Amélia acordou num hospital. Ouvia os bips dos aparelhos aos quais estava ligada. Sentia uma forte dor que vinha do centro de sua cabeça até os olhos. Parou um instante para organizar as lembranças de sua memória. Logo lhe foram trazidas frases que cutucaram sem dó as feridas ainda frescas em seu coração:
"Você é muito melhor que a baleia da minha mulher!"
"Toda vez que eu transo com a minha mulher eu vomito depois. Ela sempre me sufoca com toda aquela banha!"
"Minha mulher fede. Não sei por que ainda estou casado, não amo ela. Talvez seja por pena! Coitada, quem vai querer aquele entulho?"
- Veado, desgraçado, ordinário! Eu te odeio! - sussurou aos prantos. Seu choro era comovente, tentava abafá-lo, mas não conseguia. Não queria ser vista chorando. Daqui a poco Léo adentraria aquela porta com um buquê de rosas, implorando por perdão e ela queria se mostrar forte e indiferente para humilhá-lo. Sua vontade de dar o troco era tão grande que sua boca aguava anseiando o momento em que estaria cara a cara com ele.
A porta abriu-se. Era Dona Carmem, sua mãe.
- Minha filha, que bom que acordou! - Dona Carmem abraçou-a - Você quase me matou de susto! Como se sente? Está com fome?
- Não, mamãe, estou bem. Cadê ele?
Dona Carmem ficou em silêncio. Suspirou.
- Eu não sei. Eu sei que foi ele quem te trouxe pra cá pois me telefonou em seguida pedindo pra cuidar de você e dos meninos. É só. Imagino que tenha a ver com o acontecido de ontem no qual você não precisa falar se não quiser.
- Então ele sumiu - sorriu com dor.
- Descubra. Ele deixou uma carta pra você ali na mesa - disse apontando uma escrivaninha dentro do quarto.
- O que ela diz?
- Não leio correspondências dos outros. Quer que eu pegue?
- Não, não! Não sei se estou pronta pra isso.
- Tudo bem, agora você precisa descansar. Sabe, você está com toda essa pose de durona, mas eu vejo no fundo dos seus olhos uma vontade desesperada de chorar.
- Você me conhece bem, hein Dona Carmem? - Amélia já chorava outra vez.
- Nós não criamos os filhos pra nós mesmos, eles são do mundo. Somos apenas um canal de acesso. No entanto, é impossível ver um ser que saiu de dentro da gente sofrer sem acolhê-lo como se fosse somente nosso - pegou a mão de Amélia - Por isso, chora, filha! Coloca pra fora tudo o que você sente. Eu estou aqui pra te ajudar.
- Ai, mãe, como eu fiu deixar tudo isso acontecer? Por que eu não mudei o meu casamento?
- Independentemente do que aconteceu, a culpa não foi só sua. Ninguém consegue levar um casamento sozinho.
- Sei lá. Quem sabe se eu tivesse sido menos briguenta, se eu tivesse me arrumado mais pro meu marido, se eu tivesse confiado mais nele...
- Shiiiiiu! - Dona Carmem calou-a - para de se lamentar, por favor. Olha, vou descer e comprar alguma coisa pra você comer. Já volto.
Assim que Dona Carmem saiu, Amélia se levantou com certa dificuldade e foi até a escrivaninha onde estava a carta. Criou coragem e pegou-a. Próximo a carta havia um buquê de rosas. Encostou-se no móvel enxugando o pouco de lágrimas que ainda restava em seus olhos e abriu a carta:
"QUERIDA AMÉLIA,
NÃO TENHO PALAVRAS PARA DESCREVER O QUANTO EU ME SINTO ENVERGONHADO E CULPADO PELO QUE ACONTECEU. HONESTAMENTE, EU NÃO QUERIA QUE TUDO ACABASSE DESSA FORMA.
AGORA VOCÊ ENTENDE O MEU DILEMA. AMO UM HOMEM E NÃO POSSO MAIS ESCONDER ISSO.
O TEMPO QUE PASSEI AO SEU LADO FOI MARAVILHOSO APESAR DE TUDO. VOCÊ É UMA MULHER INCRÍVEL E QUE MERECE SER FELIZ.
MAS VOCÊ JAMAIS SERÁ AO MEU LADO.
ESTOU INDO PARA BEM LONGE, AGORA NÃO VEJO MOTIVOS PRA FICAR AQUI.
AJUDAREI NAS DESPESAS DOS MENINOS. CUIDE DELES POR MIM.
ESPERO RETORNAR. QUANDO VOCÊ ESTIVER PREPARADA PRA ME RECEBER.
SAIBA QUE TODAS AS MINHAS PRECES LHE FAVORECERÃO. DESEJO-LHE TUDO DE BOM DAQUI PRA FRENTE.
ME PERDOE.
LEONARDO."
Amélia amassou a carta e jogou no chão. Pegou o buquê e esmagou rosa por rosa. Por mais belas que tivessem sido as palavras de Léo, não foram suficientes para apagar sua ira. Ela queria vingança. Mas como, se agora ele fora embora? Derrepente as lágrimas frias trouxeram uma perigosa ideia à sua mente.
Mais tarde sua mãe voltou ao quarto acompanhada do Doutor Oliveira Dan.
- Você já pode ir pra casa, Amélia! - disse o belo doutor - Recomendo que tome todos os medicamentos prescritos, se alimente bem e evite passar por situações que a deixem nervosa, assim será difícil ter outro infarto.
- Obrigada, doutor! - respondeu Amélia. Ela sabia que as situações nervosas estavam apenas começando.
Ao chegar em casa tudo estava igual, como deixara há dois dias. O silêncio reinava no lugar. Foi até o seu quarto e percebeu as roupas reviradas sentindo a falta de algumas peças de Léo.
- Levei os meninos pra casa do Ru/Ruanito. Ficarão por lá até que você melhore - disse Dona Carmem.
- Estou bem. Mas é melhor que fiquem distantes de mim por enquanto.
Amélia sentou-se na sala e logo foi bombardeada por uma série de lembranças. Lembrou de quando, no início do casamento, faziam amor ali no tapete da sala, mesmo. Lembrou do rosto feliz de Léo ao saber que seria pai. Lembrou dos momentos em família... Lembrou... Chorou... Não acreditava que havia dedicado toda a sua vida àquele casamento. Quantos planos deixou pra trás, de quantas coisas abriu mão... E ali permaneceu sentada.
Seis meses se passaram e Amélia continuava sentada, parada no tempo. Não comia, não tomava banho, não saía, não sorria, nem sequer dos filhos se lembrava! Seis meses remoendo a mágoa que se tatuara em seu peito.
Abel e Lélio continuavam na casa de seu tio Ru/Ruanito. Abel por ser um pouco mais velho, estava com 11 anos, vinha todos os dias visitar a mãe escondido pois todos tinham medo de deixá-la sozinha com os filhos naquele estado. Dona Carmem já havia desistido da filha que se entregara completamente à tristeza e apenas uma vez por dia ia vê-la.
Certo dia, quando Abel chegou em sua casa, encontrou a mãe diferente. Sentiu um forte cheiro de álcool nos cômodos da casa. Amélia havia tomado banho e estava se penteando quando ele entrou. Ela sorriu (forçado, mas sorriu), o abraçou e beijou.
- Fiz um bolo pra nós! - sussurrou ela em seu ouvido.
Abel se encheu de alegria. Finalmente sua mãe estava de volta!
Eles comeram e ela não parava de fitá-lo com amor e ternura, mas também com certa tristeza que ainda não a abandonara.
Pediu pra que ele ficasse e lhe deu algumas moedas pra que comprasse cebolas a fim de preparar um jantar.
Abel pegou o dinheiro e ela o acompanhou até a porta. O abraçou apertado, beijou e disse com os olhos lacrimejando:
- Mamãe te ama muito, tá? Se cuida e cuida do Lélio também, ok?
- Eu também te amo, mãe!
Amélia o abraçou mais uma vez e o beijou demoradamente:
- Agora vai! Vai e não tenha pressa! Escolha as melhores cebolas!
Abel foi se afastando. Vez em quando olhava para trás e contemplava a imagem de sua mãe encostada no portão lhe observando. Virou a esquina, caminhou um bom tanto e chegou ao Carrinho Cheio Supermercados. Comprou as cebolas e voltou. No caminho veio pensando. Achava estranho o fato de sua mãe lhe pedir pra comprar cebolas com um cesto repleto delas na cozinha. E o jeito com que ela falara? Parecia que estava se despedindo.
Despedindo? Essa palavra soou como um grito desesperado dentro da cabeça de Abel.
Derrepente tudo se encaixou e ele começou a correr. Correu o máximo que pôde e logo estava em frente a sua casa.
Tarde demais. As chamas já haviam se espalhado rapidamente por toda a casa. Os vizinhos corriam para tentar ajudar, mas todas as portas estavam trancadas.
Abel grudou no portão e tentou pular o muro. Um vizinho o agarrou.
- Me solta! Me solta! É a minha mãe! Minha mãe está lá dentro! Eu tenho que salvar ela! Me solta! Me larga!
Enquanto preparava a sua forca trancada dentro do banheiro que se enchia de fumaça, Amélia sorria. Estava feliz, pois aquele era o jeito de fazer Léo se culpar e ser culpado por Abel pela sua morte.
Amarrou a corda pendurada ao teto no seu pescoço.
- Adeus! - foi a última coisa que disse.
E pulou da pia.
Estava concluído. O plano de vingança de Amélia havia chegado ao fim.
***
- Descanse em paz, mamãe! Eu vou vingar a sua morte! O papai, esse amante dele, todos vão pagar por cada lágrima que te fizeram chorar. Eu juro.
Abel beijou a foto no túmulo da mãe e saiu do cemitério.
Agora ele tinha 19 anos.
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Não deu pra encaixar nenhuma cena de sexo nesse capítulo pois eu precisava terminar de contar a morte de Amélia.
Agradeço aos meus queridos amigos que me acompanham:
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Dicas de leitura:
"Fantasea" de GarotoSolitário15
"Amor" de Felipe Nurks
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"dia de futebol em casa tem porra para todo lado" de match