Eu realmente não entendi nada quando o Pedro passou por mim sem dizer uma palavra, e ainda por cima trazendo a Júlia e o Marcos com ele, embora estivesse muito feliz, não pude deixar de ficar confuso. Desci os pequenos degraus da varanda e não esperei que eles chegassem até mim e corri para abraçar minha amiga.
— Sua quenga, como que você vem para cá e não me avisa nada? - Pergunto apertando-a
— Eu passei no semestre graças aqueles trabalhos complementares e não precisei ir pra final
— Ah, mano. Que coisa boa! Só estava faltando você aqui mesmo. - Digo sorrindo. Eu realmente estava muito feliz por tê-la ali, principalmente pelo fato do Pedro estar estranho em relação a mim.
— Bem, então acho que eu fiquei sobrando... - Diz Marcos. Solto a minha amiga e vou em sua direção dando-o um beijo, molhado e desajeitado.
— Eita, quase que me afogo. - Responde ele entre risos.
— Vá se foder! - Rebato dando um leve soco em seu peito.
— Eu não sou obrigada a ver pornografia de vocês não. Vão para o quarto, que eu sei que vocês estão doidos para matar a saudade. - A Júlia realmente tinha razão, eu estava morrendo de saudade dele, e de principalmente daquele caralho gostoso. Dou mais um beijo no Marcos, dessa vez mais calmo e seguimos nós três para dentro da casa.
Ao passarmos pela varanda tentei apresentá-los ao Alex, mas ele já não estava mais lá. Na sala, estavam duas tias do Pedro, dei boa tarde para elas, e minha amiga e meu namorado a cumprimentaram também. E os dois, extrovertidos que são, puxaram assunto tão rapidamente que logo se transformou numa conversa descontraída, com eles dando gargalhadas com a família do meu amigo.
— O quê? Eu não acredito que você é gay! Garoto, você tirou a sorte grande hein! - Dizia das tias de Pedro, se referindo a mim e ao Marcos.
— Esperem aqui que vou buscar um cafezinho e bolacha... - Disse outra se levantando e indo em direção a cozinha. Aquela altura todos já estavam locados no sofá no maior papo, e aos poucos outros membros da família foram se incluindo naquela conversa e quando se viu, tudo já tinha se transformado em uma partida de dominó. Eu realmente adora aquelas aleatoriedades da vida.
— Eita que vocês vão perder de buchuda. - Digo sorrindo após duas vitorias seguidas.
— Esse menino é bom mesmo. Pense num bixo arretado, toca aqui. - Falou outra tia, que tinha formado dupla comigo. Nós dois jogávamos contra dois senhores, onde um também era tio avó do meu amigo, e o outro funcionário da fazenda.
O sr. Olavo e o sr. Omar que haviam ido campo, voltaram, e ao verem aquela algazarra trataram de se juntar também, o bom daquela família era que não tinha tempo ruim para ninguém. Após vencer a rodada, resolvi sair e dar a vez para outra pessoa. O Marcos e a Júlia estavam empolgados, e o próximos da fila eram justamente eles. A noite já estava dando as caras e pelas enormes janelas da sala podia se ver o céu sendo tomado pelo escuro, resolvo subir e ir me deitar um pouco.
No corredor do andar de cima, ao passar pelo quarto do Pedro, me lembrei da nossa conversa mais cedo, e que ainda não tínhamos terminado. Parei na porta e encostei meu ouvido tentando ouvir algo, mas só o que se tinha era o silêncio. Abro-a devagar e o vejo deitado.
Entro no cômodo e vou em direção onde ele está e me sento na beirada da cama. Permaneço assim por alguns instantes, mas ele nem sequer se mexe. Eu queria muito ajudar meu amigo a entender direito o que ele estava passando. O que ele me disse anteriormente foi uma grande surpresa, principalmente por ele, e eu, sempre ter o enxergado como hétero. Com certeza a identidade que ele tinha dele próprio estava abalada, e talvez isso justificasse seu modo de agir nos últimos dias.
— Eu sempre vou estar aqui por você meu amigo. - Digo baixinho, mas foi o suficiente para ele acordar.
— Oli? - Pergunta ainda sonolento e com a voz rouca — O que está fazendo? - Ele esfrega seus olhos e se levanta, sentando ao meu lado.
— Só quero que saiba que pode contar comigo sempre. Independente de qualquer coisa eu vou te amar igual. E eu fico feliz de ter dividido aquilo comigo mais cedo. - Sorrio para ele. — Agora você tem que me apresentar o meu cunhado o mais rápido possível. - Agora é ele quem sorri, mas de alguma forma, senti que não era um sorriso genuíno. Resolvo não o questionar sobre mais nada, apenas o abraço-o e saio em seguida para o meu quarto.
Nós sempre, desde pequenos, contávamos tudo um para o outro. Entre eu, ele e a Júlia, não haviam segredos pois além de confidentes, éramos cúmplices. Lembro que muitas vezes que brigávamos na escola em defesa de nós, a Ju, toda meiga convencia os nossos pais que não éramos culpados, o que abrandava as nossas punições. O tempo passou e entramos na adolescência, e quando um babaca partiu o coração dela após tira sua virgindade e terminar em seguida, eu fui lá e literalmente quebrei o nariz dele no final de uma aula. Agora adultos, tínhamos muito mais problemas que corações partidos e perseguições de infâncias.
Vou em direção aonde estão minhas roupas e procuro por algo mais folgado para vestir, pego meus itens de banho e saio em direção ao banheiro. Espero a água da ducha esquentar e me lanço debaixo dela, permitindo-me relaxar. Podia sentir meus músculos se descontraírem e eu me desconectar da realidade. Não sei quanto minutos se passaram até eu perceber que estava gastando muito água. Desligo a torneira e troco de roupa ainda no banheiro, colocando só a parte de baixo e a camisa ao voltar para o quarto. Deito em minha cama, apagando a luz e fechando as janelas, agora mais refrescado, apenas fecho meus olhos começando lentamente a pegar no sono e aos poucos perder a consciência do meu redor.
— Oli... - Sussurrava uma voz em meu sonho. — Oli, tá acordado? — Chamou novamente, eu não conseguia identificar de quem era, até o ranger da porta me fazer perceber que não eu não estava sonhando e que tinha uma figura parada a minha frente, o que me deixou assustado.
— Calma, sou eu, Pedro. - Minha mente agora estava clara, e respirei aliviado ao saber que era meu amigo ali. — Eu posso deitar com você um pouco? - Pergunta, na qual eu repondo com voz falha devido ao sono.
— Pode! - Ele tirou as sandálias e deitou ao meu lado. Embora causasse estranheza, isso era normal entre nós.
— Me desculpa... por agir como um idiota com vocês... - Seu tom de voz estava embargado.
— Tá tudo bem. Cada um tem uma maneira diferente de reagir as coisas. Mas é isso é passageiro, você vai conseguir se encontrar. - Tento acalmá-lo.
— Mas não é só isso que está me afetando... Eu passei tanto tempo repreendendo meus sentimentos, e agora estão todos vindo à tona. - De repente, meu amigo começou a chorar. A única vez que o vi chorar foi quando sua avó, dona Inácia, antiga proprietária da fazenda morreu.
E olhe que ele já passou por tanta coisa, a separação dos seus pais, a também morte de seu irmão, a crise financeira que sua família viveu que os forçaram a venderem quase 90% de todo o patrimônio deles e que motivou os seus pais ao divórcio. Foi uma época bastante difícil para todos, pois além da empresa do sr. Olavo, quebrar, foi indiciada por um grande processo trabalhista coletivo movido pelos ex-funcionários que reivindicavam os salários atrasados, e obrigou-os a pagar uma indenização milionária.
O Gustavo, seu irmão mais velho, era um piloto de formula 1 em ascensão, estava conseguindo reconhecimento na carreira mas morreu antes mesmo de chegar ao topo, assassinado ao ter sua jugular cortada com uma garrafa de vidro pelo melhor amigo dele após brigarem em um bar. Tudo no mesmo momento. Eu e a Júlia o acompanhou em todas as audiências do julgamento do culpado pela morte de seu irmão, nas audiências do processo trabalhista da empresa do pai, e no processo de divórcio. Foi uma época sombria.
Hoje eles pareciam bem. Com o falecimento da dona Inácia, seu pai recebeu sua parte da sua herança junto a seu irmão Omar, que repartiu os bens também com os irmãos da falecida. Pedro suportou tudo aquilo calado, sem demostrar raiva ou tristeza, e o vendo chorar ali ao meu lado pude compreender sua dor, ou pelo menos ter empatia. E enquanto ele soluçava eu apenas o abracei.
— Vai ficar tudo bem! - Ele segurou minhas mãos e se encaixou no meu abraço. E demonstração de apoio afaguei suas costas como uma mãe faz quando seu filho está aos prantos. — Pode chorar amigo - E ali, abraçados, acabamos adormecendo.