Pedro estava diante do espelho, ajustando a gravata pela terceira vez. Sua mente vagava longe, muito além do reflexo que via. Os olhos castanhos estavam marejados, não apenas pela lembrança de sua mãe, que não estava ali para presenciar aquele dia tão especial, mas também pelo turbilhão de sentimentos que Luiz tinha deixado em seu coração.
Ajeitando o paletó azul-marinho com mãos trêmulas, ele suspirou profundamente. Sabia que aquele casamento era um momento importante, mas não conseguia afastar Luiz dos pensamentos. O rosto do jovem, o sorriso tímido, os olhos atentos — tudo nele parecia estar gravado em sua alma.
Do outro lado do quarto, Vinícius, seu irmão mais velho, ajeitava os botões do colete com calma. Ele notou o semblante perdido de Pedro e se aproximou, com a paciência típica de um irmão que conhecia bem as inquietações alheias.
— Nervoso? — perguntou Vinícius, com um sorriso tranquilizador.
Pedro soltou um riso abafado, balançando a cabeça.
— Não sou eu que vou casar, Vini.
— Mas parece que está mais nervoso do que eu — respondeu Vinícius, sentando-se na cama enquanto ajustava os sapatos. — Quer falar sobre isso?
Pedro hesitou. Vinícius era sempre direto, mas ao mesmo tempo sensível. Sabia que podia confiar nele, mas colocar em palavras tudo o que sentia parecia um desafio quase impossível.
— Acho que... não sei. Eu só estou com a cabeça em outro lugar, entende?
Vinícius franziu a testa e parou de ajustar o sapato, encarando o irmão com curiosidade.
— É sobre a mãe, não é? — disse, suavemente. — Eu também não paro de pensar nela hoje.
Pedro sentiu o nó na garganta apertar ainda mais. Ele se sentou na beira da cama, respirando fundo para não desabar.
— Ela sempre dizia que queria me ver casar — murmurou Pedro, a voz embargada. — Ela ficaria tão feliz por você hoje.
Vinícius aproximou-se e colocou uma mão firme no ombro do irmão.
— Ela está feliz, Pedro. Onde quer que ela esteja, eu sei que ela está sorrindo pra gente.
As palavras de Vinícius eram um consolo, mas também um lembrete doloroso de tudo o que tinham perdido. Pedro não conseguiu conter as lágrimas que começaram a escorrer pelo rosto.
— Eu sinto tanta falta dela, Vini. Tanta falta...
— Eu também sinto — respondeu Vinícius, a voz agora rouca. — Mas sabe o que eu penso? Que ela nos ensinou a sermos fortes. E hoje, eu estou aqui me casando porque ela acreditava no amor.
Pedro sorriu entre as lágrimas, concordando com a cabeça.
— E você, Pedro? — Vinícius perguntou, depois de alguns segundos de silêncio. — Quando vai ser sua vez?
Pedro ergueu os olhos surpreso, tentando encontrar uma resposta.
— Não sei, Vini. Não sei nem se vai existir uma vez pra mim.
Vinícius riu, balançando a cabeça.
— Besteira. Eu vejo como você tem algo diferente no olhar hoje. Acho que você já encontrou alguém, mas está com medo de admitir.
Pedro ficou em silêncio, absorvendo aquelas palavras. Finalmente, respirou fundo e decidiu falar:
— Tem alguém, sim. Alguém que eu conheci... e foi tão rápido, mas tão intenso. Eu só não sei se foi real.
Vinícius o observou com cuidado, depois deu um leve sorriso.
— Se foi real pra você, é isso que importa. Não precisa ter pressa, nem todas as respostas agora. Mas o que eu quero que você saiba é que, independente de qualquer coisa — de quem você ama ou o que você decide fazer da sua vida —, eu sempre vou estar aqui pra você.
Pedro sentiu uma nova onda de emoção e abraçou o irmão com força.
— Obrigado, Vini. De verdade.
Vinícius sorriu, dando-lhe um leve tapinha nas costas.
— Agora, limpe essas lágrimas antes que estrague o terno — brincou ele, tentando aliviar o clima.
Pedro riu, mesmo com o rosto ainda molhado. Olhou novamente para o espelho, vendo não apenas um homem vestido para um casamento, mas alguém que começava a entender a profundidade de seus próprios sentimentos.
Ele pensou em Luiz novamente, desejando mais do que nunca que as estrelas daquela noite pudessem conspirar a favor deles. Enquanto ajustava a gravata pela última vez, prometeu a si mesmo que, assim que tivesse uma oportunidade, faria o possível para reencontrá-lo.
E, naquele momento, ele sentiu algo diferente. Não era apenas saudade ou tristeza — era esperança. Uma esperança que começava a crescer silenciosamente em seu coração, como um lembrete de que, às vezes, o amor verdadeiro é paciente e sabe esperar pelo momento certo.
Pedro olhou mais uma vez para o celular antes de colocá-lo de lado na cama. Era a quinta vez que ele conferia as notificações naquela manhã, e o resultado era sempre o mesmo: nenhuma mensagem de Luiz. Nenhuma ligação perdida. Nada. Um vazio que parecia pesar em seu peito.
Ele suspirou profundamente, passando a mão pelos cabelos, como se pudesse, de alguma forma, afastar Luiz de seus pensamentos. “Ele não vai responder. Talvez seja melhor assim”, pensou, tentando se convencer. Mas a dor de uma conexão interrompida ainda latejava ali.
Pedro levantou-se, ajeitou o paletó mais uma vez e olhou para o reflexo no espelho. Decidiu que precisava viver o dia do irmão, focar no casamento, na celebração da vida e do amor. “Hoje não é sobre mim”, repetiu mentalmente enquanto pegava o celular e o deixava em modo silencioso, escondendo-o no bolso do terno.
Ao descer as escadas, viu Vinícius na sala, ansioso, conferindo os últimos detalhes. Pedro tentou sorrir, forçando uma expressão animada.
— Vamos lá, irmão. É o seu grande dia — disse Pedro, batendo de leve no ombro de Vinícius.
Do outro lado da cidade, Luiz estava sentado na cama de seu quarto de hotel, observando o relógio com impaciência. Desde a manhã, ele tentava se distrair com livros, TV e qualquer outra coisa que o mantivesse longe das lembranças de Pedro. Mas a espera para pegar o celular parecia interminável.
Ele havia passado pela loja pela manhã, apenas para ouvir do técnico que a tela só estaria pronta às 17h. Agora, cada minuto que passava era um teste para sua paciência. Luiz olhou pela janela, observando o movimento da cidade, mas sua mente estava em outro lugar — especificamente em um avião, onde tudo começou.
Quando o relógio finalmente marcou 16h45, Luiz não conseguiu esperar mais. Pegou sua carteira e saiu às pressas do hotel, atravessando as ruas com passos largos. Ao chegar na loja, o técnico o recebeu com um sorriso.
— Pronto, aqui está. Testei tudo e está funcionando perfeitamente — disse o homem, entregando o celular com a tela novinha.
Luiz agradeceu, pagou o valor e saiu da loja, segurando o aparelho como se fosse um tesouro. Assim que chegou ao hotel, sentou-se na cama e ligou o celular. Enquanto o sistema inicializava, seu coração acelerava, ansioso por qualquer notícia de Pedro.
Assim que o celular carregou, as notificações começaram a aparecer. Eram várias mensagens e chamadas de Pedro, enviadas ao longo do dia anterior e daquela manhã. Luiz abriu as mensagens e viu textos que começavam com:
“Ei, está tudo bem?”
“Por favor, me avisa quando puder.”
“Estou preocupado, Luiz.”
E outras que pareciam cada vez mais desesperadas.
Seu peito apertou. Ele se sentiu culpado por não ter respondido antes, mesmo que a culpa não fosse dele. Imediatamente, tentou ligar para Pedro, mas as chamadas não completavam. No WhatsApp, as mensagens enviadas para Pedro ficavam com apenas um sinal — como se não tivessem sido entregues.
Luiz largou o celular no colchão, encarando a tela como se esperasse que alguma mágica acontecesse. Por alguns minutos, ficou parado ali, remoendo todas as possibilidades. Será que Pedro havia desistido? Será que ele também estava se perguntando se aquilo entre eles poderia dar certo?
O toque repentino do celular o assustou. Ele rapidamente pegou o aparelho, com a esperança de que fosse Pedro, mas o nome que apareceu na tela o desanimou. Era um dos amigos que ele tinha conhecido nas palestras.
— Alô? — atendeu Luiz, tentando soar normal.
— Luiz! Você está vindo pra festa? Já estamos aqui esperando! — disse a voz animada do outro lado.
Luiz hesitou. A última coisa que ele queria era estar em uma festa naquele momento, mas talvez fosse melhor do que ficar sozinho no quarto, encarando o vazio.
— Estou indo, sim. Só vou me arrumar e já chego aí — respondeu, forçando uma animação que não sentia.
Ele desligou, foi até a mala e pegou uma camisa casual. Enquanto se arrumava, olhou mais uma vez para o celular. Nenhuma mudança. Nenhum sinal de Pedro. Luiz respirou fundo e se olhou no espelho.
— Talvez seja melhor assim — murmurou para si mesmo, mas não conseguiu acreditar em suas próprias palavras.
Ele terminou de se arrumar, pegou as chaves e saiu do quarto. Mesmo caminhando em direção à festa, sua mente estava presa em outro lugar — presa em Pedro, que parecia cada vez mais distante, como uma estrela que ele não sabia se voltaria a alcançar.