• AO SOM DA VITROLA ~ Capítulo 7 [Parte 2/3]

Um conto erótico de Sativo
Categoria: Heterossexual
Contém 5724 palavras
Data: 10/11/2024 11:36:45
Última revisão: 10/11/2024 12:04:38

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• Capítulo 7.2 ~ OS LIMITES ENTRE O CÉU E A TERRA

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Foram segundos de espera que se alongaram como se o próprio tempo estivesse hesitante, brincando com meus sentidos enquanto eu encarava a pequena vidraça da porta. Do outro lado, a silhueta de Dayana, etérea e misteriosa, revelou-se lentamente, envolta por uma escuridão que parecia puxá-la para dentro de si. Era como observar uma divindade emergir de sombras profundas, trazendo consigo o peso de um segredo inexprimível.

Quando Dayana abriu a porta, todo o instante pareceu se dilatar, como se o próprio ar estivesse impregnado por um feitiço intoxicante. Ela estava ali, bela e sombria, vestida em uma camisola preta de seda que fluía como uma segunda pele, um véu que ocultava e revelava ao mesmo tempo. A luz fraca da sala parecia ser tragada por ela, como se sua presença absorvesse tudo. Numa das mãos, uma taça de vinho, tinto como sangue recente, e os lábios, rubros, denunciavam que já havia sorvido dele mais que alguns pequenos goles. O aroma doce de skunk flutuava no ar, dançando no ambiente, misturado ao perfume de palo santo do incenso e ao sal da maresia que entrava pela janela. Seus olhos, antes tão vivos, agora pareciam reservados, absorvidos por uma tristeza velada.

— Você veio mesmo... — disse Dayana, sua voz baixa, quase um sussurro. Havia uma sombra de incredulidade nas palavras, mas não parecia exatamente direcionada a mim, e sim ao destino que nos colocara face a face novamente.

— Desculpe pelo atraso... — murmuei com um sorriso hesitante, tentando mascarar a inquietação que crescia em mim.

— Não faz mal — ela me fitou com um olhar que carregava segredos pesados demais para se revelar subitamente — Algumas situações demandaram muito de mim hoje... — Um sorriso suave, quase triste, desenhou-se em seus lábios — Mas vamos, entre, Ícaro.

Ela apenas acenou suavemente, virando-se com uma elegância natural para dentro da casa, o frágil tecido de sua camisola deslizando atrás dela, como se estivesse atravessando um limiar entre o mundano e o profano.

Ela desviou o olhar para as profundezas de sua sala, e virando-se com uma elegância natural para dentro, com o frágil tecido de sua camisola deslizando atrás dela, segurou a porta para que eu entrasse. O ambiente dentro da pequena sala parecia respirado por um ar de antigas memórias, ostensivamente vivas nas cores vibrantes e nas plantas que exalavam uma energia pulsante. A brisa noturna, gélida como um suspiro do além, entrava pela janela, trazendo consigo o cheiro do mar, e, no canto, a vitrola, coincidentemente, tocando o disco 'Ferment', do Catherine Wheel; que havia me embalado na solidão da noite anterior. Tudo ali ressoava um eco nostálgico da última vez que estivera naquela sala, mas agora um detalhe trazia uma pontada de angústia ao meu peito: várias caixas dispersas, lacradas como tumbas. Fizeram-me questionar se, naquela noite, algo mais que simples sentimentos seriam guardados e selados. Dayana movia-se como alguém que lidava com ânsia do peso de despedidas não ditas.

— Teve muito trabalho, vejo — falei, apontando para as caixas, tentando disfarçar a crescente inquietação — Tem certeza de que tirou folga hoje?

Ela sorriu, mas um véu de escuridão desceu sobre seu semblante.

— Folga? Só dá agência mesmo, como percebeu — murmurou com uma voz entrecortada e, referindo-se às caixas, continuou — A verdade é que isso me tomou um bom tempo... — seu olhar se turvou uma vez mais, mesclando-se à penumbra de minhas próprias expectativas se despedaçando no silêncio da noite — E junto com o meu tempo, foi-se a minha paz.

Eu sentia um peso insuportável no peito. Minhas dúvidas e angústias me comprimiam, como se uma mão invisível me apertasse o coração, mas eu me contive. Não queria sufocar Dayana com o turbilhão de pensamentos que rodopiavam dentro de mim. Estava cego pelo desejo de saber o que ela, afinal, sentia por mim. No entanto, se fosse lúcido o bastante para perceber, entenderia que havia muito mais que nossas emoções entrelaçadas naquela história que começava a se desenrolar. Talvez não tivesse ficado tão comovido, tão desesperado, depois da conversa com João, ou mesmo depois daquela noite profana, em que nossos destinos pareceram se entrelaçar de forma visceral naquele pequeno santuário à luz bruxuleante das velas. A verdade é que, ao entrar de novo naquela sala, percebi que havia camadas mais profundas de mistério entre nós, e essa noite seria apenas o começo de desvelá-las.

Minha mente se perdeu, por um breve instante, em um nevoeiro de pensamentos. Perguntava-me o que mais havia ocorrido desde nosso último encontro, que sombras haviam se instalado entre aqueles dias silentes. Dayana me trouxe de volta, sua voz suave, mas sombria, me chamando para o presente.

— Sente-se — disse com um gesto fluido, apontando para o sofá acolhedor que parecia quase uma alcova em meio àquela escuridão confortável.

Obedeci em silêncio. A cada movimento seu, havia uma graça triste, uma beleza ferida. Ao se acomodar ao meu lado, ela me estendeu o suporte de madeira que carregava consigo um cinzeiro e o cigarro de skunk, ainda quase intacto. Sobre o mesmo, repousava o isqueiro que eu lhe havia presenteado na última vez que estivéramos juntos. Acendi o cigarro; a chama do isqueiro iluminou por um breve momento meu rosto, revelando a inquietação nos meus olhos nebulosos. A fumaça subiu lentamente, mesclando-se ao ar já pesado da sala, enquanto o sabor amargo e doce me puxava para dentro de um torpor quase necessário. Olhei novamente para as caixas espalhadas, aquelas que desde o começo perturbavam minha paz, e juntei coragem para perguntar.

— Dayana... O que são essas caixas? — engoli seco — Está... de mudança?

Ela fechou os olhos lentamente, como quem prepara a alma para uma revelação dolorosa. Sua respiração carregava o fardo de segredos não revelados. Fez-se um silêncio pesado na sala, uma pausa expectante.

— Antes de qualquer coisa, Ícaro... — sua voz vacilou por um momento — Acho que você precisa saber o que aconteceu desde nossa última noite juntos.

O relógio marcava quase nove horas, e à medida que o tempo passava, Dayana começou a me contar sobre tudo que havia acontecido com João. As verdades sombrias que saíam de seus lábios eram como punhais que me cortavam; a chantagem, a manipulação insidiosa, a violência brutal. As imagens se formavam em minha mente como um filme de horror, cada cena mais doída que a anterior. João, que eu julgara apenas culpado de trivialidades, revelava-se uma figura monstruosa, ocultando as partes mais macabras de sua personalidade. Embora ele tivesse me confessado sua culpa, agora eu via o quanto ele manipulara a história, escondendo o abismo de sua crueldade. E, ao mesmo tempo, percebia que talvez ele nunca tivesse me contado a verdade sobre os sentimentos de Dayana. Ele apenas me entregara o que desejava: um respiro de falsa segurança, como se quisesse me conduzir de volta à sombra dela. Mas por quê? O enigma impregnava-se em meus pensamentos, mas a lógica me escapava.

— Sinto muito, Dayana, de verdade... — minha voz quebrou-se como vidro ao vento. — Isso também é culpa minha.

Mas ela sacudiu a cabeça, com firmeza.

— Não, Ícaro, você é o único que não carrega a culpa nessa história. Por isso preciso que entenda tudo — suspirou. — Como eu estava dizendo... foi João quem tomou meu celular naquela noite. Ele só me devolveu no dia seguinte, e foi então que descobri a mensagem absurda que ele te enviou.

Ela revelou que, quando João voltou no dia seguinte, a expressão arrependida que ele inicialmente mostrava logo se dissolveu. Havendo confessado o seu ato, implorou perdão, pedindo a ela que não o abandonasse.

— E o que você disse? — perguntei, temeroso da resposta.

— Que não poderia perdoá-lo, nem ficar com ele naquele momento. Que ele havia me ferido, de todas as formas possíveis, e tirado de mim tudo o que tinha de mais precioso — respondeu com uma calma dolorosa.

Aquilo me pareceu justo, mas eu sabia que João não reagiria bem. E descobri que estava certo.

— Ele não aceitou isso — Dayana continuou, sua voz um pouco mais sombria. — Entrou em fúria outra vez, exigindo que eu explicasse minhas conversas com a Estela.

A menção do nome "Estela" me trouxe uma nova bruma de dúvidas. Quem era essa figura oculta, parte dessa trama que se desdobrava ante meus pés?

Antes que ela prosseguisse, a pergunta escapou de meus lábios:

— E quem é Estela?

Dayana suspirou, como quem acorda antigas memórias que não poderiam ser reveladas tão facilmente. E, para minha surpresa, descobri que Estela fora mais do que uma amiga. Dayana revelou que as duas haviam se apaixonado durante a adolescência, era um laço tão profundo quanto o mar que batia nas janelas daquela casa. Mesmo após o término, mantiveram um vínculo inquebrável, e Estela, até então uma figura desconhecida para mim, havia estado ao lado de Dayana nas horas mais sombrias de sua vida, inclusive quando ela enfrentou o luto pela mãe. De repente, compreendi que a dor que Dayana carregava estavam além de minhas angústias. João, eu, Estela... éramos apenas peças num quebra-cabeça muito maior e mais ancestral do que eu havia tido a capacidade de enxergar.

Dayana suspirou profundamente, como alguém que, ao final, resolve encarar os fantasmas que por tanto tempo alimentara em silêncio. Cada palavra sua parecia enredada em um manto de tristeza e resignação, e eu sentia que, aos poucos, o véu que cobria o passado de Dayana estava finalmente sendo levantado.

— Agora percebo — começou ela, com a voz carregada de um lamento suave — que João sempre se sentiu ameaçado por Estela. Desde o começo, ele não queria só afastá-la de mim, mas também todas as minhas amizades mais íntimas. Fui sendo isolada, pouco a pouco, até que me vi completamente só. Cega, Ícaro… Cega demais para notar o quanto estava me afastando das minhas raízes.

Cada uma de suas palavras me atingia como um sopro gélido, revelando o quanto Dayana vivera em uma teia de manipulação e controle que eu, na minha pressa juvenil de respostas e declarações, nunca imaginara. Meu coração, antes inundado por uma vontade adolescente e egocêntrica de obter validação e amor, começava a aprender uma lição amarga. O que se desenrolava diante de mim não era uma confissão de amor romântico, mas algo mais denso, mais profundo. Embora nosso passado recente tivesse sido cheio de momentos íntimos e confusos, a verdade que Dayana trazia à tona vinha com uma maturidade esmagadora que me fazia sentir ainda mais distante dela. Eu, em minha inexperiência, mal compreendia a profundidade das correntes sob a superfície dos seus sentimentos.

— O que levou João a se revoltar com as últimas conversas que você teve com Estela? — perguntei, mesmo percebendo que a resposta traria mais sombras do que luz.

— Se queres realmente saber, Ícaro, eu contarei tudo desde o princípio. — E sua voz ganhou um peso quase ritualístico, como quem se prepara para uma confissão definitiva. — A história entre Estela e eu vai muito além do que você poderia supor...

Dayana então começou a me contar sobre sua história com Estela, um relato que atravessava os anos e marcava as cicatrizes do tempo. Falou-me da infância entrelaçada, do amor descobertos durante a adolescência, e de um laço tão profundo que transcendeu o fim do relacionamento romântico, transformando-se em algo ainda mais forte. Ela mencionou também como numa época que, agora parecia perdida, ela e João formaram um grupo íntimo com Estela e um tal de DJ Max, noites de vinho e música, momentos intensos que faziam minha cabeça girar com imagens opacas de decadência. E então, veio a separação mais dolorosa de todas: a mudança de Estela para outra cidade, que Dayana descreveu com uma intensidade tal que parecia que tudo ao redor de nós se tornava triste e esgotado. Era como se, ao narrar, Dayana estivesse rasgando as antigas feridas para que eu, finalmente, soubesse a profundidade do que estava acontecendo.

Nesse ponto da confissão, compreendi que a ligação entre Dayana e Estela ia muito além de qualquer experiência que eu teria imaginado. Não era apenas uma amizade ou um romance passado. Havia um vínculo que permanecia, algo que nunca seria rompido.

— Estela é minha primeira amiga verdadeira, a pessoa por quem senti o primeiro amor... e toda a minha vida, depois dela, foi apenas uma tentativa de me manter forte. Ela continuou sendo minha confidente, mesmo na distância — Dayana explicou, sua voz sombria. — E foi para ela que mandei mensagens, quando comecei a sentir as garras de controle do João se fechando sobre mim.

As últimas semanas tinham sido marcadas por conversas cifradas entre elas, em que Estela, ao perceber a situação sufocante em que Dayana se encontrava, havia propositalmente sugerido uma saída. "Venda essa casa e venha morar comigo", Estela sugerira há duas semanas. Ela podia arranjar um novo começo, uma cidade nova, um novo horizonte — longe dos fantasmas de João, longe das rédeas apertadas que ele tentara colocar em sua liberdade.

— O que você respondeu a ela? — perguntei, tentando esconder o tremor que inevitavelmente tomava conta de mim ao perceber o que aquelas caixas na sala representavam.

— Eu disse que não poderia vender a casa de minha mãe... que isso me feria. Mas Estela insistiu. Ela disse que de qualquer jeito me ajudaria a recomeçar.

— E você aceitou...

Dayana assentiu, e o peso daquela afirmação caiu sobre mim como uma lápide. Todo o meu medo, toda minha angústia se confirmou naquele instante. Ela iria embora.

— A Estela tem um pequeno apartamento no centro e já me ofereceu dividir as despesas. Farei isso, Ícaro. — Sua voz tinha uma serenidade que me devastava. — Organizei tudo... E, há uma semana, deixamos acertado que assim seria. Ela virá me buscar, e tudo isso se deu antes de eu e você se conhecer naquele ponto de ônibus na última sexta.

Dayana pediu alguns dias a Estela, dias esses que usaria para colocar ordem em sua vida antes da inevitável partida. Ela precisava empacotar não apenas seus pertences, mas também suas emoções, preparar cada adeus silencioso: à casa da mãe; ao relacionamento que fora se esvaziando; e à cidade que, de tantos modos, a sufocava agora.

Durante esse intervalo de espera e organização, ela manteve as aparências. Continuou ao lado de João, como se ainda fossem os mesmos de antes. Embora Dayana não o amasse mais de maneira intensa, ainda havia resquícios de um carinho que não podia ser facilmente descartado. No fundo, talvez parte dela ainda acreditasse que seria menos doloroso para ele se as coisas permanecessem estáveis até o último momento. Mas era uma ilusão temporária, e logo João veria as rachaduras sob a superfície.

— Ainda havia "carinho"?! Não seria amor?

— Não — mais uma pausa breve — Amor de verdade... eu só senti por Estela.

Uma fenda abriu-se sob mim, como se todo o chão sobre o qual minha vida emocional estava apoiada ruísse de repente. Eu afundava no vazio, o skunk intensificando cada sensação, como se mil mãos invisíveis me empurrassem para um abismo profundo e sem fim. E ali, diante de mim, Dayana permaneceu impassível, observando o caos que ela, sem malícia, havia finalmente revelado. O olhar dela, distante, mostrava-me que ela sabia qual seria o impacto daquela confissão. Mas parte de mim percebia que, nesse abismo, eu não fora arremessado por ela, mas pelas falsas esperanças juvenis que criei para mim mesmo.

Dayana suspirou de novo, como quem se prepara para o ápice de uma confissão já inevitável. Seu olhar, pesado e ao mesmo tempo delicado, parecia atravessar o momento presente e mergulhar no fundo de tudo o que vinha carregando.

— Quando o João me veio devolver o celular ontem à noite, ele já sabia... ele havia lido todas as minhas conversas com a Estela — disse ela.

João, em um ato de invasão cínica, havia desvendado seus segredos vasculhando cada mensagem, como um predador farejando no escuro. Foi assim que ele descobriu sobre o plano que Dayana e Estela tinham para sua nova vida juntas, longe de tudo aquilo que a aprisionava. As palavras de João durante a discussão ainda ressoavam nos ouvidos dela. "Sempre odiei aquela garota, algo me dizia que ela não era de confiança", ele dissera, durante mais uma briga. Mas a raiva dele não se limitava a Estela. Ao revirar o celular, João também encontrou pistas sobre um segredo bem mais íntimo e particular: o segundo diário de Dayana.

— Herdei esse costume da minha mãe — começou ela a explicar — Sempre escrevi sobre meu dia a dia, uma forma de organizar meus pensamentos... acabou virando algo terapêutico com o tempo. Mas a partir de certo ponto... — ela hesitou, como quem se prepara para admitir uma proteção quase infantil — comecei a desconfiar que João poderia querer me vigiar mais de perto. Foi então que arrumei um segundo diário, o que nomeei ‘Ao Som da Vitrola’.

Eu tentei, de alguma maneira, aliviar o peso daquela conversa com um comentário.

— Parece-me um ótimo título para um romance — disse, esboçando um leve sorriso, o clima carregado de tensão.

— Pois é... — Ela riu de leve, mas logo seu rosto voltou à solenidade daquela noite — Chamei-o assim porque escrevia nele sempre que tocava algum vinil em minha vitrola. E, coincidentemente, a primeira memória que registrei ali foi sobre você... quando nos conhecemos na sexta passada.

Era inevitável que a conversa, em algum momento, chegasse a mim, e naquele instante, os sentimentos intensificados pelo skunk e pela tensão pulsante no ar começavam a se agitar como um mar antes da tempestade. Ela conduzia cada palavra com a precisão de alguém que sabia o peso da verdade que carregava, mas que também sabia a delicadeza necessária para não destruir aquilo que estava por vir.

— Ícaro... Agora chegamos à parte em que preciso ser muito clara com você, mais do que fui até agora — a voz dela, embora suave, carregava essa firmeza inabalável — Imagino que o João tenha te procurado... Estou certa?

Eu poderia ter dito tudo naquele momento, despejado de uma vez o quanto João havia jogado com meus sentimentos, o quanto ele me havia manipulado também. Mas me contive... talvez porque, ali, diante de Dayana, eu soubesse que ela já conhecia o espírito manipulador de João melhor do que ninguém.

— Sim. Ele me procurou ontem por intermédio de Fernando e nesta manhã me ligou — confessei, sentindo o sabor amargo da verdade crua pairando no ar.

— E ele se aproveitou do teu gênio juvenil, sem dúvida — continuou ela, com voz ponderada — afogando teus sentimentos numa enchente de falsas expectativas... não foi?

Cada vez mais, Dayana parecia estar desvendando aquilo que João havia arquitetado como uma teia invisível em torno de nós dois. Ela observava cada movimento meu com a clareza de quem sabia exatamente qual era a próxima peça daquele jogo emocional.

— Sinceramente? Sim — admiti, sentindo a dor brotar em minha voz — Ele me fez acreditar que você sentia algo especial por mim... que esse algo era, quem sabe, amor. E isso alimentou algo em mim... Ao ponto de... — eu titubeei, as palavras se embaraçando em minha garganta — de eu perceber que... ou melhor, acreditar que eu... estava perdido de amor por você, Dayana.

Dayana respirou profundamente, olhando para mim com uma mistura de ternura e culpa. Ela parecia sentir que carregava alguma responsabilidade por eu me encontrar perdido naquelas emoções.

— Tive medo que isso acontecesse depois daquela nossa noite juntos... os olhares, os presente, o prazer primal... — confessou ela com uma genuína tristeza em sua voz, como se esperasse um desfecho diferente — João deixou este lugar enfurecido, e foi ali que tive um lapso de realidade. Fiz besteira, Ícaro, ultrapassei certos limites com você... e me arrependo disso.

Enquanto ela falava, era como se a névoa do entendimento finalmente começasse a se dissipar. Dayana havia subestimado a intensidade de meus sentimentos imaturos. Não era uma questão de maldade ou manipulação da parte dela, era como se simplesmente não pudesse ver o quanto eu estava prestes a afundar em tudo aquilo. E, paradoxalmente, ao perceber que sua confissão não seria a que eu tanto ansiava ouvir, algo dentro de mim começou a se desarmar. A cada palavra dela, o turbilhão de emoções que eu sentia se silenciava um pouco mais. O desfecho era doloroso, mas também libertador, de alguma forma.

— Espero que você tenha mais tempo esta noite, porque ainda há mais a ser dito — disse Dayana, interrompendo meus pensamentos — E eu gostaria de te pedir uma coisa... Que durma aqui. Eu não estive em paz esses últimos dias, pensando se esse momento honesto entre nós dois realmente aconteceria.

Havia sido, provavelmente, uma das noites mais pesadas de minha vida, mas a verdade era necessária.

— Por mim, tudo certo. — assenti, deixando que a resignação fluísse dos meus lábios — Eu sinto que preciso de toda a verdade, Dayana, para que eu possa seguir em paz, finalmente.

Aquele pedido, de maneira estranha, não soava como um convite vulgar ou oportunista. Eu sabia que as próximas horas seriam decisivas, não apenas para nós, mas para a forma como eu aprenderia a lidar com o que o futuro me reservava.

A influência etérea do skunk se fortalecia em meus sentidos, meu corpo relaxava, assim como minha mente, que parecia flutuar entre realidades tangíveis e seus espectros vagos. No entanto, lembrei-me de uma coisa... precisava avisar minha mãe que não voltaria naquela noite. Pedi licença à Dayana e caminhei até o terraço, onde o vento gelado, comum às vastidões litorâneas, acariciou meu rosto, como um presságio frio e sussurrante. Após alguns breves minutos ao telefone, retornei para dentro, sentindo-me envolto na frialdade da noite que se afirmava.

De volta à penumbra da sala, a atmosfera densa foi a primeira a acolher-me. Dayana, como quem conhece cada canto obscuro da alma humana, parecia prever meu retorno. Havia retrocedido o disco até a melancólica "Black Metallic", a música que, na noite anterior, fora a fiel guardiã dos meus demônios pessoais. Enquanto essa melodia soturna preenchia cada fresta do espaço ao nosso redor, suas palavras cortaram o silêncio como o gume frio de uma navalha, atingindo-me nas profundezas.

— Ícaro... — disse suavemente, sua voz semelhante a um eco — Preciso te confessar... Sinto, sim, algo especial por você, algo potente, mas não é amor. É uma luxúria insaciável, misturada com uma profunda admiração. — Suas palavras saíam como um feitiço, carregadas com a força de verdades dolorosas — Depois daquele nosso encontro furtivo no ponto de ônibus, não resisti. Escrevi à Estela, pedindo alguns dias mais... dias esses que decidi dedicar a ti, ver-te o máximo antes de partir para longe desta cidade.

Havia então certo teatro sombrio em revelar as mensagens entre ela e Estela, como uma oferenda macabra. Ali, entre os vestígios de uma antiga paixão, as duas mantinham viva uma chama. Como se não bastasse, eu fui o único motivo de Dayana decidir adiar sua fuga. João, ao descobrir, não suportou a verdade. Derrotado por aquele amargo ocultamento, confrontara Dayana, dilacerado pela raiva e pelo ciúme. Sua humilhação, clara e irreversível, tingia todo o ar como o sangue fresco de uma ferida recém-aberta.

— João soube, claro. Soube de tudo antes de procurá-lo, Ícaro... — prosseguiu Dayana, sua voz mais afiada agora — Ele armou um plano vil, de pura vingança. Queria que você acreditasse na reciprocidade desse amor fugaz, apenas para que pudesse sentir seu coração se estilhaçar aos poucos, até que apenas cacos restassem de sua inocência.

As palavras dela eram um lembrete funesto; era impossível ignorar o quanto tudo aquilo era movido por forças muito mais sombrias e vorazes do que apenas desejos carnais. E João, aquele homem devastado por seu próprio ressentimento, só queria arrastar-me também para aquele reino de dor que agora ele habitava.

Enquanto as confissões continuavam, minha mente fugia para pensamentos sobre arrependimentos, como se tentasse escapar das teias que se apertavam ao meu redor. "Ela não deveria ter ficado", pensei. Não por minha causa. Eu, tolo, ingressara ingenuamente naquele labirinto de sensualidade e dor, sem saber que, ao final, só encontraria a inevitável perda. Se não fosse por aquela fatídica noite, sob o véu quase funéreo do pôr do sol… poderíamos ter evitado tudo.

Contudo, por mais sombrios que fossem nossos caminhos até ali, pairava no ambiente algo de irrevogável: não existia arrependimento. Nem para ela, nem para mim. Dayana, com uma lasciva que se mesclava à sua nostalgia, confessava seu pesar não na intensidade do que tínhamos vivido, mas pelo caos causado. E, mesmo com meu peito corroído pelo vazio, percebi que, no fundo, eu sentia o mesmo. Tivesse a chance, reviveria cada momento. Mesmo que significasse subjugar-me novamente aos fantasmas que me assombraram.

— Ah, Dayana... — minha voz vacilou por um instante, como se o próprio peso das palavras as impedisse de emergir — Com certeza tu já sabes que compartilho do teu sentir. Não há lamento que caiba em mim quanto a isso. Se algo há a ser dito de minha parte, é um agradecimento profundo. Antes de ti, meus dias eram envoltos numa névoa pálida de monotonia, mas contigo, eu fui arrancado desse torpor. Nenhuma experiência minha até então sequer se compara ao que me proporcionaste.

Dayana, sempre intensa como uma tormenta, ergueu seu olhar afiado, seus olhos negros reluzindo como duas esferas góticas, belas e aflitivas. E então sorriu, um sorriso que não era apenas um traçar de lábios, mas um abrir da própria alma, satisfeita com a semente de desordem que plantara em mim. Ela sabia que nossos desejos, da origem ao clímax, eram como fios entrelaçados em uma mesma corda, tensos e inevitavelmente sincrônicos, como se ambos estivéssemos condenados a pulsar no mesmo ritmo escuro do universo.

Talvez tenha sido exatamente essa sincronia erótica e emocional que a levou a arriscar tanto comigo. Aquele risco que ela, em sua experiência de mulher adiante no tempo, não hesitara em correr. Viver os intensos e acidulados dias de desregramento comigo era um lembrete de sua própria juventude febril. Imaginava que, ao tocar a minha essência crua, estivesse encontrando um reflexo distante de si mesma, um eco de suas próprias fantasias de outrora.

Conforme nossas palavras se entrelaçavam, senti a intimidade aumentar, como se, aos poucos, eu estivesse liberando fragmentos profundos de mim para Dayana, aquela enigmática musa que, por breves momentos, se despia de seus mistérios e revelava a mulher livre que habitava por trás da escuridão. Sua presença tornava a sala quase sufocante: seus olhares tinham o poder de convocar minhas febres internas, despertando novamente o desejo incontrolável que sua proximidade sempre trazia. Mesmo envolto na sombria melancolia que permeava nossa conexão, eu não conseguia reprimir o anseio carnal de tê-la novamente, sentir sua pele quente contra a minha antes que tudo desvanecesse.

— Quando você vai? — perguntei, como quem teme a inevitabilidade do fim.

— Amanhã à noite... Estela virá me buscar — respondeu Dayana com uma calma que parecia indiferente ao turbilhão que aquelas palavras semeavam em meu peito.

Aquela resposta caiu sobre mim como uma revelação sombria, prendendo-me em uma espiral onde desejo e tristeza rodopiavam em constante contradição. A carga emocional era intensa, a ponto de o ambiente à nossa volta parecer se dilatar e contrair como um pulmão imerso em agonia e excitação. O disco seguia, mas ao tocar os últimos segundos da faixa final, até que uma lembrança musical fez-se presente em minha mente. Havia uma música que parecia tentar traduzir aquilo que ocorria dentro de mim naquele instante, quase como uma premonição sonora.

— Dayana, pode voltar o disco de novo? — pedi, enquanto levava o cigarro de skunk aos lábios, seu fogo como um eco das últimas brasas do nosso breve tempo juntos.

Um sorriso malicioso surgiu em seu rosto, um toque de perversidade suave em sua voz enquanto respondia:

— Claro, querido. Alguma faixa específica?

— 'I Want To Touch You' — disse, com um ar carregado de significados. Aquela música encapsulava tudo o que eu queria dizer, mas que as palavras comuns não permitiriam expressar.

— Bem sugestiva... — murmurou ela, deixando cada sílaba gotejar como veneno doce, ligeiramente sarcástica, mas também consciente da tensão ardente entre nós.

— Ela descreve praticamente o que sinto em relação a nós... — as palavras saíram carregadas de um desejo que parecia inevitável para o momento.

A música começou, envolvente como o próprio toque invisível que nos cercava. Enquanto os primeiros acordes ressoavam pela sala escura, Dayana se aproximou de mim. De maneira quase ritual, a distância entre nossos corpos diminuía, e do pouco que o vento frio que entrava pela janela deixava escapar, eu já começava a sentir o calor que emanava dela. Estávamos ali, no sofá, como duas almas condenadas a um ciclo eterno de desejo e incompletude, enquanto 'I Want To Touch You' se tornava a trilha sonora de nossa provável última noite. O ambiente ao nosso redor se dissolvia, e a música se misturava aos ruídos da noite, como se a própria escuridão também quisesse participar daquela comunhão de desejos. A dor de saber que o fim estava à espreita só tornava o momento mais ardente, mais urgente.

Já era tarde, e o manto da noite envolvia o mundo em sua sinfonia. Lá fora, o vento assobiava como um fantasma solitário vagando entre as árvores, as folhas dançavam freneticamente em suas copas. O canto incessante dos grilos formava a base de uma melodia ancestral. Juntavam-se a isso os sons obscuros dos morcegos, que pairavam invisíveis no ar, e os acordes iniciais vindos da vitrola de Dayana, que preenchiam cada canto da sala com uma sensualidade densa. Era uma partitura noturna perfeita, refletindo o caos e o desejo que sempre nos envolvia em momentos assim.

Nós dois, sentados ali, compartilhávamos os últimos suspiros daquele cigarro de skunk, como se tragássemos não apenas sua fumaça, mas também os últimos vestígios da noite. O silêncio entre nós não era desconfortável, era carregado de reflexões e desejos. A tensão flutuava no ar de maneira subentendida, como se ambos estivéssemos cientes de que aquele momento marcaria o fim de algo, mas ao mesmo tempo, desejássemos estender seu agônico prazer por mais uma eternidade.

Dayana foi a primeira a romper o véu do silêncio, sua voz baixa e mística, cheia de uma malícia que apenas quem vive fora das fronteiras do convencional ousa ter.

— Sabe, Ícaro... — começou ela, acariciando cada palavra — se for da sua vontade, eu gostaria de...

Mas antes que ela pudesse terminar, minha pulsão tomou o controle. Eu a interrompi, não por grosseria, mas pela urgência insuportável que crescia dentro de mim. A necessidade de transformarmos aquele silêncio premente em ação, de liberar a energia que nossas palavras apenas arranhavam na superfície.

Com um ímpeto que parecia emergir das profundezas de nossas almas, pressionei-a firmemente pela cintura com uma das mãos, enquanto a outra se enrolava em sua nuca com a urgência de quem deseja devorar o tempo. Antes que eu pudesse completar o movimento, Dayana, tomada pela mesma fome primal, adiantou-se, unindo nossos lábios em um beijo ardente e úmido, carregado de uma paixão desenfreada. Nossas línguas entrelaçadas em furor se moviam como criaturas alvoroçadas, guiadas pelo desejo bruto que pulsava entre nós. Da vitrola, o eco quase premonitório da música reverberava: "I'm scared that when we meet I'll want to touch you", como se cada palavra fosse uma confissão do que estávamos prestes a desvelar.

"You're the only soul inside that makes me shake" ♪

Nesse momento, eu tirava minha camisa com pressa, expondo minha pele à fria eletricidade do ar noturno, enquanto Dayana, com uma destreza felina, se livrava de sua camisola de seda. Sob aquela peça etérea, tudo que restava era uma fina calcinha rendada, seus seios gloriosamente desnudos, elevados à luz opaca da sala, como duas ofertas sensuais para o caos daquela noite. A canção seguia seu curso sensual, intensificando os sentidos:

"And the crazy senseless things you made me take" ♪

Eu então permiti que minha boca, ávida, descesse lentamente pelo pescoço de Dayana, deixando uma trilha de beijos que a incendiavam, até que minha língua encontrasse as auréolas de seus mamilos, e ali se demorasse, explorando cada respiração dela, em movimentos cuidadosamente ferozes.

"I'm fermenting, can't you see?!" ♪

O som de seus gemidos, baixos no início, mas escalando lentamente para agudos sussurros de prazer, enchia o espaço entre nós, criando uma sinfonia íntima que se fundia com as batidas da canção. Meu caminho continuava, agora guiado por lambidas ardentes por seu ventre nu e tenso, mesclando beijos molhados que faziam a pele de Dayana se arrepiar sob meus toques, exalando o calor que cada segundo mais aumentava.

"I Want To Touch You" ♪

O refrão da música fazia eco aos meus desejos, até que, finalmente, aproximei-me de sua púbis delicadamente emoldurada pela renda da calcinha. Com o primeiro beijo depositado sobre o fino tecido que cobria seu sexo, senti seu corpo estremecer, um tremor involuntário que a denunciava: ela se rendia por completo ao momento.

Dayana, tomada por uma fome espelhada à minha, desprendeu meu cinto de forma rápida e precisa, puxando minha calça para longe com uma vontade animalesca e envolveu o meu membro fálico e rígido em carícias manuais inebriantes.

"I Want To Touch You" ♪

O mantra da música seguia e soava com um ritmo hipnótico que espelhava o ritmo de nossa conexão. As mãos habilidosas de Dayana deslizavam ao longo da extensão do meu falo com movimentos que arrancavam de mim pulsos elétricos de prazer. Ao mesmo tempo, minha boca voltava a acariciar seus seios com devaneios orais, enquanto meus dedos deslizavam pela umidade nascente de seu sexo, retribuindo, em perfeita harmonia, cada estímulo que ela me proporcionava.

Crescia entre nós uma intensidade arrebatadora, como se nossos corpos soubessem que aquele poderia ser o último ritual que compartilharíamos. Cada toque, cada gemido, cada respiração entrecortada parecia uma afirmação de que nossas peles falavam uma linguagem própria, uma poesia carnal desenhada em suor e prazer. Era mais que luxúria transbordante; era um pacto silencioso, uma espécie de despedida onde palavras não tinham lugar, apenas o calor insuportável que nos consumia. Nossos corpos estremeciam, como folhas vulneráveis à tempestade, presos naquela espiral de tesão onde o tempo parecia deformar-se, tornando o agora absoluto. A música, como testemunha de nosso êxtase, continuava a narrar o inevitável com seu refrão que reverberava como uma prece implacável.

"I Want To Touch You" ♪

"I Want To Touch You" ♪

"I Want To Touch You" ♪

(CONTINUA...)

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