– Fala, quem é você? – Ícaro falou baixo, com um pouco de sono, com medo de alguma coisa.
– Cê tá bem? Ou você tá delirando? Você não se lembra de mim?
– Não! A minha cabeça dói! O quê que eu tô fazendo aqui?
– Você não se lembra de nada do que rolou?
– Eu bati a cabeça? Foi isso?
Percebi que eu tava numa fria, e das grandes. O Ícaro não se lembrava de nada... Isso era ruim! O quê que eu ia fazer depois disso? Eu podia me aproveitar – claro que pensei nisso também, na hora – mas eu tava mais preocupado com ele, e com o fato da minha família ir pro meu apê comemorar uma festa de aniversário comigo, e tinha que ser com ele também, já que ele estava morando comigo e estava, agora, com uma “perda de memória”. Parei, fiquei apenas olhando pra ele, sem dizer nenhuma palavra, pois tinham sumido de mim e da minha mente. Ícaro me olhava com um olhar morto, olhar esse que não significava nada, a meu ver.
Saí do quarto, batendo forte a porta. Um médico passou e até reclamou disso, mas eu estava 100% nem aí. Na recepção, perguntei a moça sobre o médico que tinha atendido o Ícaro, e ela me informou que ele estava na cafeteria da frente do hospital, pois era o período de janta dele.
Sim, queria saber o que tinha acontecido. O médico não tinha me dito que aquilo poderia ter causado uma perda de memória. Ele podia ter se esquecido de ter me falado a respeito disso. Fui à cafeteria da frente do hospital e ele estava lá, à mesa, com um grupo de enfermeiros, todos sociais, trocando idéias e fazendo um lanche. Não queria atrapalhar-lo, mas senti que era necessário. Claro que eu precisava de respostas para as minhas dúvidas sobre o acontecido.
Chamei-o, interrompendo a conversa dele, e ele veio comigo, à parte.
– Opa, o que foi? Algum problema?
– Sim! Eu tô com algumas dúvidas a respeito do paciente Ícaro, o que foi atendido quase agora...
– Sim, sei, lembro! O quê que tem ele?
– Você poderia me falar mais a respeito dos sintomas que ele pode chegar a ter? Eu tô com um pouco de preocupação a respeito disso, já que ele mora comigo, é meu amigo, tenho que tomar algum cuidado?
– Cara, eu vou ser bem sincero: O que eu vi ali foi um simples desmaio, que foi causado pela pancada forte na cabeça dele, mas, sem dúvida, não vai ter nenhum sintoma. Ele pode ficar com um pouco de sono, e isso vai ser por causa do soro forte e dos remédios que ele tomou, mas nada mais que isso, não.
– Você tem certeza? Ele não pode chegar a ter uma simples perda de memória não, né?
– Perda de memória? – ele riu, logo parou. – Como assim uma perda de memória? Isso só acontece quando o caso é grave, tipo um traumatismo craniano... Nesses casos de pancada seguido de um desmaio é bem raro de isso acontecer. Pode acontecer de uma leve perda de memória, sim, mas só dura um minuto, e se for raro, uns dois ou três!
– Nossa! Obrigado por me dizer isso! Eu não sabia dessas coisas, não! Muito obrigado, de verdade!
– Que nada! E eu acho que o paciente já pode receber alta... Fala lá na recepção do hospital!
– Ok! Abraços!
Me despedi dele. Saí daquela cafeteria bem aliviado, ou sei lá o que era. Não quis comentar com o doutor sobre isso de perda de memória do Ícaro – eu tinha um plano na mente; uma carta na manga. Ia usar essa desculpa dele contra ele mesmo.
Resolvi o que tinha de resolver no hospital e fui pra casa com o Ícaro. No carro, ele estava “fraco, mal conseguia ficar de olho aberto”. É, tudo ali era fingimento. Tudo bem que podia não ser, por conta de remédios, mas fiz de conta que era teatrinho mesmo.
Estacionei na garagem e tinha chegado a hora de subir com ele. Abri a porta do lado dele e levei-o pro apê com seu corpo todo se sustentando ao meu. Eu o olhava para ver se conseguia encontrar alguma brecha, ou se ele deixava a máscara cair, mas não, não consegui isso.
Já no apartamento, o coloquei na minha cama, com roupa e tudo. Não fui dar um banho nele, nem tirei a sua roupa... Deixei-o como estava. Ele tinha que aprender uma lição. Já tinha aprendido uma, que era a principal: Eu não era fraco. A segunda ele ia aprender com um tempo: Que eu não era besta. Cair nas palhaçadas dele não estava mais nos meus planos.
Sentei-me por ali, e, ao laptop, comecei a buscar sobre isso na internet. Eu ainda não estava satisfeito com as respostas do médico, mesmo sabendo que tudo era uma farsa do Ícaro.
As respostas da internet eram absurdas e eu ficava mais doido com tudo aquilo. Fechei aquele treco e respirei fundo, olhando pra baixo.
Os minutos foram se passando e eu continuava ali na sala, só pensando nisso. Ia, de vez em quando, olhar o Ícaro no quarto e ele dormia. Parei e pensei: “Você é muito idiota, Théo. Pra quê você está acordado? Vai dormir, bobão. Só tá aí perdendo tempo pensando em alguém que tá mentindo pra você!”... E foi isso mesmo o que fui fazer: dormir! O sono não estava vindo, mas me deitei no sofá e consegui dormir rapidamente.
O dia seguinte foi um dia interessante. Acordei cedo, apesar de ter ido dormir tarde na noite precedente. Logo que me levantei, olhei pro quarto e Ícaro dormia, o que era normal. Acharia estranho se ele tivesse se levantado e etc, porque isso acabaria com o teatrinho dele.
Depois da ida ao banheiro, me surgiu uma idéia. Mas eu tinha que esperar ele acordar... E esperei! A idéia era a seguinte: mexer com ele. Sim, apenas isso. Mexer com ele era uma ótima idéia no momento. Mas mexer como? Eu ia provocá-lo, ia fazê-lo se sentir um “doente” – que era assim que ele tinha me chamado por eu ser gay –, ia fazê-lo se sentir um gay de verdade, um gay apaixonado. Ia me atirar pra ele como eu nunca tinha feito com ninguém.
Tomei um suco e fiquei só esperando ele acordar, o que aconteceu rápido; quase nem demorei esperando.
Ao quarto, esperei-o acordar totalmente.
– E aí, dormiu bem?
– (ainda sonolento) Você? De novo? Onde é que eu tô, em?
– Dormiu bem, amor?
– Amor? Amor?
– Pelo visto você perdeu a memória mesmo... Mas eu posso te fazer se lembrar da nossa vida juntos...
Ele estranhou, mas eu não dei trégua. Fui engatinhando na cama, chegando perto dele. Comecei a dar beijos nos seus braços, fui subindo e lhe beijei na boca. Minhas mãos, nessas alturas, estava percorrendo pelo corpo quente dele.
Sim, ele retribuiu o beijo e logo se enrolou a mim.