Do outro lado da rua ele me olha escondido por entre as cortinas de cetim azul. O cetim só não era mais azul que seus olhos, que me fitam com um ardor que só um viciado poderia ter, quem era ele afinal? Me parecia uma criança de longe, ao julgar pelas suas pálpebras gordinhas e seus cabelos loiros bagunçados, mas olhando bem, vi que não se passa de um adolescente... um adolescente que esta me desconcentrando. Pensei em fechar a janela e continuar meu trabalho, mas não seria nem um pouco educado fazer isso com meu novo vizinho.
Pois é, como se não bastasse esse trabalho da faculdade que tenho que fazer -para o ultimo ano-, ainda tenho que lidar com uma criança pertinente que ama me espionar. Mas o que ele quer, ein? quer que eu dê atenção para ele?
-VIZINHO!- ele berrou levantando a mão e a sacudindo, em um gesto de saudação.
Virei rapidamente para o garoto, ele pulava como um louco tentando chamar minha atenção, voltei a fitar o visor em branco do computador, procurando inspiração para o texto de mil palavras, que para mim mais pareciam um milhão.
Ainda não sabia sobre o que faria, estava encarando o visor com tanta dedicação que devia ter feito caretas enquanto forçava minha mente a trabalhar.
Do andar de baixo ouvi minha mãe gritar meu nome, ela sempre foi preguiçosa a ponto de não subir as escadas do duplex para me chamar civilizadamente
-Oque foi?- perguntei furioso.
-Vamos jantar na casa dos vizinhos do prédio ao lado, vem com a gente. Eles nos chamaram quase agora.
-Eu estou estudando, mãe.
-Então vai ficar com fome... eu não vou colocar em um tuppeware para você, se é isso que você esta pensando... sai um pouco desse quarto, vem curtir um pouco a vida.- ela gritou as cinco ultimas palavras mais alto.
A definição de curtir a vida da minha mãe era bem doentio. Ela acha que ir jantar na casa do vizinho que conhecemos a três dias é "curtir a vida".
Sem escolha alguma eu fui jantar na casa deles, mas deixei bem claro que iria sair mais cedo para E-S-T-U-D-A-R, eu pretendia ir embora assim que começasse os comentários da minha mãe sobre mim, do tipo "meu filho só pensa em estudar", "as namoradas que ele arranja só dão trabalho" e "ele só vive preso nesse computador"
Vivemos em um condomínio, um grande espaço com três torres de apartamentos, eu vivo na torre A e os nossos vizinhos moram no B.
Toquei a campainha, aguardando uma idosa de seios flácidos e um cigarro no canto da boca abrir a porta, mas quem abriu foi um homem, ele estava usando avental e uma roupa social, aquilo me fez acreditar que é um pai solteiro, e que aquele garoto que tentou chamar minha atenção era o filho dele, o filho que deve ser orfão de mãe.
-Bem vindos- limpou as mãos no avental e estendeu-as.
-Olá, boa noite.- dissemos quase juntos, como um coral desafinado.
Entrei e fui logo sentando na mesa, estava desesperado para fazer aquele trabalho e acaba-lo logo, quase sem prestar atenção no pré-adolescente que se sentou ao meu lado. Ele abriu um sorriso e deitou a cabeça sobre seus próprios ombros. Aquele não era um pré-adolescente normal, ele era lindo, tinha cabelos lisos e loiros que cobriam suas testa até as sobrancelhas, olhos tão azuis quanto o céu de manhã, e pálpebras gordinhas que pareciam duas nuvens de algodão doce.
-Oi- ele murmurou ao meu lado.
-Oi.
-Meu nome é Julio, e o seu?
-Joaquim.
-Eu tenho 16 anos e você, Jô?
-É Joaquim. E eu tenho 20 anos.
-Você gosta de video-game?
-Não.
-Hm...- ele deu uma pausa breve- quer ver o meus?
-Não, só quero comer e ir embora.- expressei-me tentando ser o mais inoportuno, a ultima coisa que eu queria era uma criança querendo ser meu amigo.
Os adultos chegaram e começamos a comer. Minha mãe falava de meus méritos na escola com alarde, se exibindo, falando que esse bimestre eu não tirei nenhuma nota menor que 9. O pai solteiro também abriu a boca para falar de seu primogênito, disse das quantidades de medalhas do filho conquistadas só nesse ano, até fez questão de informar que aquelas insígnias penduradas na sala de estar eram todas do seu filho, e ainda disse que ele foi eleito um dos melhores alunos da escola.
Criei uma forte empatia pelo garoto, ele me olhava de um jeito tão estranho, fitava cada movimento do meu garfo, cada golada que eu dava no suco, cada cortada que eu investia no bife.
Seus olhos azuis e misteriosos me deixaram pensando nele até quando voltei para casa (mais cedo que meus pais). Tudo que eu escrevia era sobre ele, absolutamente tudo, sobre seus olhos azuis e sua pele branca, sobre sua voz aveludada e sobre suas qualidades. Me vi fulo e histérico. Sabia que aquela visita não me faria bem em nada.
Decidi deixar o texto daquele jeito mesmo, me expressei da forma mais bonita que encontrei, era algo sexual mas misterioso de certa forma. Eu sou hétero e fazer textos de amor para um outro garoto não é uma opção, então mudei o sexo do personagem principal, coloquei nele uns três anos a mais e imprimi.
Deixei-a em cima da mesa, junto ao pote de flores, e fui dormir.
Acordei umas meia hora depois com a barulheira que meu pais fizeram ao chegar. Ouvi suas vozes dando boas vindas à alguém, mas quem seria? Ouvi outra voz, mais aveludada e bonita que a deles. Levei um pulo ao ver a criança do vizinho na minha porta. Ele entrou no meu quarto e virou a cabeça, dizendo:
-Legal! - ele parecia encantado com meus vários livros e DVDs de filmes guardados nas minhas cômodas.
-Legal, não é? agora vaza do meu quarto!
-Não, vou dormir aqui com você hoje!- Ele sorriu com os olhos e a boca.
-Quem disse?
-Sua mãe, agora pode arranjando uma cama para mim.
-Aqui no meu quarto só tem minha cama, e não tem colchão aqui em casa, ou você dorme no sofá ou no chão.
-Ou na sua cama - ele completou- com você!- Correu, pulou na cama e me abraçou tão forte que nem parecia ter dezesseis anos.
Ele já estava arrumado para dormir, usava um pijama branco com imagens de vários micro Patos Donald's. Ele fitava os livros na minha prateleira e pulou para pegar um deles, se deitou ao meu lado e me entregou-as.
-Aqui, lê para mim?- murmurou ao meu ouvido
-Vem cá, você não sabe ler sozinho?
-Sei, mas é que é mais legal quando alguém lê para mim.- O garoto pegou meu braço e o envolveu sobre seu corpo branco, se amanhando para dormir.
Ele parecia um anjo, um anjo que era branco como a mais pura seda. Seus olhos estavam fechados. Eu não leria mas como preciso de inspiração para refazer o trabalho amanhã, peguei-o e comecei a folear. Era moby dick.
-Era uma vez...- comecei.
Ele agarrou meu braço mais forte, encostou a boca sobre ele e cheirou, deu a maior fungada de todas.
-O que está fazendo?- perguntei com indiferença.
-Eu gosto de dormir assim, colado com alguém.
Não demorou muito para meu membro ser bombeado por sangue da mais pura ereção.
-Que pena- tirei meus braços com força do domino dele- não é hoje que você vai dormir agarrado com alguém.
Continuei a ler, parei na pagina 70 quando percebi que ele já havia adormecido, dormindo quinem um anjo ao meu lado. Me deitei de costas a ele, fechei meus olhos e dormi. Estava cansado e agora tinha um corpo quente me esquentando.
No dia seguinte minha mãe conversou serio comigo.
-Você parece ter tratado o garoto mal, filho.- ela exclamou- ele saiu daqui chorando. Você sabia que a mãe dele morreu a menos de uma semana? tudo que ele quer é um amigo. E você, Jo, é o único que pode dar isso para ele, pelo menos aqui no prédio. Então presta atenção nele por mim, ok?
-Um amigo? ai mãe, por favor. Eu só estava nervoso por ele ter me atrapalhado no trabalho da escola, só isso.
-Hm, sei... vou fazer o seguinte: se você não tratar esse garoto bem eu não deixo mais você trazer a Amanda nem seus amigos para dentro da minha casa. Entendeu bem?
-Mãe, a Amanda não tem nada haver com isso.
-Mas terá, se você continuar agindo assim, terá...
Que ótimo, eu sou obrigado a conviver com um garoto que eu odeio, em todos os sentidos.
Continuo?