Voltei para casa quase às 20:00 e somente as 21:00, Sophie apareceu, com sua roupa de treinamento e uma baita cara de cansada, certamente de uma “maratona”, mas não na academia e sim em algum motel fuleiro. Eu não precisava de mais nada, já tinha todas as provas. Decidi que o meu martírio acabaria ali. Levantei-me do sofá para confrontá-la:
- Ora, que moça mais prendada. - Falei sarcasticamente e depois perguntei, sorrindo: - Estava até agora na academia, amor?
- Nã-não. - Falou com uma voz meio trêmula.
- Ué!? Mas você não tinha um treinamento para novatos e não sei o quê?
- Eu me confundi. Eu… não estava muito bem hoje e… - Suspirou profundamente e me olhou entristecida: - Bem, não tenho porque esconder isso de você. Acabo de vir do hospital, amor. Eu passei mal, vomitei na minha outra roupa, enfim, foi um horror. Fui levada para lá e… - Suspirou novamente, desviando o olhar por um segundo, mas voltando a me encarar rapidamente: - Eu estou grávida, amor. Nós vamos ser pais.
[CONTINUANDO]
Senti como se tivesse tomado a porrada das porradas bem no meio da cara. Sentei-me de imediato sobre o sofá. As minhas mãos tremiam e os pensamentos não se comunicavam corretamente. Devaneios sobre traição, sobre o nosso desejo de constituir família, de medos, de sonhos, tudo agora se chocava de forma muito intensa. Comecei a suar frio e ela veio na minha direção, olhando preocupada para mim:
- Calma, amor, não é uma notícia tão ruim assim! - Ela falou, ajoelhando-se de modo que o seu rosto ficasse na altura do meu.
- Grá-Grávida?
- É! Olha o resultado do exame de sangue. Fiz agora há pouco.
Desdobrei duas folhas de papel que ela me entregara, um atestado de comparecimento e um resultado de exame, e não havia dúvidas, ela estava realmente grávida. Olhei para ela, depois para o papel e a minha boca antecipou as minhas dúvidas:
- Um filho… Meu!?
- Sim e… Claro que é seu, Arnaldo! De quem mais seria, homem?
Olhei para ela novamente e quase disse o que estava pensando, mas preferi engolir o meu orgulho e raciocinar melhor a respeito antes de dizer alguma coisa. O Celão estava em minha casa há quase um mês, talvez um pouco mais, então seria praticamente impossível que o bebê fosse dele. Além disso, mesmo que eles tivessem transado, eu não acreditava que a Sophie seria irresponsável a ponto de transar sem camisinha, uma vez que mesmo comigo, havia um certo controle para que ela não engravidasse. Tudo bem que coito interrompido não é lá um método muito eficaz, mas a gente sempre utilizava e até então ela não havia engravidado. Até então…
Após ler detidamente cada letra daquele papel outra vez, olhei para a Sophie que me olhava apreensiva, com um sorriso que misturava alegria e medo. Sorri para ela ainda com um profundo medo no meu coração e mesmo sendo um momento para comemoração, eu precisava colocar para fora tudo o que estava sentindo. Sendo assim, segurei em sua mão e resumi tudo o que me afligia. Em especial, dei ênfase aos três flagras. Quando falei do último, deles no shopping, ela foi enfática:
- Você só pode estar louco! Eu não estava com ele e não adianta me…
A interrompi com um simples movimento de mão e mostrei as fotos que havia tirado. Ela arregalou os olhos e ficou boquiaberta por alguns segundos, sem emitir som algum. Ao final desse tempo, suspirou profundamente e falou:
- Desculpa.
- Nosso casamento está perto do fim e tudo o que você tem para me dizer é desculpa? Está na cara que algo está acontecendo bem debaixo do meu nariz e o pior é que você está metida até o pescoço, ou pior ainda, ele é que está metido e bem dentro de você!
- Arnaldo!? - Ela falou, surpresa.
- Quer que eu diga o quê, Sophie!? Você está me traindo! Eu… posso até parecer bobo, mas não sou idiota! - Falei, olhando cabisbaixo para a frente, olhando superficialmente o resultado do seu exame.
Ela apoiou os cotovelos nos joelhos, arqueando o corpo para a frente e ficou olhando para uma estante, onde costumamos colocar fotos de nossos momentos felizes juntos. Depois fechou os olhos, certamente pensando no que falar e quando falou, trouxe verdades que eu ansiava ouvir há muito tempo:
- Ok… Eu sou uma canalha. Errei com você e não tenho como justificar, mas se tem algo que eu nunca menti foi sobre o meu amor por você.
- Você me traiu mesmo, não foi?
- Não, não te traí. Eu errei sim, fiz coisas com o tio que eu não deveria ter feito, mas não te traí.
- Fez sexo com ele?
Ela se calou e balançou a cabeça timidamente, tudo sem me encarar:
- Então, me traiu…
- Não, eu não traí!
- Você acabou de assumir que transou com ele.
- Sim, mas foi coisa de momento, um tesão que surgiu e a gente resolveu ali mesmo. Em nenhum momento, eu traí os meus sentimentos por você. Para mim, nada mudou. - Ela agora falava, olhando para mim meio de soslaio.
Fiquei surpreso é óbvio, porque para mim, se transou com outra pessoa, era traição é ponto final:
- E você nunca pensou que fazendo isso, poderia mudar o que eu sinto por você?
Ela suspirou fundo e mordeu os lábios, tensa com a pergunta, mas não a respondeu. Suspirei fundo, tentando me controlar. Eu sabia que precisava sair dali, não somente da sala, mas daquela casa, daquela vida que havia se degradado em tão pouco tempo. Quando fiz menção de me levantar, ela segurou o meu braço e me encarou agora com os olhos marejados:
- Por favor, conversa comigo. Eu sei que errei, mas sei que posso consertar tudo se você me der uma chance. Só me diz o que eu preciso fazer.
- Você não errou, Sophie, você fez uma escolha. Erros acontecem de forma involuntária ou sem que a gente queira. Não é esse o caso. Você não tropeçou e caiu sentada na pica do Celão, você quis se envolver, quis me trair, quis ocultar, quis mentir e fez tudo de forma consciente. Agora, tem que aguentar as consequências.
- Pelo amor de Deus, Arnaldo! - Ela se ajoelhou à minha frente, pegando o resultado do exame e chacoalhando na minha frente: - É um filho, o nosso filho! Não é possível que isso não signifique nada para você.
- Significa demais e vou te ajudar no que for necessário para criá-lo bem, mas continuar com você não dá mais. Eu… - Suspirei, controlando a voz embargada por uma dor que me massacrava o coração e tentando conter as minhas próprias lágrimas: - Simplesmente, eu não confio mais em você. Não dá…
- Não, não, NÃO! Eu não aceito isso. Tem que ter uma forma de consertar o que eu fiz. Só me diz como… eu faço! Qualquer coisa… Estou disposta a tudo.
- Só se cuide. Vou pegar umas coisas minhas e sair. Depois, peço para um colega meu cuidar dos nossos papéis e…
- Pelo amor de Deus… NÃO! Não faz isso com a gente…
- Eu!? Eu não estou fazendo nada, Sophie, quem fez foi você, aliás, você e aquele filho da puta do Celão.
- Para! Espera… Escuta… Por favor. Eu… Eu sei que não tenho o direito de te pedir nada, mas, por favor, tenha só um pouco de compaixão. Eu passei mal e fui parar no hospital. Fica, pelo menos, aqui até os meus pais chegarem. Eu… Eu durmo no quarto de hóspedes. Mas, por favor, fica.
Por mais que eu quisesse me afastar dela, o fato dela estar grávida e ter passado mal era um fato novo que eu precisava considerar. Eu não poderia deixá-la só naquelas condições, com um filho meu na sua barriga, podendo ter um mal súbito. Concordei em ficar, mas impus as minhas condições:
- Tudo bem, eu fico… - Ela abriu um sorriso triste, olhando diretamente nos meus olhos, talvez procurando algo que eu não estava mais disposto em entregar: - Mas você vai ligar agora para os seus pais virem para cá e realmente não iremos mais dormir juntos. O nosso casamento acabou.
- Não acabou não! - Ela resmungou em voz baixa, com lágrimas brotando de seus olhos: - Eu vou consertar. Eu vou…
Ainda assim, ela pegou o celular e fez uma ligação rápida para os seus pais, tudo na minha frente e com o aparelho no viva voz. O toque de chamada ecoou várias vezes, até a ligação ser encerrada. Ela me olhou e levantou os ombros, mostrando que não tinha culpa. Insistiu por mais duas vezes e nada de concluir a chamada. Então, mandou uma mensagem no WhatsApp da mãe, que foi recebida, mas não lida. Dei-me por satisfeito naquele momento.
Levantei-me, enfim, e fui para a nossa suíte, encostando a porta. Eu me sentia péssimo, acabado, destruído. Tomei uma ducha fria para tentar obter alguma melhora e me deitei na cama. Não tinha sono, nada. Eu simplesmente estava catatônico, olhando para o teto do quarto, sem ver qualquer saída para aquela sinuca de bico. Algum tempo depois, ela bateu à porta e a abriu, perguntando se eu queria comer algo. Recusei. Ela então perguntou se poderia tomar um banho, pois o chuveiro do banheiro social estava queimado. Autorizei e ela pegou um conjunto de baby doll e se foi.
Nesse momento, levantei-me e fui até o banheiro social, ver o tal chuveiro queimado. Mexendo rapidamente nos fios, notei que uma das fases não estava bem conectada e por isso ele não funcionava. O Celão podia ter facilmente feito aquilo para se valer de uma desculpa, mas isso agora não importava.
Retornei rapidamente a minha suíte, deitando-me na cama novamente. Quando a Sophie terminou o banho, ao invés de sair, veio se sentar na beirada da cama ao meu lado. Não fossem os seus olhos inchados, ela estaria linda, com os cabelos úmidos e cheirando ao seu hidratante corporal que eu tanto adorava:
- Eu vou consertar tudo. Só preciso de uma chance.
- Por falar em consertar, já arrumei o chuveiro do outro banheiro. Era só um fio solto…
Ela me encarou triste, mas sabia que de nada adiantaria falar algo ou tentar justificar que não sabia de nada. Eu mesmo continuei:
- Vai para o seu quarto, Sophie. Não temos mais nada para conversar.
Ela ainda me acariciou o peito rapidamente, mas se levantou e saiu, encostando a porta da suíte.
Não sei que horas eu dormi, mas acordei já de manhãzinha sentindo um pouco de frio e quando fui puxar uma colcha para me cobrir, notei que a Sophie estava deitada ao meu lado, encolhidinha no canto da cama para não me alarmar da sua presença, mas dormindo profundamente. Eu a cobri e silenciosamente saí. Deitei-me no sofá da sala e lá fiquei até o dia raiar.
Vi quando a Sophie acordou e ficou parada no canto do corredor que dá acesso entre o quarto e a sala, me olhando, em silêncio. Vi também quando ela foi até a cozinha e começou a preparar o café da manhã. Nesse momento, fui até o quarto e me vesti, saindo para o trabalho, sorrateiramente para não precisar conversar com ela.
No escritório, comecei a cuidar dos meus assuntos, mas logo fui chamado até a sala do meu patrão. Assim que entrei, ele trancou a porta e me pediu para sentar. Eu sabia o que ele queria saber e fui bastante objetivo:
- Tive uma conversa séria com ela ontem e ela confessou tudo.
- Tudo!?
- Tudo. Disse que se envolveu mesmo com o Celão, mas que ainda me ama e coisa e tal.
- Caramba… Como pode isso, Arnaldo!?
- Pois é… Poder não pode, mas aconteceu.
- Você gravou a conversa?
- Nem pensei nisso na hora…
Ele me olhou de forma bem séria e balançou negativamente a sua cabeça, mas não me criticou:
- E o que você vai fazer agora?
- Eu ia sair de casa e me divorciar, mas aconteceu uma que me tirou o chão.
- Pior do que saber que a esposa estava te traindo com o tio dela?
- Pior…
- Porra, homem, fala logo!
- Ela está grávida.
- Sério, Arnaldo!? Você caiu no velho conto da barriga?
- Ela me mostrou resultado de exame e tudo. Parece que teve um mal estar ontem e foi levada até o Hospital Samaritano. Lá a atenderam e descobriram que ela está grávida.
Meu chefe balançou negativamente a cabeça, com um sorriso sarcástico nos lábios e falou:
- Samaritano, não é? Vamos tirar essa história a limpo…
Ele pegou o celular e ligou para alguém que aparentemente trabalha nesse hospital. Durante a conversa ele me perguntou o nome completo da Sophie e se, por acaso, eu tinha o número de algum documento. Passei os dois, o nome e o CPF dela. Ele repetiu para a pessoa e logo desligaram:
- É… Dessa vez, ela não mentiu. - Ele falou, coçando a cabeça: - Caralho! Mas essa agora… E é seu?
- Certamente sim. Ele ficou mais ou menos um mês em casa e acredito que ela deva ter usado preservativo, porque estávamos evitando a gravidez. Além disso, eu achei aquela embalagem lá que eu te contei.
- Puta que pariu, cara! Mas que sinuca…
- Pois é! E agora estou eu aí, sem saber para que lado ir.
Como advogados, começamos a analisar os fatos tentando retirar o máximo da emoção envolvida, mas era difícil, pelo menos para mim. Ao final, o meu patrão me disse o óbvio:
- Você não é obrigado a continuar com ela depois de tudo o que ela te fez. Tudo bem, você terá as suas obrigações com o filho, mas nada mais com ela. Como você sabe, o cônjuge adúltero perde o direito ao pensionamento. Então, seria só divisão de patrimônio, estabelecimento da guarda compartilhada, que hoje é a regra, e pagamento de pensão para o filho ou cada um suporta as despesas quando o filho estiver consigo.
- Eu sei. Só estou esperando os pais dela chegarem para eu sair de casa. Eu… também acho difícil a gente continuar.
- Essa decisão é sua! Não ponho o meu pentelho no meio. - Ele disse e fez uma careta antes de se corrigir: - Bedelho! Bedelho, não pentelho… Bem, de qualquer forma, pense com calma, reflita, não discuta em hipótese alguma com ela e decida. Se quiser conversar novamente, estou à sua disposição.
Pouco antes do horário do almoço, fugindo à normalidade, a Sophie me ligou. Dava para notar pela forma que falava que havia chorado ou ainda estava chorando. Ela queria saber se eu iria almoçar com ela:
- Você está bem? Está sentindo algo? Precisa que eu vá?
- Bem… Como alguém pode ficar bem sabendo que magoou o homem que ama?
- Sophie…
- Eu estou bem sim! - Ela me interrompeu e após um suspiro, falou: - Eu só queria ouvir a sua voz. Sei lá… Talvez almoçar com você.
- Eu… Eu vou dar um jeito. Eu passo aí.
- Sério!? Não, quero dizer, que ótimo! Estou te esperando.
Próximo ao meio dia, cheguei em casa. Assim que entrei, ouvi vozes na cozinha e pensei se tratar de seus pais, mas ao me aproximar vejo justamente quem eu não desejava ver nem no leito de morte:
- VOCÊ!? - Lembro de ter gritado assim que o Celão me encarou de volta.
- Calma! Eu vim em paz. Acho que precisamos conversar para resolver um grande mal entendido aqui.
- Mal entendido, seu filho da puta!? Vou te mostrar como entendi direitinho o que aconteceu. - Falei, indo quente em sua direção.
- Fica calmo, Arnaldo! - Ele pediu, levantando-se da cadeira e erguendo ambos os braços: - Eu não sei o que você conversou com a Sophie, mas acho que seria bom você ouvir os dois lados da história antes de tomar partido.
- Vai querer falar mal dela agora, seu canalha!?
- Só me escuta. Vou ser rápido e saio. Eu prometo.
Eu já havia jogado a minha pasta de documentos de lado e tirado o terno, mas quando ele disse “os dois lados da história”, não nego que fiquei curioso. Olhei para a Sophie que aparentemente também não entendeu onde ele queria chegar, pois o encarava com uma expressão de surpresa:
- Tudo bem. Você tem 2 minutos. - Falei, olhando para o meu celular.
- Muito bem então… - Ele resmungou e sequer se sentou, mesmo porque eu também me mantive de pé, ainda pronto para um enfrentamento: - A gente nunca pensou que você iria reagir assim…
- A gente!? - Eu o interrompeu.
- Sim. Quando surgiu a oportunidade de eu e a Sofi… bem… da gente… - Ele se calou, pigarreou e após um rápido suspiro disse: - Você entendeu, né? Quando surgiu a oportunidade, eu falei sobre o problema que poderia dar, mas a Sofi me disse que você tinha curiosidade nessa coisa de meio liberal. Daí, como ela falou com tanta certeza, acabei pensando que vocês já estivessem meio que combinados, entende? Só faltando um empurrão…
Olhei para a Sophie e ela não tirava os olhos dele, mas também não negava. Acabei considerando naquela perspectiva o velho ditado “quem cala, consente” e o encarei novamente. Ele prosseguiu:
- Daí… aconteceu! Não nego que foi muito bom. A Sofi sempre foi muito quente no sexo, gostosa pra caralho, e como a gente já tinha uma certa… intimidade, acabou que foram rolando mais vezes.
- Comentei com a Sofi sobre três flagras que eu dei em vocês: aquele dia na sala, em trajes curtíssimos; no outro dia em que peguei você saindo da nossa suíte, apenas enrolado numa toalha; e ontem, no shopping central. Vocês transaram nesses dias?
Ele se surpreendeu quando falei do shopping, mas pareceu tranquilo nos dois primeiros. Como aparentemente estava querendo ser honesto, balançou afirmativamente a cabeça e disse:
- No dia da sala, foi só uma coincidência. Se você se lembra, estávamos vestidos. Tudo bem que eram roupas curtas, mas estávamos vestidos. Se rolou, foi só rolou um esfrega, não foi não, Sofi? - Ele perguntou para ela que baixou a cabeça, escondendo os olhos sob as mãos: - Ah tá. Desculpa… No dia do banho, é… a gente… a gente tinha transado antes, sim. Se você tivesse chegado uns 30, talvez 40 minutos antes, teria nos flagrado… transando. Já ontem, a gente marcou apenas de se encontrar. Você pode não acreditar, mas eu estava preocupado com a situação de vocês, então pedi para conversar com ela. Marcamos de nos encontrar num café do shopping.
Inadvertidamente, acabei balançando a minha cabeça, concordando com a sua explicação e acho que isso lhe deu mais ânimo para falar, tanto que disse algo que eu não sabia:
- Eu não sei bem até onde você viu, mas deve ter notado que só lá, bem depois, é que a gente decidiu dar uma esticada no motel. - Vendo que eu arregalei os meus olhos para ele, passando a encarar a Sophie que agora olhava para o chão, balançando negativamente a cabeça, ele explicou: - Mas também não aconteceu! A Sofi passou mal, teve uma queda de pressão… sei lá… e eu a levei num hospital, onde descobrimos que… - Ele a encarou e perguntou novamente: - Ela já sabe, né?
A Sophie balançou afirmativamente a cabeça e ele prosseguiu:
- Que bom… Parabéns, viu? - Ele disse, mas agora eu nada fiz além de encará-lo com sangue nos olhos: - Daí, não tivemos mais clima. Assim que ela foi liberada pelo médico, eu a trouxe para cá.
- Bom, você parece estar falando a verdade. Pelo menos, a Sofi não contestou nada do que você disse até agora. - Falei e me voltei para ela: - Você já conseguiu falar com os seus pais?
Ela balançou a cabeça negativamente para mim e eu continuei:
- Melhor agilizar isso então. - Peguei o meu celular e ela veio na minha direção.
- Amor, por favor… Nããão!
- Sophie, eu não vou ficar com você! Só estou esperando os seus pais chegarem para eu dar um rumo na minha vida.
- O que é isso, cara!? Ela está grávida, é teu filho! - Disse o Celão.
- Será!? Até onde eu sei, pode ser seu! Pode ser do vizinho, de algum entregador, de um colega da academia, um aluno! Pelo me consta, pode ser de qualquer um que tenha um pau, porque se ela não foi honesta comigo nos últimos dias, pode não estar sendo há um bom tempo!
- Arnaldo, por favor! Eu fiz com o tio porque… porque…
- “Porque”... - Repeti involuntariamente, irado, querendo discussão, mas me interessei pela resposta: - Taí! Fiquei curioso. Por queeee?
- Ele não sabe? - Celão perguntou, certamente para ela que desviou o olhar de mim para ele, fulminando-o.
- Não sei do que?
- Sophie, é o seguinte: vocês estão nesse problema porque estão vivendo de meias verdades. Abre o jogo de vez, caramba! Fala tudo e reconquista a confiança dele por merecimento. - Disse o Celão, até me surpreendendo.
A Sophie ainda o encarou com os olhos injetados de raiva por um momento, mas depois suspirou profundamente e baixou a cabeça, mas na direção dele, não na minha:
- Sophie! Você vai falar logo ou como é que é? - Eu insisti.
- O tio… ele é, digo, foi… bem… ele foi o meu primeiro… homem… - Ela murmurou.
- Há! isso explica porque as coisas aconteceram tão rapidamente. - Concluí.
Ela se virou para mim, enxugou uma lágrima e falou:
- Amor, você tem o direito de não acreditar em nada do que eu estou falando, mas…
- Não, engano seu! - A interrompi: - Pela primeira vez, em quase um mês, estou acreditando em algo que você diz.
Ela fez uma cara de que não gostou do comentário, mas prosseguiu:
- A gente não combinou nada. O tio realmente veio fazer um curso…
- Estou fazendo ainda. - Ele ratificou.
- Acontece que quando ele chegou, já no aeroporto, no meio do abraço, eu senti uma coisa diferente, um… fogo… sei lá! Enfim, acabou que a gente ficou já nesse dia aqui em casa, mas sem sexo. Daí no dia seguinte, depois que você saiu para o trabalho, a gente conversou e ele me disse que poderia dar um problemão se você descobrisse. Eu me lembrei daquele seu convite e falei para ele que você tinha essa vontade, curiosidade, sei lá… Daí, ele me disse que a gente poderia usar isso para testar até onde você conseguiria ir. Só que… - Ela suspirou, olhando para baixo e deixando os seus ombros caírem, para depois me encarar novamente: - Acabou não dando tempo de nada. Já no outro dia, enquanto a gente planejava como fazer você aceitar uma brincadeira mais quente, algo a três, acabamos ficando excitados e… rolou.
- Já no terceiro dia… Que bom, hein? Não perderam tempo mesmo!
- Desculpa, mas não aguentamos. Daí veio aquele seu flagra na gente, ali na sala… Não estávamos fazendo nada mesmo naquele dia. Acredite ou não, eu só estava alongando mesmo o tio, se bem que, claro, a gente se esfregou. Então, começamos a nos policiar melhor, enquanto seguíamos pensando em como te incluir na dinâmica…
- “Dinâmica do casal”... - Resmunguei, a interrompendo, esfregando os dedos indicador e médio, enquanto apontava para eles, indicando que o casal seria eles.
- Não, amor, nunca teve isso. O casal somos nós, eu e você! Eu e o tio só erramos o tempo e a forma, e eu a pessoa com quem eu deveria ter me aberto desde o começo. - Disse, dando a entender que essa pessoa seria eu.
- Você ficou quanto tempo aqui em casa, Celão? - Perguntei olhando para ele.
- Quase um mês.
- Certo! Quantas vezes vocês transaram nesse meio tempo?
- Algumas… - Disse a Sophie.
- Várias… - Disse o Celão, praticamente ao mesmo tempo.
Encarei a Sophie e ela disse:
- Que diferença faz se foram duas ou dez? Nós transamos. Ponto final.
- Não quer se libertar do peso das suas mentiras, Sofi? - Perguntei e complementei: - Não é você que é católica, apostólica e não sei o quê? Então, queridinha, vamos de João 8:32!
- Que João? Quem é João? - Perguntou a Sophie.
- João… da Bíblia… “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” - Expliquei, chateado com a sua falsa carolice.
- Não sei a quantidade exata, amor, mas foram várias. Em alguns dias, até mais de uma. Desculpa… - Ela enfim respondeu e abaixou a cabeça, balançando-a em negação, com a face vermelha, talvez envergonhada de si mesma.
Voltei a atenção novamente para o meu celular, procurando o contato do meu sogro e o Celão tomou o aparelho da minha mão, falando algo sobre perdão, arrependimento e entendimento:
- Entendimento!? - Perguntei sem entender onde ele queria chegar.
- É, cara! Vocês dois, nós três… Pensa bem, agora que tudo está esclarecido, podemos aproveitar pra caramba enquanto eu ainda estiver por aqui. Podemos até ir na casa de swing como você queria. Aposto até que consigo convencer a Sofi a te liberar para alguma gostosa…
Não sei porquê, mas foi só nesse momento que eu perdi a razão. Quando dei por mim, já tinha partido para cima dele. O Celão é bem mais alto e mais forte do que eu, mesmo assim eu iria me desdobrar para acabar com ele, ou morreria tentando, a hipótese mais provável. A Sophie começou a gritar, mas eu já havia travado no meu alvo e estava dando o meu melhor, socando a sua cara, peito, braços, enfim, tudo o que eu alcançava. Entretanto, deu o que todos já devem ter imaginado: bati, mas apanhei muito mais e no final ele me deu um mata leão que já estava transportando a minha consciência para Nárnia:
- Acha mesmo que pode comigo, seu corno enrustido? Aposto que curtiu de montão saber que eu fodi a esposa e agora quer dar uma de veadinho selvagem para cima de mim... Vai à merda! Vou te mostrar quem é o macho de verdade por aqui e se brincar ainda vou comer a Sofi na sua frente e mando ela dividir uma leitada bem morninha com você, para ver se acalma esses seus nervos.
Eu estava quase perdendo os sentidos quando ouvi o som de vidros se quebrando e um alto gemido do Celão. Seus braços perderam força e consegui me soltar. Cambaleei para a frente e então vi que a Sophie havia quebrado uma garrafa na cabeça dele e agora berrava a plenos pulmões:
- Sai já da minha casa, seu maldito! Eu pedi para você me ajudar a explicar tudo o que aconteceu, não bater no meu marido. - Ela foi então até a pia da cozinha e pegou uma faca, levantando-a e já dando um passo na direção dele enquanto berrava: - Sai já daqui ou eu te mato! Juro que te mato!
Ele foi cambaleando em direção à porta da sala, enquanto eu já me escorava na parede, pronto para enfrentá-lo novamente. Ouvi então ele dizer:
- Você é um burro, Arnaldo! Eu te fiz um favor. Mas tá beleza… Você ainda vai me agradecer. - Disse e saiu de casa, batendo a porta atrás de si.
Preocupadíssima, a Sophie veio na minha direção, ver como eu estava. Não sei se ela não ouviu ou simplesmente ignorou o Celão, mas eu, apesar de grogue, ouvi tudo e guardei cada palavra. Eu não estava machucado… bem… não muito. Fora um olho inchado e roxo, e um dente mole, eu até que estava bem. Naturalmente, precisei ficar uns dias em casa, afinal, não pegaria bem um advogado chegar para trabalhar naquelas condições. Nem precisei justificar muito para o meu patrão, pois, quando fiz uma chamada de vídeo, ele começou a rir da minha cara e adiantou as minhas férias.
Fui tratado a pão de ló pela Sophie. Nem em nossos melhores momentos, fui tão paparicado. Não havia fingimento em seu cuidado comigo, mas ainda assim eu não conseguia mais me reconectar com a minha esposa. Acho que o trauma acabou sendo maior do que eu imaginava, algo que ela se daria conta nos dias seguintes.
Ao final de uma semana, eu voltei ao trabalho. Nesse dia, ao retornar para casa, meus sogros lá estavam, acompanhados da avó da Sophie, dona Joaninha. Os semblantes de todos estavam horríveis. Perguntei o que havia acontecido já imaginando a resposta e o seu João foi bastante seco, característica que lhe era peculiar:
- Tem como “tá” feliz? Chego aqui e descubro que minha “fia” “tá” grávida... Tudo é festa! Depois ela joga um “barde” de água fria na gente, “falano” que vai “separá”. Então, pergunto o que aconteceu e descubro que ela te “chifrô”...
A dona Maria lançou-lhe um olhar fulminante e se levantou, vindo na minha direção. Aproximou-se enfim e olhou para o meu rosto, especialmente para o olho ainda levemente roxo. Então, balançou negativamente a cabeça e disse:
- “Brigá”, Naldinho! “Percisava” disso “memo”? - Antes que eu respondesse, como se já lhe servisse de resposta, ela olhou na direção da filha e outra vez balançou negativamente a cabeça para depois me encarar: - A Sofi… Ela nos “contô”. Eu nem sei como te “pedi” “descurpa” pelo “contecido”.
- Contou? Tudo!?
- Tudo… Pelo menos, acho que tudo, porque se “inda” “tivé” mais… - Resmungou o seu João, ainda sentado ao lado da filha, encarando-a de uma forma bastante chateada, enquanto ela se mantinha de cabeça baixa: - Assim que eu “encontrá” com aquele cafajeste, vou me “acertá” com ele. Ah, se “vô”!
- Pai, para! Só vai piorar tudo. - Disse a Sophie.
- Tudo o que? Ele “cabô” com a sua inocência e não satisfeito “inda” veio “cabá” com o seu casamento. Ele vai se ver comigo, sim, senhora!
- Mãe! - Resmungou a Sophie.
- Eu falo com ele “dispois”, Sofi. Agora eu só quero “sabê” como “ocês” vão “ficá”. - Falou sem tirar os olhos de mim.
- Como assim “vocês”? - Perguntei.
- “Ocê” tem certeza que quer se “separá” dela logo agora que tem um “fio” a caminho?
Olhei surpreso para a dona Maria e depois para os demais, sentados no sofá de casa. Sophie ainda mantinha uma esperança no olhar, mas o seu João entendeu o meu lado e tomou as minhas dores:
- É claro que ele “qué”, mulher! Nossa “fia” traiu ele, dentro da própria casa e com um hóspede que ele recebeu com toda boa vontade. Tem mais é que “separá” “memo”!
- Pai!?
- O quê!? Acha que eu “tô” errado? Se coloca no lugar dele, Sofi. Imagina que ele engravidou uma prima sua, hospedada aqui por você. Você ia “ficá” com ele? - Perguntou e ele próprio respondeu: - Ia nada! Te conheço muito bem e sei que “ocê” é ruim “iguar” tua mãe. “Cê” não ia “deixá” barato mesmo.
- A situação agora é outra, João. - Disse, enfim, a dona Joaninha, que até então assistia a tudo e todos, calada: - A “minina” “tá” grávida e acho que “ocê” “falano” assim não ajuda nada a acalentar o coração deles.
Ele resmungou alguma coisa, mas foi tão baixo que eu não consegui entender. Não sei se a dona Maria compreendeu, mas pela forma como a Sophie e a dona Joaninha o encararam, acredito que não tenha sido coisa boa de se ouvir. Após isso, reinou um silêncio no ambiente que foi quebrado pela própria Sophie:
- Eu só preciso de um lugar para ficar, mãe. Não vou obrigar o Naldo a me manter, nem tenho esse direito. Eu errei, eu sei! Só preciso de um teto e depois que o bebê nascer, eu… eu… arrumo um trabalho, um canto para nós. Depois, eu decido o que faço da minha vida.
- Vai em casa então, uai! - Disse o seu João: - Na rua, não vai “ficá”.
- Do jeito bruto que “ocê” “tá”!? Fica nada! - Retrucou a dona Joaninha: - Ela vai “ficá” lá em casa. Isso sim.
Começou então uma discussão entre os dois e vi que a coisa iria descambar para “elogios” indizíveis para menores de 18 anos. A Sophie já chorava entre os dois e a dona Maria, que havia retornado para perto deles, não conseguia apaziguar os ânimos. Então, decidi tomar uma atitude que não sabia se seria a melhor, mas certamente não era a pior naquela situação:
- CHEGA! - Falei mais alto do que o necessário, mas o suficiente para fazê-los se calarem: - A Sophie ficará aqui comigo. Já estamos habituados um com o outro, ela tem a médica de confiança dela e assim eu tenho melhores condições de cuidar do bebê que vai nascer.
Enfim, eles se calaram e depois ficaram trocando olhares, entre si e comigo por algum tempo, todos em silêncio. Ao final, o seu João, mais calmo, perguntou:
- Mas “cê” não “falô” que queria “separá”?
- Posso fazer isso depois. Agora, tenho que cuidar do bebê! E cuido dela também…
A Sophie se levantou e veio na minha direção. Então segurou a minha mão e disse um simples “vem!”, enquanto me puxava em direção à cozinha. Ali, “sozinhos”, porque na realidade estávamos separados por apenas uma parede de distância, ela me perguntou:
- Você tem certeza? Eu sei que você não quer ficar comigo...
- Não estou reatando o nosso casamento. Só disse que você ficando aqui, eu tenho melhores condições de cuidar do bebê e de você.
- De mim?
- De você também, é claro! Pacote completo.
Ela sorriu e me agradeceu, reconhecendo que seria a melhor decisão. Retornamos à sala e demos a notícia para a família. A dona Joaninha e a dona Maria gostaram da decisão. Certamente, pensavam que havia chance da gente se entender. Já o seu João seguiu me olhando desconfiado, mas pela forma que olhava para a Sophie, acredito que estava dando graças a Deus por não ter que levá-la de volta para a sua casa.
Estabelecemos uma rotina amistosa em casa. Ela ficou na suíte e eu no quarto de hóspedes. Entretanto, fiz questão de me livrar do sofá cama que havia sido utilizado pelo Celão, comprando outro mais confortável. Sophie continuou dando suas aulas como “personal” e eu trabalhando no escritório. A convivência era muito boa! A gente conversava, brincava, interagia e eu, inclusive, curti bastante a expectativa de ser pai, vez ou outra eu até conversava com a barriga dela.
Não tenho como negar, a Sophie ficou uma grávida linda. Dizem que toda mulher fica diferente quando está grávida e não é mentira. Ela ficava cada vez mais radiante conforme a sua barriga crescia. Na academia, todos se desdobravam para auxiliá-la, enquanto ela ainda conseguia dar as suas aulas. Os elogios não cessavam, mas ela, agora, era a mais reta e correta das mulheres, cortando toda e qualquer insinuação de outros logo no início.
Quando me era possível, eu a acompanhava nos exames neonatais e a sua médica não cansava de elogiar o crescimento do bebê que, malandramente, não deixava ver o sexo com nitidez. Somente no dia em que fomos fazer o ultrassom 3D, tivemos a surpresa de descobrir que era um menino, aliás, bem pirocudinho para a idade dele:
- Não é uma perninha? - Perguntei ao ver a imagem.
- Não é o piu-piu dele mesmo! - Disse a médica, sorridente: - Pode ficar orgulhoso, pai, esse aí vai ser o terror das menininhas.
Não nego novamente, fiquei orgulhoso mesmo e adorei saber que teria um companheirinho para poder ensinar as coisas mais simples como jogar bola, brincar de carrinho, paquerar… mas também chorei muito nesse dia, triste por saber que não seria o pai tão presente como eu sempre sonhara. A Sophie também ficou feliz, mas não tanto quando eu.
Um fato importante a se mencionar é que ela, por mais que se desdobrasse em se mostrar como a companheira perfeita, parecia sentir que não estava sendo bem sucedida. Foram várias as vezes em que eu a flagrei chorando ou com os olhos inchados. Talvez a culpa agora a massacrasse também…
Foi mais ou menos nessa época que soubemos que o seu João havia dado uns, na própria definição da dona Maria, “catiripapos” no Celão. Parece que eles haviam sido convidados para uma festa de aniversário da Juliana, justamente a esposa dele, e o seu João exagerou na branquinha. Resultado: ele não pôs a boca no trombone, mas enfiou o trombone na boca do Celão. Como já corria à boca pequena uma certa “fama de mulherengo” para o Celão, a Juliana o colocou para fora de casa, baseado numa simples palavra dita pelo meu sogro: talarico dos infernos!
Talvez tenha sido essa a melhor lembrança que eu tive de todo esse período, pois comecei a rir sozinho enquanto montava hoje as minhas malas. Quando terminei de encher uma delas, recebo um telefonema, já imaginando se tratar da Sophie. Errei feio, era o Celão e embora isso tenha me atiçado a curiosidade, afinal, eu ainda não sabia se ele havia voltado para a sua casa, mas se tivesse voltado, talvez a novidade do nascimento do rebento o colocasse na rua em breve novamente, não o atendi.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.