Marcos sucumbiu de vez. Com os cotovelos apoiados nos joelhos, ele se debulhou em lágrimas. Um choro doído, sofrido pela perda de alguém que sequer havia conhecido, mas que, independente disso, já amava demais. Também não aguentei vê-lo sofrer e chorei junto, mais contida, mas não menos dolorosamente. Aliás, todos choraram, até seu Balthazar que parecia ser o mais controlado, sentiu a perda do neto. Eu o acariciava e tentava levantá-lo, mas tudo o que eu falava parecia em vão, até um momento em que ele se virou para mim e me abraçou, chorando em meu ombro:
- Chora mesmo, Marcos. Vai te fazer bem por pra fora. - Falei e o abracei forte, apertado.
E ele chorou, como chorou, ouso dizer que chorou tudo o que nunca havia chorado em sua vida toda até aquele momento. Entretanto, o terror daquela noite estava só começando e revelações sombrias iriam assombrar todos naquela família, inclusive a mim.
[...]
Capítulo 34 - Peão adiante, duas casas
- Porra, pai, já tava pensando que ia me dar um bolo! - Falei irado, quase gritando com o meu pai por seu atraso.
- Primeiro, controle seu tom comigo, eu não sou das tuas negas para você vir se alterando, ok? Segundo, eu disse que viria te encontrar, mas não disse que horas, então, você não pode me cobrar nada, tá entendendo? Nada!
- Porra…
- Vou embora! - Ele me interrompeu: - Quando você estiver mais tranquilo a gente volta a conversar…
- Não, não… - Agora era que que o interrompia: - Desculpa! Entra e vamos conversar.
- Melhor assim. - Disse e entrou no meu apartamento: - Cadê os tais vídeos? Deixa eu ver se tem algo que a gente possa aproveitar.
- Senta aí que vou buscar o notebook. Se quiser beber algo, fique a vontade. - Disse e saí para meu quarto.
Quando voltei, ele já estava confortavelmente instalado no sofá da sala, com um copo de whisky na mão, tateando na outra seu celular. Ao ver que me aproximava, baixou seu celular e voltou sua atenção toda para mim. Passei então a buscar uma determinada pasta escondida entre tantas outras em meu notebook e depois o coloquei eu seu colo:
- Pode ficar à vontade. - Disse e me levantei para buscar um whisky também para mim.
Eu sabia que não eram muitos os vídeos, apenas cinco e curtos que eu fiz nas transas que tive com a Annemarye, mas sabia cada um de cor, pois os tinha saboreado várias e várias vezes depois de nossos encontros enquanto estava só em meu apartamento.
Quando ele deu o “play” no primeiro, já ouvi, em alto e bom som, a voz dela dando uma gargalhada: eu sabia que era um em que ela estava deitada de costas na cama e eu de joelhos entre suas pernas, penetrando sua buceta e manipulando seu grelo, até fazê-la gozar aos berros. Infelizmente, não consegui pegar seu berro, mas consegui depois pegá-la gargalhando de uma piada que lhe contei, nem me lembro qual, enquanto eu reiniciava minhas penetrações. “Foi uma noite e tanto aquela!”, pensei comigo mesmo enquanto sorria com minhas lembranças:
- Puta que mulher gostosa, cara! - Ouvi meu pai exclamar do sofá.
Pouco depois, ouvi o início de outro vídeo, no qual se ouvia uma sequência de tapas. Era um outro em que eu a comia de quatro e ela resmungava, me xingando de frouxo e pedindo para bater na bunda dela como um homem de verdade. O grande diferencial deste é que eu a estava enrabando e, no final, ela começou a rebolar e bater sua bunda com vontade na minha pélvis, tamanha era sua excitação:
- Ah, Erick, você vai me desculpar… - Disse o meu pai enquanto colocava o notebook no braço do sofá e tirava o pau para fora para se masturbar.
- Porra, pai! Que palhaçada é essa? - Perguntei, assustado com tamanha libertinagem.
- Cara, não tem como! Que puta gostosa de primeira é essa Anne. - Disse ele enquanto já partia para o próximo vídeo: - Vou te ajudar a domar essa cavala, filho, fique tranquilo, mas vou ter que montar nela algumas vezes até amansar a fera. Cê tá entendendo, né?
- Se sujar meu sofá, vai ter que limpar, hein!? - Falei, voltando minha atenção para o som.
Nesse vídeo ela não falava nada, apenas eu que a humilhava, de brincadeira é claro, enquanto ela me chupava o pau com vontade, mas sempre tomando o cuidado de esconder o rosto com os cabelos. Entretanto, o som das chupadas e dela quase se engasgando quando tentava fazer uma garganta profunda era bem audível, bem como das minhas risadas enquanto eu a chamava de “piranha iniciante” e “boca rasa”, que a deixava irada, por ela não conseguir engolir meu pau completamente:
- Cara, que boca! - Meu pai falou, já manipulando um pau duraço.
No quarto vídeo, a primeira coisa que ouvi foi um “upa, upa, cavalinho!”, seguido de um som de tapa que ela me deu na barriga enquanto me cavalgava com vontade. Eu havia colocado o celular ao nosso lado na cama para filmá-la de perfil que galopava com uma vontade fora do normal, me dando seguidos tapas ao mesmo tempo em que me xingava de “pangaré” e “puro sangue de barata”. Nesse momento eu me aproximei, porque gostava muito de uma parte em que ela se virava sobre o meu colo sem tirar o pau sequer, apenas rotacinando seu corpo enquanto ainda rebolava e mantinha um sobe e desce sem parar:
- Ô potranca gostosa! Ah, se eu pego essa mulher, Erick…
Por fim, ele iniciou o quinto vídeo que era nada mais que eu fazendo um gostoso sexo oral na Annemarye, enquanto ela estava de quatro, passando minha língua por toda a extensão de sua buceta e me acabando em chupar e lamber aquele cuzinho lindo, lisinho e clarinho, contrastando com sua pele bem bronzeada. Aliás, aquela marca de biquíni que ela ostentava era de deixar qualquer um louco. A parte boa desse vídeo, ficava por conta da trilha sonora estrelada pela Anne que gemia, xingava e urrava conforme eu a manipulava com minha boca e dedos:
- Vou no teu banheiro, Erick. Já volto. - Meu pai disse e saiu andando com o pau na mão.
Enquanto ele foi e se trancou lá, voltei a assistir o quarto vídeo, o melhor na minha opinião. Ele demorou ainda alguns minutos lá e quando voltou parecia bem mais calmo. Voltou a se servir de um whisky e se sentou no sofá, ainda olhando para o notebook que terminava de exibir o quarto vídeo:
- Esse é bom pra caralho mesmo! - Falou balançando a cabeça afirmativamente: - É o seguinte, não temos como ameaçá-la exatamente com esses vídeos. Ela é esperta e não deixou nada que pudesse “incriminá-la”.
- É eu pensei nisso! Sempre que a gente terminava nossas transas, ela voltava assistindo os vídeos e depois apagava os que não gostava ou a mostrava demais. Ela não é boba.
- Boba eu não sei, mas é boa pra caralho! Que mulher é essa, Erick!?
- Pois é… - Concordei, chateado com a situação e deixei isso bem claro: - Eu nã o queria que tivesse chegado nesse ponto, pai, mas já não sei mais o que fazer.
- Certo! Me manda esses vídeos depois. Vou “analisá-los” com mais calma. - Disse e sorriu para mim: - Depois te falo se conseguiremos aproveitar algo. Até já tô bolando umas ideias aqui, mas preciso pensar melhor em como agir.
- Que ideias? - Perguntei, curioso.
- Relaxa! Ainda são apenas umas ideias vagas, mas vamos precisar da ajuda da Renata de qualquer forma. Difícil vai ser convencê-la. Parece que o Erick tentou uma desculpinha idiota para se aproximar da sua morena, mas ela o descartou de imediato e ainda enquadrou a Renata. Nossa biscatinha está se cagando de medo dela. - Disse e riu, debochado.
- Adianta algo aí. Vai que eu te ajudo no esquema.
- Claro que vai! Escuta só…
Quando ele começou a falar de seu plano, eu já comecei a descartá-lo e imediato, porque a Annemarye dificilmente se deixaria envolver a ponto de conseguirmos executá-lo minimamente. Entretanto, com a ajuda certa, que inspirasse uma certa confiança nela, talvez até fosse possível e para isso dar certo a Renata teria que realmente participar da jogada, fingindo ser a frágil vítima explorada por uma família de degenerados. Se a Anne caísse na primeira parte, a segunda seria fácil de implementar e daí por diante ela não teria mais escolha a não ser se entregar para mim, aliás, para nós todos:
- Sem a Renata, isso não funciona. - Falei o óbvio.
- Deixa a Renata comigo. Isso eu resolvo fácil.
[...]
Ninguém dormiu mais naquela noite. Aliás, eu sim, no colo do Marcos enquanto ele conversava com seus pais, todos no sofá da sala. Logo cedo, seu pai já havia contatado seu piloto e ele e Marcos se despediram da gente, indo para um heliponto próximo de onde seguiriam direto para o Rio de Janeiro:
- Eu tenho que ir, Anne. - Me falou pouco antes de sair: - Mas eu volto rapidinho.
- Eu sei, Marcos. Vai tranquilo e não pense em voltar. No final de semana, eu vou para lá me encontrar com você. - Respondi.
- Nós vamos, querida. Eu irei também e você vem comigo. - Falou dona Gegê.
Aliás, eles saíram e ficamos eu e ela no apartamento. A tristeza era clara em seu semblante, mas ela tentava passar força para o filho e marido. Entretanto, sua força caiu por terra assim que eles se foram, pois desabou a chorar em minha frente:
- Desculpa, Anne, eu não queria chorar. - Falou.
- Alguém certa vez, me disse que chorar não era vergonha… - Retruquei e ela sorriu com uma lembrança em comum.
- Eu sei, querida, talvez por isso eu tenha chorado agora. Não quis fazer na frente do Marcos para ele não se sentir ainda pior, mas agora não aguentei mais. - Falou, enxugando uma lágrima: - Poxa, Anne, era um neto, meu sangue. Eu sei que você estava chateada com a situação, mas…
- Pelo amor de Deus, dona Gegê! - Eu a interrompi: - Eu nunca quis a morte do bebê. Fiquei chateada com o Marcos, não com o bebê. Ele era o único inocente nessa história toda.
- Eu sei, eu sei, querida. Me desculpe. Acho que não soube me expressar bem…
- Está tudo bem, não se preocupe. - Respondi, acariciando sua mão: - A senhora consegue ficar bem se eu a deixar sozinha um pouquinho? Eu preciso ir ao escritório. Tenho alguns compromissos agendados e não posso adiá-los.
- Claro, querida! Eu vou ficar bem. Vá trabalhar, minha guerreira.
- Eu venho almoçar com a senhora.
- Eu vou adorar! - Ela me respondeu, forçando um sorriso: - Meio dia?
- Sim, pode ser.
- Vou te levar ao seu apartamento…
- Não se preocupe. Vou chamar um Uber. É rapidinho e já estou acostumada.
Fui me vestir e enquanto isso o apartamento se inundou com um cheirinho bem conhecido e adorável: café fresco! Saí de lá e fui, feliz da vida, tomar um café gostoso com bolinho de maçã que ela havia encomendado por telefone para uma padaria próxima. Depois, de Uber, fui até meu apartamento, onde me vesti condizentemente e saí para meu escritório. Durante o atendimento a um cliente, Marcos me ligou, mas não tive como atendê-lo. Assim que terminei a consulta, liguei imediatamente para ele:
- Anne!?
- Oi, Marcos. Desculpe não tê-lo atendido, mas estava com um cliente.
- Está tudo bem, caipirinha. Queria ouvir sua voz… - Se calou, de repente.
- Como estão as coisas aí, amorrr?
- Adoro quando você me chama assim, sabia?
- Sabia! - Disse, ri e brinquei: - Acho que posso até me acostumar se você continuar me tratando bem, sabia?
- Sabia… - Disse e deu uma risada contida para depois continuar: - Então… Aqui está tudo na mesma. O Lelinho até acabou de sair daqui. A Márcia vai fazer alguns exames agora, mas não parece ter sido tão grave assim. Ela não foi baleada na cabeça, foi apenas um tiro de raspão, ela desmaiou pela perda de sangue que teve.
- Ora, menos mal, então. - Concordei e perguntei em seguida: - Ela já está consciente? Já falaram com ela sobre o que aconteceu?
- Ainda não. Os médicos a estão mantendo sedada, mas já está fora de perigo. Aliás, o estado é grave, mas não de risco de morte. - Houve um silêncio novamente, mas antes que eu falasse, ele emendou: - A mamãe ficou bem, Anne?
- Chorou um pouco depois que vocês saíram, afinal, perdeu um neto, né? Mas estava bem mais tranquila quando eu saí. Vou almoçar com ela depois e talvez eu durma por lá para lhe fazer companhia.
- Ah, isso seria ótimo!
Conversamos mais um pouco e depois desligamos pois outro cliente meu havia chegado. Por volta das onze e meia saí para almoçar com a dona Gegê. Lá no apartamento, a Fátima agora também lhe fazia companhia e isso me tranquilizou ainda mais. Contei para ela sobre a situação da Márcia e ela também se animou, aliás, ela, médica, nos explicou que, tirando cérebro e coração, os demais ferimentos são tratáveis, o que lhe redobrava as esperanças em sua recuperação:
- Quer que eu durma aqui com a senhora, dona Gegê? - Perguntei durante o almoço.
- Na minha cama, não, querida! - Ela brincou, sorrindo com as boas novas recebidas e depois me falou, dando uma piscadinha ao final: - Mas se quiser ficar na cama do Marcos, com suas lembranças pessoais, quem sou eu para me opor, não é?
Fiquei vermelha no ato. “Ai, ‘Jesuis’! Será que ela ouviu alguma coisa?, pensei, mas não tive coragem de perguntar. Nem ela prosseguiu com o assunto ao ver meu estado. No início da tarde, voltei para o escritório para cumprir minha agenda de compromissos e, no final dela, voltei ao seu apartamento com uma mala de pertences para pernoitar no apartamento dela:
- Posso te fazer uma pergunta, querida? - Assuntou quando estávamos sentadas na sala, assistindo um noticiário qualquer.
- Claro!
- Como você imagina seu futuro daqui a um mês?
Estranhei a pergunta, mas já imaginei qual seria sua intenção. Resolvi brincar:
- Ah, não sei, talvez… - Coloquei um dedo na boca e sorri: - Ah, quem sabe, né!?
- Quem sabe o quê, Annemarye!? - Me perguntou, curiosa e séria.
- Nada não! Eu dependo de um certo carioca para ter uma resposta certa. - Respondi sem encará-la e sem parar de sorrir.
- Ah, então envolve um certo carioca, né!? Talvez o Marcos?
- Eu espero que sim. - Respondi e comecei a rir: - Aliás, é óbvio que é ele, né, dona Gegê!
- E daqui a um ano?
- Nossa, dona Gegê… É um tempinho beeemmm longo, né? Eu não cheguei a pensar. Se eu estiver namorando ainda, já tá de bom tamanho…
- Tá! - Ela me interrompeu e quando eu a olhei, ela tinha um sorriso incontido no rosto: - E daqui a dez anos?
- Dez!? Nossa! - Me surpreendi e franzi a testa, buscando uma resposta: - Sei lá! Talvez, casada, com filhos… Não sei mesmo.
- Isso é ótimo! Quando te conheci, você nem queria se relacionar novamente, se lembra? - Explicou, comemorando e continuou: - Aliás, só o fato de você projetar a continuidade de seu namoro e depois estar casada e com filhos, me deixa muito feliz.
- Por eu estar casada e com filhos? - Perguntei, rindo.
- Claro! Porque provavelmente seria com o Marcos. - Falou e me confrontou, encarando-me séria, mas já sorrindo: - Ou já tem outro candidato aí em campo, hein, mocinha!?
Fiquei boquiaberta com as conclusões daquela senhora e comecei a rir, me virando para a televisão e balançando negativamente minha cabeça. Não consegui aguentar e a encarei:
- A senhora estava me analisando, doutora psiquiatra? Que coisa mais feia, dona Gegê. Não adianta mesmo, viu: sogra é tudo igual! A minha já está até colocando as garrinhas de fora.
Ela começou a rir de chorar. Eu acabei me deixando envolver e ficamos as duas rindo como bobas uma para a outra por um bom tempo. Quando conseguimos nos controlar, eu decidi ser honesta:
- Olha, eu não estava namorando ninguém mesmo, mas eu estava saindo com um rapaz, sim, mas nada sério da minha parte. Ele até queria me namorar, mas eu não. Acho que eu estava esperando o meu príncipe se decidir e vir atrás de mim. - Falei e a encarei, subentendendo, aliás, sendo bem explícita que se tratava do filho dela.
- Eu imaginava isso! Falei várias vezes para o Marcos ir atrás de você. Não foi por falta de apoio da sua sogra malvada, viu!? Malvada e injustiçada.
Comecei a rir novamente e fui abraçá-la, dando-lhe um beijo na testa:
- A senhora sabe que eu estou brincando, né? A senhora é a sogra malvada mais boazinha que eu já tive até hoje, viu?
Ficamos conversando por um bom tempo ainda e depois fomos dormir. Os dois dias seguintes se passaram da mesma forma. Ao final do primeiro, soubemos que a Márcia teve uma leve piora, mas reagiu bem ao tratamento, ficando em estado estável.
No sábado de manhã, viajamos na ponte aérea até o Rio de Janeiro. Seu motorista particular já nos esperava no aeroporto e, de lá, fomos diretamente para o hospital. Havia um clima estranho e pesado entre todos os presentes. Intuí que minha presença seria a causadora daquilo e propus sair dali para não pior o que já não parecia bom. Marcos me chamou de canto e explicou:
- Ontem, eu recebi uma intimação da polícia para depor na terça-feira sobre tudo o que aconteceu. - Disse e me mostrou a intimação: - E os pais dela estão me olhando feio desde então.
- Eles estão imaginando que você possa ter mandado matar a Márcia!? - Perguntei surpresa: - Mas que absurdo, Marcos!
- Calma! Eles não me falaram nada, até acho que não farão, mas também não posso culpá-los se pensarem assim, Anne, afinal é a filha deles, eles estão bastante abalados ainda.
- Mesmo assim! Nada justifica eles duvidarem de você.
Preferi não ficar junto deles e decidi permanecer na lanchonete. Vez ou outra a dona Gegê vinha ficar e conversar comigo. Aliás, estávamos as duas conversando quando o seu Balthazar entrou correndo, procurando por mim. Pensei que Marcos pudesse ter tido algum mal súbito, mas a realidade foi bem mais perversa:
- Anne, pelo amor de Deus, estão levando o Marcos preso!
- Como é que é!? - Perguntei e já saí correndo para a sala de espera dos familiares.
No local, alguns policiais civis realizavam a prisão do Marcos e um deles já havia sacado as algemas para poder imobilizá-lo:
- Só um momento! - Chamei a atenção para mim: - Qual a justificativa para o uso das algemas, policial?
- E você seria quem, mocinha? - Um deles me encarou com olhar zombeteiro.
- Primeiro, exijo que você me respeite! Segundo, para você, é doutora Annemarye Costa Brasil Bravo. - Disse e lhe dei uma carteira a menos de um palmo do próprio nariz: - Sou uma das advogadas da família. Agora eu exijo que você se identifique e me apresente sua funcional para que eu possa ter acesso aos seus dados.
Um silêncio tomou conta do ambiente e eles me encararam boquiabertos. Um terceiro policial que adentrava o local e presenciou minha argumentação, se apresentou como um delegado de polícia e se colocou como o responsável pela prisão, mostrando-me suas credenciais:
- Tudo bem, doutor Fascino, agora qual a justificativa para o uso das algemas? - Insisti na pergunta: - Devo lembrá-lo que o uso injustificável delas, ao arrepio do Decreto, pode configurar abuso de autoridade e eu farei questão de representá-los se for esse o caso? Inclusive, ainda estou esperando o nome completo e as carteiras funcionais de seus subalternos…
- Não haverá necessidade de uso das algemas, Antunes, se o meliante…
- Meliante!? - O interrompi com sangue nos olhos: - Meça suas palavras, delegado.
- Aham… - Pigarreou e se corrigiu: - Se o conduzido vier sem resistência.
- Posso ver o mandado? - Pedi e ele me entregou.
Os dois policiais pegaram o Marcos cada um em cada braço e começaram a conduzi-lo para fora da sala. Eu os interrompi:
- Um minuto! Não terminei de ler o mandado e ele tem direito a presença de sua advogada. Então, tirem as mãos dele.
Eles me encararam e depois ao delegado que concordou com minha sugestão. Assim que terminei de ler, vi que se tratava de uma mandado de condução coercitiva e não de prisão. Então, seria o caso apenas de acompanhá-lo até a delegacia, onde seria colhido seu depoimento e ele sairia em seguida. Expliquei a situação para os pais dele e para ele próprio que me pediu para acompanhá-lo. Ele teve que ir no veículo dos policiais e nós o seguimos no carro do seu Balthazar. Meia hora depois, chegávamos a delegacia e após nos apresentarmos, apenas a minha entrada foi liberada. Fomos levados até uma sala e deixados sós. Logo o delegado entrou, junto de um escrivão:
- Bem, podemos iniciar o depoimento com a qualificação do investigado e…
- Ninguém irá começar nada até eu ter acesso ao inquérito! É direito dele ter acesso prévio ao inquérito sob pena de nulidade e eu faço questão de seguir o que dispõe a lei. Espero que o senhor também, doutor. - Falei, encarando o delegado Fascino.
- Mas é somente um procedimento normal, doutora. É uma oitiva de uma das pessoas mais próximas da vítima…
- Uma condução coercitiva para a oitiva de um potencial suspeito, não é, doutor. Aliás, por que ele foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento se a oitiva dele já estava marcada para a próxima terça-feira? Ninguém pode ser conduzido coercitivamente sem antes se oportunizar o comparecimento espontâneo. O senhor sabe disso, não sabe?
Ele me olhou espantado, com uma surpresa genuína no olhar e pegou os autos do inquérito policial para confirmar a informação que eu havia acabado de lhe dar. Depois de alguns minutos analisando alguns papéis, falou:
- Preciso pedir desculpas. Houve um erro de comunicação. Realmente a oitiva dele estava agendada para a próxima terça, mas um outro escrivão havia certificado neste inquérito que o investigado não havia comparecido para depor. Ocorre que o investigado em questão é outro com um nome até parecido, mas diferente e de outro inquérito. Eu peço desculpas pelo constrangimento causado. - Falou, claramente constrangido: - Mas se seu cliente concordar, podemos antecipar seu depoimento…
- Não há qualquer problema ainda, doutor. - O interrompi e falei em seguida: - Ele não concorda com a antecipação.
- Mas a senhora não perguntou nada para ele…
- Nem vou perguntar. Está agendado para a próxima terça e ele será ouvido apenas na próxima terça. Ponto final. - Insisti, calma, séria e concentrada: - Além disso, espero que haja uma “camaradagem” por parte do senhor e que me dê acesso imediato ao inquérito policial. Caso contrário serei obrigada a representar contra as autoridades que cometeram esse lamentável erro… - Falei, cinicamente batendo uma caneta, a arma do advogado, sobre sua mesa.
Ele me encarou não tão satisfeito em ver que teria que ceder para não se comprometer e me entregou o inquérito para que eu lesse:
- Fagundes, vamos deixar a doutora à vontade. - Disse se levantando e depois se voltou para o Marcos: - Lamento o inconveniente, senhor Marcos, e espero recebê-lo na próxima terça-feira, ok?
- Farei o que minha advogada me orientar, doutor. - Ele retrucou da maneira mais séria possível.
- Doutor. - Chamei sua atenção e argumentei: - Como o ato principal da condução foi ilegal e abusiva, a apreensão do celular do meu cliente, como ato acessório decorrente, também está eivado de nulidade. Exijo a devolução imediata do aparelho!
Ele me encarou novamente e já havia raiva em seu olhar. Entretanto, sem saída, concordou com a devolução e mandou que o escrivão fosse buscá-lo, o que fez em questão de minutos. Devolvido o aparelho e, certificado o inquérito mediante assinatura do Marcos, os dois saíram. Comecei a ler os expedientes e nada havia de relevante, a não ser o depoimento de um suposto informante que dizia ter ouvido de um tal Jaime Jessé, que ouviu de um Chico Mané, que ouviu de um tal Tião Pamonha, que teria ouvido do atirador que aquele assalto não teria sido um assalto, mas sim uma emboscada para matar a paquitinha loira, tudo a mando de seu ex namorado, um tal de Quinho, filho de um grã fino do Leblon, que não queria assumir seu filho. Marcos apenas me observava em silêncio. Resolvi escanear, com um programa próprio em meu celular, as partes mais sensíveis do inquérito e me dei por satisfeita, chamando o escrivão e lhe devolvendo o inquérito. Chamei o Marcos para irmos embora e fui barrada:
- O doutor Fascino ainda não os liberou.
- Vai nos manter em cárcere privado, escrivão!? Fagundes, não é? Posso ver sua carteira funcional? - Pedi.
- Doutora, só estou seguindo ordens.
- E se continuar seguindo ordens ilegais, vai parar atrás das grades. Você quer isso? - Insisti, mas vendo que ele não agia de má-fé, resolvi amaciar: - Você estava aqui e viu que foi tudo um erro. Quer insistir nisso? Eu adoraria usar isso para anular o inquérito…
- Por favor, doutora! Só vou confirmar com o delegado. Só um minuto, por favor. - Pediu, quase implorando.
- Um minuto! - Concordei.
Ele saiu correndo e entrou numa sala, voltando trinta segundos depois com nossa liberação. Saímos e encontramos com seus pais numa sala na entrada da delegacia. Dona Gegê veio nos beijando e eu tive que contê-la:
- Aqui não, dona Gegê. Aqui eu sou a advogada, não a nora! Vamos pra casa.
Todos concordaram e saímos em direção a sua casa. Eles falavam entre si, comemorando meu trabalho. Marcos era só elogios e contava, orgulhoso, a forma como eu dominei toda a situação. Eu não falava nada, apenas analisando tudo o que havia lido:
- Você está quieta, Anne. - Dona Gegê falou: - Parece preocupada.
- Vamos conversar em casa, dona Gegê. Acho que está tudo bem.
Já em sua casa, sentados à mesa onde a Nana já se encontrava, comecei a explicar tudo o que aconteceu. Fui elogiada, mas não era isso que me incomodava. Comecei a explicar sobre o depoimento do suposto informante, relacionando ainda as pessoas dos tais Jaime Jessé, Chico Mané e Tião Pamonha. Estranhamente, eles ficaram em silêncio. Quando indaguei do porquê, me falaram que eles eram conhecidos deles, pessoas próximas da infância do Marcos. Eu fiquei calada e assustada, e eles sentiram minha apreensão:
- Anne, eu não fiz nada. Eu juro! - Marcos me falou.
Eu o olhava em dúvida, incomodada com tantas coincidências e preferi ser honesta:
- É melhor você arrumar um bom advogado, Marcos. Eu não posso!
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.