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O beijo estava bom; eu me sentia nas nuvens naquele momento. Era uma sensação única sentir os seus lábios nos meus, mas, como sempre na minha vida, nada de bom dura o suficiente. Senti as mãos dela nos meus ombros e ela me empurrou, com calma o suficiente para que eu me afastasse e seus lábios se descolassem dos meus.
Stella— O que você está fazendo exatamente, Ká?
Karla— Me desculpe, eu acho que fui levada pelo que você falou. Eu não sei, mas não devia ter feito isso.
Stella— Tudo bem, esquece isso. Acontece. Você tem passado por muita coisa ultimamente; suas emoções devem estar à flor da pele.
Karla— Mesmo assim, me desculpe, de verdade. Eu e minha mania de estragar tudo.
Stella— Você não estragou nada, sério. Está tudo bem.
Eu estava morrendo de vergonha. Não sei o que me deu, mas eu tinha amado aquele beijo. Porém, eu não deveria ter feito aquilo. Stella com certeza sofreu muito por me amar no passado; a última coisa que eu queria era magoá-la novamente.
Tentei agir normalmente, mas confesso que me peguei olhando para a boca dela algumas vezes durante o resto da nossa conversa.
No início da tarde, ela se foi, mas antes de sair, disse que não tinha esquecido o que prometeu: que iria me contar sua história. Ela disse que só precisava de mais um tempo para se preparar psicologicamente e achava melhor eu ter mais tempo no meu tratamento.
Disse a ela que, apesar da minha curiosidade, eu esperaria o tempo que ela achasse necessário. Ela se despediu e eu fui tomar um banho. Depois, passei um tempo com minha filha. Antes de dormir, conversei com minha mãe sobre o que Stella tinha me proposto. Ela disse que seria muito bom para a empresa se eu conseguisse pegar uma obra como a do hotel e que eu deveria me informar direitinho sobre quanto dinheiro tínhamos para investir no prédio.
Fui me deitar e, antes, mandei uma mensagem para Stella perguntando se eu poderia ir à sua empresa no dia seguinte para me despedir e me desculpar com o pessoal. Ela respondeu dizendo que eu podia, sim, mas que não era necessário. Eu disse que fazia questão de ir. Ela então marcou para as 13 horas e eu confirmei.
Cheguei uns minutos antes do horário e fui direto para a sala do César. Ele me recebeu e eu me desculpei com ele, agradeci por tudo que ele fez por mim e pedi desculpas por ter machucado sua filha. Ele disse que ficou em choque com tudo que aconteceu, porque sempre me achou uma pessoa calma e sensata, que ajudou muito na empresa e que sua filha falava muito bem de mim. Fui explicar para ele sobre meu problema e que estava me tratando, mas ele disse que já sabia, que aceitava minhas desculpas e que suas portas estariam sempre abertas se eu precisasse de algo. Agradeci, dei um abraço nele e fui para a sala da Layla.
Quando ela me viu, levou um susto, mas logo veio me abraçar e perguntou o que eu estava fazendo ali. Expliquei para ela, e ela disse que eu tinha muita coragem por voltar ali depois do que houve. Expliquei que eu precisava. Ela foi comigo até a sala da Stella.
Quando entramos, Stella já abriu um sorriso e veio até nós. Disse que já tinha avisado todo mundo e seguimos para o auditório. Reparei que Layla e Liandra eram só sorrisos uma para a outra; provavelmente tinham ficado no apartamento de Layla. Eu estava feliz por elas, principalmente por minha amiga.
Quando cheguei ao auditório, já estava todo mundo lá. Quando me viram, começou um pequeno burburinho, mas eu já esperava por isso. Stella falou para todos que eu queria dizer algumas palavras. Respirei fundo e tomei a frente com o microfone na mão.
Comecei pedindo desculpas pelo escândalo que aprontei dentro da empresa, expliquei que o erro foi todo meu e que Stella só tentou me ajudar, mas eu entendi errado e surtei. Conteci que tinha um problema psicológico e que estava me tratando, mas isso não justificava o que fiz. Depois, agradeci a todos pelo apoio que me deram durante o tempo que trabalhei ali e expliquei que iria cuidar da minha empresa, e que provavelmente faria algum trabalho junto com eles no futuro. Despedindo-me, agradeci mais uma vez por tudo que aprendi com eles.
Quando terminei, a maioria aplaudiu; alguns por educação, claro, outros não deram a mínima, e alguns poucos me olhavam com cara feia. Eu também já esperava por isso, mas o importante eu fiz: me desculpei e agradeci aos meus ex-colegas de trabalho.
Saímos dali e fui com as meninas para a sala da Stella. Conversamos um pouco e depois me despedi e fui embora. Eu sinceramente me sentia mais leve. Eu sabia que não seria fácil para mim; muitas pessoas iriam me julgar, muitos achariam que meu problema era algo de fachada, muitos me culpariam, mas tudo bem. Eu entendia isso, até porque eu me julgava e me culpava o tempo todo. Sabia das merdas que fiz, mas estava disposta a me curar e me desculpar com cada um que prejudiquei de alguma forma.
Nos dias seguintes, fui todos os dias na empresa. Minha mãe e Pedro me explicavam tudo com muita calma. Sempre tive facilidade de aprender, por isso sempre me dei bem nos estudos. Eu era esforçada também, sempre fui focada no que queria, e por isso fui entendendo bem como tudo funcionava. Claro que era só o começo; eu tinha muito o que aprender, muito mesmo, mas já era um bom começo não encontrar nenhuma dificuldade grande no início.
Continuava fazendo minhas sessões com a psicóloga, minhas aulas de yoga e meus exercícios em casa. Outra coisa que comecei a fazer foi correr todo dia de manhã antes de ir para a empresa.
Conversava com Layla todos os dias, mas não era como antes, quando eu vivia grudada nela. Sentia muita falta disso, mas agora trabalhávamos em lugares diferentes e não tínhamos mais tanto tempo uma para a outra. Em compensação, Stella cada vez mais voltava a fazer parte da minha vida, não só da minha, mas da minha família também. Ela ia quase todos os dias na minha casa. Eu amava isso em partes, mas, por outro lado, algumas coisas estavam ficando complicadas.
Não conseguia parar de pensar no nosso beijo, e a cada dia mais reparava no seu rosto, no seu corpo, no seu sorriso. Eu estava encantada por ela, e isso era um problema para mim. Eu não podia evitar isso e nem queria, mas me apaixonar por ela seria a pior coisa que poderia me acontecer naquele momento. Tinha medo de estragar tudo de novo. Não sabia como meu cérebro iria reagir; tinha medo de surtar e fazer alguma besteira.
Falei com minha psicóloga sobre isso, e ela disse que provavelmente eu não iria surtar por me apaixonar por ela. O perigoso seria eu ter uma crise de ciúmes ou algo assim, porque o gatilho que fazia eu surtar era ela, e a probabilidade de isso voltar a acontecer existia. Mas que agora, com o tratamento, as chances de meu problema voltar eram menores.
Resumindo, talvez eu estivesse ferrada, ou talvez não. Resolvi falar com Layla sobre isso e pedi para ir ao seu apartamento para conversarmos. Ela disse que preferia ir à minha casa porque estava com saudades da Sophia, e eu concordei.
Ela veio direto do trabalho para minha casa, ficou brincando com Sophia e conversando com Lúcia até eu e minha mãe chegarmos da empresa. Cheguei e a levei direto para meu quarto, expliquei para ela cada detalhe do que estava acontecendo.
Layla— Sinceramente, eu não queria estar na sua pele. Garota, sua vida está uma loucura ultimamente. Mas acho que o certo é primeiro você ter certeza do que sente, depois falar com ela.
Karla— Eu sei disso, mas tenho muito medo de afastá-la de mim, da minha mãe, justo agora que as coisas parecem estar indo bem. Eu sei que sou culpada por todas as coisas ruins que aconteceram comigo, mas poxa, o destino também não colabora comigo.
Layla— Eu sinto muito, mas acho que você ainda vai ser muito feliz. Você merece.
Karla— Pior que não mereço; acho que só estou pagando pelos meus erros.
Layla— Olha, para com isso. Ninguém te culpa; a gente já te perdoou. Pare de se culpar por coisas que você não tinha controle.
Karla— Mas era eu. Eu sei que tenho um problema no meu cérebro, mas isso não muda o fato de que era eu ali fazendo tudo aquilo.
Layla— É sério, se você não parar de falar isso, eu vou embora. Vamos esquecer o passado e focar no futuro. Você tem um problema e tem que resolver.
Karla— Tudo bem, mas o que você acha que devo fazer?
Layla— Acho que deve fazer o que eu falei— ter certeza do que sente e falar com ela sobre isso.
Karla— Você tem razão, vou fazer isso. Mas e você e a Liandra? Estão namorando?
Layla— Bom, eu ia te esconder isso; até arrumei uma desculpa para você não ir ao meu apartamento, mas acho melhor te contar.
Karla— Já sei, Liandra tem ciúmes de mim, né?
Layla— Tem. Não é nada exagerado, mas ela fica com o pé atrás com você e comigo, porque sabe que a gente ficou. Eu não escondi nada dela; fui honesta em tudo, mas mesmo assim ela ainda fica insegura para ter algo sério. Mas sinto que ela gosta de mim de verdade.
Karla— Sinto muito por estar te causando mais problemas.
Layla— Meu Deus, para! Você não tem culpa de nada. A gente já era amigas e ficava bem antes de eu conhecer ela. E das últimas vezes, eu que dei em cima de você.
Karla— Entendi. Bom, mas foi bom você arrumar a desculpa; nós duas sozinhas no seu apartamento só iria piorar as coisas.
Layla— Mas não foi só uma desculpa; eu realmente estava com saudades da Sophia. Amo sua filha.
Karla— Ela também ama você, pode ter certeza.
Ficamos conversando mais um pouco e ela se foi. Quando fui ao portão com ela, dei de cara com Stella chegando com uma bolsa grande na mão. As duas se cumprimentaram, e Stella já foi entrando. Passou por mim, me deu um beijo no rosto e seguiu rumo à minha casa. Eu me despedi da Layla e fui também, estava curiosa para saber o que ela tinha naquela bolsa.
Entrei e ela estava brincando com a Sophia. Sentei no sofá de frente.
Karla— O que tem na bolsa?
Stella— Você não faz nem ideia?
Karla— Não faço mesmo. Desculpa, se for algo pessoal, não precisa dizer, tá?
Stella— Jura que realmente não faz ideia? Pensa com calma.
Karla— Eu juro, eu realmente não faço ideia.
Stella fez uma cara triste que cortou meu coração.
Karla— Eu sinto que eu deveria saber, né? Me desculpe, ando com tanta coisa na cabeça.
Stella— Tudo bem. Eu imaginei que talvez você não se lembraria do nosso ritual.
Quando ela falou aquilo, deu um estalo na minha cabeça.
Karla— Eu não acredito que esqueci disso!
Stella— Tudo bem, você com certeza está com muita coisa na cabeça mesmo, mas eu lembrei. Eu nunca esqueci, na verdade; todo ano eu lembrava e vou lembrar para sempre.
Ela se levantou e pegou a bolsa. De dentro, tirou uma um pouco menor.
Stella— Eu trouxe uma nova. Eu não sabia se aquela antiga ainda existia.
Com os olhos marejados de lágrimas, levantei e a abracei. Ela era muito especial mesmo. Como eu deixei ela escapar de mim?!
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper