a dor do medo
Reviravoltas da vida 4
Virei pro mar reparando nele a primeira vez, desde que havia descido do caminhão. Sempre adorei praia e era meu destino favorito de criança, quando viajava com meus pais.
Contudo agora, diante de toda aquela imensidão, só conseguia sentir o peito oprimido pela incerteza do futuro, incalculado como aquelas ondas; e pela saudade de Alex, que havia partido há apenas alguns minutos.
Senti as pernas bambas e me sentei em um banco próximo, tentando colocar a mente em ordem e pensar em qual seria meu primeiro passo.
Já passava do meio dia e eu precisava agir rápido se não quisesse dormir na rua. Além disso, precisava conseguir um trabalho urgente, pois as poucas economias que eu tinha, não dariam nem pra alguns dias. Só então fui abrir o pacote que Alex havia me dado, não era muito, mas o suficiente pra eu me alimentar pelo menos umas duas semanas.
Decidi por começar procurando um local pra passar a noite e saí andando primeiro a esmo nas ruas mais pra trás da praia, tentando identificar qualquer placa que indicasse vagas de quartos. Perguntei também em alguns comércios se sabiam de algum lugar e assim rodei até À tardinha.
Não consegui encontrar nada. O valor da maioria dos locais consumiria minhas economias em dois dias de estadia, além de alguns lugares só aceitarem pagamento de um mês. Sem contar os proprietários que se recusavam a me alugar qualquer coisa sem uma autorização dos meus pais.
Voltei pra praia desesperançoso e me sentei num banco, quase no final da praia com os pés e pernas doendo. Descansei um pouco, mas meu estômago roncou exigindo alimento depois de eu passar o dia todo sem nada. Fui até uma padaria na rua de traz e fiz um lanche. Enrolei a sair, na verdade não tinha a mínima noção do que fazer.
Meio que no automático voltei pra praia. Tentava me controlar e não desesperar. Já passava das nove da noite e eu ainda não tinha a mínima noção de onde dormiria ou o que faria nos próximos dias.
Fiquei observando o movimento na praia, que ocorria distante à minha esquerda, pois a mesma era toda iluminada. Porém estava tudo deserto próximo a mim. Olhei pra minha direita e vi um paredão que marcava o fim da praia, e encostado à parede de cerca de dois metros que separava a areia do calçadão, algumas canoas encostadas.
Uma luz acendeu dentro de mim e me dirigi ao local pra ver se daria pra dormir ali dentro. Porém, além das canoas estarem cheias de tralhas dentro, imaginei que os pescadores poderiam aparecer no meio da madrugada pra pegar as mesmas e ir pescar.
Abandonei a ideia e caminhei até o fim da praia. Só então reparei ali uma reentrância e um banco de madeira, oculto da vista de quem estava alguns metros mais distante.
Deitei ali mesmo, felizmente estava calor, mas o vento era forte, por isso peguei minha blusa de frio dentro da mochila pra tentar me abrigar. Encontrei ali dentro a toalha que havia usado nas semanas com Alex. Na certa, pegou limpa do varal no baú e colocou ali de presente pra mim junto com um sabonete novo. Meus olhos ameaçaram marejar de novo, mas afastei logo esses pensamentos. “Agora é hora de ser forte, Leonardo” falei pra mim mesmo.
Ajeitei a mochila como travesseiro e me virei pro canto pra tentar dormir naquele banco duro. Foi um pouco difícil, mas o cansaço do dia, ajudou e pensando que deveria acordar ainda de madrugada pra evitar ser surpreendido dormindo naquele local, mergulhei no sono.
Acordei de madrugada escutando barulhos nas canoas que eu vira na noite anterior. Agradeci mentalmente por ter abandonado a péssima ideia de dormir por ali, pois como eu pensava, os pescadores estavam partindo para a lida do dia antes do sol nascer.
Fiquei um pouco tenso, com medo de alguém aparecer por ali, apesar de saber que da posição que estavam as canoas não dava pra ver o banco. Só quando os barulhos cessaram, consegui relaxar, mas não pude dormir mais.
Fiquei deitado olhando o céu estrelado e tentando bolar um plano pro dia. Iria tomar café na padaria as 06h, assim que abrisse e lá mesmo já seria o primeiro local que tentaria um emprego.
Depois percorreria todas as lojas da rua de trás e da orla, que foram os locais que vi um comércio mais intenso. Com sorte conseguiria um adiantamento ou pelo menos uma nota assinada do dono e imploraria um dos proprietários de uma casa que havia ido no dia anterior com quartos pra alugar para que me alugasse um quarto sem exigir pagamento adiantado, visto que a única restrição dele havia sido eu não ter como comprovar renda.
Fiquei até amanhecer naquele estado sonhador, imaginando cada oportunidade do dia e quando deu 06h fui até a padaria. Tomei meu café com um pão de sal e manteiga (a opção mais barata) e antes de sair perguntei ao dono, que ficava no caixa, se não poderia me arrumar um emprego.
Foi meu primeiro não do dia. Ainda pela manhã tive vários outros e por volta das 13h já tinha percorrido mais de metade da praia e nada. Comprei um salgado com um vendedor de rua. Dava cada mordida saboreando ao máximo, sabendo que aquela deveria ser minha última refeição do dia. Do jeito que as coisas iam, estava desesperançoso de conseguir algo por ali e tinha que fazer meu dinheiro durar o máximo possível.
Ao fim da tarde já estava quase no fim da praia e pra completar meus problemas, meu corpo exigia urgente uma visita ao banheiro. Além disso, eu precisava de um banho. Havia visto mais cedo do outro lado da rua, que ao lado de um dos quiosques havia um banheiro público, que cobrava uma pequena taxa. Não tinha jeito, teria que gastar mais esse dinheiro.
Entrei no banheiro, que apesar de modesto estava até bem limpo e vi pra minha sorte que havia duas duchas de água gelada em uma área pra banho, na certa pros turistas tirarem a água salgada do corpo.
Depois de aliviado e banho tomado, saí do banheiro e fui caminhando novamente no calçadão em direção ao ponto que havia parado.
Estava andando distraído e já desanimado, quando vi uma placa em um dos quiosques falando que precisava de ajudante.
Meu estado de Ânimo deu um salto no mesmo instante e com um sorriso no rosto fui até o balcão onde um senhor se preparava já pra fechar o local.
- Desculpe, mas já estou fechando, garoto – falou um homem meio rústico, já acima dos quarenta, que me olhou por uns segundos e logo voltou atenção pros afazeres.
- Eu na verdade, queria ver sobre o cargo de ajudante – falei sem me deixar abater pelo jeito seco dele e apontando na direção do anúncio ao lado.
- Ah sim – ele falou meio surpreendido -E você tem experiencia em algo parecido? – ele falou largando o que estava fazendo e me encarando.
- Não, mas eu aprendo rápido e topo qualquer serviço – falei me tremendo um pouco.
- Não dá garoto, inexperiente você vai é me dar trabalho e eu vou gastar atoa, se for pra não ter ajudante prefiro não pagar um, se me entende.
- Eu trabalho um mês de experiencia – falei no desespero, já me tremendo com medo de tomar mais um não – em troca você só me dá o almoço – falei e ele me encarou curioso.
- Garoto, eu preciso de um ajudan...
- Eu trabalho três meses, então, por favor e se você encontrar alguém qualificado nesse tempo aí você me dispensa.
O homem parou me olhando surpreso e falou:
- Voce quer mesmo esse emprego, hein, garoto? Qual seu nome?
- Leonardo, senhor, pode me chamar de Leo se quiser.
- Senhor tá no céu, pode me chamar de Juarez. Vamos fazer assim, Leo, aparece aqui as 7h amanhã e a gente faz uma experiencia.
Fiquei exultante, que se Juarez não estivesse atrás do balcão eu teria me ajoelhado agradecendo, mas me limitei a agradecer efusivamente e falar que estaria lá sem falta.
Voltei pro mesmo ponto e dormi bem mais aliviado aquela noite, vendo pelo menos uma luz no fim daquele túnel aparentemente sem fim que tinha se tornado minha vida.