Era incrível como ele tinha mudado da água para o vinho comigo. Todo dia ele entrava em contato comigo, todo dia ele me mandava uma mensagem de texto ou me ligava, e eu acabava atendendo, mesmo sem querer.
Nesse meio tempo, eu estava louco da vida para terminar logo minha monografia. Ae cambada! Essa porra de monografia acaba com a nossa vida! Eu não tinha mais tempo pra nada, claro, só para dar umas trepadas de vez enquanto, porque ninguém é de ferro. Mas o tema que eu escolhi exigia que eu lesse livros e mais livros e aquilo consumia todo meu tempo livre. Parei de ir de carro para o trabalho só para ter o tempo da viagem para ler, deixei de sair na sexta e no sábado, deixando só o sábado para minhas estripulias.
Ao mesmo tempo, eu não estava mais aguentando o meu trabalho. Eu cai na burrice de não ficar depois da hora como o meu chefe tinha pedido, pois tinha a porra da monografia para escrever, então ele começou a me sacanear. Eu era sempre escalado para ficar depois da hora, era sempre quem ele pedia as coisas, tudo era eu, eu só estava esperando o dia que ele ia me chamar no banheiro pra limpar o rabo dele, depois de ter colocado os menininhos pra nadar. Sério galera, estava insuportável, parecia minha prova de fogo no trabalho. Eu me sentia testado, tanto nas minha habilidades com programas como o SPSS e Acess, assim como minha criatividade nas apresentações e novas formas de análise, e claro, a minha paciência, porque minha vontade era de quebrar a cara dele.
Mas tudo isso eu levava em stand by, eu tentava desligar minha raiva para que ele me causava e tentava fazer meu trabalho normalmente, mas a pressão estava pesada. Certa vez, ele tinha me pedido pra enviar um arquivo pra ele, o banco de dados em que eu estava trabalhando a 15 dias. Porém eu estava terminando de acrescentar mais uma variável, colocando etiqueta, modificando códigos... enfim, fazendo meu trabalho chato. Então pedi um momento que assim que terminasse eu enviaria para ele. Enquanto trabalhava, eu recebi uma ligação da minha irmã:
- Carla, to trabalhando...
- Desculpa Edu, mas a mãe tá sentindo umas dores estranhas e estou indo com ela pro hospital.
- Serio Carla?! Meu Deus! Mas ela está bem?
- Fica calmo, ela só está sentindo dor, mas é uma dor aguda, então nós vamos.
- Na minha gaveta tem um dinheiro, pega o quando você precisar e me deixa informado.
- Tá certo! Bju
- Bjão, manda um beijo pra mãe.
Aquilo me desestabilizou. Minha mãe tinha mioma e como estava entrando na menopausa... sim, estava entrando ainda, mesmo eu tendo já 22 anos, tinha uma mãe de 38. Fazer o que!? Ela deu cedo, com 16 anos já estava comigo nos braços kkkk! E nosso principal medo, meu e da minha irmã, era que eles resolvessem arrumar mais filhos rsrs. Enfim, deixando a vida sexual precoce da minha mãe de lado, ela tinha mioma, alguns tumores benignos no útero e isso causava a ela muitos transtornos, mas nada muito grave, porém algo estava errado, pra ela aceitar ser levada para o hospital, algo estava mesmo errado.
Isso me deixou completamente fora do ar, e trabalhar com tabela e banco de dados fora do ar não rola. Quando terminei, depois de mó tempão, enviei pro cara e fui almoçar. No almoço eu liguei pra minha irmã e minha mãe já tinha sido atendida e estava internada. Eu me desesperei, óbvio, mas ela me acalmou, falou que era só para fazer alguns exames e nada grave, mas mesmo assim eu não conseguia me acalmar.
Enquanto terminava de comer, recebi uma ligação do trabalho, mandando eu voltar imediatamente para o escritório. Eu mais que depressa voltei e fui direto na sala do meu chefe. Chegando lá ele pede pra eu olhar no Datashow. Lá estava meu banco de dados.
- Castilho – era como me chamam lá – Você me diria que esse é um banco de dados que se apresente?
- Sim senhor.
- Então você está com algum problema, porque esse banco de dados está com a ordem errada, com dados faltando, as etiquetas estão erradas...
- Eu corrijo e mando pro senhor ainda hoje.
- Mas eu preciso delas agora, o que eu faço? Fico esperando o senhor decidir quando vai ter responsabilidade? – fiquei puto! – Eu aturo muita coisa, mas irresponsabilidade e incompetência eu não tolero! – Eu fiquei mais puto ainda.
- Eu já dei motivo para o senhor me chamar de irresponsável? Eu já dei motivo pra me chamar de incompetente? Eu acho que fui promovido exatamente pelo contrário, por ser o melhor no que eu faço. Então ao invés de ficar e perseguindo e me entulhando de trabalho como você tem feito em toda essa merda de mês, porque não fica quieto e não me dá a porra do banco de dados pra eu concertar logo? – é... eu estava mesmo puto.
- Como é que é?!
- É isso mesmo! Estamos nós dois aqui, perdendo tempo!
- Isso não te dá o direito de me faltar com o respeito.
- Olha, você está querendo me ferrar aqui faz tempo, e eu estou de cabeça baixa, quieto na minha pra não me estressar contigo! Agora você me chama de incompetente?! Não admito que você fale assim comigo! Encaro isso como uma falta de respeito ao meu tempo de casa e ao meu trabalho. Se o senhor não está satisfeito com meu serviço, é simples, me manda embora!
- Então pode passar no RH quando terminar de ladrar. – porra, me chamar de cachorro foi demais! Fui até ele e juntei pela camisa.
- Cachorro é o filho da puta do seu pai! Fala mais uma coisa e eu te arrebento aqui, me dá só um motivo, tô te implorando. – Mas ele ficou só com os olhos arregalados e muito vermelho.
Acabei soltando ele e indo para a minha sala, juntei todas as minhas coisas e fui embora, direto para o hospital. No caminho eu ia repassando aquele diálogo na minha cabeça, liguei o som bem alto e fui xingando ele durante a viagem.
Ao chegar no hospital eu fui a recepção e procurei minha mãe. Me falaram que ela estava no centro cirúrgico. Eu não acreditei, minha irmã tinha falado que ela estava bem, não era nada grave, então como ela estava no centro cirúrgico?! Fui à sala de espera e encontrei minha irmã chorando e meu pai com ela. Ai que me desesperei mesmo.
- Carla!! O que aconteceu?
- Calma Eduardo – falou meu pai.
- Calma nada pai, o que houve? Você me falou que ela estava bem! O que aconteceu??
- Ela estava sangrando muito edu, então teve que ir para o centro cirúrgico. – Acho que a raiva que esta sentindo pelo meu chefe eu passei para a minha irmã.
- SUA FILHA DA PUTA! PORQUE VOCÊ MENTIU PRA MIM? HÃ? FALA!
- calma edu, eu não quis te aborrecer no trabalho.
- Minha mãe internada, e eu não sei o real estado dela. ISSO É JUSTO?? ISSO É JUSTO SUA IDIOTA? É JUSTO? – não resisti, comecei a chorar. Estava juntando tudo ali, minha demissão, minha mãe, minha monografia, até a topada que eu tinha dado aos 5 anos de idade.
Sai do hospital e fui para a rua. Nem eu sabia porque estava chorando, mas sentia uma dor enorme, como se eu estivesse carregando o mundo nas costas. Era muita coisa para uma pessoa carregar sozinha. Eu sei que parece frescura, tem gente que passa por coisa muito pior, mas não vou me comparar a ninguém, só eu sei o que eu senti.
No meio dessa confusão mental, sinto meu telefone tocando. Nem olhei o visor, só atendi.
- alô!
- Edu? – era ele.
- oi.
- Cara, tudo bem? Você está chorando?
- Não.
- Está sim! O que houve?
- Uns problemas ai, mas tô bem.
- Onde você tá? – não quis falar que estou no hospital.
- Em casa.
- Mentira cara, eu acabei de ligar pra lá e não tinha ninguém.
- tá, estou no hospital, minha mãe está sendo operada, fui despedido, minha monagrafia está toda atrasada... quer mais?
- estou indo para ai agora! Qual hospital?
- Você é maluco cara! O que você vai fazer aqui?
- Cala a boca! Qual hospital? Da Posse?
- Não, Nossa Senhora de Fátima.
- Me espera na entrada.
Ele era maluco! Só pode! Depois dessa eu tinha até parado de chorar, só fiquei pensando na minha vida. Bem, maluco ou não, em 10 minutos ele estava lá. Estacionou o carro e veio em minha direção. Ele estava lindo, estava todo “do lar”, com uma bermuda jeans, uma regata e um boné, mas eu estava tão na merda, que nem tesão eu consegui sentir. Ao vê-lo eu levantei e fui em sua direção e antes que pudesse falar qualquer coisa ele me abraçou. E que abraço! O Luiz é expert em abraços. Ele me deu um abração de urso, me senti completamente a protegido por ele e ao mesmo tempo triste, encontrei em quem despejar minhas mágoas. Naquele abraço eu desabei.
Foi no ombro do Luiz que eu chorei mesmo, tudo o que eu estava guardando e o curioso é que ele não falou nada, só deixou eu chorar e foi muito bom. Depois dos meus soluços e de ter molhado a camisa dele toda, nós sentamos no banco do lado de fora do hospital e ai sim, ele perguntou.
- Tá mais calmo? – só acenei com a cabeça.
- O que aconteceu? Porque está nesse hospital?
- Minha mãe está internada.
- Oh meu Deus! Mas o que ela tem?
- não sei, não me falaram, a Carla mentiu pra mim, falou que ela estava bem e agora ela está no centro cirúrgico.
- A carlinha tá lá dentro?
- tá sim.
- Vou lá ver o que está acontecendo... quer vir? – novamente só acenei que não com a cabeça. – Tudo bem, vou e já volto.
Lá fora eu fiquei ansioso pelo retorno dele, assim como fiquei pensando em como ele era um cara legal. Poucas pessoas fariam o que ele fez. Enquanto eu estava lá pensando, ele voltou, com uma cara animada e uns copos na mão.
- trouxe uma água pra você.
- Obrigado... cara, obrigado por estar aqui, você é um amigo muito foda mesmo!
- Que nada! Mas vamos lá dentro, sua irmã quer conversar com você.
- não quero falar com ela.
- Edu, vamos cara, ela não fez por mal, ela só não queria que você largasse tudo pra vir pra cá. E...quanto ao seu emprego conversamos demais.
- Mas você sabe o que minha mãe tem?
- Ela tem mioma, só que houve uma complicação e ela teve um sangramento maior e mais prolongado, assim ela acabou desenvolvendo uma anemia e sentia muita dor. Mas ela vai ficar bem. – Não resisti não abraçar ele de novo.
- Custava ela falar isso pra mim?! Eu não sou criança, eu entendo as coisas cara.
- eu sei como você deve estar se sentindo... mas poxa, eles fizeram pensando no seu bem... vai lá e fala com eles.
- tá!
- Isso ae garoto!
Fomos andando e lá eles explicaram tudo pra mim e eu desculpei minha irmã. Ficamos os 4 lá esperando a cirurgia acabar. Por incrível que pareça minha mãe já ia operar mesmo, mas eu não sabia, tamanha era minha vida ocupada.
Depois de algumas horas o médico veio falar com a gente. Ele disse que ela estava bem e o útero tinha sido removido. Então ela ficaria internada mais um tempo e depois receberia alta. Eu fiquei muito aliviado com a notícia, mas ainda estava triste, então resolvi ir embora pra casa. Me despedi de todos e ia saindo, quando o Luiz colocou a mão no meu ombro, pedindo pra eu esperar.
- Ia embora sem mim? – falou ele.
- Não é isso cara, é que eu quero ficar sozinho.
- Poxa, vai dispensar minha companhia para ficar sozinho, não acredito!
- Tudo bem, vamos lá pra casa.
- Não fica assim não! Vai dar tudo certo.
- É... quando? – sai andando na frente e entrei no meu carro. Ele veio para o meu lado e bateu no vidro pra eu abrir pra ele.
- Deixei meu carro com seu pai, posso ir com você?
- Entra ae. – ele entrou e ficou quieto. Só nos olhávamos as vezes, olhadas bem profundas e significativas.
Não saiam palavras, mas o olhar era foda. Ele me passava confiança. Em uma dessas olhadas ele colocou a mão no meu ombro e continuamos em silêncio até em casa. Assim que chegamos e eu só quis trocar de roupa e me livrar daquilo tudo.
- Vai, toma um banho, posso fazer um lanche pra gente.
- Fica a vontade, a casa é sua cara.
No banho fiquei pensando em tudo. Aquele dia parecia um filme terrível... porra, minha mãe doente, meu emprego... porra meu emprego! Noites sem dormir, levar bomba na faculdade, acordar de madrugada... a toa, foi tudo pelo ralo... sai do banho arrasado.
Quando cheguei na sala, ele estava sentado com um pote enorme de pipoca, uns sanduiches e um suco. Olhei pra ele que ao me ver ficou meio envergonhado, sei lá, ele fez uma cara estranha.
- Mais relaxado?
- é...
- Vai lá, se veste e vem pra cá.
Coloquei uma samba canção e fui pra sala. Lá ele me chamou pra sentar do lado dele, mas eu fiz mais, cheguei logo deitando no colo dele, precisava de cafuné.
- Você tá mal em Edu.
- To sim cara...
- Que história é essa de você ter sido mandado embora?
- Cara, é muita coisa na minha cabeça! Eu não estou aguentando... o cara tá pegando no meu pé faz mó tempão e eu aguentando, mas dessa fez ele me esculachou demais, me chamou de irresponsável e incompetente. Eu explodi cara! Pedi pra ser mandado embora, e ele mandou.
- Mas você não está desempregado.
- Estou cara! O cara mandou eu passar no RH e tudo, vou lá amanhã.
- E agora eu estou te falando. Vai na minha loja amanhã a tarde que a gente resolve isso.
- Como é?
- É cara, estou te dando um emprego.
- Para fazer o que? Não conheço nada de informática.
- Mas sabe administrar né?
- Sei, mas...
- Mas nada! Passa lá!
- Cara, você é maluco?
- Não... você é meu amigo pow, não vou deixar você na mão.
Na minha cabeça só vinha uma questão: - “PUTA QUE PARIU... porque ele tem que ser tão maravilhoso?! Como resistir a um cara desses? Mas não tem como ficar com ele, ele curte o outro cara lá”
- Poxa, obrigado Luiz, você é um amigo maravilhoso cara!Oi galerinha boa! Tão gostando? Qualquer coisa: