Papai e mamãe me criaram na roça, fizeram o melhor que puderam para mim com a condição financeira que tinham. Terminei o segundo grau, não tinha emprego para mim ali, tive que vir para a cidade.
Foi comovente a despedida no ponto de ônibus, meus pais e os quatro irmãos me abraçando, chorando e me desejando o melhor. A única filha mulher, a caçula de 18 anos indo para "cidade grande" tentar a sorte longe deles. Eleso queriam um futuro melhor para mim, um futuro que não calejassem minhas mãos no cabo da enxada.
Até então eu não entendia por quê eu não me interessava pelos garotos, apesar deles tentarem me seduzir constantemente. Pessoa da roça vai mais de vagar nos relacionamentos, por isso dei meu primeiro beijo aos 16 anos em uma festa junina. Meu par na dança da escola me deu um quentão com álcool (ele pôs o pinga que trouxe de casa escondido na bolsa), eu desacostumada a beber fiquei um pouco alegrinha. Ele usou a oportunidade para me beijar, mas eu senti nojo, o parei e voltei para junto de minha família.
Se meus pais desconfiasse do que houve, meu amigo teria perdido a língua que pôs na minha boca. (eca, da nojo só de lembrar)
Então, não sentia o menor interesse por homens, ao contrário acontecia quando uma mulher bonita passava por mim. Olhava, analisava o corpo, fazia igual meus irmãos. Um dia no mercado meu irmão me repreendeu:
- Franciele você tava oiando paquela muié com deseju?
(desculpa a escrita errada, ele falava errado assim)
- Não! - Atuei.
- Axu bão. Muié foi feita pa noizi homi e o contrário. Irmã minha não fica de safadage por aí, rhum.
Vê se pode gente?! O primeiro preconceito da minha homossexualidade, veio de alguém de casa, de alguém de seu próprio sangue, imagina se alguém de fora da família vai entender.
Hoje eu penso assim: a vida é minha somente eu sei o que é melhor para mim e não interessa à ninguém se eu amo mulheres. Naquela época, tinha medo de tudo, principalmente de minja família. Atualmente poucas pessoas tem opiniões importantes em minha vida.
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Voltando à viagem....
Mais de uma hora de viagem por estrada de terra com pedra, enfim saímos da área rural.
Na segunda rodoviária da cidade entra ela, Daiana. Linda, estilo roqueira, vestida toda de preto, calça rasgada, camisa de uma banda chamada Metálica, fones de ouvido, boné meio de lado na cabeça, cabelos pretos grandes com mechas coloridas, óculos escuros, tênis All Star preto e uma mochila nas costas.
Sentou do meu lado, cantando alto, mascando chiclete de boca aberta, dançando desengonçada.
Ri olhando-a.
- Qual é? Tá vendo alguma palhaça?
Me empurrou no peito, tirando os fones do ouvido e o óculos.
- Desculpa.
Percebi, ela ia continuar puxando briga, mas depois de me olhar dos pés à cabeça, ficou um tempo abobada, por fim me estendendo a mão.
- Diana. Qual seu nome?
- Franciele. - Apertei a mão dela.
- Bonito nome, assim como a dona. Na moral gata, não sai rindo assim das pessoas que você vai acabar parando no hospital, de tanta porrada que leva, vlw?
- Obrigada por avisar. Eu não sou daqui.
- De onde você é?
Disse à ela, dali em diante o papo fluiu sem problemas.