Na porta, do lado de dentro do quarto, um pôster enorme de Che Guevara, de boina com estrela, e logo abaixo, palavras de Bertold Brecht, de "Homens que lutam". Sobre uma cômoda de pau marfim bastante amarelecido pelo tempo, atrás de vários objetos espalhados, um quadro metálico com perfurações em formato de lua e estrela, pendurado na parede, com fotos e cartões presos por imãs. Em meio à vários postais de Cuba, China e Lichtenstein, a foto de três estudantes adolescentes, de rosto pintado, com a expressão "Fora Collor" escrito nas testas, tendo ao fundo uma faixa estendida, num muro, dizendo "Fora FMI". Sobre o criado-mudo, o livro "O Jogo das Contas de Vidro", de Hermann Hesse, aberto, marcado na página 133, com um recorte de uma coluna de jornal de Paulo Coelho, rasgado aleatoriamente. A cama de solteiro desalinhada, os lençóis amarrotados e um travesseiro com a marca profunda do peso de uma cabeça, aparentemente humana. Uma edição da revista "Rolling Stones", dobrada na página em que aparecem fotos dos beijos na boca entre Madonna e Cristina Aguilera e, depois, Madonna e Britney Spears. Do outro lado da cama, ao chão, um aparelho cd player, portátil, com alguns cds, empilhados desordenadamente, por sobre uma das caixas de som. Cds de Joan Baez, Mercedes Sosa e Bob Dylan. Próximos a um tapete de crochê de barbante, redondo com o desenho de uma estrela de cinco pontas bem ao centro. Bem em cima, um par de chinelas havaianas cor-de-rosa, com conchinhas de plástico costuradas nas tiras. E, no centro do quarto, um holograma cúbico, com uma aresta de 0,80 m, suspenso no ar, com efeitos luminosos azuis-neon. Bem centralizado no holograma, duas figuras humanas pretas, estilizadas, de um homem e uma mulher, fazendo as posições sexuais do Kamasutra, num movimento sem fim. Fazendo sexo eternamente. Num espelho próximo à porta, pequenos lembretes em papéis autocolantes, enfileirados em desalinho, verticalmente, como rabo de pandorga. No bilhete de cima a mensagem: "sexta 8 horas, prova de cálculo"; no de baixo, "sexta 16 horas, depilação"; no próximo, "sexta 18 horas, massagem"; no seguinte, "sexta 19 horas, ligar para Leilinha, combinar programa"; e no último, bem de baixo, "sexta 20 horas, banho de hidro". A porta do banheiro exibe outro espelho, enorme, um pouco embaçado pelo vapor da banheira. Vê-se o reflexo impreciso de duas mulheres nuas se acariciando, com as pontas das unhas, uma os seios da outra. Em seguida, uma diz à outra: "- abaixe sua cabeça, assim!" Atendida no pedido, ouve-se um estalo de ossos se destroncando. A mulher que falara faz movimentos ágeis e desarticula seu maxilar. Abre, então, uma enorme bocarra e começa a comer a outra, pela cabeça, por inteiro, como uma cobra. A outra, impávida, deixa-se comer, aparentemente insensível. O rádio relógio sobre a penteadeira do quarto pisca uma luz âmbar, marcando 22 horas. Ao lado do móvel, um cesto de lixo, cheio de restos amontoados de pele humana e, por sobre estes, um absorvente íntimo de uso diário. O absorvente é usado e está enrolado, como um charuto branco, levemente róseo, exalando um cheiro adocicado que lembra perfume de bebê.
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