Conforme prometi, aqui estou eu sem demorar como das outras vezes. Agradeço pelos comentários e por estarem acompanhando minha complicada história de amor com o Barão.
Existem coisas que a gente espera tanto e para as quais não estamos preparados quando elas finalmente acontecem. O beijo que dei no Oliver foi exatamente assim. Corri o máximo que pude depois do meu súbito ataque de coragem e parei em um posto de gasolina. Fui ao banheiro e me olhei no espelho. Estava suado e com os cabelos desalinhados. Lavei o rosto e percebi que ainda estava com o gosto do beijo do Barão na minha boca. O homem pelo qual eu estava apaixonado finalmente soube o que eu realmente sentia, mas, a julgar pela minha corrida, é óbvio que eu não fiz da forma mais correta.
Eu acabei com a nossa amizade. Deixei claro pra ele que o desejo, mas certamente o máximo que conseguirei com isso é fazer com que ele se afaste de mim. Caralho! Quando dei por mim, estava chorando. Chorei bastante e só parei quando um cara que nunca vi na vida entrou no banheiro. Limpei rapidamente as lágrimas e saí sob os olhos curiosos do homem. Caminhei em direção à rodovia e só então percebi a merda que tinha feito, pois além de tudo o que já tinha perdido do Barão, perdi também uma forma de voltar pra casa. Só me restava andar e, se tivesse sorte, encontraria uma carona.
Não sei exatamente quanto tempo andei, mas já estava exausto e não tinha chegado nem à metade do caminho. Foi quando um caminhão parou ao meu lado e eu, meio assustado e meio aliviado com a possibilidade de ter arrumado uma carona pra casa, olhei para o rosto do cara que estava dirigindo assim que ele acendeu a luz da cabine. Reconheci de imediato. Era o cara que tinha me visto chorando no banheiro do posto.
– Sobe aí, cara – falou ele, assim que o confirmei que estávamos indo pelo mesmo caminho – Eu levo você até a entrada da cidade.
Meio apreensivo subi e ele logo percebeu o meu receio.
– Precisa ter medo não, garoto. Eu não mordo, não. Até mordo, mas só mulher e de leve.
Sorri e vi ali uma oportunidade pra apreciar aquele encontro casual. Conversamos sobre um monte de coisa e até rimos de algumas piadas que ele sabia contar muito bem, diga-se de passagem. O nome dele é Ildo, ele tem 40 anos, é pernambucano e ganha a vida rodando o Brasil transportando cargas pra diversas empresas. É um cara rústico, mas ao mesmo tempo engraçado e descontraído. Um coroa até bonito de rosto, meio baixinho, barbudo, com uma barriguinha de cerveja que definitivamente não faz o meu tipo, mesmo se ele curtisse.
– Posso te perguntar uma coisa?
– Claro. Depois dessa carona que praticamente salvou a minha vida, você pode perguntar o que quiser.
– Obviamente, só responda o que quiser. Se quiser mentir, também fique à vontade, pois eu não te conheço e nem vou ter como averiguar se foi verdade ou não – ele sorriu e continuou – O que aconteceu pra você ter decidido se aventurar por essas estradas à noite? Sem falar naquela crise de choro compulsiva que você estava tendo no banheiro do posto, capaz de deixar até um desconhecido como eu preocupado com você.
– Cara, é uma história bem complicada.
– Sintetize o máximo que você puder.
– Digamos que eu fiz o que eu queria fazer há muito tempo e as coisas não saíram exatamente como eu imaginava e acabei sem carona pra voltar pra casa.
– Tem mulher na jogada, não tem? – pergunta ele, atento a minha história e à estrada.
Pensei: “Eu nunca mais vou ver aquele cara na vida, vou rasgar o verbo nessa porra!”
– Cara, por favor, não me interprete mal nem me julgue, mas acho que já menti tanto nessa vida e não vou fazer o mesmo com você. A verdade é que eu finalmente demonstrei pra quem eu estou apaixonado o que eu realmente sinto, mas acho que ele não me entendeu muito bem.
– Ele? – pergunta o Ildo com cara de “eu ouvi isso mesmo?”
– É, cara – falei, contando-lhe toda a história desde o início, e ele, ouviu-a atentamente. Em momento nenhum ele pareceu me julgar ou pelo menos foi educado o suficiente para não mostrar que estava horrorizado com o meu relato. Entretanto, assim que eu terminei, ele parou o caminhão. Mais um que não suporta gays...
– Eu sei que você não deve estar acostumado com esse tipo de coisa, então eu vou descer. Mesmo assim...
– Ficou maluco? – pergunta ele, sorrindo – Não parei pra te expulsar daqui, não. Parei porque já chegamos à sua cidade.
Olhei pelo para-brisa e realmente estávamos na entrada da cidade e dali chegaria à pé a minha casa em menos de 20 minutos. Sorri meio sem graça e falei:
– Desculpa por ter pensado...
– Sem problema, rapaz. Minha cara deve passar essa impressão mesmo. Estou acostumado. Meu filho, quando resolveu me contar, já tinha feito as malas pra sair de casa, achando que eu o colocaria pra fora de casa.
Aquela novidade realmente me surpreendeu.
– Você tem um filho gay?
– Tenho e morro de orgulho dele. Um rapaz inteligente, esforçado, honesto, passou em segundo lugar no vestibular de medicina da Federal de Pernambuco. Tem como deixar de gostar de alguém assim simplesmente por descobrir que ele não tem uma sexualidade convencional?
Dei um sorriso tímido em sinal de aprovação pelo modo de pensar dele.
– Sabia que você é um cara excepcional, não sabe? – falei.
– Sou nada – responde ele – As outras pessoas é que são intolerantes. Eu jamais me perdoaria como pai se eu tivesse descoberto isso por outra pessoa. Mas não. Meu filho preferiu me contar, porque ele confia em mim e isso é incrivelmente satisfatório pra qualquer pai, mesmo achando que eu o mandaria embora.
– Sorte do seu filho ter você como pai.
– Sorte minha também ter um cara como ele como filho. E acredite, rapaz: eu também teria muito orgulho de você se você fosse meu filho também, mesmo te conhecendo pouquíssimo. Vá por mim: corra atrás da sua felicidade. Viva a sua vida sem medo do que os outros vão achar. E seja verdadeiro com ele como você fio comigo, pois ele é o mais interessado nessa história toda, seja pra ficar com ou você ou se afastar. Se você acha que esse tal de Barão vale a pena, vá em frente. Se permita acertar e errar, como se permitiria com uma mulher se você fosse hétero. Mas apenas se ele valer a pena. Procure saber mais sobre ele, conheça-o melhor, para que depois você não se decepcione. Vou gostar muito de cruzar com você em outro momento da vida e constatar que você fez tudo o que o seu coração mandou. Agora me deixa seguir meu caminho que eu já estou atrasado.
Desci da cabine e ainda lhe falei:
– Muito obrigado, Ildo. Pela carona, pela compreensão e pelos conselhos. Não sei nem como te agradecer.
Ele dá partida no caminhão, olha pela janela e fala:
– Agradeça-me sendo feliz como você merece ser!
Acenei pra ele e ele buzinou de volta. Incrível como, mesmo em meio às tempestades, sempre dá pra encontrar um abrigo, um porto seguro. E o Ildo foi o meu. Cara inteligente, com cara de machão, mas surpreendente. Super compreensivo e carinhoso. A julgar pelo pai intolerante e preconceituoso que eu tenho, poderia prever que as coisas não seriam tão fáceis como eu gostaria que fossem, quando esse momento finalmente chegasse. Mas isso é uma coisa mais pra frente. Por hora, eu preciso apenas chegar em casa, tomar um banho e me preparar para quando o Oliver viesse atrás de mim tirar satisfações pelo beijo que lhe dei.
Passei dias fugindo dele. Não atendia seus telefonemas e saía de casa o mínimo possível e andava prestando atenção a todas as Amaroks e a todos os chapéus pretos eu via na rua. Medo da porra. Ele não apareceu mais na minha casa, mas vi o Ney comentando com a Isaura que ele estava na pelada normalmente, quando esta lhe perguntou se ele o tinha visto recentemente. Eu chorava escondido constantemente. Sentia falta dele, da sua companhia, da sua amizade, até das piadas que ele fazia. Eu sabia muito pouco sobre ele, como o Ildo me alertou, mas já estava próximo dele o suficiente para me culpar por agora estar distante.
A Jaqueline nunca ficou sabendo que eu fui à festa nem muito menos que eu bebi horrores lá. Melhor assim. Sem conhecimento não há cobrança. E, apesar de tudo, é melhor manter-me apegado a ela. Não sei, mas acho que ela era uma espécie de tábua de salvação pra mim. No fundo, eu tinha a esperança de que um dia eu acordaria e descobriria que a amava de verdade. Mas a realidade era mais complicada do que essas minhas ilusões momentâneas. E, quase uma semana depois do acontecido, quando eu já estava quase enlouquecendo por estar longe dele e por ter acabado com nossa amizade daquela forma, eu estava voltando tarde de um jantar na casa da Jaqueline após o culto, quando reconheci de imediato a Amarok estacionada na esquina da minha casa. Caralho! Eu sabia que não poderia fugir pra sempre, mas estava disposto a adiar o máximo que pudesse. Só que dessa vez não deu tempo de desviar o caminho e seguir pela rua de trás. Quando me virei para fazê-lo, dei de cara com ele.
– Fugindo de mim, Beto? – pergunta ele, fazendo meu coração disparar.
– N-não... – gaguejei bonito. Aqueles olhos azuis me encaravam da forma mais intimidadora possível. Se eu antes achava que ele poderia estar com raiva pelo que fiz, agora tenho total certeza – S-só quero ir pr-pra casa...
– Está com medo de mim? – pergunta ele, aproximando-se de mim, fazendo-me recuar.
– N-não, Barão...
– Que bom – diz ele, segurando meu braço – Porque agora vamos dar um passeio, só eu e você.
Ele ajeitou o chapéu e naturalmente afastou de leve a jaqueta propositalmente para que eu percebesse que ele estava armado. Mesmo estando meio escuro, pude perfeitamente ver a pistola 9mm prateada presa pelo interior de sua calça e seu olhar ameaçador de quem estava furioso e prestes a fazer uma besteira.
Definitivamente, estou fodido.
CONTINUA...