- Por favor, Cauê, pare de chorar! - dizia para si mesmo em frente ao espelho - Joaquim nunca foi nada seu então por quê desse sentimento todo?
Cauê tinha acabado de chegar da serenata que Joaquim havia feito para Janaína. Saiu logo depois que ele fez o pedido de namoro. Sentia um enorme aperto no peito enquanto voltava para casa. No fundo sabia que seria daquele jeito, mas não queria acreditar.
- Quanta besteira, Cauê, Joaquim é só seu colega de serviço que agora namora. Além de tudo é um idiota, sempre te maltratou. Veja estas duas cicatrizes na sua testa. Nunca mais, entendeu? Nunca mais deixe que algum sentimento errado por ele queira brotar em seu coração - dizia apontando para a própria imagem no espelho enquanto enxugava as lágrimas.
Deitou, mas não conseguiu dormir. O peso do corpo de Joaquim sobre o seu no chão do bosque, o cheiro, a respiração ofegante de seu peito contra a sua, os olhos tão próximos, a boca tão convidativa... Perguntava-se em pensamento se algum dia sentiria tudo aquilo novamente. Mas logo se repreendia: Joaquim não era nada seu.
***
No dia seguinte Joaquim entra correndo no depósito do Carrinho Cheio Supermercados e tranca a porta:
- Me ajuda, por favor! - ele sussurrava.
- Bom dia pra você também, qual o problema?
- A Janaína.
- Como assim?
- Desde ontem ela não para de me mandar mensagem, me fez buscar ela em casa, confirma a toda hora se eu vou conversar com o pai... está ficando insuportável.
- Mas não era isso o que você queria? Não fazem nem vinte e quatro horas que você pediu ela em namoro.
- E já quero me separar. Não sei se estou preparado pra namorar. Acho que não é isso que eu quero.
- Bom, já é tarde pra desistir. Relaxa, a Jana é uma menina boa, honesta, trabalhadora, e muito bonita.
- Eu sei, mas eu não gosto de apêgo. Gosto de liberdade, entende? Ficar com quem eu quiser a hora em que eu quiser. Sem compromisso. Sem o risco de machucar o coração de ninguém.
- Talvez pense assim porque ainda não encontrou a sua estrela.
- Minha estrela?
- É, a pessoa que realmente ama. A sua estrela que vai fazer com que as coisas fiquem mais claras para você e te guiar rumo a felicidade.
- Que bonito isso. Muito profundo. Mas também pudera, né? Estou falando do Cauê, o menino mais romântico que conheço. E você, já encontrou a sua estrela?
- Não, se você a encontrar diga que estou quase desistindo de esperar - mentira ele já havia encontrado.
Os dois riram.
***
Na loja Janaína recebeu uma visita indesejada:
- Oi, gata! Esqueceu de mim?
- Ai, que susto, Abel! Tá fazendo o quê aqui?
- Acho que mereço uma explicação depois de toda aquela babozeira de ontem.
- Pensei que tivesse entendido. Sou namorada do Joaquim agora.
- Ah, que bonitinho. Mas era comigo que você estava transando enquanto ele cantava debaixo da sua janela.
- Olha aqui, se essa história chegar nos ouvidos do Joaquim você já era - Janaína deu as costas e saiu andando.
- Ui, que medo! Acho difícil não chegar até porque não foi a primeira vez, lembra?
Janaína parou.
- O que você quer?
- Você - Abel se aproximou - Eu quero você - disse tocando seu rosto.
- Mas eu não te quero. Vai embora, por favor.
- Ah, qual é? Lembra de como você gemia no meu pau? Quer que eu imite? Era assim...
- Abel, chega! Se toca! Joaquim é o homem que eu amo. Põe isso na sua cabeça. Você foi só diversão. Nada além disso.
Janaína saiu enquanto Abel segurava a vontade de lhe dar uma bofetada. Mais uma vez alguém lhe lembrava que ele era órfão. Não só de mãe, mas também de amor.
- Vadia - sussurrou partindo em seguida.
***
- Cauê, agora que terminamos o serviço aqui, vou cumprir minha promessa. Vamos começar as aulas de sensualidade com o professor Kim, Kim Tesão.
- Kim Tesão? Sério? - Cauê riu.
- É sério. Estou aqui para te ensinar como fazer as gatinhas pegarem fogo.
- Então vamos lá.
- Primeira lição: quando você olha no espelho o que você vê?
- Eu mesmo, ué.
- Não, cara. Você se sente confortavel com a sua imagem, o seu corpo?
- Não totalmente.
- Ótimo! Então eu quero que tire a camisa.
- Como? - a voz de Cauê saiu mais aguda que o normal.
- Tire a camisa. Olha, vou tirar a minha também pra você não ficar com vergonha. - Joaquim tirou a camisa e Cauê foi a delírio - Sua vez.
- Tem certeza de que isso é mesmo necessário?
- Você precisa de autoestima, precisa confiar no que tem, vamos, me mostre esse peitoral másculo, homem!
E Cauê tirou a camisa. Joaquim se surpreendeu com o que viu. Não era um corpo definido como o seu, mas aquela pele branca que se revelara lhe prendeu a atenção. Deu-lhe água na boca.
- Ótimo! Agora vamos treinar o jeito de andar, ok?
- Ok.
- Nunca ande de cabeça baixa ou olhando pro chão. Sua cabeça tem que estar erguida pra que todos vejam os seus olhos. Cabeça baixa demonstra medo, vergonha. Cabeça erguida demonstra força, coragem, entendeu? - Joaquim desfilava com toda a sensualidade e elegância - Agora é a sua vez.
- Vou tentar - Cauê respirou fundo e caminhou, mas não tão sexy quanto o professor.
- Espera, deixa eu te arrumar. Endireita as costas jogando o peito pra frente - Joaquim colocou as fortes mãos no peito e nas costas de Cauê - Isso! Agora caminhe devagar, mas não muito. Dê um passo de cada vez de forma bem caprichada como se estivesse desfilando. Cuidado pra não rebolar muito. Fica estranho!
Cauê caminhou bem melhor dessa vez.
- Isso, garoto, tá aprendendo. Diga sempre na sua mente "Eu sou foda!". Agora repita junto comigo: Eu sou foda.
- Eu sou foda!
- De novo!
- Eu sou foda!
- Mais uma vez, bem alto!
- EU SOU FODA! - Cauê gritou.
- Isso, garoto! Agora senta aqui pra treinarmos o olhar.
- O olhar?
- Sim, o olhar é muito importante. Me mostre o seu olhar sexy, conquistador.
Cauê começou a piscar os olhos e mexer a cabeça de uma maneira que fez Joaquim rir.
- Por que você está rindo?
- Você fez de um jeito muito engraçado. Presta atenção, um olhar sensual não precisa de tudo isso. Nesse caso mais é menos. O importante é fixar os olhos na sua "presa" e passar todo o seu interesse através deles. Você pode até dar um sorrisinho torto, bem de leve. Ela vai entender sem muito esforço. Assim, olha.
Joaquim encarou Cauê com aqueles olhos castanho-claros que o fizeram perder o chão. Cauê começou a suar de tanta vergonha. Realmente Joaquim sabia como conquistar alguém.
- Agora é a sua vez - disse Joaquim percebendo o desconforto do amigo.
Cauê foi melhor no olhar. Encarou Joaquim que ficou surpreso com tamanha sensualidade. Sentiu algo esquentar entre as pernas.
- Uau! Bem melhor, melhor até que eu.
- Que isso? Nada a ver. E qual é a próxima lição?
- Pegada.
- Ai, meu Deus!
- É isso mesmo. Não adianta andar sexy, olhar sexy se na hora h não tiver pegada.
- E como você pretende me ensinar isso?
- Assim.
Joaquim pegou Cauê pela cintura e o puxou para bem perto de si.
- Uau! - Cauê estava quase morrendo com aqueles braços fortes a sua volta. Aquilo parecia um sonho.
Por um momento Joaquim teve uma vontade estranha. Ele desejou beijar Cauê. Mas controlando seus impulsos o soltou.
- Aí depois você beija a pessoa, entende? - Joaquim tentava disfarçar a excitação.
- Entendi.
- Vamos ver se entendeu mesmo, faz comigo.
- O quê?
- O lance da pegada que eu acabei de te ensinar.
- Sério?
- Vai, anda. Sei que sou irresistível, mas não vale me beijar no final.
- Rá! Gracinha.
Cauê pegou Joaquim pela cintura puxando-o contra o seu peito da mesma maneira. Joaquim se arrepiou, sempre fora um conquistador, mas dessa vez estava sendo conquistado.
- E, então, como fui?
- Ótimo, cara. Não tão bom quanto eu, mas aprendeu direitinho.
- Convencido.
- Escuta, quero te falar uma coisa.
- Sim?
- Me desculpa pelo modo que te tratei não só nos primeiros dias, mas também nos anos em que estudamos juntos. Fui horrível com você e me envergonho muito. A verdade é que você é uma pessoa especial e quero que sejamos amigos.
- Então você lembra de mim?
- Não lembrava até ver aquela cicatriz de perto na sua testa. Desculpa, cara. Eu era um idiota.
- Claro que te perdoo. O que passou, passou. O agora que interessa. Também estou muito feliz em ser seu amigo.
- Que bom! Já deu nosso horário. Tenho que comprar umas flores pra levar para a Janaína. É hoje que eu vou pedir ela em namoro. Quer vir comigo? Sua opinião é muito importante.
- Não posso. Tenho que ir na escola, lembra?
- É verdade. Ah, depois você me passa a matéria. Tchau.
- Tchau - respondeu Cauê com um sorriso no rosto. Doía ver que Joaquim estava levando o namoro a sério, mas a aproximação dos dois o deixava feliz.
***
Já passavam das dez e meia e Cauê voltava da escola por uma rua escura. Recebeu uma mensagem de Joaquim que dizia:
"AGORA JÁ ERA. PEDI ELA EM NAMORO"
- Bobo - Cauê riu sozinho.
- Pára com isso, cara! Me larga! O que foi que eu te fiz? Pára! - uma voz masculina vinha de dentro das ruínas de uma casa abandonada no fim da rua que estava deserta.
Cauê não via nada. Só ouvia os socos e pontapés. Resolveu entrar na casa para ajudar:
- Ô, quem está aí? Deixa ele em paz.
- Droga! Eu disse pra tapar a boca dele - uma voz masculina sussurrou lá dentro.
- Vamos fugir, podem reconhecer a gente! - outra voz, também masculina, disse.
Cauê entrou e viu quando três vultos correram para os fundos da casa. Seguiu-os, mas já era tarde. Os três pularam o muro.
Voltou sem entender o que tinha acontecido. Passou por um quarto sem porta e viu a luz fraca que passava pela janela iluminar um corpo caído no chão.
- Ai, meu Deus! Você está bem?
O corpo nada respondeu permanecendo imóvel.
