Luis chegou à cidade de seu pai ainda bem cedo, não imaginava como faria para chegar à casa do velho que há algum tempo havia deixado de lado e passado a ignorar. O velho Luis era um cara sisudo, já tinha trabalhado como caminhoneiro e revendedor de uma multinacional, agora estava aposentado devido a problemas de saúde, desde que se mudou para o interior de Goiás esperava uma visita do filho mais velho, mas este simplesmente o ignorava e se quer se importava em ligar. Diante a casa do pai, Luis ainda pensou em regressar, dar meia volta e esquecer aquela idéia estúpida de fugir dos problemas, mas voltar seria o mesmo que aceitar as brigas e provocações de todos os seus inimigos, pessoas antes desconhecidas, mas que foram chegando aos poucos e tomando espaço. Luis tocou a campainha, não obteve resposta de imediato, esperou uns quinze minutos e tocou de novo, mais dez minutos e nada, já impaciente apertou a mesma com força e deixou-a tocar sem parar, de dentro da casa ouviu alguém gritar alguma coisa, não parecia à voz de seu pai, se bem que nem se lembrava mais dela. Um garoto apenas de cueca samba canção abriu a porta, devia ter quinze no máximo, olhava Luis de olhos quase fechados, a cara amassada e o cabelo bagunçado mostravam que ele dormia ate ali.
Garoto: Qual é? Ta procurando quem, se for vendedor te desço a pancada e se for Testemunha de Jeová pode ficar tranquilo já tenho um capeta de baixo da minha cama...
Luis sorriu, aquele garoto parecia-se com ele, falava como o pai, era evidente que era seu irmão, a história do capeta debaixo da cama era coisa antiga, que o velho Luis o ensinou quando ainda moravam juntos.
Luis: Tranquilo mano, não sou vendedor e nem testemunha de Jeová, sou teu irmão mais velho!
Garoto: Irmão é o cacete rapá, e eu lá tenho irmão cavalo assim, meus trutinhas é tudo pereba ainda...
Luis: Ta certo, se não sou teu irmão, então por que me chamo Luis..... Junior?
Garoto: Cacete! Tu existe? Achava que tu era história do velho... Entra mano... a casa é tua também né não?
Luis: Valeu brother, mas diz ai o pai ta em casa?
Garoto: Ixi velho ta nada, o coroa foi a capital com minha mãe e meus irmãos ele tem umas consultas médicas hoje.
Luis: De boa então, mas falaê qualé teu nome mano?
Garoto: (Risos) Pô que coisa... Meu nome é Kaio prazer!
Luis: Prazerzão te conhecer maninho, mas da cá um abraço fedelho!
Luis abraçou o irmão, se sentiu feliz em conhecer um irmão de verdade, e sentia que podia confiar no garoto ali, e como eles eram parecidos, a diferença era que Kaio tinha o corpo mais desenvolvido que Luis tinha o abdômen definido, típico de garoto de quinze que não faz nada a não ser praticar esportes.
Kaio levou o irmão até o andar de cima e lhe mostrou o quarto que segundo seu pai dizia era para o primogênito quando os visitasse.
Luis: Fala serio! Ele montou esse quarto pra mim?
Kaio: Fera esse quarto existe desde que nasci. Em POA tinha um, na casa antiga aqui da city mesmo também e agora tem esse nessa casa...
Luis: Mais vocês não moravam aqui desde que se mudaram?
Kaio: Não mano essa casa era da vó, foram anos até o inventario sair e a gente ter direito a herança.
Luis ficou só no quarto, Kaio voltou a dormir, e Luis foi fazer o mesmo, estava feliz, não imaginava que o pai o aguardava há tanto tempo, sempre acreditou que ele não gostava dele, já que desde que se mudou para POA, não procurava o filho, apenas ligava em datas importantes lhe chamando para passar uns dias em sua casa, acreditava que isso era só sua obrigação de pai falando e quase nunca dava bola para as ligações dele. O quarto era perfeito, tinha tudo que Luis precisava principalmente uma cama macia e confortável, e ali dormiu um sono leve, mas revigorante, acordou quase em seguida com Kaio lhe dando um sacode.
Kaio: Acorda flor do dia, vamó da um role?
Luis: Tu não disse que ia dormir caralho, me deixa...
Kaio: Disse isso há umas seis horas atrás mano, vambora, quero mostrar meu mano pra turma...
Luis: quantas horas é agora merda?
Kaio: Seu porra já é quase duas da tarde, vamo meu to cansado de ficar enfiado em casa... vai vamo conhecer o povo... Faz tempo que tu não vem aqui porra...
Luis não queria sair da cama de forma alguma, nunca se sentiu tão confortável e nunca teve um sono tão gostoso como aquele, mas Kaio não estava nem ligando para o que queria o irmão, mesmo só o conhecendo a poucas horas a idéia de ter um irmão mais velho lhe agradava muito, era como se deixasse de ser o responsável por tudo, o líder entre os pirralhos e passasse a ser apenas mais um moleque do velho Luis.
Kaio subiu na cama de Luis e começou a pular, pulava e cantava na pior voz possível, sua intenção era perturbar, finalmente era criança.
Kaio: We will, we will rock you! / Sing it! / We will, we will rock you! / Everybody! / We will, we will rock you! / We will, we will rock you! / All right…
Luis: Porra moleque mais tu é chato mesmo hein garoto? Nossa serio é por esta razão que nunca quis ter irmão...
Kaio desceu da cama, calçou os chinelos e foi saindo do quarto de cabeça baixa e com o olhar triste.
Luis: Aonde tu vai? (percebendo a burrada que tinha dito)
Kaio: Pode ficar tranquilo não vou mais te perturbar, to vazando!
Luis: Poh velho to te zuando, eu gosto de ti maninho... vamo lá eu vou contigo!
Kaio: (risada estridente) Sabia que conseguiria... O olhar do gato de botas do Sherek sempre funciona...
Luis: Seu polha...
Luis e o irmão saíram pelas ruas da cidadezinha, ambos de bermuda, havaianas e camiseta sem mangas, Kaio andava como aqueles “manos” de São Paulo, parecia que estava com os braços assados pela distância que levava os braços do corpo. Olhava torto pra todos e parecia se sentir o maioral perto de Luis. Andaram um pouco e logo estavam na praça central, se bem que ali toda rua que pegassem terminariam na tal praça, logo Kaio avistou um grupo de uns cinco garotos da sua idade, havia apenas uma menina na turma.
E foi ela que chamou a atenção de Luis, foi inevitável dizer “uau que gata”.
Kaio: Gata mermo, mais tira os oi grande dela, porque eu vi primeiro Mané!
Lis: E tu já pegou Zé ruela?
Kaio: Isso é a segunda parte do meu plano mano, mais até o fim do mês ela é minha pode apostar...
Kaio se aproximou do grupo e já foi dizendo.
Kaio: Quem dá um real pra coca?
Luis ate achou graça do garoto, ele parecia não ter vergonha de nada, era entrão, desinibido, bem diferente de Luis em toda a sua vida, alem é claro de ser lindo, de inicio Luis o achou parecido com ele naquela idade, mais ali viu que era muito pouca a semelhança, os cabelos quase ondulados de Kaio e a pele um tom a mais do que a de Luis deveriam ser herança de sua mãe.
Kaio: Maloca, deixa eu apresentar... Esse aqui é o meu mano mais velho... Luisão... É das capitar o mininu, ceis credita meu povo, o trem saiu lá de deusmelivre pra pararrr em deusnosacuda...
A turma ria das tiradas caipiras de Kaio, o que se tornaria constante durante a estada de Luis ali, o garoto não perdia a oportunidade de sacanear o sotaque de Luis, mas este não ficava atrás, o sotaque caipira gaúcho de Kaio às vezes chegava a incomodar de tão perceptível e Luis aprontava e muito com o garoto. Cada um dos meninos estenderam as mãos para cumprimentar Luis, cada qual com seu cumprimento diferente, e todos se espantavam ao ver que Luis conhecia cada um deles, Kaio seguia apresentando cada um..
Kaio: Este é o Juca... Este é o Pepeu... Ali é o Kessio... O Marcola... E esse é o Zézão...
Luis: Porra loca, e a mina tu não apresenta?
Kaio: Pra que, tu não tem chance já te disse....
Luis: Aff... Deixa que eu mesmo me apresento... Prazer Luis e você?
Victoria: Prazer, meu nome é Victoria, mas todos me chamam de Vic... Serio tu é irmão desse pela saco do Kaio?
Luis: Também me assustei quando descobri isso hoje cedo...
A conversa de Luis cresceu com a garota, e depois se estendeu a Marcola e Pepeu, os dois eram os mais velhos do grupo, Marcola tinha dezessete e Pepeu dezesseis, e também alem de Kaio eram os únicos ali que tinham dotes de beleza. Kessio era magrelo e dentuço, Zezão era um negrinho baixinho, com certeza o apelido era de curtição, porque de grande ele não tinha nada, era tímido e se quer abria a boca pra dizer oi.
Já Marcola e Pepeu tinham sua beleza destacada, Marcola era irmão de Zezão, mas diferente do irmão era mais claro, um moreninho todo saradinho, com um cabelo Black Power muito louco, os olhos eram verde clarinho. Pepeu era mais magro, mais era o maior de todos, tinha um sorriso lindo, uma covinha no queixo que conquistava qualquer um, e olhos azuis adornados pelos cabelos loiros quase ruivos.
Kaio: Luis tu pega a grana aqui vei, e vai ali no Mercadim da esquina e compra uma coca pra gente?
Luis: Claro mano vou sim, alguém me acompanha?
Marcola: Tamo junto truta!
Luis e Marcola atravessaram a rua para chegar até o mercado, era o maior da cidade, e mesmo assim ainda era bem menor do que a maioria dos mercados da capital, no caminho Marcola contava de como Kaio tentava ficar com Vic e como ela sempre o ignorava.
No Mercado abriram o freezer e tiraram a coca, quando chegou ao caixa para pagar e pedir copos descartáveis veio à surpresa, estava ali uma das pessoas que Luis menos queria ver naquele momento, ele não podia acreditar, ali era o ultimo lugar que pensou em encontrar aquele cara, havia ido até ali para fugir de ter que encará-lo novamente, mas o destino lhe pregou mais uma peça, ali estava ele olhando Luis, de seus olhos saiam faíscas de ódio, era visível que ele também jamais imaginou que o encontraria ali.
Luis: Fernando?!
Luis olhava seu agressor com uma cara de medo, de certa forma o primeiro encontro com Nando o havia traumatizado, temia que o ex-cunhado soubesse de algo e por isso o odiasse e talvez quisesse machucá-lo.
Marcola: Ué vocês se conhecem?
Nando: Uhum!
Luis: Sou amigo do irmão dele, ou era sei lá...
Nando: O que tu faz aqui maluco, não vai me dizer que tu ta atrás do Mateus.
Marcola: E fera ele é filho do Gaucho e irmão do Kaio!
Nando: Bem que eu vi que tu não me era estranho, só podia ser irmão daquele prego, e por falar nele, tu viu se a Victoria ta com ele Marcos?
Marcola: Ué vi ela hoje não chefe... Ela deve ta com a Raissa... vambora Luis?
Luis: vamo mano, vamos sair daqui, o ambiente ta fedendo!
Luis sentiu raiva daquele mala, nunca imaginou encontrar aquele cara logo ali, andar tanto pra dar de cara com Fernando brigão era o mesmo que nadar e morrer na praia, no caminho de volta, Marcola conversava com Luis.
Marcola: Mano tu é mesmo amigo do Mateus?
Luis: Éramos amigos sim, mas brigamos ontem na faculdade... Tu conhece ele...
Marcola: E como, estudei a vida toda com aquele fdp... Odeio aquele garoto!
Luis: Marcos me esclarece uma coisa aqui, o Mateus mora aqui na cidade?
Marcola: Mano ele mora aqui desde que nasceu o pai dele é vereador na cidade... Nunca saíram daqui...
Luis: Agora sim faz sentido!
Tudo se encaixava na cabeça de Luis, por isso Mateus nunca podia ficar até mais tarde na faculdade, e aquela história de que estava na casa de parentes no interior quando saíram pra ir à balada, ele estava era em casa e mentiu, ele aguentava duas horas de viagem todos os dias pra ir pra faculdade, Luis se perguntava no que mais ele mentia, pensava se alguma coisa que lhe havia dito era verdade.
Nem percebeu que já estava novamente na praça, junto com os meninos.
Kaio: Manoo acorda porra... Ta dormindo em pé fera?
Luis: Ham?
Marcola: Deixa ele Kaio... Vic, teu irmão ta lá no super e disse que é pra tu ficar longe do Kaio!
Vic: O Nando ou o Mateus?
Luis: A não... Tu também é irmã do Mateus?
Vic: Ué sou... Tu conhece meu irmão?
Luis: Kaio to indo nessa, preciso por uma coisas em ordem antes do pai chegar, da cá a chave!
Luis saiu sem se despedir dos novos amigos, estava perdido em pensamentos, queria encontrar o local onde sua vida deu essa guinada para o mistério, era incrível como tudo que fazia acabava diante de Mateus, sua vida era tão calma e boa antes da chegada desse garoto, agora estava perdido, temia apanhar de um brutamonte sem cérebro, via seu irmão virando seu concunhado, seu mundo estava totalmente perdido e virado de cabeça pra baixo. Luis voltou pra casa de seu pai, em seu quarto pensava em como a vida estava sendo cruel, se fosse outra pessoa que lhe contasse essa história a ele, jamais acreditaria, se sentia como um personagem de algum dramalhão do Agnaldo Silva, mas não desejava ser só mais um mocinho que sofre a novela inteira e só no final encontra a felicidade. Queria assumir essa felicidade, queria poder afastar de sua vida todos os vilões que o cercavam, mas a cada passo que dava se via cercado ainda mais por eles. Antes não era ninguém, sua existência passava despercebida a todos, mas desde que sua tia o convenceu a trabalhar com ela naquela bendita faculdade se viu cercado por amigos, inimigos, desejos, tentações, provocações. Pensava em como tudo estava conectado, sua vida era mesmo uma novela, nunca se imaginou em um contexto como aquele. Todos se conhecem, todos frequentam o mesmo espaço, o amigo do meu amigo é meu amigo dizia ele, isso não existe.
Sua cabeça era uma eterna confusão, tentava ver aonde tudo aquilo havia começado, desde quando havia se tornado tão desejado ou mesmo tão odiado, lembrava-se de sua época de faculdade quando tinha apenas quatro amigos de verdade, passou cinco anos ali naquela sala e se quer chegou, a saber, o nome de todos os colegas, agora nos últimos meses, todos lhe eram conhecidos, a cada dia uma nova pessoa entrava para o elenco de sua vida, aquilo com certeza não era certo, no meio de seus devaneios existenciais, chegou a procurar as câmeras que pudessem estar transmitindo sua vida para a televisão em alguma espécie de reality show. Ainda estava ali sondando seu passado, quando se surpreendeu com o peso de Kaio sobre suas costas, o garoto estava todo suado, mas não se importou com isso ao se deitar sobre o corpo do irmão.
Luis: Porra Kaio sai daí meu, tu ta todo suado... Anda moleque levanta!
Kaio: Aff... Deixa de ser fresco mano, parece que tu não transpira... (já de pé) mano diz ai meu por que veio embora daquele jeito, o Marcola disse que tu conheces o pit boy irmão da Vic...
Luis: É.
Kaio: É o que doido?
Luis: É verdade porra, eu conheço o Fernando, ou melhor, conheci outro dia, eu trabalho na faculdade que o irmão dele estuda, somos amigos e tudo.
Kaio: Tu me decepcionaste mano... Serio ser amigo daquele esnobe filho de papaizinho. Anem mano sério não suporto aqueles dois, tenho é pena da Vic, Nando é o capeta, vive em cima dela e do irmão, os dois não tem vida, e o Ric é outro que é foda, porra aquele lá não vive e não deixa a irmã viver, cara o moleque chato, vive tirando uma com a minha cara. É difícil de acreditar que ele consiga ser amigo de alguém...
Luis: Mais quem é Ric meu?
Kaio: Uai o teu amigo lá Mateus Ricardo... Aqui ninguém chama ele por Mateus só Ric, ou como a turma chama Riquinho.
Luis: Caraca meu agora sim vi que não conheço mesmo aquele falso, cara tu acredita que ele disse que morava lá em Goiânia, e que nunca me contou que era rico ou que tivesse uma irmã, ou mesmo que se chamava Mateus Ricardo, se bem que vendo por outro ângulo, a gente nem se permitiu conhecer, nos tornamos amigos rápido demais, e eu ainda o levei pra dormir lá em casa...
Kaio: Pois é mano aquele lá se acha, só por que a família dele é uma das mais ricas da cidade, ou por que o pai dele é vereador e a mãe é medica isso sem falar que eles são donos do supermercado, da lan house e de uma farmácia. Acho que aquele guri nunca teve amigos, você tem que ver ele se acha só por que estuda em faculdade publica na capital, enquanto a maioria dos jovens daqui estuda na faculdade mixuruca da cidade vizinha.
Luis: Maninho, eu queria descansar, ou melhor, dormir um pouco, será que você não se importa?
Kaio: Poh mano tranquilo, tu vai ficar muitos dias aqui, não vai?
Luis: Quem sabe não fico pra sempre...
Kaio: Nooooo ai sim ia ser foda hein? Vai ser um prazerzão ter meu camaradinha morando aqui (risos e soquinhos no ombro de Luis) deixa então mano vou lá pra sala ver TV, qualquer coisa é só gritar...
Luis: Beleza quando o pai chegar me acorda, deixa que eu conto pra ele que estou aqui, quero fazer surpresa.
Luis acabou dormindo, não viu o tempo passar, quando finalmente acordou já era noite, em seu celular viu que já passava das nove da noite, saiu do quarto para ver se o pai já havia chegado, passou pelo quarto de Kaio e viu que ele estava no banho, no quarto do pai não havia ninguém assim como em todo o andar superior, no andar de baixo novamente teve o silêncio como companhia. Silêncio este que foi quebrado pelo som de seu estomago, se tocou então que ate aquele momento não havia comido nada e sentiu ate certa fraqueza.
Estava na cozinha procurando algo pra comer quando ouviu a campainha, pensou em não atender, àquela hora ele não costumava abrir a porta a ninguém, mas como estava no interior, e ali as coisas eram diferentes foi ver quem era, e se surpreendeu ao ver Victoria parada na soleira da porta, seus olhos estavam vermelhos como se tivesse chorado, estava com certeza constrangida em estar ali naquele momento.
Luis: Oi Vic... Veio falar com meu irmão
Vic: Não... Quero falar é com você Luis... E tem que ser agora!
Luis: Entra, vamos pra cozinha, ia jantar agora, você aceita?
Vic: Não obrigada... Gostaria que você conversasse comigo agora, por favor, deixa pra comer depois a conversa é seria...
Luis olhou a garota com certo estranhamento, o que aquela guria pensava que era pra querer impor ordens sobre ele, mas nada disse, acenou com a cabeça para que ela se sentasse de frente a bancada da cozinha e se sentou do lado oposto, olhava a garota nos olhos esperando ela iniciar a tal conversa, mas Vic toda vez que encontrava os olhos do rapaz, abaixava a cabeça com vergonha, a agitação de suas mãos demonstravam sua preocupação e aquilo começou a incomodar Luis.
Luis: E então?
Vic: Bom... Antes de tudo quero te dizer que...
Luiz: Que?
Vic: Que eu sei de tudo sobre você e o Mateus...
Luis olhou-a assustado, o que ela queria dizer com tudo. Será que Mateus havia se exposto assim, contando tudo para a irmã.
Luis: Como assim tudo?
Vic: Tudo Luis é tudo... Ric ou Mateus como preferir, sempre foi aberto comigo, até começar a estudar na capital eu era a única pessoa com quem ele conversava abertamente, e então entre nós não há segredos, quer dizer eu pensava que não... Acontece que agora a pouco, aos fechar o mercado o Fernando chegou em casa cuspindo vespas, estava irritadíssimo, meus pais como sempre não estavam em casa...
Luis: E o que eu tenho a ver com isso?
Vic: Novamente a tua resposta é tudo... Nando estava irado por tua causa, te ver dentro do seu local de trabalho foi uma afronta na visão dele...
Luis: Faça-me o favor né, eu nem sabia que o Mateus, Ric, Ricardo, Riquinho o diabo que seja morava aqui, vim pra esse fim de mundo por culpa dos seus irmãos, queria era fugir deles...
Vic: Pois é. Foi o que o Mateus me disse, ele pensou que essa era a razão, mas para o Nando você veio foi atrás do Mateus... Olha como te disse sei de tudo, o Mateus me contou toda a história de vocês agora a pouco, então posso te dizer francamente... o Nando vê nós dois como crianças, e vê você como um aproveitador que quer apenas aproveitar da ingenuidade do meu irmão.
Luis: Meu Deus que mentalidade infantil...
Vic: O Nando como te disse chegou em casa gritando, chamando nos dois pra conversar, assim que chegamos, ele foi soltando o veneno xingando você e seu irmão, no começo o Mateus não entendia nada, e o Nando achando que ele estava mentindo deu lhe um soco na cara... Dizia que sentia vergonha de ter um irmão viado (choro)... De ter um irmão que saía por ai dando o rabo pra qualquer um... Disse que se o namoradinho bambi dele se aproximasse daquela casa o mataria... Ele falava de você... Foi ai que a ficha caiu, lembrei que você praticamente saiu correndo da praça àquela hora, e que o Marcola disse que você conhecia o Fernando, ai disse teu nome, o Mateus de inicio pensou que você tivesse vindo atrás dele, pra pedir desculpas e disse que vinha atrás de você, foi ai que o Nando bateu nele de novo. Após muito nos xingar e nos ofender ele saiu, com certeza foi beber...
Luis: Como vocês aguentam isso? Serio você nunca ouviu falar em polícia?
Vic: Não é tão simples assim Luis... Entenda nossos pais nunca foram presentes, desde cedo quem sempre cuidou de nós foi o Nando, o respeitamos como nosso pai, e sabemos que tudo isso é preocupação, mas não vim até aqui falar do Nando, vim falar de você e do Mateus.
Luis: Não existe eu e Mateus...
Vic: Existe, você queira ou não, o meu irmão te ama e eu vejo que você o ama também... Hoje o Mateus finalmente foi ele mesmo comigo, eu sempre achei que ele não me escondia nada, mas hoje me surpreendi com tudo o que ele me contou... Não vou ficar falando do passado até por que você já sabe... Vou falar do que aconteceu com vocês desde que o Mateus saiu da sua casa no dia do aniversário dele.
Luis: Foi ele quem te mandou aqui?
Vic: Não, pelo contrário ele jamais aceitaria isso, vim escondida, eu dei calmante pra ele, e assim que dormiu eu vim... Olha aquele dia assim que ele chegou aqui em casa, o Nando estava esperando por ele, foi àquela discussão, o Nando exigia saber onde ele estava, e com quem, dizia que não aceitava que ele trocasse a comemoração com a família por uma noitada com um amigo. Naquele dia, o Mateus não aguentou as pressões do nosso irmão, na verdade ele nunca aguenta, e acabou falando de você, disse que te amava...
Luis: Serio?
Vic: Seriíssimo... Acontece que isso só inflou a raiva do Nando, ele catou o Mateus pelo braço e essa parte eu vi, e saiu arrastando ele porta a fora... Ele o levou até a cidade vizinha onde tem um cabaré, e lá ele fez Mateus ficar com uma mulher, ele dizia que ia transformar Mateus em homem na marra...
Luis: E você acredita que ele não gostou disso? Você é muito inocente Vic, me diz tu acredita mesmo que um homem ficaria excitado sem sentir tesão naquilo que estava fazendo?
Vic: No inicio ele não conseguia, e o Nando só xingava... Ai você começou a ligar, o Nando tava com o telefone dele nas mãos, e lembrou-se do outro dia que você tinha ligado varias vezes pro Mateus, foi fácil deduzir que era você, ele que atendeu e colocou na viva voz, fez com que Mateus fosse grosso com você e acabou no final dizendo tudo aquilo. Até ali o Mateus não tinha feito nada com a mulher. Mas segundo ele após ver que tudo já estava destruído entre vocês e que com certeza você não o ouviria e terminaria com ele, acabou por fazer o que o Nando queria.
Luis: Claro né, sem o bobão aqui ele tava livre pra sentir tesão por qualquer bosta que aparecer!
Vic: Olha eu não sou ninguém pra dizer se ele sentiu ou não tesão, se ele fez tudo consciente da traição que cometia, só sei que meu irmão esta sofrendo muito por sua causa, ele não come, não dorme, vive irritado, e ainda por cima diz que vai sair da faculdade...
Luis: Essa é boa, ele que aprontou consciente ou não foi ele, e ainda joga a culpa em mim, me diga minha querida, o que eu fiz pra ele. Se ele quer sair que saia logo pelo menos não sou obrigado a ver aquela cara de bosta dele.
Vic: Calma ai, também não é assim, você é tão culpado nessa história quanto ele... E o garoto da boate, vai negar que você ficou com ele só para se vingar do Mateus?
Luis: Faça-me o favor... Olha diz pro teu irmão que eu não fiquei com o Marcelo, eu e ele somos apenas amigos, e outra nenhum outro homem tocou em mim como o teu irmão, antes dele, me considerava hétero, não tive e creio que nunca terei sentimentos quaisquer por outro homem, só amo teu irmão, se sou gay por isso, sou gay apenas por ele. Diga também que ele não se preocupe eu não irei procurá-lo e nem pedir satisfação, por que graças a ele me aconteceram duas coisas que nunca vou esquecer...
Vic: E você pode me dizer?
Luis: Claro. Todos logo saberão... Uma é que eu apanhei de teu irmão... Sabe o que é isso garota? Antes ninguém nunca havia me batido, nem meus pais tocaram em mim, ai me surge um bestial enrustido defensor das bixas oprimidas e me desse à mão, tu não sabe como ficou minha cabeça naquele momento... Eu queria matar os dois e só não fiz isso por amor ao teu irmão. E outra coisa, eu fiz algo no momento da raiva que já me arrependo amargamente... Traí seu irmão... Ele procurava tanto uma traição minha que eu acabei realizando o desejo dele, mas não foi com o Marcelo ou qualquer outro homem, foi com a Laila melhor amiga dele...
Vic: É... Vejo que não será tão fácil assim juntar vocês dois. Meu irmão jamais vai perdoar isso, e vejo que você também não vai perdoá-lo...
Luis: Se depender de mim jamais voltaremos a ficar juntos...
Kaio: Como assim juntos?
Kaio havia chegado à cozinha, estava de banho tomado, os cabelos molhados lhe cobriam a testa e os olhos, estava sem camiseta, vestia apenas uma bermuda branca e chinelos. Olhava para Luis com ódio, não entendia o que Vic fazia ali diante de Luis conversando sobre voltar, reatar namoro.
Vic: Oi Kaio (vermelha de vergonha) não sabia que estava em casa...
Kaio: Percebi isso... (olhando com fúria para Luis) irmãozão diz ai não é o que eu to pensando né não?
Luis: E eu sei lá o que tu pensa garoto. (Luis estava ligeiramente irritado e não entendia o porquê de Kaio o olhá-lo com tanto ódio, se fosse por ter ouvido que ele era gay, o garoto não perdia por esperar, uma coisa que Luis abomina é preconceito e não aceita isso vindo de sua família. Victoria percebeu o clima entre os irmãos e correu a interceder pelo ex-cunhado).
Vic: Não sei o que você esta pensando Kaio, mas se for o que estou pensando você me desaponta, que tipo de mulher você pensa que eu sou? Acabei de conhecer teu irmão, acha mesmo que eu já estaria me jogando pra cima dele?
Kaio: (agora com olhar baixo) Desculpa... Eu ouvi o Luis falando que não voltaria mais... Pensei que vocês já se conheciam, da mesma forma que ele conhece os teus irmãos... E que vocês tivessem namorando...
Luis: Aff... O moleque quer saber de quem estamos falando... Vou te contar, mas se abrir a boca pra alguém que seja... Eu te mato...
Kaio: Qualé mano podes confiar no teu truta aqui!
Luis: Pois é, eu falava do Mateus, irmão da Vic, eu e ele namorávamos...
Kaio olhava surpreso para Luis, uma lagrima surgiu em seus olhos e ele mais que depressa se virou e correu subindo as escadas e batendo a porta do quarto, Luis tentou segui-lo, mas foi impedido por Victoria que foi em seu lugar.
Foram longos trinta minutos com os dois conversando trancados naquele quarto. Luis estava se desesperando no sofá da sala, agora que tinha um irmão sofreria por perdê-lo por culpa de um preconceito bobo. Já estava quase pegando suas coisas e indo embora quando Kaio desceu de mãos dadas com Vic, à garota olhava tímida para Luis, já Kaio sorria abertamente. Ainda faltava um lance de escadas quando Kaio disse:
Kaio: Irmãozão..
E pulou sobre Luis, os dois caíram no sofá rindo. Era evidente o alivio que Luis sentia, havia menos de quarenta e oito horas que se conheciam, mas Luis já amava o irmão, estava feliz por saber que ele o aceitava.
Kaio: Mano tu pode ser viadão, mas ainda é meu irmãozão, e também agora é meu concunhado...
Luis: Opa! Como assim?
Kaio: Eu e a Vic estamos namorando, ela sempre gostou de mim assim como eu dela, e agora esse rolo seu e do irmão dela, tipo a fez ver que não adianta lutar contra os sentimentos, que o gostosão aqui não vai esperar pra sempre...
Vic: Epa nem é assim mané, se for pra mentir eu deixo de namorar você...
Kaio: Ta bom... Ela gosta de mim e eu dela, a gente só resolveu ver no que da e ser feliz enquanto isso, e também por que decidimos que vamos juntar você e Riquinho.
Vic: Bom Luis eu fiz o que vim fazer, agora tenho que ir, antes que o Nando chegue em casa bêbado e não me encontre, pensa bem se é mesmo isso que você quer, ficar longe do meu irmão, sofrer de saudade, vê-lo sofrer... A felicidade de vocês esta perto demais pra deixar escapar assim... Não seja como eu, que por orgulho deixei a felicidade e o amor tanto tempo longe de mim e do teu irmão... Amor vou indo, até amanha ta!
Kaio acompanhou garota até o portão, se despediu com um beijo, Luis acompanhava tudo pela janela, desejou ser feliz como os dois estavam, ambos resolveram esquecer os problemas que tinham para deixar a felicidade florescer, pensava consigo por que se ater as mínimas coisas, ele não era culpado, não pelas acusações que recebia, Mateus também não era culpado, era apenas um brinquedinho nas mãos de seu irmão, constatar isso o deixava triste, era difícil suportar a ideia de que ele havia deixado seu grande amor por rancor, e que ele sofria nas mãos de um irmão opressor e cruel.
Luis e Kaio prepararam o jantar, estavam ansiosos pela chegada do pai, queria ver sua cara, ao ver o filho primogênito em casa, Luis pensou em ligar para a casa da mãe e dar noticias, mas ao se lembrar de que possivelmente corria o risco de falar com Leo, desanimava, escolheu então em continuar ali, ver no que daria, aquela aproximação com o pai e os novos irmãos, já era tarde da noite quando eles ouviram o barulho do portão da garagem se abrindo, era obvio que o pai havia chegado, Luis correu ate o pé da escada e se escondeu atrás de uma estante. Kaio ficou na sala assistindo TV. Os pais de Kaio se surpreenderam ao ver o filho ainda em casa e acordado, e ainda mais quando viram na cozinha, a mesa posta e o jantar pronto e quente. Já temiam pelo que ele poderia ter feito de tão grave quando Luis surgiu na sala, não foi preciso dizer nada, o velho Luis o reconheceu jamais se esqueceu do rosto de seu filho e não era alguns anos que o faria esquecer. De seus olhos as lágrimas já caiam, quando finalmente abraçou o filho, Luis estava feliz estava em um local onde todos o queriam, onde todos só lhe desejavam o bem. Lucia a irmã caçula de Kaio dormia nos braços de Marcia a mãe, já Kauê estava elétrico ao ver o irmão mais velho, diferente de Kaio, este tinha os olhos claros e os cabelos meio aloirados, certamente lembravam o avó de Luis. Aquela noite foi colocada à conversa em dia, Luis pai, acolheu o filho e ofereceu sua casa como moradia para o filho. Não queria que este voltasse pra capital, queria ver os filhos crescerem juntos e unidos. No fim da noite, Luis estava em sua cama, fitava o teto enquanto pensava como sempre desejou o carinho do pai, e como sempre o recusou, agora estava ali na casa dele, recebendo todo o carinho do mundo, estava cercado por irmãos, e tinha plena certeza que destes não sairiam atos tão brutais como os de Leo.