Parte 20 – Quando temos que matar pessoas em nós
A morte por muitas vezes não é uma escolha nossa, ela vem sem dizer nada, e com o tempo precisamos nos conformar que a pessoa que morreu não voltará mais.
Mas existe uma morte ainda mais dolorida, é aquela que matamos alguém em nós, a pessoa existe, ela está ali, mas não faz diferença nenhuma. Eu por fim matei Camila em mim, a mulher que eu mais amei na vida. Eu claramente sabia que ela existia, mas não fazia diferença.
Soube por Larissa que ela tentou se matar por três vezes, eu nunca contei a ela o motivo e nem Camila contou. Porém eu estava passando de vilão da história, o homem insensível que não pode perdoar alguém que está tentando tirar a própria vida. Foi uma das coisas que Larissa me disse.
- Pai, por favor, fala com a mãe, vocês estavam indo bem, até a Patrícia morrer naquele acidente, depois disso você finge que ela não existe.
- Filha, eu não consigo, aquela mulher (eu não citava mais o nome dela) morreu pra mim.
- Porra pai, já faz anos a traição, não é possível que você seja tão cruel assim.
- Eu já havia perdoado a traição, mas eu quero distância
- Seu monstro! Eu sempre te admirei e agora você tá vendo a mãe morrer e diz que não vai fazer nada ? Monstro
Larissa saiu correndo, eu tentei ligar várias vezes e ela não me atendeu, passou a me evitar e quando fui na porta da faculdade tentar falar com ela, ela chamou a polícia para mim. Aquilo me magoou profundamente. Mas eu não tinha tempo para esse drama agora.
Jack porém com menos paciência que eu, pegou ela pelos cabelos na porta de casa e colocou no carro.
- Garota burra do caralho, você vai lá em casa e vai me ouvir, eu sou sua tia e vai me respeitar
- Me solta tia, eu não quero, não quero ver o monstro do meu pai.
- Cala a boca! – Jack gritou tão forte que fez a Larissa se envolver de medo
- Você não sabe de porra nenhuma, mimada, eu não tenho a paciência do teu pai, você vai comigo, vai me ouvir e depois decidi o que quiser dá vida.
Larissa foi a viagem em silêncio e com cara de choro. Quando ela entrou na casa de Jack viu Cauã, abraçou e brincou com ele um pouco, deixou o clima mais leve.
- Cauã sobe para o quarto, eu preciso falar com a Larissa
- Senta aí, me desculpa ser assim, mas você tava se comportando como criança. Tive que te tratar como uma.
- Ouça bem, não vou repetir, e seu pai não sabe que está aqui, ele escolheu te proteger, ele ainda acha que é uma menininha e você se comporta como uma.
Cada palavra deixava Larissa ainda mais surpresa, Jack nunca tratou ela assim, mas antes de ser tia dela, ela era minha irmã.
- Sua mãe foi a responsável pela morte da Patrícia. Por isso seu pai não quer saber mais dela.
Larissa arregalou os olhos incrédula com as palavras que ouvia
- Não é possível, como minha minha mãe ? Não, não, não, isso não é verdade
Jack deu um tapa na cara dela, para ela acordar do transe. E contou toda história, sem deixar nada de fora. Larissa chorava copiosamente.
- Tia eu fui tão cruel com ele, eu não sabia, por favor me leva até meu pai.
Nesse momento Larissa pensou em Cauã que havia perdido a mãe, e se deu conta do tamanho da dor que seu pai está a carregando.
- Meu Deus o Cauã ? Como eu vou olhar pra ele sabendo que minha mãe é a culpada de tudo isso
Seguiram então ao meu encontro, e sem que eu pudesse dizer qualquer coisa Larissa me abraçou forte chorando e pedindo perdão. Eu só consegui chorar, nem responder eu fui capaz. As palavras dela me acertaram com força.
- Filha, não quero que odeia ela, ela precisa de você, mas eu não sou capaz mais. Entendeu ?
Camila com o tempo e o peso da culpa foi definhando, vivia a base de remédios, não saia de casa, ela esperou a morte visita-la. Depois de alguns anos foi o que aconteceu, ela amanheceu morta com uma carta ao lado da cama com meu nome.
“Oi João, peço em último ato de humanidade que leia até o final, nada mais que isso. Nós últimos dias eu senti que este corpo já não tinha vida, então me pus a escrever está carta.
Quem a escreve não é a Camila que te traiu, é aquela que te amou na juventude e daria a vida troca da sua, mas é impossível separar as duas, eu sou elas e demorei a admitir isso, quando enfim me dei conta, eu mesmo não me suportava e não suportava sua ausência. Então me matei dentro de mim e esperei enfim este corpo morrer.
Eu queria te pedir perdão, mas seria muito injusto contigo, perdoar uma mulher morta, que tipo de monstro se recusaria ? Mas eu queria te pedir que não matasse também o que vivemos de bom, esses momentos nos deram a Larissa, a coisa mais linda que fizemos.
Nós éramos melhores amigos, dividíamos tudo e te amei mais que tudo, até que a mim mesma. Um última coisa que queria dividir contigo. Está junto dessa carta, vou entender se não quiser, mas ele simboliza a maior e melhor escolha da minha vida.”
Com amor, Camila.
Era o anel de casamento, eu não sei porque guardei e mais tarde dei a Larissa. A carta me deu um sentimento de nostalgia, mas distante.
Com relação a Pedro, eu comecei a colocar meu plano em prática. A uns anos atrás a filha de um deputado desapareceu, ela foi em um baile no morro, se envolveu com um traficante que fez ela cheirar tanto que teve overdose, 2N mandou enterrar ela em uma vala longe do morro, mas ninguém nunca encontrou.
Eu fui até esse deputado e contei que Pedro matou a filha dele, e amaneira de se vingar era expor todo esquema que ele estava envolvido, ele preso confessaria onde estaria o corpo da garota, e assim foi feito.
Eu não tinha mais os documentos, mas sabia de todos os esquemas, e de muita gente que tava na folha de pagamento. Isso não ia dar em nada por não tinha provas, mas daria muita dor de cabeça.
Logo estavam em todos os jornais, “bicheiro envolvido em esquemas de corrupção”, sem provas isso não levou a nada, mas aí veio o grande golpe. “bicheiro envolvido com desaparecimento de filha de deputado”. A polícia achou o resto do corpo que era impossível periciar, mas eu deixei rastro bem armado que ligava Pedro a ela. Nada muito comprobatório, mas que levou Pedro para prisão preventiva.
Não levou muito tempo para que ele fosse solto, ele saiu escoltado aos gritos de assassino, e entrou em um carro, se serviu de um dose de Whisky e relaxou, só depois de um tempo percebeu que o caminho estava longo demais.
- Ei motorista idiota, tá me levando para onde?
- Para casa
A voz o atravessou em cheio, e ele percebeu que era eu ao volante. Procurou uma arma e não achou.
- Relaxa, eu não vou te matar, a gente vai bater um papo
- Seu desgraçado eu vou te matar aqui mesmo
Quando ele tentou avançar eu apontei a arma para ele, que o fez se acalmar. Chegamos então na casa onde ele matou a Patrícia.
Sentamos um de frente pro outro, cada um com seu corpo de Whisky.
- Te matar me traria muitos problemas, eu só quero de você respostas. Porque eu? E minha família ?
Ele começou a rir de maneira sádica como se tivesse ganhado aquele jogo que não existe.
- Foi seu pai, aquele velho idiota e esnobe, era para eu ser o substituto dele, o 13°. Mas ele não escolheu ninguém, não sabemos onde está a flâmula com o símbolo que elege o sucessor, eu matei ele e dediquei minha vida a foder com a família dele.
- Eu sei de tudo sobre vocês, foram anos pesquisando, me dedicando, a primeira coisa foi matar aquela garotinha, ela não era o alvo, era sua irmão, Jackeline. Mas a encomenda saiu ainda melhor, com a morte da filha eu matei ela e marido. Eu amei essa sensação, ela é pior que a morte. – Ele deu uma boa golada da bebida.
- Depois foi Jonas, esse foi fácil, era desequilibrado e manipulável, financiei as investidas dele na sua mulher, você não sabe mas Camila te traiu drogada, o pervertido do Jonas para persuadir ela, colocava drogas nos bombons, na comida e na bebida que levava. Sem isso ela nunca o aceitaria. E dessa forma eu matei você e você matou Jonas
- Eu fiz ele acreditar que com sua morte Camila o aceitaria, era pra você ter morrido naquela noite, afinal te manipular seria difícil ao contrário de Jonas.
- Então sequestrou Larissa, e você me ofereceu tudo o que eu queria, sua lealdade, mas nunca deixei de te monitorar.
- Sua vida com aquele traficantezinho de merda, a puta da Patrícia, Laura, Lucia, Camila todos estavam sendo monitorados, sempre estive dois passos a sua frente.
- Eu sabia que não mataria o traficante, e quando Camila apareceu, usa ela traria um gosto a mais a minha vingança. Você não sabe o prazer que tive em te ver contorcer daqueles jeito, a pobre da Camila acreditou mesmo que eu deixaria vocês vivos. Puta burra. Deixei ela para morrer contigo como dois amantes, mas você escapou.
- Você escapou tantas vezes da morte que cheguei a pensar que era impossível, mas fiz de tudo para te matar em vida. E aqui estamos nós.
- A armação com o deputado foi jogada de gênio, não esperava menos que isso.
Ele bebia e tinha cara de satisfação, as peças se encaixavam. Então eu me levantei e peguei algumas coisas
- Já vai ? – Me perguntou Pedro
- Já tenho tudo o que preciso
- Achei que iria me matar, você gritou tanto naquele dia que me mataria.
- Você está morto desde a hora que entrou no carro, é questão de tempo.
Ele olhou para o meu copo e eu não tomei nenhum goleiro do Whisky, ele então se deu conta.
- Você... Você me envenenou ?
Pedro começou a tossir e agonizar
- Você vai demorar uns 30 minutos para morrer, vai sentir muita dor até lá, quando seu sistema nervoso entrar em colapso e seu coração parar.
Pedro se contorcia de dor tentando falar alguma coisa, mas não conseguia, fiquei vendo ele morrer sem expressar nenhuma reação. Peguei o celular que deixei gravando e fui a reunião dos 12, que Maria convocou por mim.
Eles iam decidir se eu morreria por matar Pedro. Eu então mostrei a confissão dele, era proibido em deles atentar contra a vida do outro ou mexer com a familia, Pedro fez os dois. Eu dei flâmula para a Maria. Ela se tornou o 13 e eu passei a ser um dos 12, mas não entrei no esquema. Só pela proteção.
Larissa estava bem, assumiu relacionamento com Laura, e passou a morar com ela. Fui me despedir de Patrícia.
Segurei o colar que fiz com a terra onde ela foi enterrada, e observei.
- Meu amor, eu consegui, me vinguei dele, e vou criar nosso filho para torna-lo um homem bom, diferente de mim, mais uma vez me perdoe, eu sou o responsável pela sua morte. Mas prometo viver por nós dois, e ser feliz. – arremessei o colar no mar.
Peguei Cauã e fui para o interior da Bahia, bati na porta tá de Lena que estava linda.
- Eu te prometi não foi ? Um dia eu viria atrás de você.
Fim
É proibida a cópia, reprodução e/ou exibição fora da "Casa dos Contos" sem a devida autorização dos autores, conforme previsto na lei.
Deixarei um e-mail para contato, caso queiram que eu escreva sobre a história de vocês, dar sugestão, mandar fotos e vídeos, trocar ideia e só mandar para: