eu também te amo Gabriel. Desejo que de tudo de certo na sua vida.
- posso abraçar o senhor?
Meu pai ficou calado. Olhou-me de cima embaixo, e tentou falar algo, mas sua voz não saiu. Atrevi-me a abraça-lo mesmo sem o seu consentimento. Apertei aquele corpo com o máximo de força. Soltei dos braços do meu pai, e virei as costas, secando as lágrimas.
- Gabriel? - chamou meu pai.
- senhor pai? - falei já próximo ao elevador.
- como você ta de grana?
- to me virando pai.
- tome aqui. - disse ele tirando a carteira do bolso da calça social.
- quero seu dinheiro não pai. Eu não vou precisar. Gaste com a mamãe. Leva ela pra jantar, de-lhe um presente: Perfume, flores. Agrade-a pai. Eu já to bem encaminhado na vida.
Virei as costas novamente ao meu pai, e entrei no elevador sem olhar para trás.
- pra onde mano? - disse Kadu, assim que entrei em seu carro.
- tu pode me deixar lá no hospital do câncer?
- posso. Tem algum conhecido lá?
- tenho sim mano. - limitei-me a dizer isto.
Kadu me deixou no hospital, e depois foi pra sua casa. Fui ate a recepção, mas não consegui noticias da mãe do Junior. Resolvi ligar em seu celular, e descobri que Junior estava no hospital.
****
- To aqui na frente. - falei.
- To indo aí. - disse ele.
****
Sentei em uma das cadeiras, coloquei minha mala ao lado, e fiquei aguardando o Junior chegar. De longe vi o cara se aproximando. Rosto abatido, sua pele estava pálida. Olhar fundo, talvez de tanto sofrimento.
- Junior. - falei estendendo minha mão para cumprimentá-lo.
- Gabriel! Veio ver minha mãe? - perguntou.
- posso?
- ela não ta podendo receber visitas. Ta na emergência. - sua voz era fraca. Seus olhos vermelhos e marejados.
- ela piorou?
- a cada dia.
- eu sinto muito cara. Eu queria tanto poder fazer alguma coisa.
- ninguém pode. Essa doença ta matando minha mãe pouco a pouco. Queria tanto poder tirar a dor dela pra mim.
- eu não entendo os planos de Deus, Junior. Mas entrega nas mãos dele, e confia que ela faça o melhor.
- faço isso todo dia Gabriel. Já não tenho mais nem forças. Todo dia eu peço cara, mas só vejo ela regredindo ao invés de apresentar melhora.
Eu sentia a dor que o Junior sentia.
- Junior, eu sei que tu ta passando por um momento difícil, mas eu queria conversar contigo. Tu acha que da?
- pode falar.
- aqui não. Tu já comeu alguma coisa?
Ele negou com a cabeça.
- vamos lá fora então, a gente conversa e pede alguma coisa pra comer.
- eu to sem grana.
- eu pago.
Junior me fitou.
- bora lá cara, deixa de orgulho.
- beleza. - disse ele.
Peguei minha mala e saímos do hospital.
- ta indo viajar? - perguntou Junior.
- Nada. Tô só indo passar um tempo fora mesmo.
- fora da cidade?
- não! Tô saindo de casa, mas vou continuar aqui na cidade.
No ambiente de fora do hospital, tinham vários restaurantes populares.
Entramos no primeiro, saindo do hospital.
- quer comer o que mano? - perguntei.
- queria comer uma carne assada com baião. - disse ele.
- aí sim hen!? Churrasco com baião é tudo de bom.
- também vai pedir?
- não cara, to sem fome.
- vai me deixar comer sozinho?
- hoje sim. Eu queria mesmo era conversar contigo sobre um assunto que ta me sufocando.
- então solta.
Pensei bastante em quais palavras usar.
- sabe sobre o acidente envolvendo eu e teu pai?
- o que tem? - Junior me olhava compenetrado.
- saiu o resultado da pericia. Meu pai me falou agora pouco.
- e o que foi que deu?
- deu que sou inocente.
Junior mudou o olhar.
- bom pra você né!?
- eu preferia que tu tivesse com teu pai.
- mas não to, infelizmente não to.
- eu me sinto culpado.
- não precisa se sentir culpado. Você não disse que a perícia deu que você era inocente?
- falei, mas eu não me sinto assim. Eu acho que poderia ter evitado.
- por que fala assim Gabriel?
- eu tava ao telefone Junior. Eu fui imprudente.
- eu sei. E você foi sim imprudente, mas eu não consigo sentir raiva de você. Já senti muita Gabriel. Mas isso não vai trazer meu pai de volta. Não vou perder o pouco tempo que tenho pra passar ao lado da minha mãe, guardando mágoas.
- então você me perdoa mesmo?
- perdoo, perdoo sim.
- eu queria poder fazer alguma coisa pela tua mãe.
- só ora por ela.
- isso eu já faço, mas queria fazer mais. Já disse pra você ligar quando precisar de algo. Você nem liga pô.
- pode deixar que eu ligo, mas por enquanto eu não preciso de nada não. Somente que minha mãe fique boa.
Quando o Junior falava da mãe, sua voz travava.
Despedi-me do Junior assim que ele terminou sua refeição, e fui para o apartamento do Fernando. Este me fez colocar uma roupa esportiva pois iriamos ter uma tarde repleta de exercícios.
- e pra onde a gente vai mesmo cara? - perguntei dentro do carro.
- calma curioso. Você vai já saber. - disse ele sorrindo. - ligou pro teu trabalho e comunicou que iria faltar?
- mandei uma mensagem pro Rômulo.
O Fernando estacionou o carro em um local que eu jamais fora antes. Desci do veículo, e fui logo questionando que lugar era aquele.
- você não queria trazer teus amigos para jogar tênis? Então? Aqui estamos.
- e cade eles? - perguntei surpreso.
- estão la dentro nos aguardando.
- tu ta falando sério Fernando?
- sim Gabriel. Você acha que eu só quero te explorar sexualmente, mas eu já te dei prova suficiente que eu quero muito mais que isso. Eu gosto de você de verdade. Pena você não querer ver.
Continua...
Pessoal, mais uma vez desculpem pela demora. O próximo já sera o ultimo episodia dessa final.
Abraços a todos!