-Fico com você na sala então.
-Não Anna. Vai ver o jogo com suas amigas - não podia permitir que ela ficasse.
Sento-me no chão da sala imaginando que desencorajaria sua permanência comigo. Noto estar errada quando ela senta logo ao meu lado.
-Não é perto delas que quero ficar - responde ela em um quase sussurro.
Sua resposta me deixa anestesiada. Olho pela janela e penso em algo para responder. Vejo o tempo de chuva se formando no horizonte.
-Não sei de onde vem essa sua insistência de falar comigo, não sei nem manter um dialogo.
Fazia 2 anos que eu mal conversava. Calada durante o ensino, pedidos mudos no refeitório, manhãs ignorando qualquer tentativa de conversação originado da Flávia. Houve tardes em que dizia em voz alta, sozinha, nomes de objetos que me rodeavam, ou até mesmo repetia as palavras de meus incontáveis livros só para ter a garantia que não havia desaprendido a falar.
E aqui estou eu, me comunicando com ela.
- Eu só.. - vejo-a corar - só..
- Vai chover - mudo de assunto assustada com a possibilidade de seu rosto ficar mais vermelho que seus cabelos.
-Provavelmente - ela ri.
-Qual sua cor preferida? - faço a primeira pergunta que me vem a cabeça.
Ela ri ainda mais.
-Agora vejo o quão serio é seu problema em dialogar - responde entre risos.
-Eu te avisei.
-É azul, mas um azul mar. E a sua Julia? - ela faz a pergunta com uma voz suave. Uma voz que me deixa leve.
-Vermelho.
-Essa é sua resposta? "Vermelho"?
-Nossa, eu respondo e ela ainda exige. Se quisesse mais deveria pedir um "Justifique sua resposta"
Ela começa a gargalhar e eu solto um sorriso, olhando-a. Quando, ainda rindo, olha pra mim sua expressão transforma-se incredulidade.
-Que houve? - pergunto assustada
-Julia, é o primeiro sorriso seu que vejo - ela responde - Ele é lindo. - ela completa em voz baixa.
Perto dela me sinto mais leve e solta. Seu jeito, seu sorriso seu olhar. É uma combinação mortal. Com ela eu me permito viver. Mas eu não posso, foi culpa minha.
Levanto e saio correndo pelos corredores, Anna corre atrás de mim chamando-me. Ignoro e corro até a quadra para despista-la. Ouço o narrar da partida e lágrimas vem aos meus olhos junto com as lembranças. A multidão de alunos me engole. Cruzo-a toda, volto então por outro caminho até os banheiro feminino que localiza-se logo ao lado da sala.
Entro em um reservado e choro em silêncio.