Narrado em terceira pessoa.
- Pois não?- Miguel respondeu, abrindo a porta sem olhar direito quem era.
- "Pois não" é o caralho!- Ricardo juntou toda a sua força e deu um soco no rosto de Miguel, que caiu na calçada de casa.- Você vai me pagar por tudo o que fez com o Gabe, miserável!- Ric deu um chute entre as pernas de Miguel, que se contorceu de dor. Ele não teve como reagir pois foi pego de surpresa e Ricardo aproveitou para dar vários chutes no estômago do sogro.- FILHO DA PUTA, POR QUE NÃO ME ENFRENTA? POR QUE NÃO BATE EM ALGUEM DO SEU TAMANHO?- Ricardo gritava no meio da rua. Ele fez questão de dar socos no rosto de Miguel, para deixar sua cara sangrando. O pai de Gabriel já estava mole de tanto apanhar, foi quando um vizinho saiu de sua casa e gritou.
- Ei, o que está acontecendo ai? Eu vou chamar a polícia!
- Você foi salvo pelo gongo, maldito. Eu devia era te matar pelo que fez com o Gabriel.- Sussurrou no ouvido de Miguel.- Sua sorte é que aquele velho apareceu ali. Eu já to indo embora, mas antes vou te fazer uma promessa: Se você por acaso, algum dia chegar a tocar no Gabriel novamente, eu juro pela alma do meu pai que vou até ao inferno atrás de você e não medirei esforços pra fazer você sofrer o dobro da dor que causar a ele.- Falou isso dando dois tapinhas no rosto dele e saiu no carro cantando pneu.
No hospital a policia chegou a pedido da assistente social. O delegado estava agora no quarto onde Gustavo estava, colhendo seu depoimento. Ele contava tudo o que havia acontecido pela terceira vez naquele dia. Alexandre não saia de perto do sobrinho postiço.
- Você poderia passar o endereço da sua casa rapaz? Nós vamos la agora levar seu pai pra delegacia. Iremos autua-lo em flagrante.- O Delegado falou.
- Eu vou com vocês.- Alexandre se prontificou.
- Eu também.- Gustavo se pôs de pé.
- Acho que essa não é uma boa ideia. Você não está muito bem e o Gabe ta aqui sozinho.- Alexandre falou e nessa hora Ricardo entrou no quarto.
- Agora ele não vai estar mais, o Ric ta aqui. Fora que o Max ta la também e eu nem sei se ele sabe o que tá acontecendo, já que na hora ele não estava em casa. Meu pai ta fora de si, eu não sei do que ele é capaz e eu não vou deixar meu irmão la sozinho com ele nem mais um segundo! E ninguém vai me impedir, tio!- Gustavo foi enfático em sua decisão e não foi contrariado.
- Bom, então vamos logo!- O delegado falou saindo do quarto.
- Ricardo, não sai daqui!- Gus pediu e seu cunhado acentiu.- Os policiais entraram na viatura e alê foi no seu carro junto com seu sobrinho. Não demorou muito para que eles chegassem em frente à casa de Miguel.
- Abre a porta! É a polícia!- Falaram depois de tocar a campainha e baterem no portão com força.
- Eu não vou abrir nada!
- Se você não abrir vai ser pior pra você!- Disse o delegado.
- Veremos pra quem vai ser pior!- Miguel respondeu de dentro da casa com um tom de deboche.
O delegado fez um sinal para que o outro policial, que foi na viatura e pegou uma ferramenta para arrombar a porta. Contaram até três silenciosamente até que com força os policiais conseguiram derrubar a porta. Para a surpresa de todos, principalmente de Gustavo, Miguel estava com uma faca, a mesma que Gustavo usou para ameaça-lo, encostada no pescoço de Max, prendendo-o em uma especie de mata leão onde qualquer movimento faria a faca cortar seu pescoço. Os olhos de Max estavam arregalados e seu coração batia a mil por hora.
- LARGA O MEU IRMÃO, SEU DESGRAÇADO!- Gustavo tentou correr para cima do Pai, mas foi segurado pela cintura por Alexandre.- ME SOLTA, TIO! EU TENHO QUE SALVAR MEU IRMÃO DESSE COVARDE!- Gustavo berrava enquanto chorava desesperadamente. Não demorou muito para que alguns vizinhos saíssem na rua.
- Calma, Gustavo! Você não vê que assim você só piora as coisas? Você não pode deixar seu pai com raiva, porque só vai sobrar pro seu irmão! Não é assim que se resolve as coisas. Deixa isso com a policia!
- M-mas é-é o meu irmão ali t-tio...- Gustavo estava desolado e o pior é que Alexandre não tinha muito o que fazer.
- G-Gustavo?- A voz de Max saiu quase em um sussurro.- O q-que ta acontecendo?- Perguntou de onde estava para o irmão.- P-pai o q-que é isso? Por que você ta fazendo isso comigo?- Max tremia. Tinham varias armas apontadas em direção a eles dois.
- Largue ele agora! Você não tem saída!- Falou o delegado.
- Eu não vou preso! Mas não mesmo! Só largo ele se eu tiver certeza que vou conseguir fugir.
- Gustavo eu t-to com m-medo!- Max começou a chorar e Gustavo chorava mais ainda vendo seu irmão ali indefeso e sem ele poder fazer algo.
- Eu nem devia ta sendo acusado de nada, sabia?- Miguel começou a falar de uma forma meio doentia.- Só dei o que aquele viadinho merecia! Afinal, o filho é meu e eu faço o que eu quiser com ele.
- Não é assim que as coisas funcionam, meu senhor! E você terá que pagar por todos os seus crimes, então acho bom você colaborar! Garanto que vai ser bem melhor!
- P-pai, p-por favor, me solta!- Max estava aos prantos e engolia em seco.- Você vai me m-matar?- Perguntou ainda mais desesperado ainda.
- Cala a boca, moleque!
- Nós estamos dispostos a negociar... faça sua proposta!- O delegado falou e Miguel sorriu.
- Eu só quero entrar no meu carro e sair daqui sem ninguém me seguindo.- Disse isso e o delegado reuniu sua equipe.
- Pessoal, ele ta transtornado, não ta pensando direito. Na verdade ta sendo bem burro! Vamos fazer assim, eu vou falar com ele que ta tudo certo e você.- Apontou para um policial.- Vai disfarçadamente ate a viatura falar pra colocarem todos os carros da policia nas possíveis saídas do bairro. OK?- Todos concordaram. O delegado continuou enrolando e conversando com Miguel, para distraí-lo. O policial fez o que foi lhe pedido e acenou para o delegado.- Nós decidimos aceitar sua proposta, mas vai ter que deixar o garoto aqui.
- Não mesmo! Ele vai comigo! Ou vocês acham que eu sou burro? Deixo ele em qualquer lugar e vou embora.
- MONSTRO! COMO PODE FAZER ISSO COM OS PRÓPRIOS FILHOS? DEIXA MEU IRMÃO EM PAZ!- Gustavo voltou a gritar enquanto Alexandre tentava contê-lo.
- Miguel, a essa altura do campeonato nós estamos mais preocupado com a vida e a segurança do seu filho do que com a sua prisão. Então por favor, você tem minha palavra: Ninguém vai atrás de você. E pra te provar isso, todos nós vamos colocar nossas armas no chão. A gente só quer que você solte o garoto! Ou você mataria seu próprio filho?- Falou colocando a sua arma no chão, sendo seguido pelos outros policiais que estavam ali.
O pai de Max foi andando com ele até seu carro e quando chegou la, deu um empurrão no filho para que saísse de perto dele e entrou sozinho no carro, dando partida e saindo dali o mais rápido possível. Os policiais que ali estavam não moveram um dedo.
- Eu disse que ninguém iria atras de você, mas não disse que estariam esperado por você, idiota! O delegado sussurrou pra si mesmo, orgulhoso de seu plano.
Max continuou parado, imóvel no lugar onde seu pai quase o matou. Quando olhou pra frente, seus olhos encontraram os do irmão e não pensou duas vezes antes de sair correndo ao seu encontro. Gustavo fez o mesmo e no meio do caminho seus corpos se uniram em um abraço tão forte que era quase como se fossem um só. O mais novo chegava a gritar enquanto chorava.
- Max...- Gustavo beijava a cabeça e o rosto de seu irmão mais novo, Ele nunca sentiu um medo tão grande por quase perder alguém.
- E-eu tive t-tanto medo, G-Gustavo...- Max estava com o rosto enfiado no pescoço do primogênito.- O p-pai ia me matar, mano.
- Calma, irmãozinho!- Ele pedia calma, mas estava tão afoito quanto Max.- Eu to aqui agora e eu vou cuidar de você.- Gustavo também chorava muito.-Eu não vou te soltar nunca mais.- O mais velho conseguiu sorrir com sua frase, mesmo que tenha sido um sorriso amarelo.- Prometo que ele nunca mais vai tocar um dedo na gente.- A força com que eles se abraçavam era tão grande que ninguém seria capaz de tirá-los um dos braços do outro.
- Eu ainda tô com muito medo. A ficha ainda não caiu de que meu pai tava com uma faca apontada para o meu pescoço!
- Ta tudo bem agora, mano. Eu vou te proteger.- Gustavo tentou passar confiança ao irmão.
- Acabaram de confirmar que ele já foi detido!- O delegado disse saindo de dentro da viatura.
- Max...- Alexandre se aproximou dos dois depois de ter resolvido algumas coisas com seu advogado por telefone.- Me desculpe não ter conseguido fazer nada pra te tirar dessa situação...- Ele se uniu aos dois no abraço.
- Onde está o Gabriel? Será que alguém pode me explicar o que foi isso tudo? Eu tô muito confuso!- Max perguntou ao irmão.
- Acho melhor voltarmos ao hospital e no caminho o Gus te conta tudo.- Alexandre se dirigiu ao seu carro, sendo acompanhado pelos garotos.
- O Gabe ta lá, mano. Eu vou te contar...- E mais uma vez ele teve que relembrar tudo o que passou na pior noite de sua vida. Só então Maxwell entendeu tudo o que aconteceu.
- O papai só pode ser doente...- Foi o que ele falou.
- Isso eu já não sei, mas eu quero distancia dele.- Chegaram no hospital. Dessa vez a visita ao Gabriel já estava liberada. Quando os três entraram no quarto onde ele e Ricardo estavam, foi outra choradeira. Ele estava com o rosto bem inchado e o olho esquerdo muito roxo, todo fechado onde ele não conseguia abrir.
- Onde vocês estavam? E que cara de choro são essas?
- Nada que você deva se preocupar.- Max respondeu antes que alguem pudesse falar. Ele não queria que seu irmão Caçula sofresse mais do que já estava sofrendo.
- Meninos eu tenho um assunto serio e importante pra falar com vocês.- Alê começou a falar.- Pode não ser a hora certa, mas isso precisa ser tratado. Bom, o pai de vocês foi denunciado pela assistente social aqui do hospital pelo que ele fez. Ela disse que também já constavam registros de negligências por parte dele, denúncia feita por uma assistente social da delegacia.- Da época em que Gabe foi espancado perto da escola.- Isso fez com que ele perdesse a guarda de vocês dois.- Apontou para Gabriel e Max.- E sua mãe também.- O choque foi forte pra todos eles e suas expressões não eram boas.
- A-a mamãe?- Gabriel não acreditava.
- Mas por que ela também, tio?- Perguntou Gustavo
- Bom, eu estava falando com o meu advogado, que está tentando resolver toda essa situação. Ele disse que como essa não é a primeira vez que o pai de vocês é denunciado, houve ai um espaço de tempo em que ele pode ter feito mais coisas contra vocês.
- Mas ele não fez nada... não que eu me lembre. E o que a mamãe tem a ver com isso?- Max falou interrompendo Alexandre.
- Acontece que a justiça não pensa assim. Pra eles vocês estão sofrendo por todo esse tempo e é ai que sua mãe entra. Em todas essas ocasiões ela nunca esteve presente. Ela está aqui agora? Ela ao menos sabe o que está acontecendo?- Ele perguntou e o silêncio foi absoluto. Ninguém tinha como defender ela.- De qualquer maneira é praticamente impossível ela ganhar judicialmente as acusações que virão contra ela, porque primeiro: Se ela nunca denunciou, é porque era cúmplice. Segundo: se ela não sabia de nada, o que sabemos ser a verdade, é sinal de que ela é uma mãe ausente, negligenciou no cuidado dos filhos e não percebeu o que aconteceu embaixo do próprio teto.
- Mas ela era ausente pra trabalhar. Nós entendemos isso!- Gabriel tentou defendê-la.
- Esse é mais um ponto em que a justiça ganhará nas acusações. Seu pai é sócio comigo na empresa de arquitetura. Vocês sabiam que ele ganha bem o suficiente pra mãe de vocês nem precisar trabalhar?- Silêncio de novo.- É certo que a profissão dela exige plantões e etc, porém ela trabalha em dois hospitais, o que toma quase todo o seu tempo, deixando vocês sozinhos praticamente a semana toda. A justiça levará em conta a situação financeira do seu pai. Se fosse um caso em que vocês fossem pobres e o salário dela fosse de extrema importância para a sobrevivência da família, provavelmente ela até teria chances de ganhar a causa na justiça, porém todos sabemos que a condição de vocês é ótima. E outra coisa: a justiça não condena o fato de ela trabalhar, mas sim de se comprometer em dois empregos sem necessidade financeira, já que esse era só um dinheiro extra para lazer e quem realmente pagava as contas e supria as necessidades básicas era o seu pai. Entendam que a justiça e a assistência social, principalmente em casos familiares e que envolvam menores de idade, priorizam o afeto, cuidado, a atenção que os pais dão aos filhos... Sobre eles conseguirem dar do bom e do melhor pra vocês, a justiça não vai ter do que reclamar, só que pra eles, ser pai é bem mais do que só colocar comida na mesa. É uma série de cuidados que, infelizmente Miguel e Julia não tiveram com vocês.- Após essa explicação de Alexandre, houve um grande período de silêncio. Os irmãos não sabiam, o que falar, o que fazer ou o que pensar.
- E agora... o que vai acontecer com a gente?- Gabriel perguntou mais para si mesmo.
- Era nesse ponto que eu queria chegar. Em uma primeira ocasião vocês seriam levados para um abrigo.- Max e Gabriel se olharam com desespero.
- Nem fodendo que meus irmãos vão parar em um Abrigo!- Gustavo o interrompeu.- Só por cima do meu cadáver!
- T-tio, faz alguma coisa, p-por favor... eu não quero ir pra um abrigo.- Gabriel estava mais triste que o normal.
- Calma, crianças.- Alexandre continuou.- Foi por isso que pedi pro meu advogado entrar com uma ação na justiça pedindo a guarda provisória de vocês dois.- Os olhos dos meninos brilharam.- Eu sei que não vou substituir o pai de vocês, mas não poderia deixar vocês, que são como filhos pra mim, serem jogados em um abrigo qualquer. E aí, topam ser meus filhos postiços também?- Alexandre abriu um sorriso e Gustavo correu para abraçá-lo.
- Obrigado, tio. Obrigado pelo que você está fazendo pelos meus irmãos. Eu não sei nem como agradecer...- Gustavo estava feliz.
- Não precisa agradecer. Como eu já disse: vocês são como filhos pra mim. Quando sairmos daqui, vocês já vão direto pra minha casa. Mandei alguns funcionários meus irem na casa de vocês buscarem suas coisas. A partir de agora vocês vão morar comigo!