Eu amo a praia e a paz que me dá quando estou sentado na areia. Deixo que o som das ondas quebrando na praia me preencha, a maresia me acalma de tal forma que todos os meus problemas parecem insignificantes. Esse lugar virou meu lugar favorito no mundo todo. Claro que morar perto ajuda, diferente do que meu pai sempre fala. Segundo ele, quem mora perto da praia é quem menos frequenta. Acho que devo ser a exceção, então.
A praia é mais do que meu lugar favorito no mundo; é também meu refúgio, o lugar onde me sinto seguro e forte. E olhe que foi preciso muita força para enfrentar os dramas da vida. Não que eu seja o cara que sempre reclama de tudo; na real, me considero bem pé no chão e prático. O mar acalma minha mente e me permite refletir sobre os problemas ao mesmo tempo que acalma meu coração.
Foi aqui, sentado nessa areia, que chorei pela primeira vez por causa do Ricardo, meu melhor amigo. Foi aqui que entendi que eu era diferente dos meus amigos, que gostava de caras e não de minas. Foi para cá que corri quando Isabel, minha irmã, me contou no dia do meu aniversário que eu era adotado e que meus pais haviam me encontrado no lixo, entre outros momentos difíceis que tive que enfrentar.
Como explicar para um jovem que ele foi encontrado no lixo? Essa história meio que me assombra até hoje. Meus pais ficaram muito putos com Isabel pela forma como ela me contou essa história. Minha mãe disse que queria esperar minha maioridade para contar, mas na real não existe momento certo para isso. Mesmo que minha irmã tenha agido de má fé e por pura birra ou ciúmes, sei lá, foi bom ela ter me contado a verdade, para que eu não crescesse sem saber minha história de verdade.
Carlos, meu pai, é borracheiro e Agatha, minha mãe, é enfermeira em dois hospitais. Eles ralaram um caralho para nos dar a melhor educação e sou eternamente grato por isso. Mesmo quando minha mãe descobriu que meu pai tinha várias amantes pelo bairro e região e resolveu se separar, os dois ainda se preocuparam muito em não envolver nem a mim nem minha irmã na briga deles. O divórcio veio, mas meu pai continuou morando perto da gente. Mesmo sendo a criança que foi deixada no lixo perto de casa, nunca me faltou amor de pais.
Sei que você até deve estar se perguntando como posso não ter notado as diferenças físicas, mas aí que tá: eu sou muito parecido com meu pai. Sou alto e hoje sou um cara grande com um metro e oitenta e seis e um corpo grande mesmo. Não sou gordo, mas tenho as pernas grossas, uma bunda grande, sou o que chamam de proporcional, nem muito gordo, ainda assim cheinho, mas quando era mais novo, era bem mais gordinho e baixinho. Só comecei a crescer com o tempo, meu pai tem um corpo semelhante ao meu, só que ele é preto, já minha mãe e irmã são brancas como eu. Tenho os cachos castanhos da minha avó materna e os olhos castanhos claros característicos da família da minha mãe. Por isso, minha mãe sempre fala que eu nasci sendo filho deles, só que na mãe “errada”.
Descobrir a adoção foi o pior capítulo de minha vida, mas descobrir minha sexualidade tão jovem não foi nada fácil também. Meu pai é hiper preconceituoso, minha mãe é da igreja. Ela não é fervorosa, tanto que no hospital ela convive com muitos gays, porém seus comentários em casa não me passam segurança de contar sobre mim. E minha irmã Isabel, acredito que aqui já ficou claro que não somos nem um pouco próximos e que ela contaria para nossa família inteira sobre mim no momento em que ficasse sabendo. Então, foi muito complicado entender e me aceitar, levou um certo tempo.
Mas aconteceu, eu aceitei que sou gay e logo em seguida me tranquei no chamado armário. Coloquei na minha cabeça que meus pais precisavam se orgulhar de mim, para que o sacrifício que eles tiveram criando um filho que nem era deles tivesse valido a pena. Então me tornei o melhor aluno, o filho que ajudava a mãe e que assistia futebol e ia para os jogos com meu pai — claro que me interessei mais pelo time do Leão, até porque as cores são mais bonitas e meu pai é Vozão doente. Mesmo torcendo para times rivais, ele sempre me disse que o importante era apreciar o esporte e não brigar por causa disso.
Ei, calma, eu sei que você quer saber por que chorei pelo meu melhor amigo Ricardo, ou melhor, Rick, que é como o chamava. Rick era o cara mais pica que já conheci. Ele se tornou meu melhor amigo, foi ele quem me ensinou a jogar futebol. Viramos noites jogando videogame na casa dele ou na minha. Até fazia os trabalhos para ele enquanto ele me mantinha seguro na escola, já que eu era o menino gordinho do cabelo enrolado e tão branco que qualquer coisa ficava marcada na minha pele.
Rick era um moleque magrelo e alto, não era bonito, pelo menos não chamava a atenção das meninas, mas o cara tinha um coração enorme. Ele tinha a pele preta retinta, era muito magro e tinha o cabelo crespo. A diferença entre a gente é que ele quebrava no cacete quem tentasse fazer bullying com ele. Já comigo, sem ele por perto, eu só sabia chorar quando isso acontecia. A mãe do Rick era angolana e o pai dele era carioca. Eles haviam se mudado para o nordeste em busca de uma vida mais tranquila. O pai dele tinha família aqui e foi assim que o conheci. Bem, quando se tem um amigo que também se torna seu herói, é natural que uma paixão aconteça, e foi o que aconteceu. Me apaixonei por ele, entretanto ele arrumou uma namorada e foi o pior dia da minha vida. Lembro que corri para a praia assim que pude e chorei por horas pensando o quanto queria ser a Juliana e depois a Ana Júlia, a Beatriz e outras ficantes que ele foi arrumando.
Voltando um pouco para mim, como estava falando, fui o primeiro colocado em olimpíadas de matemática e física. Ganhei ou fiquei entre os três melhores em todos os concursos de redação na minha escola. Até cheguei a entrar para a lista dos trinta melhores alunos do estado, ocupei a nona posição e depois a quinta no ano seguinte. No meu ensino médio, ganhei uma bolsa para estudar numa das melhores escolas particulares da minha cidade, o que foi ótimo para me preparar para o Enem. Resultado: fechei a prova e consegui oitocentos e noventa na redação. Com isso, entrei em primeiro lugar no curso de licenciatura em matemática. Fui um pouco criticado por não escolher um curso que desse “dinheiro”, mas sendo sincero, se tem uma coisa que meus pais me ensinaram é que mais vale trabalhar em algo que você realmente gosta. E eu sinto que dar aula é o que faço de melhor. Ganhei muito dinheiro no ensino médio dando aula particular para meus amigos ricos da escola e até reforço para os irmãos menores deles. Foi onde me encontrei como professor.
Para não falar que só procuro a praia quando estou triste foi sentado nessa área que eu comemorei minha conquista de ter passado na federal, mas comemorei sozinho, tirando Rick nunca tive um amigo de verdade e depois que estraguei tudo entre a gente nunca mais tive um amigo como ele, mesmo na faculdade ainda não consegui me enturmar com ninguém e olhe que tem um cara que estudou comigo na minha sala o Ryalan, as aulas começaram há pouco mais de duas semanas minha mãe diz que deve ter um pouco mais de paciência que as coisas vão se ajeitar, já Isabel fala que sou antipático e por isso não tenho amigos.
Capítulo Um
Na segunda acordei cedo, tomei banho, na cozinha minha irmã havia passado café só para ela, minha mãe está no plantão e só deve chegar depois que eu sair, então resolvi passar outro café e deixar para ela na garrafa, Isabel trabalha como babá de filho de rico, ela dorme em casa mais sai cedo para o trabalho que fica do outro lado da cidade, não sei como mais ela convenceu o patrão dela a pagar uber para ela todos os dias, isso quando ele não vem deixar ela em casa. Depois de comer e limpar a louça que sujei vou até a borracharia do meu pai, ele está indo me deixar na faculdade todos os dias assim só preciso voltar de ônibus, para mim é ótimo já que posso acordar mais tarde e sem me atrasar.
— Bença meu pai — falei assim que cheguei.
— Deus te abençoe meu filho.
— Olha Carlos, você tem muita sorte de ter um filho que nem o Daniel, lá em casa, nem meus netos me pedem a benção mais — diz seu Otaviano, um cliente que está esperando acabar o serviço de troca de pneu do seu carro.
— Os jovens perderam o respeito, mas meus filhos são bem criados Otaviano, vamos Daniel, que eu tenho muita coisa para fazer hoje ainda — ele fala todo orgulhoso de poder se gabar do filho educado e universitário dele.
Meu pai já tentou me ensinar a andar de carro, mas eu tenho uma pouco de medo de dirigir, então para evitar o estresse nossas aulas estão suspensas por período indeterminado, ele diz que não entendi como posso fazer cálculos grandes de cabeça, mas não consigo dirigir, isso porque ele é o melhor motorista que conheço e um bom professor, já que ensinou a Isabel a dirigir e olhe que minha irmã é burra feito uma porta.
— Filho você tem que aprender a dirigir, se você soubesse eu lhe dava o carro para você ir para sua aula — ele fala enquanto seguimos para a faculdade.
— Eu posso ir de ônibus pai, não quero atrapalhar o senhor — falei me sentindo um pouco culpado por atrapalhar o trabalho dele.
— Não se trata disso Daniel, você sabe que só não lhe busco porque não posso, você é meu filho dirigir tá no seu sangue até a sua irmã aprendeu e olhe que aquela lá é uma desmiolada — meu pai sempre esquece que não sou seu filho biológico e isso me aquece o coração toda vez, tanto que nem o corrijo mais.
— Prometo que vou aprender pai — falei.
— Filho mulher gosta de homem que dirige, você chegando de carro lá pode até oferecer carona para as meninas, eu conquistei sua mãe assim levando ela pros cantos de carro — não foi bem assim, mas ele gosta de irritar ela falando essa história.
— Vai dar certo seu Carlos — respondo tentando disfarçar meu desconforto, não vou usar o carro dele para pegar mulher, até porque nem homem que é meu publico alvo estou pegando, pois é não comentei antes, mas sou virgem e só beijei três pessoas na vida e uma delas nem conta porque foi um jogo idiota de maça, salada mista e foi horrível, parecia que a Cintia ia devorar minha boca, fora que seu aparelho machucou meu lábio.
Meu pai me deixa na universidade me dá sua benção e eu desço do carro, vou direto para minha sala como de costume, assim que entro na sala esbarro de cara com um carinha novo, ele vinha saindo distraído conversando com um amigo que vinha logo atrás, sou maior que ele, mas o cara é bem forte, do nosso encontro ele perde o apoio da mão e seu Iphone vai direto pro chão, nesse momento estou orando a todos os santos para não ter quebrado, tudo que menos preciso agora é torrar todo meu dinheiro guardado numa tela nova de Iphone, nos abaixamos juntos por puro reflexo, mas ele pega o celular primeiro, quando vira ele não está trincado — graças a deus. Não existe ateu numa hora dessas — já vou me desculpando, mas o estranho apenas me lança uma risada e diz que não foi nada, então segue seu caminho acompanhado de seus amigos.
Só quando ele volta para sala junto com a professora é que reparo melhor nele e porra, que moleque gostoso, ele deve ter quase um metro e oitenta, ele tem o corpo todo malhado, a pele morena, o cabelo preto penteado para trás, os olhos claros num tom de verde oceano, ele usa uma bermuda moletom que deixa suas panturrilhas lindas expostas, um sapado com meia cano alto e uma camisa preta, ele é todo malhado e esculpido de forma perfeita, acho que nunca vi uma pessoa tão linda antes.
Vejo os amigos o chamando de Ciço, mas o nome dele mesmo é Cícero, ele veio na chamada da lista de espera, as duas semanas de aula que perdeu estão fazendo falta, dá para ver na sua cara ao final da última aula, mas em contrapartida parece que o novato ali sou eu, já que Cícero já é o queridinho de todos ali presentes, o cara simplesmente tem fãs no lugar de amigos, é engraçado ver os caras disputando sua atenção tanto quanto as poucos meninas que tem na nossa sala, ele é uma espécie de hétero top que os homens héteros veneram, bonito e simpático.
Ainda bem que não sou hétero então seu encanto não funcionou comigo, fiquei aliviado de não ter quebrado seu celular e segui com minha vida, com o passar da primeira semana de aula dele, vi que seus fãs já não se resumiam só aos membros de nossa sala, o cara aparentemente era bom mesmo, ainda sim me mantive indiferente ao sua rápida ascensão social no nosso meio universitário, de vez em quando lhe lançava olhares, pois a carne é fraca e ele é um gostoso — infelizmente — de qualquer forma me mantive longe dele, até ele vir até mim, estou almoçando no restaurante universitário depois da aula quando ele se senta bem na minha frente com sua bandeja cheia de comida.
— Você é o Dan né? — Ele fala com uma intimidade que nunca tivemos e isso me irrita profundamente.
— Daniel e sei que você é — falei o corrigindo de forma ríspida.
— Desculpa — ele de desculpa percebendo pelo meu tom que não estou muito afim de papo e continua — é que o Raylan disse que você é muito bom em ensinar, queria saber se você pode me ajudar a recuperar as duas semanas de contudo que perdi
— Existem monitores para as disciplinas — respondi.
— É mais ai vou ter que marcar com cada um, é bem mais fácil ter um monitor só, posso te pagar não vai ser de graça — ele começa a ganhar minha atenção.
— Tá certo, mas não vou pegar leve com você só porque você é legalzão com todo mundo, para deixar claro não sou um dos seus fãs — nem sei por que disse isso, mas agora já foi dito.
— Certo, podemos começar hoje, depois do almoço? — ele pergunta.
— Sim pode ser, mas se quiser aula a semana toda vai ser um pouco mais caro — falei.
— Por mim tudo certo — ele fala comendo de sua bandeja, fico meio chocado, pois pensei que ele iria comer com seus amigos agora que fechamos nosso acordo, porém Cícero terminou de almoçar sentado comigo, termino antes dele, mas por alguma razão que até eu desconheço fico sentado esperando por ele, fico mexendo no celular pelo menos já que não existe assunto entre a gente além dos conteúdos que vamos repassar.
Ele termina de comer, vamos juntos até o banheiro onde escovamos os dentes um do lado do outro e então seguimos para a biblioteca, só que no caminho fomos parados pelos seus amigos barra fãs para falarem com ele, sigo caminhando para a biblioteca pois não tenho o menor interesse em ser amigo dele ou dos seus, Cícero não demora muito até chegar na biblioteca, pegamos uma mesa e começamos a monitoria sem perder mais tempo, fiz um planejamento com ele, criamos um roteiro de estudos e no fim da tarde já tínhamos iniciado o segundo assunto, resolvemos deixar uma matéria por vez, assim que encerramos uma iríamos para a próxima, nossa grade tem seis matérias, três são mais difíceis enquanto as outras três são mais leituras, passei para ele os materiais que as professores já tinham me repassado para que ele lesse em casa e depois apenas iria tirar as dúvidas comigo.
— Raylan tinha razão, você é bom mesmo nesse negócio de ensinar — ele fala.
— É só o método que uso para estudar, nada de mais — falei, pois não sou bom em receber elogios.
— Pois deveria vender, pode tirar uma grana com isso — ele fala rindo, porra até a risada dele é gostosa de ouvir.
Me despeço dele, mas antes Cícero ainda me oferece uma carona, que recuso, mesmo assim ele insiste até me convencer, porém sou tomado por um grande arrependimento ao descobrir que ele tem uma moto, não entendo muito de modelo de moto, mas a dele é cara e dessas esportivas grandes e caras, aparentemente Cícero não é um pobre de Iphone, estou começando a achar que ele tem mesmo dinheiro, isso até explica a devoção e a inveja que os outros sentem em relação a ele.
— Não ando de moto — falei quando me estendeu um capacete.
— Por que não?
— Porque em 2023 foram registrados 1.110 atropelamentos em Fortaleza, número que equivale a uma média de 3 ocorrências deste tipo por dia. Desses casos, 60 são classificados como "fatais", onde 34,6% envolveu motocicletas, então desculpa, mas não quero virar estatística — respondi.
— Primeiro você deve está inventando isso — ele fala se divertindo com minha nerdice — segundo eu vou devagar.
— Você é habilitado a quanto tempo? — Perguntei bem sério.
— Não sou — meu olhar de julgamento é instantâneo e ele rir alto com sua gargalhada gostosa de ouvir — tô te zuando eu sou habilitado a dois anos, desde que fiz dezoito, nunca cai e só levei uma multa que não foi exatamente minha.
— Como assim não foi exatamente sua? Falei desconfiado.
— Meu primo pediu emprestado e levou uma multa — ele fala de forma muito natural.
— Ué, ele deveria ter assumido a multa já que foi ele quem fez merda — falei.
— É mais acontece que ele não é habilitado — ele responde e lhe lancei mais um olhar de julgamento esperando que ele diga que também é zueira, mas isso não acontece.
— Ele é menor, tipo era só dentro do bairro mesmo, mas de boas ninguém saiu ferido, ele só foi pego na câmera dirigindo de chinela e com a viseira aberta.
— Você merecia bem mais que uma multa — falei o repreendendo e ele riu.
— Como assim?
— Cícero, você foi muito irresponsável, não se entrega um veículo para uma pessoa não habilitada sem supervisão — falei.
— Eu sei, por isso fiquei com a multa para me servir de lição — ele fala, só que tenho dificuldade de reconhecer se ele está falando sério ou não — você é muito correto, deveria fazer direito.
— Não gosto da área do direito, meu pai diz que o advogado estuda para fazer o errado sem ser pego — minha fala arranca mais uma risada gostosa dele.
— Você é uma figura, vem eu vou devagar prometo.
— Tá bom, mas porque você tem uma moto dessas, com o trânsito daqui nem dá para correr e imagino que essa moto seja de corrida — falei.
— Ela é rápida sim, na realidade é uma das mais rápidas, com ela já ganhei uma grana boa.
— Como assim, você também faz moto uber? — Ele rir como se eu tivesse contado uma grande piada agora — O que foi?
— Você é uma figura mesmo Daniel.