Pai e Mãe,
Engraçado como a vida da gente pode mudar em poucos segundos, uma má decisão nos faz trilhar um caminho inesperado. Lá estava eu, pronto para morrer.
***
Nunca senti tanto medo na vida, mas precisei usar o resto de energia que me sobrava para espantar os cachorros. Eles rosnavam e latiam na nossa direção. O Zedu já estava machucado demais, a minha única missão era protegê-lo. Levantei a barra de ferro e balancei para afugentar os animais.
De repente, os dois cachorros sentam e um homem vestindo uma roupa do corpo de bombeiros aparece. Atrás dele, correndo desesperada, está tia Olivia. Ela passa pelos cachorros e me dá um forte abraço. Eu não consigo reagir, não sei se é uma miragem ou a realidade.
Os pais do Zedu vão até ele, porém, ele estava desmaiado. Eu, realmente, não consegui falar nada, apenas chorava. Os paramédicos que vieram com a equipe de resgate deram mais atenção ao Zedu, afinal, seu estado continuava piorando.
— Meu amor! — titia disse me beijando. — Fiquei tão preocupada.
— Tia, desculpa, mas, o Richard continua perdido. Não consegui achar ele. — expliquei, em prantos, enquanto recebia o abraço da tia Olivia.
— Yuri, o Richard está bem. Ele está em casa com o Carlos e a Giovanna. — tia Olivia me beijou na testa.
— Eu... eu... fiquei tão preocupado.
— A culpa não foi sua. Vou te levar para casa e tudo vai ficar bem.
O vento começou a ficar mais forte, olhei para cima e um grande helicóptero desceu. O paramédico avisou que o Zedu seria o primeiro a ser levado para o hospital. Eu concordei, pois, o estado dele estava pior que o meu. Um dos bombeiros me examinou e entregou um pacote de suplementos para eu tomar.
Ainda desacordado, o Zedu foi colocado em cima de uma maca e os médicos aplicaram alguma substância em sua perna ferida. Tudo foi muito rápido, em questão de cinco minutos, o helicóptero já levantava voo em direção ao hospital. Ficamos, na clareira, a tia Olivia, alguns bombeiros e eu.
Depois de alguns minutos, outro helicóptero apareceu. De inicio, fiquei com medo, mas a titia me tranquilizou. Ela explicou sobre o meu medo de avião e o bombeiro que me atendeu entregou uma pílula, com certeza, algum tipo de calmante. Eles recolheram o equipamento que usaram no resgate, enquanto, eu olhava para a floresta.
Nunca imaginei ficar perdido dentro da floresta amazônica, apesar da área estar localizada dentro da cidade, a mata quase nos matou. Lembrei dos lugares que serviram de abrigado para nós, lágrimas escorreram no meu rosto, um misto de alivio e saudade. Afinal, o Zedu e eu, nos declaramos por causa dessa experiência traumatizante.
A equipe nos deu permissão para entrar no helicóptero. Era minha primeira vez, mesmo nervoso, aproveitei o passeio, talvez fosse o efeito do remédio. Caramba, não conseguia nem ouvir meus pensamentos, quando o piloto ligou os motores. A tia Olivia tentava dizer alguma coisa, mas não entendia. Então, um dos bombeiros pediu para que colocássemos uns fones de ouvido, pois, facilitava a comunicação.
— Seus irmãos vão ficar felizes, principalmente, o Richard. Ele ficou tão culpado por causa do teu sumiço. — Tia Olivia gritou, segurando os fones que eram maiores que sua cabeça.
— Eu fiquei tão preocupado. — falei chorando, ainda digerindo o fato do Richard está em segurança.
— O importante é que vocês dois estão bem e tudo vai se resolver agora.
— Eu... eu.... Eu vou matar o Richard. — soltei, parando de chorar e ficando irado com meu irmão. — Ele sempre faz essas coisas. Eu vou comprar uma coleira e amarrar esse menino!!! — disse, sem saber que todos no helicóptero ouviram.
— Ele está brincando. — tia Olivia deu um sorriso amarelo e tentou me acalmar. — Primeiro vamos ver esses machucados. Depois, a gente pensa no castigo do Richard.
Após o pequeno surto, a minha atenção voltou para a cidade de Manaus. Por alguns minutos, esqueci de todos os problemas, apenas admirei toda a beleza. Fiquei surpreso, quando percebi que não estávamos tão distante de uma das principais ruas da cidade. Se a gente tivesse andando um pouco mais, talvez, chegaríamos na civilização sem ajuda dos bombeiros.
Cheguei ao hospital e uma equipe já aguardava por mim. Exames, injeções e perguntas, um dia cheio de coisas para fazer, mas meus pensamentos focavam no José Eduardo. O resultado de ficar perdido dois dias? Uma costela fraturada e alguns pontos no braço direito. Pelo menos, estava vivo e poderia ver meus irmãos de novo.
***
Meus irmãos receberam a notícia e celebraram junto a Carlos. Eles queriam me ver, entretanto, o horário de visita era apenas de tarde. Richard era o mais aliviado e voltou a comer bastante. Eles decidiram comprar presentes para levar. A Giovanna sugeriu uma cesta de Nutella, já o Richard queria caçar uma lagartixa. Após muito debate e negações, o Carlos levou os pestinhas para o shopping e cada um comprou seu presente.
As boas novas alcançaram meus amigos. Eles seguiram para o hospital. O Diogo estava nervoso e preocupado comigo, eu por outro lado, temia a reação dele ao descobrir sobre a minha relação com o Zedu. Devido aos medicamentos, e o cansaço, apague na cama.
Quem recebeu meus amigos foi a tia Olivia. Ela abraçou cada um e agradeceu pela visita e, claro, deu a atualização sobre a nossa situação e como fomos encontrados. Infelizmente, o Zedu ainda passava por uma cirurgia, então, seria necessário esperar um pouco mais.
As TV's e sites locais começaram a noticiar o sucesso das buscas. Brutus acompanhou tudo de longe, parte por influência de João, que aproveitava para envenena-lo contra nós. Ele até pensou em ir ao hospital, mas recebeu a visita de João e Lucas. Os dois ficaram falando merdas sobre Zedu e eu. Brutus apenas balançava a cabeça e dava risadas sem graça.
Enquanto os amigos jogava, Brutus decidiu comprar salgados na padaria de Dona Helena. Quando chegou na esquina, ele percebeu que havia deixado a carteira no quarto. Ao abrir a porta, Brutus, congelou. Encontrou Lucas e João se beijando na cama. De forma rápida, ele fechou a porta e ficou chocado na cena que acabará de presenciar.
— Ouviu esse barulho? — perguntou João levantando e deixando Lucas sozinho na cama.
— Não ouvi nada. Vem logo, o Brutus vai voltar logo. Quero aproveitar essa boca. — pediu Lucas batendo na cama.
Sim, o Brutus viu algo que não devia. Ele ficou confuso com a situação, esperou alguns minutos e voltou para pegar a carteira. Enquanto isso, Carlos levava os meus irmãos para o hospital. A primeira que entrou foi Giovanna que, aproveitou o momento para entregar sua melhor atuação de irmã preocupada.
— Que horrível. Nunca mais me assusta desse jeito. Botox só aos 18 anos. — ela disse me entregando uma caixa de bombons.
— Obrigado. Juro que não vou mais fazer isso. — prometi rindo e beijando Giovanna no rosto.
Envergonhado, o Richard ficou olhando da porta. Assim que o vi, um misto de sentimentos invadiu meu corpo. Queria gritar, abraçar, esfolar e beijar, tudo ao mesmo tempo, mas o chamei e lhe dei um forte abraço.
— Desculpa. — pediu Richard chorando, enquanto, o abraçava.
— Ei, tudo bem. Não precisa ficar triste. Estou bem. — tentei consola-lo, mas lembrei de todo o susto que passei e comecei a abraça-lo mais forte. — E, se você, mocinho, ousar sumir de novo, juro por Deus que vou te abraçar assim para sempre!
— Yuri... tá... tá... forte....
— Tá bom, chega de demonstração de amor. — tia Olivia brincou nos separando.
Do nada, uma comitiva entrou no quarto. Carlos encontrou meus amigos na porta e os convidou para entrar. Eles me abraçaram e se acomodaram para ouvir minha versão dos fatos, enquanto, o Zedu ainda estava indisponível para conversar.
Contei sobre os jacarés, a mordida no pé do Zedu, quando fomos levados pela correnteza do rio e todos os momentos de pavor que vivemos. Claro, que pulei a parte da transa, ainda não era momento. O Diogo ficou ao meu lado, acariciava minha mão e ouvia com atenção cada palavra.
Após algumas horas de visita, o Carlos decidiu levar minha família para casa, as meninas aproveitaram a carona e Diogo ficou comigo. Eu não queria machuca-lo, porem, também não queria dar falsas esperanças, ele não merecia isso.
— Diogo, a gente precisa conversar. — comecei ficando nervoso e pensando nas palavras que usaria.
— O quê?
— Você é muito importante na minha vida. Eu jamais me imaginaria na escola sem você.
— Onde você quer chegar com isso? — ele perguntou se sentando ao meu lado.
— Acho que eu não quero mais continuar nossa relação. Tive muito tempo para pensar e...
— Você ficou com o Zedu?
— Não. — tentado negar, mas com o coração na mão. — Não é isso. É que eu te vejo mais como amigo do que com outra coisa.
A esperança é um vidro frágil, quando quebrado, os estilhaços podem fazer um estrago. Os meus olhos ficaram marejados, tentei pegar na mão do Diogo e ele se afastou. Pronto, consegui acabar com uma das poucas amizades que fiz em Manaus.
Em outra ala do hospital, a Alicia foi pega tentando entrar no pós-operatório de Zedu. A jovem se fantasiou de enfermeira, porém, o plano não surtiu efeito. Os seguranças a capturaram, por sorte, sua ex-sogra chegou e desfez o mal entendido.
— Alicia? — perguntou a mãe de Zedu.
— Dona Teodora, por favor, ajude-me. Esse brutamontes não me deixa ver o Zedu.
— O José Eduardo está em observação. Ele não pode receber visitas no momento. — explicou Dona Teresa.
— A senhora conhece essa moça? — perguntou um dos seguranças que barrou Alicia.
— Eu temo que sim. Ela é ex-namorada do meu filho. Pode soltá-la.
— Grosso. — reclamou Alicia, indo em direção a Teresa e pegando em sua mão. — Dona Teresa, o Zedu contou sobre o fim do nosso relacionamento?
— Sim. Não sei o motivo do termino de vocês, mas, de antemão, peço que perdoe meu filho. Sabe, Alicia, às vezes, o coração nos leva a caminhos estranhos. — Teresa tentou aconselhar a ex-nora da melhor maneira possível.
Enquanto conversava com a mãe de Zedu, Alicia foi surpreendida pela minha família e amigos. Eles estranharam as roupas da moça, que usava um jaleco e touca na cabeça. Alicia explicou, mais uma vez, a situação e fez todos riram.
O nervosismo consumia meu corpo, os olhos estavam vermelhos, mas, eu não podia mais evitar aquela situação que se estendia. O Diogo tentou ser compreensivo, só que senti a tristeza exalando dele. Por sorte, o Brutus bateu à porta e, apesar da surpresa, salvou minha vida.
— Com licença. — ele pediu com uma voz rouca.
— Brutus? — perguntei.
— O que você quer aqui? — Diogo se levantou e ficou de frente para o Brutus.
Ele queria conversar. Depois de três meses de silêncio, o Brutus queria conversar comigo. Mesmo contra vontade, o Diogo saiu do quarto e me deixou sozinho com meu amigo fortinho. Brutus estava igual a mim, falava e falava, mas não chegava em lugar algum. Eu sentia um certo arrependimento na voz dele, então, respirei fundo e fui o mais compreensível possível.
— Olha. Você errou, pensei que fôssemos amigos. — falei para Brutus.
— E éramos, quer dizer, somos. Olha, quero me desculpar por tudo o que eu fiz. — ele andava de um lado para o outro, nervoso e ansioso.
— Eu não sei o que o Lucas e o João te falaram, mas você sempre foi um grande amigo. Um dos poucos que me tratou bem. Não me julgou pelo meu peso, aparência ou timidez.
— Quero te pedir perdão. Fui um idiota. — Brutus sentou ao meu lado na cama.
— Um babaca, ridículo e infeliz. — tentei fazer um charme, mas no fundo, já havia o perdoado.
— Eu sei, eu sei e eu sei. Quero apenas que tudo volte como antes.
— Você conseguiria ser amigo de um gay?
— Não. Eu conseguiria ser amigo de uma pessoa que só tem qualidades. Eu te amo, grandão. — Brutus me deu um abraço e, mais uma vez, todas as emoções vieram à tona e chorei.
— Tudo bem. Você tá perdoado. — que abraço gostoso, me perdi por um bom tempo nos braços do Brutus.
— Mais uma coisa. — ele disse se afastando e limpando minhas lágrimas. — João e Lucas estão tramando alguma coisa contra você. Vou continuar perto deles até descobrir. Não vou deixar ninguém mexer com o meu grandão.
— Obrigado, Bruno. Obrigado. — agradeci.
Depois que todos foram embora, a minha tia continuou ao meu lado. Esperei ela dormir e fui atrás do Zedu. O encontrei dormindo sozinho em um quarto próximo ao meu. Deitei ao seu lado e peguei um dos lados do meu fone para colocar em seu ouvido.
— Espero que seja aleatório. — ele soltou ainda de olhos fechados.
— Besta. — falei assustado e respirando fundo. — Que susto. Nunca mais faz isso.
— Desculpa.
— Você tá bem?
— Vou sobreviver. O médico disse que vou precisar repousar um pouco, além de tomar algumas injeções mensais. — explicou Zedu, se ajeitando na cama e me abraçando.
— Fiquei tão aliviado. — falei chorando e abraçando Zedu.
— Oh, Yuri. — Zedu lamentou me abraçando. — A gente conseguiu. Quer dizer, você conseguiu e me salvou. Obrigado por não deixar eu desistir.
— Jamais. Vamos ouvir a música?
— Podemos, mas dessa vez não vai ser aleatório. Vamos ouvir algo legal. Só te avisando, sou uma alma antiga.
***
Toda vez que eu olho em seus adoráveis olhos
Eu vejo um amor que nem o dinheiro pode comprar
Um olhar seu
E eu desfaleço
Eu rezo para que você
Fique aqui
***
— Zedu, eu terminei tudo com o Diogo. — contei para o Zedu, enquanto, chorava.
— Sinto muito. De verdade, a mamãe disse que a Alicia veio me visitar, ainda bem que eu estava desacordado.
— O que vamos fazer, Zedu? — perguntei.
— Precisamos de um primeiro encontro, eu acho. — ele disse rindo. — Ah, Yuri. Obrigado. Obrigado por salvar minha vida. — Zedu me deu um beijo caloroso.
***
Qualquer coisa que você quiser
Você consegue
Qualquer coisa que você precisar
Você consegue
Qualquer coisa ou nada
Você consegue
Garota
***
Eu não me considero uma pessoa ruim, talvez confuso, mas não ruim. Naquele dia, consegui quebrar o coração do Diogo, mesmo nunca dando esperanças para ele. Quando chegou em casa, o Diogo ligou para avó e pediu para morar em Portugal antes do fim do ano letivo.
— Yuri, uma pena que o meu coração não é seu. — Diogo deu play em um vídeo nosso e chorou. — Nada mais me segura aqui em Manaus.
Alicia também chorava por causa de Zedu. Ela não conseguia entender onde havia errado e bolou um plano para conquistar o coração do seu ex.
— Zedu, amor. Eu prometo que vamos voltar. Eu prometo. — Alicia falou, enquanto olhava fotos antigas suas e de Zedu.
***
Todas as vezes em que eu te abraço
Eu começo a entender
Tudo sobre você que diz que sou o seu homem
Eu vivo minha vida
Para estar com você
Ninguém pode fazer
As coisas que você faz
***
Sou o tipo de pessoa que não tem sorte nos momentos de privacidade. A tia Olivia acordou e sentiu minha falta, então, saiu me procurando pelos corredores do hospital. Ela me encontrou beijando Zedu, mas não falou nada. Quando estava voltando para o quarto viu a mãe do Zedu.
— Teodora, o que você está fazendo aqui? — perguntou titia ficando pálida.
— Cuidando do meu filho. — respondeu a mãe de Zedu rindo da reação de titia.
— Vamos tomar um café? Eu não consigo dormir em hospitais. — tia Olivia, praticamente, carregou Teodora para o refeitório do hospital.
Obrigado, tia Olivia! Aproveitei cada minuto da boca do Zedu. Consegui o prêmio que tanto almejei nos últimos meses. Eu não sei o que o futuro reserva para nós, mas tenho certeza que quero o beijar mais vezes. Ele tem um beijo doce e forte. Algo que me faz perder os sentidos.
***
Qualquer coisa que você quiser
Qualquer coisa que precisar
Qualquer coisa
Eu me alegro ao dar meu amor a você
E eu sei que você sente isso do mesmo jeito
Qualquer coisa que você quiser
Você consegue