Aqui é o autor. Primeiramente, quero agradecer a todos os que leram o primeiro capítulo (ou aula, rs). Vocês não sabem o quanto seus comentários e votos são incentivadores. Espero não decepcioná-los e com certeza estou aberto a críticas.
Quanto ao comentário do Apaixonado por Literatura, eu sempre costumo colocar esse tipo de personalidade em meus personagens. Acho que é uma forma de injetar um pouco de mim nas histórias.
Espero que gostem do capítulo. Boa leitura!
***
NEGATIVO E NEGATIVO
Incrível como a vida imita a física. Pessoas são como cargas elétricas, tendo cada uma sua natureza, seu tipo de interação. Algumas se repelem, outras se atraem. Esse processo depende da proximidade, do tipo da pessoa, da condição que o meio impõe. A força invisível que une todos depende de tudo isso junto. Essa regra também dita (de forma mais "popular") que os opostos se atraem. Mas afinal, isso é verdade?
Não descobri a resposta até hoje, mas se eu fosse uma carga, estaria sem energia, nunca imaginara que dar aulas fosse cansativo. Saí da sala do terceiro ano C. A aula correu bem, assim como nas duas anteriores. Em todos os casos, os alunos ficaram igualmente espantados. Apesar disso, eles respeitaram a aula e ouviram atentamente, afinal, eles eram alunos de um dos mais caros e melhores colégios da cidade.
O colégio se chamava Ômega e era bem recente em Goiânia, ganhando fama quase que instantaneamente ao inaugurar com uma equipe de professores que tinham os nomes mais importantes no meio acadêmico goianiense. Ser contratado como professor por aquela escola era mais do que uma honra para mim, ainda mais quando a proposta chegou antes mesmo de eu ter terminado a faculdade de física no ano anterior.
Passei pelo pátio do colégio em direção à sala dos professores. No caminho, deparei-me com alunos das salas nas quais já havia dado aula. Eles me olharam com certo receio. "Tomara que eu não fique com fama de carrasco..." pensei. Acho que uma das piores coisas para um professor é não ser respeitado ou apreciado pelos seus alunos. Eu acabaria descobrindo que tipo de professor eu viraria.
Cheguei na sala dos professores e fui recebido por um silêncio que antes não estava ali. Todos olhavam para mim. "Parece até que eu entrei em outra sala de aula...". Fui até uma mesinha onde peguei um copo de chá. Provei, estava sem açúcar. Coloquei um pouco. Fui até um sofá e sentei. Um homem que estava ao meu lado estendeu a mão para mim.
_Júlio, biologia. Prazer. - ele sorriu, tinha algo por volta dos quarenta anos - Desculpa o pessoal pelo susto. Nós já sabíamos da sua idade, mas não dá para não se sentir estranho.
Olhei para ele primeiramente surpreso, mas sorri e dei um leve aperto de mão.
_Os alunos tiveram a mesma reação. - eu disse - Meu nome é Kevin, o prazer é meu.
Outro homem levantou e veio até mim, tinha uma estatura alta e forte, cabelos lisos em um moicano que o deixava jovial, pele moreno-clara e olhos negros.
_Eai, cara. Meu nome é Augusto, professor de literatura.
Literatura? Ele mais parecia um personal trainer. Mas isso era preconceito. Levantei-me para cumprimentá-lo, minha cabeça ficava na altura de seu peitoral.
_Kevin. - eu disse, estendendo a mão para ele, a qual ele apertou.
Augusto me olhou de cima a baixo. Deu uma risada.
_Você é muito baixinho! Parece que tem uns 14 anos.
Dei um sorriso resignado.
_É... já me disseram algo parecido.
_É brincadeira, cara. Seja bem vindo, se precisar de alguma coisa, pode chamar.
Sorri genuinamente agradecido.
_Obrigado.
_Já deu uma olhada num endocrinologista? Talvez sua altura seja resultado de algum distúrbio hormonal ou... - Júlio dizia.
_Larga mão de ser chato, Júlio, ele é tão fofinho. Bom dia, Kevin, seja bem vindo. - uma mulher que (pra variar) era mais alta que eu veio até mim - Sou a mulher do Júlio, Ana Cecília.
Um casal ali? Ela era muito bonita. Tinha um jeito de madame, mas sem parecer velha. Talvez uns trinta e cinco anos. Alta, com longos cabelos lisos pretos soltos, um rosto anguloso, cintura fina e quadril largo. Uma mulher e tanto.
_Sou professora de biologia, como meu marido. Você vai dar aula no cursinho ou vai ficar só no terceiro?
_Fiquei com terceiros e cursinho. - respondi.
_O Janos deve confiar em você para te colocar de primeira no cursinho. - Augusto disse surpreso, sentado na mesa ao lado.
_E você já entrou na Pro? - perguntou Ana Cecília.
_Pro? - perguntei sem entender.
_A sala dos melhores do cursinho! Só veteranos e os que tem as maiores notas dos simulados. - Ana disse como se todos devessem saber daquilo.
_Ah... não dei aula lá, ainda. - tirei meu cronograma do bolso e o desdobrei, o quarto horário tinha só uma letra P escrita, mostrei para Ana - Seria essa a sala Pro?
_Essa mesma. Você vai adorar, eles são muito bons. - ela disse com um sorriso encorajador - Não se sinta intimidado pelo fato de serem todos mais velhos que você e por ser a sala mais exigente.
Meu sorriso desapareceu. Se eu fosse um corpo eletrizado, com certeza teria acabado de ser carregado com cargas negativas.
***
Estava em frente a sala Pro. Havia duas possibilidades ali: ser uma experiência muito boa ou ser muito ruim. Era como se um campo de afastamento emanasse daquela sala. Respirei fundo e abri a porta.
A primeira surpresa foi o número de alunos. Se meus olhos não me enganavam, tinha uns duzentos alunos na sala. Apesar disso, não havia uma conversa sequer. Alguns olhavam para mim, outros focavam em escrever algo em suas folhas, outros já esperavam com caneta e uma folha sobre a mesa. Subi no tablado e olhei para aquela imensidão de cabeças.
_Bom dia a todos. - eu comecei, percebendo que a acústica da sala era muito boa.
Fui cumprimentado por muitas vozes ao mesmo tempo.
_Falaram para mim que essa sala é algo interessante, e eu espero que eu possa deixar vocês ainda melhores do que já são. Meu nome é Kevin, seu novo professor de física. Para o curso, fiquei com Eletricidade.
Notei que, enquanto eu falava, um jovem na primeira fila estava mais preocupado em escrever alguma coisa numa folha. Parecia ser versos.
_Decidi começar por eletrostática. - eu dizia enquanto tentava enxergar melhor o que o garoto escrevia.
Ele havia me chamado a atenção. Ele tinha cabelos lisos curtos, totalmente pretos, sua pele era muito clara. Seus braços eram fortes, seu peito era largo, como se tivesse passado um bom tempo na academia. Seu nome estava escrito em seu uniforme. Apolo. "Um belo nome para uma bela pessoa".
_Mas se vocês preferirem começar por Eletrodinâmica...
Olhei para alguns alunos especificamente esperando uma manifestação, como desculpa para olhar melhor para a folha de Apolo. "O que é isso?". Era um texto sem nexo. Palavras que não pareciam existir. "Uma língua diferente, talvez... não, parece um texto em código". Faria sentido ser um texto em código, talvez ele não quisesse que os alunos em volta soubessem o que estava sempre escrito. A letra dele era perfeita, desenhada, e se não fosse assim, não conseguiria ler daquela distância.
Nenhum aluno se queixou da minha decisão de didática.
_Ótimo, então. Vamos começar com...
"Espera!". De repente pareci entender o padrão de código daquele garoto. "Se eu inverter as sílabas..."
_As faces de um anjo... - percebi tarde demais que eu havia pensado alto.
Apolo olhou para mim com espanto. Pelo jeito eu havia acertado... e pelo jeito eu era um idiota. O garoto estava tentando esconder o que escrevia e eu havia dito o título de seu poema (mesmo que sem querer). Pegou seus materiais e saiu da sala. Fiquei em silêncio por um tempo. Os alunos olharam a porta bater, alguns comentários sussurrados surgiram.
Existe uma forma de eletrizar um corpo com a mesma carga de um já eletrizado. Após o processo, os dois corpos envolvidos se repelem pelo fato de passarem a ter cargas de mesmo sinal. Esse processo é chamado de Contato.
Era o que eu havia acabado de fazer. Fiz com surgisse uma força de repulsão entre mim e um aluno. Um aluno da Pro... um aluno que parecia ser algo especial.
Negativo e negativo... essa era a situação que eu havia criado.
A vida realmente imita a física...
-Continua-