Essas situações nos fazem pensar no quão frágil é a vida humana. Numa bobeira, num acidente de trânsito qualquer, pessoas morrem. Isso nos faz refletir sobre a forma como levamos nossa vida. Se nossas escolhas e atitudes foram acertadas. Será que eu estava certo em viver em função da minha profissão?
Será que eu estava certo em me prender tanto à memória de Felipe a ponto do meu coração se fechar para novos amores?
Será que eu estava certo em ignorar meu passado?
Me veio também um enorme medo, medo de ter feito tudo errado. Medo de não ter tido tempo para perdoar aqueles que me fizeram mal, ou para implorar o perdão daqueles a quem fiz mal, conscientemente ou não.
E você, o que teria feito diferente se soubesse que esse é seu último dia?
Acordei numa cama de hospital. Eu não me lembrava de nada do que tinha acontecido.
Tubos saíam do meu braço e senti uma faixa apertando minha cabeça. Eu estava sozinho num quarto predominantemente branco e com muitos aparelhos.
Aos poucos foi recobrando a consciência e me lembrando do acidente:
um outro carro tinha cruzado a pista e batido de frente no carro em que eu estava. Obviamente eu estava no hospital, mas por quanto tempo eu fiquei apagado? Onde estavam todos?
Logo uma enfermeira apareceu com um sorriso simpático:
- Que bom que você acordou. O país inteiro está preocupado com você, foi um baita susto. Não se fala de outra coisa na televisão.
- Por quanto tempo eu dormi? - falei ainda tonto, não conseguindo analisar bem o que ela me dizia.
- Três dias. Você esteve em coma induzido por causa do seu traumatismo craniano. Vou chamar o médico para te informar melhor.
- Ok.
Ela saiu do quarto e voltou acompanhada por um médico. Ele me examinou, fez testes de sensibilidade e me explicou os danos que sofri. Depois dos testes, ele me garantiu que não ficariam sequelas e que minha família já podia me ver.
Minha mãe entrou no quarto desesperada e chorando. Me abraçou com tanta força que o médico teve que contê-la. Comecei a chorar também. Não sei se foi por finalmente ter caído a ficha de eu ter quase morrido ou somente alívio.
- Calma, mãe, eu estou bem.
- Você quase morreu!
- Mas nada aconteceu, estou aqui, bem vivo e pronto pra outra.
- Nem brinque com isso!
Ficamos algum tempo conversando. Algum tempo depois meu médico voltou com enfermeiros avisando que iria me transferir da UTI para o quarto.
Chegando lá, Zeca, Bruno, tia Marta e minha mãe já me esperavam. O quarto estava repleto de buquês de flores, o que me deixou bem feliz, pois percebi que a maioria tinha vindo de fãs.
- Que susto você nos passou, hein?! - falou Zeca enquanto os enfermeiros me deitavam na cama.
- Mas já estou recuperado. Me faz um favor?
- Claro.
- Pede para alguma emissora de televisão vir me entrevistar.
- O quê? - ele exclamou agitado.
- Bernardo, você ainda está se recuperando, não está em condições de dar entrevistas. - falou minha tia.
- Sem chances! - ralhou minha mãe.
- Gente, quando eu escolhi a vida artística, escolhi colocar meus fãs à frente de muitas outras coisas na minha vida. Talvez não seja o certo, mas foi o que me comprometi a fazer. Então eu tenho que fazer isso por eles, pelos meus fãs, que estão preocupados comigo.
Os quatro ainda brigaram um pouco comigo, mas não tiveram como tirar a ideia da minha cabeça. Mais tarde, no mesmo dia uma repórter veio me entrevistar acompanhada de um câmera. E assim pude provar para todos que eu estava bem. Depois de tudo, já à noite, consegui dormir.
No outro dia cedo, acordei com minha mãe entrando no quarto.
- Você tem visita.
- Quem é?
Ela cedeu passagem e aquele garoto loirinho com olhos verdes inchados entrou.
- Rafinha, o que você está fazendo aqui? - perguntei surpreso.
Ele não me respondeu. Andou até a minha cama, subiu nela, se deitou ao meu lado e começou a chorar com o rosto abafado no meu ombro.
Me emocionei com sua preocupação. Eu imaginei tudo que ele devia ter ouvido sobre o acidente e o quanto deve ter se assustado.
O abracei com força.
- Eu estou bem, Rafinha.
Ele só chorava. Minha mãe saiu do quarto e nos deixou a sós.
- Ei, olha pra mim! - ele levantou a cabeça. - Eu estou vivo. Não vou a lugar algum. Pelo menos não enquanto eu não te ajudar a realizar seu sonho.
- Ai, Bernardo, eu tive tanto medo de te perder... - ele falava soluçando.
- Já passou, já passou... - falei lhe consolando.
Demorou um bom tempo até que ele parasse de chorar, mas enfim consegui acalmá-lo. Depois disso, foi a hora de perguntar como ele tinha chegado até São Paulo.
- Do mesmo jeito que eu fui te ver em Belo Horizonte.
- Você veio de carona?
- Era o único jeito, uai!
- Mas eu já te disse para não fazer isso que é perigoso.
- Quando eu vi a notícia do acidente eu endoidei, queria vir de qualquer jeito, mas meu pai me proibiu. Passou dois dias com você em coma, eu não aguentei e fugi.
- Você fugiu?
- Fugi, uai! Não queriam me deixar vir!
- Rafinha, isso não se faz com seus pais! Eles devem estar desesperados.
- Mas eu deixei uma carta.
- Isso não diminui a preocupação deles.
Tive uma ideia louca, mas eu não podia deixá-los sem notícia. Peguei meu celular na mesinha de cabeceira e entreguei a Rafinha.
- Liga para casa.
- Mas o que eu vou falar com eles?
- Nada, eu que vou.
Rafinha me olhou assustado, mas eu ia fazer isso mesmo. Era minha obrigação lhes tranquilizar tendo em vista que o filho deles fugiu por minha causa.
Eu não fazia a mínima ideia de como seria a reação deles. Mesmo sabendo que a chance de me hostilizarem era grande, eu tinha que fazer.
O telefone tocou uma vez e uma voz feminina atendeu desesperada.
- Alô?
- Bom dia, eu poderia falar com dona Rosa?
- É ela.
Meu coração pulou. Do outro lado da linha estava aquela a quem considerei sempre como uma segunda mãe.
- Oi, dona Rosa. Sou eu, Bernardo.
Silêncio do outro lado da linha. O choque deve ter sido grande.
- Alô? - falei me certificando que a ligação não tinha caído.
- Eu estou aqui. Bernardo... Menino, como eu não pude reconhecer a sua voz? - A voz dela era muito doce, a ponto de eu reconhecer carinho nela.
- Faz muito tempo...
- Tempo demais, menino. Você cresceu tanto, eu vi na televisão. - ela parece ter se lembrado do acidente. - E como está? Melhorou? Eu fiquei muito preocupada com você!
- Estou melhorando. Liguei para falar do Rafinha.
A ficha dela pareceu ter caído na hora. Pelo seu desespero em atender ao telefone, pude perceber que ela estava ansiosa por notícias dele.
- Cadê meu filho?
- Ele está aqui comigo, no hospital em São Paulo.
- Meu Deus!
- Eu sei, já passei um sermão nele por ter vindo fugido me ver. Sendo o culpado, julguei ser minha obrigação ligar para tranquilizá-los.
- Muito obrigado, Bernardo, eu estava à beira de um ataque aqui sem notícias!
- Foi o que eu imaginei, mas pode ficar tranquila, eu vou cuidar bem dele aqui.
- Graças a Deus, ele te encontrou. Onde já se viu? Fugir para uma cidade imensa como essa!
- Pois é! Ele não bate muito bem mesmo. - sorri para Rafinha que sorriu maroto de volta.
Conversei com dona Rosa mais algum tempo. Ela me fazia mil recomendações sobre o filho caçula e perguntas sobre a minha nova vida. Foi como tirar um peso das costas. Eu sentia que ela não tinha nenhum tipo de sentimento ruim em relação a mim, pelo contrário, ela me queria bem.
Em nenhum momento falamos sobre os fatos que me levaram a ir embora de Morro Velho. Antes de desligar, ela me fez um pedido que mudaria a minha vida:
- Bernardo, eu quero te pedir uma coisa.
- Se estiver ao meu alcance.
- Traga o meu menino de volta! Eu não quero ele viajando sozinho por aí.
- Certo, prometo levá-lo. Mas a senhora me promete que ninguém vai bater nele?
- Prometo sim
Respondi sem pensar e me arrependi no momento seguinte. Como eu poderia levá-lo? Como voltar a Morro Velho depois de tudo o que tinha acontecido?
Antes do acidente eu teria dado uma desculpa qualquer ou pedido a Zeca para levar Rafinha, mas agora era diferente. Eu queria enfrentar meu passado, perdoar e pedir perdão a quem fosse preciso. Eu tinha que fazer aquilo por mim.
Me despedi de dona Rosa e desliguei o telefone. Rafinha me olhava curioso e eu tive que lhe contar sobre minha promessa. Ele me olhou assustado, mas depois sorriu.
- Porque você está sorrindo?
- Vai ser engraçado.
- O quê?
- A sua volta. O mesmo povo que riu de você, vai beijar seus pés quando você chegar lá.