Ao chegar à casa dos meus pais, logo percebi que tudo estava aparentemente na pura normalidade. Nenhum olhar torto de ninguém para ninguém, nenhum comentário a respeito de algo a ser descoberto... enfim, todos estavam evitando o problema da semana.
Quando fiquei sozinho com o Matheus, ele me disse que o pai estava apertando ele para dizer mais coisas, além de que ele não parava de fazer perguntas. Obviamente ele sabia que algo não estava certo.
Naquele sábado, na hora do almoço, todos ficaram em silêncio. Na hora de lavar a louça, como de costume minha mãe lavava e meu pai secava. Eu e meu irmão permanecemos sentados à mesa na sala de jantar. Ninguém dizia nada, parecia até clima de velório. Quando os dois terminaram na cozinha, sentaram-se conosco a mesa novamente.
_Muito bem, quem é que vai falar primeiro? – indagou meu pai – Sua mãe e eu sabemos que os dois estão escondendo algo.
Isso me pegou desprevenido. Eu esperava ter a oportunidade de conversar com o Matheus sobre o que nós iríamos revelar ou não.
Ele me olhou assustado, sem disfarçar o nervosismo.
_Como assim, pai? – essa minha pergunta idiota certamente só piorava as coisas – Hã, algum problema?
_Hhahahahahahaahahah – meu pai caiu na gargalhada- Rafael, você e seu irmão já foram melhores atores. Nem conseguem disfarçar! Vamos, agora vão falando. Imediatamente.
Ninguém abriu a boca. Então, foi a vez da minha mãe se pronunciar.
_Meninos, não fiquem com medo de dizer o que há de ser dito. Seja o que for, não pode ser algo tão grave que mereça uma punição severa de nossa parte. Nós sabemos, desde aquele dia, que alguma coisa está errada. Uma parte da história está faltando ou está mal contada.
_.....
_Nossa! Vocês ouviram o que eu disse?! É só dizer... vamos!
O Matheus me encarou, e então começou.
_Mãe, eu fugi da casa do Rafael. Não dei satisfação a ele nem ao Murilo. Fuji porque ele pediu pra mim vir embora porque eles iriam fazer uma viagem da faculdade e não queriam que eu ficasse sozinho.
Meu pai se endireitou na cadeira.
_Agora as coisas estão ficando interessante.
Minha mãe perdeu a paciência.
_Você tá ficando maluco? Seu irresponsável! Olha pra você, sua faze de fazer arte já passou! Fugiu e foi pra onde? Encontrar com uma menina? O que você fez?
_Mãe eu... eu não queria desapontar vocês, mas eu acabei tomando escolhas erradas, eu nem sei porque fiz isso.
Meu pai olhou pra mim.
_Se você percebeu que ele não estava em casa, porque mentiu dizendo que ele tinha embarcado no ônibus? Eu esperava uma coisa dessas do seu irmão, mas não de você!
_Hã.... – aquele momento em que você percebe que mentir não leva a lugar nenhum, já que só causa mais problemas – eu tentei achar ele sozinho. Não queria preocupar vocês.
_Ah, e olha só a situação atual! Eu e sua mãe dando lição de moral em dois homens, que já deveriam saber o que é certo e errado. Dessa forma você quer morar fora Matheus?! E você Rafael?! Desceu um pouco no meu conceito. Irresponsáveis, desobedientes e mentirosos. Vocês não foram criados para serem isso! Eu exijo explicações!!
Havia muito tempo que o meu pai não se exaltava daquele modo. Imagina se ele descobrisse toda a verdade?!
Como nenhum de nós dois não abriu a boca, meus pais continuaram a dar sermões. Às vezes eu olhava pro Matheus e ele me olhava. Percebi que ele estava com um olhar de culpa. Foi sem querer, mas no processo da nova mentira ele acabou complicando ainda mais a situação, principalmente para mim. Sobrou até pro Murilo que não estava lá pra se defender. Segundo meus pais, o Murilo deveria ter contado a eles toda a verdade pelas minhas costas. Mal sabem eles que Murilo foi o primeiro a saber de TODA a verdade...
Depois de longos minutos, fomos dispensados da conversa. Porém, as coisas ainda não haviam acabado por ali. Meu pai já tinha adiantado que iria conversar comigo a sós. Isso me deixou ainda mais com medo.
Ao anoitecer, durante o jantar ninguém abriu a boca. O climão voltou, e com isso ficar lá estava sendo um martírio. Depois do jantar, quase no horário de dormir, me sentei à beira da piscina. Fiquei um tempo lá sozinho, até que me bateu uma vontade de jogar tudo pro ar. Deixei meu celular em uma cadeira e me joguei na água com roupa e tudo. Fiquei submerso um tempo, enquanto meu corpo se acostumava com a água fria. Era tão bom ficar lá, “protegido” de tudo e de todos.
Quando fui buscar respiração, dei de cara com o Matheus me encarando.
_Oi.
_Hey.
_Essa água não tá meio fria?!
_Um monte. Entra!
_Nem. Trouxe uma toalha pra você – disse ele apontando para uma toalha junto ao meu celular – a propósito, queria pedir desculpa. Eu quis concertar um pouco as coisas e acabei provocando o inverso.
_De boa – disse eu saindo da água e indo buscar a toalha na cadeira – nós não tivemos tempo pra conversar sobre o que nós iríamos falar. Então essa mentira horrível era esperada.
_Você acha que eles acreditaram na mentira de hoje?
_Não sei. Só o tempo irá dizer. Mas não há motivos para alívio. O “problema” ainda existe, e tem que ser solucionado.
_Eu sei. Mas eu quero contar pra eles, mas a língua trava. Não consigo. Não ainda.
_Vou tomar um banho, vamos lá pro meu quarto.
Enquanto eu tomava banho, meu irmão ficou fuçando meu celular. Ao sair do banheiro ele me mostrou uma foto minha e do Murilo, na qual estávamos abraçados perto de um lago.
_Já imaginou se o pai e mãe encontram uma foto desse tipo no meu celular?
_Hã, mas pra tirar uma foto assim você precisa arrumar alguém bacana primeiro.
_Eu sei.
_Olha, precisamos conversar direito sobre tudo isso.
Me deitei na cama junto a ele.
_Pode começar.
_Eu já te disse quase tudo. Eu acabei descobrindo que eu também curtia olhar pros caras também. Depois acabei conhecendo o Victor, então pelo facebook acabamos nos conhecendo melhor. Ele deu a entender que estava na mesma fase que eu, “descobrindo” coisas. Rolou um papo mais aberto, e depois acabamos nos falando quase diariamente, seja pela internet, whatsapp ou sms. Algumas vezes ele até me ligou ou eu liguei pra ele. Então quando surgiu a oportunidade de mim ir pra lá, eu fui. Fui com medo, mas ele foi muito bacana comigo. No dia que eu fui pra casa dele, nos beijamos pela primeira vez. Foi no quarto dele. Eu curti pra caramba. Mas depois me bateu um sentimento de culpa, de nojo. Lembrei sobre o que você passou, quanto foi difícil superar o medo em revelar aos outros sobre isso. Mas depois, naquela noite, você e o Murilo estavam um pouco loucos, e o Victor permaneceu são. Foi consensual, acabou rolando sexo. Eu me lembro que depois de tudo o que fizemos, eu pensei em vestir as roupas, mas acabei curtindo o momento mais um pouco, se é que me entende, e acabamos dormindo. Depois o Murilo me contou que no meio da noite ele entrou no quarto pra pegar uma blusa que estava no armário daquele quarto, e viu o que havia acontecido ali. Ele me disse que ficou tão assustado que quase gritou quando viu que estávamos pelados. Ele disse que quis mandar nós dois nos levantar, vestir roupas e tal, mas acabou ficando com vergonha. No outro dia, ele não conseguiu evitar que você entrasse no quarto, e o resto tú já sabe.
_Bom. Eu sei que é foda, mas você tinha que ter me contado. Eu fiquei assustado, revoltado, não conseguia entender. Você é meu irmão, ele é meu melhor amigo! Vocês fizeram tudo isso pelas minhas costas, e agora olha a confusão. Imagina se eles descobrem que você transou com um amigo meu, 7 anos mais velho, na minha casa, comigo no cômodo ao lado. Eles não vão matar só você, a mim também. Matheus, é uma fase difícil, mas passa. Nada é eterno, e por isso você vai ter que contar um dia sobre essa sua descoberta. Mesmo assim, acho que a parte do Victor deve ser omitida para sempre. O choque já vai ser grande, e saber desse detalhe só iria piorar as coisas.
_Eu sei. Mas ele é um cara legal, e afinal, é seu amigo e... espera, porque você não queria que eu encontrasse com ele? O que aconteceu?
_Isso é um pouco complicado. Mas você tem que saber. Descobri que ele usou drogas a alguns dias atrás, e que acabou se endividando com os caras que venderam a ele. Ele teve que vender a moto, e ainda assim não conseguir pagar tudo. Agora está ajudando eles fazendo cobranças a alguns viciados lá da universidade.
_Isso é horrível.
_Eu sei. Não sei o que vou fazer pra ajudar aquele idiota.
_Mas ele ainda é um cara legal.
_Eu sei. Eu também tô sofrendo com isso. Eu disse a ele pra ficar longe, já que ele não teve coragem de me contar sobre isso, e isso inclui você. Espero que ele esteja mantendo o acordo.
Percebi que ele olhou para baixo. Previsível!
_Ah não!! Vocês estão se falando?!
_Sim.
_Filho da mãe.
_Ele me contou tudo.
_Tudo o que?
_Tudo, tudo. Sobre o beco, sobre a briga que teve com você, sobre a tal Ana pegando no pé de todo mundo, sobre a moto, sobre a dívida, sobre tudo!
Me bateu uma raiva naquele momento. O Victor contou tudo ao meu irmão mas não a mim!
_E porque você não me disse isso antes?! Ele te contou antes ou depois de vocês.... você sabe?!
_Depois. Um dia após eu voltar pra casa ele me ligou.
_E o que mais você está me escondendo?
_Nada.
_Eu sei que tem mais!!
_Aff, tá! Ele quer vir aqui conversar comigo.
_Ahhh isso já é demais!
_Pô Rafael! Não precisa ficar em cima não! Ele só vai vir aqui conversar comigo. Ele quer me explicar tudo, nada mais.
_Eu não acredito. Me diga uma coisa, ele não te ofereceu nada, né?!
_Você está soando ridículo agora! Ele é seu amigo, errou uma vez, e agora você vai achar que ele é um marginal? Porra, larga de ser ridículo.
_Eu sei, mas essa ideia me perturbou. Mesmo assim, não quero que ele venha aqui. Não antes de eu conversar com ele.
_O que você vai fazer?
_Isso é segredo meu.
_Por favor, não faça nenhuma besteira.
_Eu sei o que vou fazer. Relaxa.
Conversamos por duas horas, e depois acabamos dormindo. Durante a conversa tentei tirar todas as suas dúvidas sobre relacionamentos homoafetivos, além de esclarecer mais algumas dúvidas que ele possuía. Ele era bem curioso, fez até algumas perguntas que me deixou com vergonha. Acredito eu que após aquela conversa, as principais dúvidas foram sanadas.
No outro dia, meus pais ainda estavam silenciosos, e após o almoço, meu pai me tirou de casa para conversar.
Pessoal, qualquer coisa,
Até a próxima!