Permaneci em silêncio. O Dan continuou falando.
– Desde aquele dia, no banheiro. Não sei o que deu em mim. Nunca senti isso por ninguém antes... Só sei que agora eu sinto, cara. Não quero ficar longe de ti, mano.
O Dan falava isso e respirava forte, uma “respiração apaixonada”, se é que isso existe. Mas as palavras saíam tão bem da boca dele, fazia a junção com seu corpo nu, deslumbrante, que estava ao meu lado e que era todo meu. Quebrei o meu silêncio, mas não me saí muito bem.
– Eu não sei nem o que dizer, Dan...
– Cê não precisa dizer nada, Théo. Tudo isso aqui foi uma resposta. Não pra esse “eu te amo” que te disse, porque sei que você não me ama como eu te amo, mas sim pras minhas dúvidas.
– Desculpa falar, mas eu não entendi nada... – eu ri.
– Deixa pra lá, só sei que eu tive ótimas respostas. A gente se conheceu de um jeito estranho, mas foi tudo muito intenso, muito bom. Se você não tivesse aqui comigo, você não gostaria de mim, mas sei que gosta.
– Gosto pra caralho, Dan! Cê sabe disso! E é verdade o que você falou: se eu não gostasse, cê nem taria aqui. Curto ir naquele banheiro quando tô sem nada pra fazer, mas tá ficando raro, agora.
– Vamos curtir esse momento, Théo?
– Que momento?
– Esse, o nosso. Eu me separei da minha mulher. Vou encontrar um lugar pra mim e a gente fica tendo uma relação. Se não der, a gente vê. E aí?
– Pô... Cê me pegou de surpresa!
– Você tem tempo. Te dou quanto tempo você quiser. Mas o que eu quero mesmo é ficar com você, cara.
Não respondi. Eu tinha de dar tempo ao tempo. Como resposta, o beijei. Nós ainda estávamos suados, por causa da transa, que tinha sido intensa e forte. Os nossos corpos pelados se encontraram de novo, e nós fizemos sexo outra vez. Tudo aconteceu da mesma forma que da primeira e foi mais gostoso ainda.
Tomamos um banho juntos e lá rolou carinho, pegação, mas nada demais. No dia seguinte, o Dan foi embora. Agradeci por isso.
Eu tinha me esquecido completamente, mas o Ícaro ia morar lá no meu apê comigo. E o Dan tinha combinado de voltar. Tomei uma decisão de imediato: liguei pra ele e desmarquei tudo, e ele entendeu. O resto daquele dia foi só de lembranças. As transas com o Dan não saíam da minha cabeça nem do meu corpo. Ele tinha saído da minha cama, mas a minha cama não tinha saído dele. Os lençóis estavam com o cheiro bom dele, e eu fiz questão de deixá-los lá. É, de novo, outra vez, eu estava confuso. Quando eu via o Ícaro, me sentia nas nuvens. Quando eu via o Dan, também. Não agüentava mais toda essa sensação dentro de mim. Era bom? Era. Mas ao mesmo tempo eu me sentia culpado, como se tivesse traindo algum dos dois. Na verdade, quando eu estava com um, o outro surgia dentro da minha cabeça e rolava uma confusão... Era mais forte do que eu.
Já no outro dia, Ícaro veio, de verdade, pra minha casa. Eu estava preparado pra enfrentar qualquer tipo de coisa, e estava preparado para tratá-lo com frieza. Sim, frieza. Depois do que tinha rolado entre mim e ele, achei melhor tratá-lo assim. Ele trouxe tudo dele em caixas: TV, roupas, peças íntimas, coisas de banheiro...
Assim que ele chegou, para evitar contato, fui ao supermercado fazer compras - pois faltavam várias coisas. Parece que quanto mais a pessoa gosta de outra, mais ela evita contato. Sei lá!
À noite, o clima estava normal. Ícaro terminava de arrumar suas coisas no quarto dele e recusava ajuda. O banheiro já estava com suas coisas. Ele tinha bastante roupa e por isso tanta demora. Ele não falava comigo, eu não falava com ele, mas tava normal, nada pesado. Ele não tinha motivo para não falar comigo, já eu, pra não falar com ele, sim.
Fiz uma janta para nós e, à mesa, ele falou comigo.
– Esse macarrão tá da hora, Théo!
– Valeu! – fui curto.
– Você cozinha bem pra burro! Cê lavou as mãos antes de fazer?
Isso que ele disse foi o cumulo. Ele tinha falado aquilo pra provocar, querendo dizer que eu tinha alguma doença. Não caí na dele.
– Lavei, sim, por quê?
– Por nada. É só questão de higiene, né?
– É, claro! Cê lavou as mãos antes de encostar no talher?
– Que foi, ficou com raiva?
– Que nada, mano, é só questão de higiene, mesmo. – devolvi.
– Olha, desculpa, tá? Desculpa se te magoei.
– Relaxa.
“Théo, como cê pode gostar de um cara desse? Fica fazendo piada com você, mano” – eu me perguntava. “Fazer o quê, né? Gosto é gosto” – eu me respondia.
Não esperava esse tipo de coisa do Ícaro, mas daí descobri que era pra esperar qualquer coisa dele – sim, finalmente tinha acordado.
– Quer que eu lave os pratos?
– Precisa, não! Eu lavo! E pode deixar que eu uso luva, as minhas mãos não podem encostar nos pratos mesmo!
– Théo, mano, eu já te pedi desculpa...!
– Relaxa, cara, foi só pra descontrair!
Levantei e fui à pia, lavar pratos, que tinha muitos. Ícaro foi pro sofá ver TV, e eu não o via mais, pois estava de costas.
Quando terminei, virei-me e vi que o Ícaro tinha escondido alguma coisa atrás dele, rapidamente, com medo que eu visse. Fingi que nem vi, mas vi, na verdade. Fui ao banheiro para dar uma disfarçada e, quando voltei, Ícaro estava em pé, andando pra lá e pra cá. Meu celular estava, exatamente, no lugar em que ele estava sentado. Peguei-o e sentei. Fiquei vendo TV. Recebi uma mensagem do Dan. A mensagem dizia “Mas por que, Théo? Cê me fala isso depois de tudo?”...
Meu celular tinha várias mensagens que eu trocava com o Dan, mas essa era nova, tinha acabado de chegar. Olhei pro Ícaro e vi que ele tinha mexido no meu celular.
