Amor de Carnaval não Vinga (18)

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 4716 palavras
Data: 13/12/2015 03:35:17

“Quer ir embora, Vai, Adeus, Bye-Bye, Quando você me quiser, Estarei no Ilê, Já não te quero mais...” (Adeus, Bye-Bye, Banda Eva).

>>>

- Augusto? – senti um sacolejo no meu braço – Ei, tem alguém aí?

Voltei à realidade e percebi que Marta passava a mão na frente do meu rosto para me acordar do transe.

- Tudo bem? – continuou.

- Oi Martinha! Foi mal, tava viajando aqui.

- A Ju tá te chamando ali no painel.

- Beleza, tô indo lá.

Voltei a espreita-lo, afastando-me para não ser reconhecido. Sua face exaltava uma barba um pouco maior e um bigode que lhe dava um charme a mais. Era ele sim, não restava a menor dúvida. O gesticular animado e as risadas não escondiam certa intimidade com Gustavo. Quanto mais eu pensava na natureza daquela possível relação, mais atormentado ficava.

- Ah, você tá aqui – Marcos apareceu, puxando a minha camisa – Vem logo tirar essa foto, Guto! Sua amiga está torrando a minha paciência.

Atravessamos a pista de dança improvisada e tornei a perdê-lo de vista. Preocupei-me em não transparecer o quão nervoso fiquei e me esforçava para sorrir. Alguns familiares dos nossos funcionários também estavam presentes e tudo virou motivo para uma grande celebração: feriado, amizades, sucesso, novos clientes... Não queria desfazer esse clima de jeito nenhum.

- Finalmente! – Juliana estava impaciente – Para de dançar um pouquinho e prepara a cara de dono de empresa – riu.

A arte que alarmava os números do nosso principal produto também servia como pano de fundo para fotografias “oficiais”, dessas vistas em pré-estreias de filmes famosos onde as estrelas se contorcem em poses duvidosas para estampar publicações de moda e fofocas. Um pequeno tablado no chão completava a decoração daquela área mais reservada, e era a senha para um profissional à frente registrar os melhores ângulos de quem passava por ali.

Minha sócia colocou uma mão na cintura, enlaçou a minha e cuidou de ilustrar perfeitamente a nossa alegria:

- Precisava mesmo de tanto flash? – provoquei.

- Sem inibições. Você sabe que é uma ocasião especial.

- Sei... Até parece que não gosta de uma coluna social. Admita!

- Só não te dou um beliscão, para não estragar esse singelo momento – ela disse com os dentes cerrados, evitando desfazer o sorriso.

- Ok senhora popular! – fiz o mesmo.

Por um breve instante, temi pela divulgação da nossa comemoração. Por outro lado, não acreditava que os membros da Liga fossem tão ligados a esse tipo de informação. O nosso trabalho já tinha sido fonte de algumas matérias em revistas de circulação nacional e nem por isso eu cheguei a ser reconhecido por César, por exemplo.

Ainda assim, não podia esquecer que dividia o espaço naquela noite com uma “ilustre” e inesperada presença. Queria acabar com aquele processo o quanto antes e perdurar invisível:

- Pronto? – estava inquieto.

- Mas que agonia, hein? A festa está só começando...

Antes que pudesse me dar conta, Marta entregou um microfone para Juliana e o volume da música caiu, fazendo-me arregalar os olhos em desespero:

- Oi pessoal! – ela desatou a falar, ecoando nos alto-falantes – Queria agradecer a presença de todos que atrasaram um pouquinho o começo do feriado para curtir mais uma conquista com a gente...

Todos os participantes voltaram-se à nossa direção. “Não faz isso, não faz isso...”, tentei não entrar em pânico.

- Queria que esse dia fosse uma grande surpresa para essa pessoa – ela continuou, apontando para mim – Que, além de ser uma das responsáveis por isso tudo, também é um profissional maravilhoso e amigo especial. Vou passar a palavra para ele.

Em qualquer outra ocasião, estaria emocionado com a homenagem. Naquele segundo, porém, só procurava não aflorar uma crise nervosa. Tinha que estar preparado para o pior. Ao som dos aplausos de todos, recebi o microfone das suas mãos e respirei fundo, aceitando a incitação. “Se tá no inferno, abraça o capeta...”, divaguei:

- Bom, acho que não é pra tanto... – sorri encabulado – Não sou muito de fazer discursos, tenho certeza que a nossa chefa é bem melhor nisso, mas vou tentar.

À medida que falava, aproveitei a atenção generalizada e comecei a caçar um rosto conhecido no meio daquela pequena multidão aglomerada:

- Fico feliz que a nossa empresa tenha chegado a uma fase de crescimento exponencial, talvez a maior até agora. Todos nós sabemos que não ficamos devendo nada para grandes companhias estrangeiras, e temos capacidade de bater de frente com qualquer uma delas. Saibam que nada disso seria possível sem a atuação de vocês.

Olhava calmamente um por um, fazendo um ziguezague imaginário atrás do opressor oculto. Só quando reconheci o semblante familiar de Gustavo um pouco mais atrás, pude captar uma mirada compenetrada e algo assustada por cima do seu ombro:

- Esse número aqui atrás de mim carrega um mundo de significados. Não é só a nossa história que nos trouxe até aqui...

Fixei o olhar nele, algo que não ocorria desde o carnaval. “O garoto atraente...”, relembrei o apelido no dia em que todo o pesadelo começou. De uma forma bastante abrupta, meu agradecimento ganhou ares de recado, claro e direcionado ao destinatário final:

- Espero que essa ocasião sirva para nos lembrar, constantemente, de que topamos qualquer parada, vencemos desafios acirrados, abraçamos a causa em nome da vitória, e não medimos esforços para chegar lá. Obrigado por fazerem parte desse time!

Gritos e novos aplausos coroaram a minha frase que, para ser sincero, nem sabia de onde tinha tirado tanta inspiração. Minha sócia me acolheu num abraço apertado. No meio da empolgação, meu alvo permanecia boquiaberto. Vi-me no meio de um filme western, onde os dois cowboys se encaram até que o primeiro saque a arma. Passamos alguns segundos nos afrontando, alheios a todo o movimento ao nosso redor e avaliando aquela brincadeira de mau gosto do destino.

E então, tudo aconteceu muito depressa. Aturdido, Adriano cochichou algo no ouvido do acompanhante e começou a se afastar. Percebi a tramoia e comecei a trabalhar com a teoria de que talvez ele não soubesse do que se tratava o evento. Precisava agir rápido se quisesse mantê-lo no meu radar. Entre alertar o meu ex-pretendente e seguir o rastro do membro mais enigmático da Liga do Mal, não tinha o que analisar.

- Segura as pontas pra mim porque esqueci um negócio lá na sala. Volto já – balbuciei ligeiramente no ouvido de Juliana.

- Tá, mas não demora.

Mantive a mira no grupo de amigos, que se despedia do integrante mais aterrorizado. A música voltou a tocar e as pessoas se dispersaram novamente, aproveitando o embalo da melodia. Alcancei o hall e notei que o elevador estava longe. Não pensei duas vezes antes de descer quatro andares de escada na velocidade da luz. Entrei esbaforido na sala e peguei a chave do carro.

“O que está fazendo, quer morrer?”, trabalhei remotamente com a ideia de uma emboscada. “E se for uma armadilha?”, cogitei. A solução foi ligar rapidamente para a única pessoa que poderia confiar naquele instante.

- Velho, onde você se meteu?

A voz do meu funcionário se misturava com a trilha sonora ao fundo.

- Flavinho, preste atenção. Tá conseguindo me ouvir bem? – caminhava apressado enquanto falava.

- Espera...

Escutei o som da batida eletrônica se afastar, até a conversa ser retomada:

- Pronto, agora sim.

- Olha no seu relógio. Não me pergunte nada, ok? Se em meia hora eu não retornar o telefonema, é porque estou em apuros, tá?

- Caralho Augusto, o que tá acontecendo?

- Eu tô bem, precisei sair pra resolver um problema, mas as coisas podem ficar um pouco tumultuadas. Não comenta com ninguém, certo?

- Cara, você tá me deixando preocupado. Como vou saber sua localização?

- Vou dar um jeito! Tenho que desligar. Cronometra, e faz o que te pedi.

Desliguei antes que pudesse retrucar novamente. Não sabia onde tinha enfiado a minha sanidade, e meus impulsos domaram completamente o meu corpo. O painel do ascensor indicava que ele já subia novamente, me levando a crer que uma possível rota de fuga já estivesse em andamento. “Droga!”. Para meu azar, o de serviço encontrava-se distante, eliminando qualquer possibilidade de dianteira na corrida contra o tempo. Após alarmar a chegada à cobertura, a contagem dos andares voltou a decrescer.

Travava um confronto solitário sobre quão absurda era aquela coincidência. “Ok, existem milhões de pessoas com esse nome no mundo, ninguém ia perceber”; “Ele parecia impressionado quando me viu”; “Será que esse foi o modo encontrado para se aproximar?”; “Tudo bem ‘Vida, Universo e tudo mais’... O que falta acontecer?”, os questionamentos se atropelavam sem trégua naquela curta brecha de espera. Ao escutar a voz programada completar a minha solicitação e abrir a porta automática, me deparei com o pior.

Sozinho e fingindo calma, Adriano deu um passo para a esquerda, no intuito de compartilhar o cubículo. Entreolhamo-nos ligeiramente e apertei o botão da garagem. Começamos a viagem de descida em silêncio. Era impossível um estudar as possíveis reações do outro. Ambos estavam sem barreiras e fora de suas fortalezas.

- Já vai embora? – quebrei o gelo, irônico – Logo quando a festa vai começar a esquentar?

- Vim acompanhar um amigo, mas preciso voltar para casa – seu cinismo me surpreendeu.

- Não é muito audacioso de sua parte aparecer assim na minha empresa, sem cerimônias? – mantinha o olhar fixo na parede revestida de alumínio.

Se havia alguma imprecisão sobre o ato mútuo de reconhecimento, ela se dissipou completamente. Minha vontade maior era acionar o botão de emergência e esbofeteá-lo ali mesmo. Mas não podia fazer nada, sabia que estava sendo filmado.

- Não fazia ideia de que a companhia era sua. Apenas fui chamado para uma festa – respondeu timidamente.

- Sei... – minha cota de sarcasmo não se esgotava.

- Olha, eu não quero criar confusão. Podemos combinar de conversar numa boa no dia que você quiser, até na minha casa...

- E eu devo acreditar nisso... – interrompi – Deixe-me ver, porque já caí nesse papo? – mantinha a descrição.

- Não tenho nada a esconder. Vou pegar um táxi agora. Se preferir, me siga para saber exatamente onde moro.

Mantive-me quieto. “Será que ele sabe como cheguei a César?”, fiquei inseguro com a tática. O elevador chegou à garagem, fazendo-me segurar a porta para que impedisse o seu curso:

- Beleza, do que está fugindo então?

- Não estou... – foi categórico.

- Sendo assim, eu te levo.

- Não é necessário. Por favor, me deixa ir embora.

- Faço questão – desafiei, incisivo.

Vacilante, ele me acompanhou, mantendo uma distância segura. “Parece que alguém ficou morrendo de medo”, inferi. Observei a câmera de vigilância ficar para trás e meu carro adentrar o campo de visão, logo após a última pilastra do pavimento. Seguia firme, num misto de angústia e cautela. Não queria correr riscos, mas também não podia perder a chance de ficar frente a frente com quem deu o pontapé inicial naquela história.

Senti falta de um plano, admito, ou algo meticulosamente planejado. Pela primeira vez, estava tateando na base do improviso, e não sabia as cartas que meu adversário tinha na manga. Aquilo não era só uma ofensiva, era colocar o batalhão inteiro num campo de guerra. Não podia perder mais tempo, tinha que arriscar. Era hora do tudo ou nada. Assim que desativei o alarme, virei-me grosseiramente e o agarrei pela gola da camisa:

- Vamos acabar com esse joguinho... – o imprensei na coluna de concreto – O que está pretendendo?

A atitude drástica assustou o meu oponente:

- Cara, me solta. Não quero fazer nada, eu juro!

Cheguei a repassar mentalmente alguns ensinamentos das aulas de judô na adolescência, mas a altura e força superior, acrescida da fúria no olhar, me fez acreditar que não seria necessário.

- Acha que vai escapar facilmente? Que vou esquecer o que fizeram comigo? Eu sei de tudo! Tenho o vídeo em que aparece me deixando no apartamento, entendi o joguinho dentro do bloco, como funciona o esquema, onde aconteceu...

- Aparentemente você não sabe de nada... – ele procurava manter o diálogo sutil.

Tomado por um ódio descomunal, agarrei o seu pescoço com a mão e apertei com toda a força que tinha:

- Seu filho da puta!

Adriano tentava puxar os meus braços para se safar, sem sucesso. À medida que asfixiava, suplicava por uma trégua, tentando gesticular algo. Na verdade, nem eu sabia o que estava fazendo, talvez apenas extravasando a minha ira.

“Sua emoção imprevisível vai te corroer, e não sei se estou preparado para vislumbrar o que vai sobrar no final...”, rememorei a briga com Gustavo.

Perdido em pensamentos, soltei a sua garganta, afastando-me em seguida. Ao som de tosses agoniadas do meu opositor, tentei domar o meu lado animal. Estava atordoado e completamente fora de controle:

- O que quer de mim?

- Compreendo a sua raiva... – tentava recobrar a respiração – Mas eu quero te dizer que não tenho nada a ver com isso.

- Acha que eu vou acreditar mesmo nessa ladainha?

- Se pudesse, já tinha tido essa conversa há muito tempo, e não foi por falta de tentativa...

- Por isso apareceu aqui? Tá me investigando?

- Já disse, não sabia do evento, nem da sua ligação. Fiquei surpreso ao escutar o discurso e vi que ficou me encarando...

Pelo que entendia do raciocínio, ambos acharam que estavam em perigo iminente. E isso não fazia o menor sentido.

- Não tenho nada para conversar com você.

- Talvez o momento seja realmente inapropriado.

Ouvi algumas vozes se aproximando e me apressei em nos esconder, calando-lhe a boca. Sentia na mão o seu aspirar nervoso, ainda apavorado com o rumo daquela estranha interlocução. O libertei assim que percebi os intrusos se retirarem.

- Escuta aqui... – apontei o dedo em riste próximo ao seu rosto – Você e cada um dos seus amiguinhos vão pagar pelo que fizeram. Cedo ou tarde vai acontecer. Até lá, não ouse cruzar o meu caminho ou contar alguma coisa sobre esse encontro, entendeu? – ameacei.

O silêncio amedrontado era a resposta que precisava. Procurei me recompor e caminhei novamente em direção ao carro:

- Pode ir. Tem um ponto de táxi em frente ao prédio, é fácil encontrar.

Humilhado, o garoto atraente começou a trilhar o caminho oposto, sem antes tentar mais uma vez encerrar o diálogo de maneira amigável, caso fosse possível denominar assim:

- Se me seguir, não vou impedir que o faça. Agora que saberá onde me achar, estou à disposição para esclarecer o que quiser.

“Mas que porra é essa?”, estranhei o seu gesto derradeiro:

- Tem mais uma coisa... – dei um ultimato, sem me importar com a falsa cortesia – Fique longe do Gustavo. Se acontecer alguma coisa com ele, eu juro que vai desejar nunca ter me visto na vida.

- Mas eu...

- Fica longe dele! – esbravejei.

Fechei a porta e dei partida, observando-o ampliar a longitude. Manobrei grosseiramente e passei pelo seu vulto cantando pneu, rumo à saída. De fato, não perderia aquela pista que tinha caído do céu. Assim que ascendi à rua, notei o segurança noturno indicando-lhe um ponto de táxi a poucos metros dali. Os dados ainda estavam rolando.

Entre uma curva e outra, concentrei-me um momento para tentar raciocinar. “Pode não ter sido uma coincidência ele estar na sua festa, e talvez tenha usado seu amigo para isso”, elucubrei, “Poderia querer ser visto, porque sabia que o seguiria de qualquer maneira...”. Algo me dizia que tudo fazia parte de uma intrincada armadilha.

Não o perdi de vista durante todo o percurso. Vez ou outra olhava para trás, assegurando-se da minha presença na sua cola. Queria enumerar todos os pontos controversos das suas sentenças, e procurar alguma conexão em toda a cronologia do incidente. Não sabia se era tudo fruto da minha cabeça ansiosa ou de uma desordem generalizada, mas à primeira vista, as situações não se encaixavam.

Quando finalmente notei o carro à minha frente diminuir a velocidade, tive a sensação que a viagem foi relativamente curta. “Sete bilhões de pessoas no mundo, e poderíamos ser vizinhos...”, suspirei. Parei um pouco mais afastado, e peguei o celular para anotar o nome da rua e do edifício. Findada a operação, voltei a olhar para frente e percebi que ele permanecia estático, mirando o automóvel. Adriano fez um sinal com a cabeça, como a despedir-se e subiu uma pequena escadaria.

>>>

Tivessem ocorrido dias atrás, poderia estar sentado no gabinete com a minha dupla dinâmica, contando todas as peripécias daquela bizarra circunstância. Estaríamos rindo sem parar, e começando a bolar mais uma estratégia mirabolante. Meus devaneios foram interrompidos pelo som de uma notificação no meu aparelho. Era uma mensagem de Juliana:

- “Cadê você? Não te encontrei na sala!”.

- “Passei rapidinho numa farmácia e já tô chegando!” – respondi.

Avisei a Flávio que estava bem, e retornando para a festa. A verdade, porém, é que estava desnorteado, ainda dentro do veículo estacionado, observando as minhas mãos tremendo sem parar. Não tinha ideia do que sucedeu naquela noite, o propósito da nossa conversa ou as consequências da minha atitude.

Também não sei ao certo como consegui dirigir. Voltei por uma questão de compromisso. Algumas pessoas já tinham ido embora, outras seguiam o papo animado na imensa varanda da cobertura, e algumas se divertiam na pista de dança. Encontrei minha sócia sentada com o marido, e tratei de dar uma satisfação:

- Tá sentindo alguma coisa Guto? – mostrou-se apreensiva.

- Não é nada... Passei o dia com dor de cabeça – menti.

- E porque não me avisou? Tinha um analgésico na bolsa!

- Relaxe, não queria atrapalhar a festa. Já tô melhorando... – olhei ao redor atrás do seu irmão – O Guga já foi?

- Não tem dez minutos que saiu – Marcos respondeu – Acho que ia dar uma carona para os amigos.

- Aliás... – a esposa prosseguiu – Amanhã viajaremos para Jaboticabal, e vamos passar a Páscoa lá. Parece que vamos alugar a casa da minha mãe.

- Bacana. Que bom que conseguiram ajeitar tudo.

- Ainda tem muita coisa para organizar, vou usar o meu feriadão para isso. O caçula teimoso resolveu ficar. Se não tiver nenhuma programação, passa lá em casa pra ver se tá tudo bem?

“Parece que alguém já cuida bem dele, colega...”, fantasiei o desabafo:

- Claro, nem precisa pedir. Pode ficar tranquila – me esforcei para parecer agradável.

Ao fundo, próximo ao bar, Flávio fazia um sinal para que fosse ao seu encontro. Aproveitei a deixa, e pedi licença aos meus amigos. Quando me aproximei, ofereceu um copo de uísque e cruzou os braços, compenetrado:

- Anda, desembucha.

- Não dá pra te contar assim – dei um longo gole – A história é muito longa.

- Augusto, do jeito que falou, parecia que corria um sério risco. Acredite, tenho a noite toda para escutar.

- É um assunto delicado. Vamos marcar algo e prometo que te conto tudo.

- Você e seus mistérios... – ele pediu mais um drinque ao garçom.

Dei um sorriso amarelo como gratidão, mas tinha ciência que não o convenci. Comecei a lamentar por não ter retornado para o apartamento. Fisicamente estava presente, mas conscientemente desconhecia o meu paradeiro. Continuei a trocar algumas ideias vagas com os convidados e não tardei em partir.

>>>

Cheguei pouco antes das doze badaladas noturnas, desejando um banho demorado para repor as energias. A ansiedade, porém, direcionou-me para o escritório, onde voltei a utilizar o quadro de vidro, escrevendo sem parar. O álcool causava certa dificuldade, mas o frescor daquelas frases era imbatível:

-“Aparentemente você não sabe de nada...”, a voz de Adriano ecoava sem parar.

O meu atestado “Jon Snow” de palerma estava estampado na minha testa. Ou, para ser um pouco mais regional, Compadre Washington gargalhava da minha inocência em algum lugar da Bahia. Definitivamente, não conseguia enxergar o que estava deixando escapar.

- “Se pudesse, já tinha tido essa conversa há muito tempo, e não foi por falta de tentativa...”.

- Não foi por falta de tentativa... – pensava alto, martelando a caneta no queixo – Como ele tentaria?

Liguei o computador e abri todas as minhas redes sociais. Facebook, twitter, instagram, snapchat... Nada. E-mail, ligações perdidas, whatsapp, SMS... Nada. Tentava encontrar alguma veracidade no seu discurso, mas minha mente seguia afirmando que era só mais uma artimanha para se safar da emboscada.

Cansado, deitei no futon e fiquei encarando aquelas palavras aleatórias na esperança de desanuviar a mente. Perdi algumas horas nesse processo, até um insight revelar que realmente algo passou despercebido. Levantei correndo para pegar o celular e abri o Imagine Plus. A caixa de entrada permanecia cheia, aguardando que o seu ocupado usuário tivesse a boa vontade de ler.

Comecei a dissecar todas as mensagens em busca de respostas. Das mais bobas, passando pelas mais ousadas (sim, aparentemente algumas pessoas estavam usando o meu programa em busca de outras aventuras), até chegar às mais enigmáticas. Lá pelo vigésimo recado, eu consegui matar a charada:

-“ diz: Você é o criador do aplicativo? Podemos conversar?”;

-“ diz: Talvez a gente já se conheça, mas não creio que se lembre”;

-“ diz: Você esteve no carnaval de Salvador?”;

-“ diz: Entre em contato comigo assim que possível”.

As datas indicavam intervalos de dias, mas a investida inicial já completava semanas. Senti-me mais idiota ainda ao reparar que “Irda” era um anagrama de “Adri”. “Será que ele é arquiteto?”, permaneci hipnotizado pela tela do celular. Não restavam dúvidas: todos os indícios da identidade do Imaginitive em questão levavam ao meu algoz. Aquilo estava longe de inocentá-lo, obviamente, mas aquele pequeno ato de autenticidade parecia escancarar uma versão ainda sombria, cheia de furos e retalhos.

- “ diz: Tentou falar comigo por aqui, mas não fazia ideia de que a empresa era minha ou sobre o que era o evento... Paradoxal, não?” – digitei intrigado.

Ativei os alertas do game, algo que não fazia há meses, dado o volume de pedidos de amizade. Queria ver até aonde ele chegaria, e se insistiria nas controvérsias. Estava prestes a continuar a minha pesquisa, quando escutei a campainha tocar. Da última vez que isso ocorreu, o resultado foi catastrófico. Animava-me, porém, com a ideia de uma nova visita dele, só estranhei o fato de já passar das duas da madrugada. Tranquei a sala da justiça e desci rapidamente, pensando ser alguma emergência:

- Prima? – não escondi o espanto.

- Ai, graças a deus você estava acordado! – Marcela pulou para me abraçar – Sabia que nunca dorme cedo.

- Que surpresa é essa?

- Ok, não seria surpresa se levasse a sério os pactos familiares. Um ano você vai, no outro eu venho, certo?

Tentei fazer uma recapitulação desse acordo, mas ela desatou a falar sem que eu chegasse a uma conclusão:

- Mas tudo bem, tudo bem. Eu gosto quando consigo te deixar pasmo! Vamos dar uma agitada nessa cara de tédio profundo e esquentar esse feriadão!

Sorri com a animação evidente:

- Poderia ter me avisado.

- Na verdade meu voo atrasou e minha mala não aparecia, foi uma baderna. Não queria te perturbar, mas resolvi arriscar. Se não atendesse, ia para um hotel hoje.

- Deixe de besteira, o quarto de hóspedes é sempre seu.

- Que bom que ainda lembra que eu existo – resmungou.

-Sem dramas...

- Preciso de algo para beber e afogar toda essa mágoa familiar – perturbou.

- Se é que já não bebeu o suficiente para chegar assim, elétrica.

- Poucos dias e muito papo para atualizar! Deixe de ‘mimimi’ que amanhã você nem trabalha!

Alegrei-me com a possibilidade da sessão “bebedeira-lamúrias” e me animei com a proposta. O plano poderia esperar, e os últimos acontecimentos ficariam em segundo plano, mesmo que por pouco tempo. Segui para a cozinha e peguei uma garrafa de vodca.

>>>

Acordei com uma terrível ressaca e a coluna doendo. Demorei a constatar que estava em uma péssima posição na poltrona da sala. Marcela permanecia estirada no sofá, como se tivesse chegado de uma micareta. Levantei com certo esforço e saí apagando as luzes da casa. A claridade contínua denotava que a manhã já chegava ao seu ápice. Procurei algum analgésico e percebi que realmente teria que ir a uma farmácia. “É, alguma hora o cosmo ia devolver todas as mentiras que você conta...”.

Troquei de roupa, lavei o rosto e deixei um recado na mesa para quando minha prima acordasse. Aproveitaria a viagem forçada e compraria algo para almoçarmos. A cidade estava deserta, quase um cenário de filme pós-apocalíptico. Com a minha cara de zumbi, só faltava mesmo o roteiro. A ausência de trânsito, contudo, não me permitia reclamar de nada.

A calmaria contrastava com o turbilhão do dia anterior. O reencontro apático com Gustavo, o embate com Adriano, as descobertas posteriores... Tudo poderia configurar como atrações de um verdadeiro circo de horrores. Com o kit primeiros-socorros reabastecido, parei em uma cafeteria, e engoli o comprimido com a ajuda de um bom cappuccino.

Não importava o nível de teor alcóolico no sangue, eu não conseguia tirar aquela imagem da cabeça. Os dois sorrindo com cumplicidade, sem que soubessem as ligações que ambos guardavam, ou o que elas implicariam... Ciúme ou não, era a vida de uma pessoa – considerada praticamente um familiar – que estava em jogo.

- “Eu já tô em outra, cara”, relembrei nossa última discussão.

Se já não digeria bem o episódio, agora era uma questão de obrigação jogar as cartas na mesa. Ele precisava saber. Aproveitei as instruções da minha amiga, e decidi fazer uma visita para esclarecer toda a situação. No caminho, liguei para um dos meus restaurantes chineses favoritos, e fiz um pedido. Logo, explicaria tudo que tinha para ser dito, pegaria o meu saboroso almoço e aproveitaria um ótimo feriado em família. Simples assim.

Cheguei ao edifício, e o porteiro disse que Juliana já tinha avisado sobre a minha possível vinda. Agradeci o acesso liberado e segui meu cronograma. Toquei a campainha algumas vezes, e cheguei a bater na porta, mas ninguém atendeu. “Deve estar dormindo”, voltei para chamar o elevador, desistindo. Antes que partisse, porém, ele atendeu, trajando apenas uma calça de moletom folgada.

- Augusto? – seu cabelo bagunçado comprovava a minha teoria.

- Te acordei, não foi?

- Não, só tava largado na cama. Acabei cochilando.

- Podemos bater um papo rapidinho? – me convidei a entrar, basicamente.

- Claro! – titubeou por um instante – Aceita alguma coisa, um café? Na verdade nem sei o que tem...

- Relaxa, não estou com fome.

- Você veio porque a Ju pediu, né? Eu disse a ela que não carecia.

- Não, não foi por isso. Todos nós sabemos que já é bem crescidinho.

Ele respondeu com um sorriso envergonhado.

- Guga – prossegui – Eu prefiro ir direto ao assunto, sem rodeios. Acho que já vencemos essa etapa. Tenho duas coisas para falar.

- Tudo bem.

- Uma delas – tentava não focalizar o seu dorso nu – É que, apesar de tudo que foi dito na nossa última conversa, eu prezo pela nossa amizade. Espero que nada abale a nossa relação fraternal, mesmo que sigamos caminhos distintos.

- Eu penso o mesmo. Talvez leve um tempo pra tudo se ajeitar, mas tenho uma enorme consideração pela sua pessoa.

- Certo... – não queria insistir em temas que já foram superados, ainda mais com toda aquela formalidade – O segundo assunto é uma informação que te envolve, mas provavelmente não é de seu conhecimento.

- O que? – franziu o cenho, estranhando.

- Ontem à noite...

Antes que completasse a frase, escutei o barulho abafado de um objeto caindo no chão. Olhei para o corredor, e voltei a fitar o seu semblante:

- Não está sozinho?

Gustavo permaneceu calado, esperando que eu compreendesse. Poderia ir embora naquele exato momento, não fosse um súbito clarão do conflito na garagem aparecendo diante de mim. Uma onda de adrenalina percorreu a minha espinha, e era impossível esconder a inquietação:

- Eu disse para ele ficar longe de você! – corri em direção ao cômodo de onde o surgira o som.

- Guto, espera!

Sem escutar as súplicas atrás de mim, abri a porta com fúria, encontrando-o pelado no quarto. Em pé, e acuado ao lado da cama, tentava cobrir as partes íntimas com um pedaço do lençol. Aquela cena era totalmente inconcebível para mim:

- Flávio?

(continua)

>>>

Oi pessoal! Cá estou eu com mais um capítulo direto do forno. Drica Telles (VCMEDS), fico feliz que esteja se recuperando, o ruivo também manda um abraço! Safirynha, obrigado pelo elogio, :)! Plutão, será? Será? São tantas as possibilidades do que está por vir (rs). O ruivo também manda um forte abraço! Irish, pois é, ainda não entendi o que aconteceu na publicação do capítulo anterior (e quando coloco uma nova parte, ele está reconfigurando a minha padronização de texto. Preciso ficar inventando uma nova toda vez que vou publicar, vai entender...). Se ficar na dúvida de algum acontecimento passado, pode falar, ;)! Ru/Ruanito, há quanto tempo não te vejo por aqui! Espero que esteja gostando! Agradeço mais uma vez todos os comentários e votos! E mais revelações estão chegando, aguardem!


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Comentários

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O%20conto%2019%20ta%20com%20problema...%20Não%20carrega,%20fica%20com%20uma%20tela%20branca...%20Vê%20se%20resolve%20lá

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Não some, rapaz. Seu conto é muito bom. Geral ansioso aguardando sua postagem! Abraços

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Obrigada. Me enganou direitinho em rapaz... E esse mistério do meu xará também tá demais. Um feliz ano novo repleto de saúde, harmonia, dinheiro, paz, amor e proteção para você e o ruivo em 2016. Beijos meninos.

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Bonitão esse seu conto ta uma delícia 😋. So queria pedir que você mantivesse uma periodicidade no que diz respeito às postagens pois fico ansioso quando enquanto cada capítulo não sai

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Desculpa a minha ousada intimidade em relação a vc ao chama´-lo de Caro Amigo. Lia a sua história toda no dia de hj e devo lhe dizer que a achei FANTÁSTICA. O domingo tava muito chato aqui em FORTALEZA e vc praticamente o salvou mesmo sem saber o que fazia. Você não merece um mísero e ridículo DEZ... Vc merece Zilhões. Parabéns e por favor não nos esqueça. Abraço do Nando Mota.

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Li os tres ultimos agora mesmo. Achei que vc tinha desistido do conto, so hj vi as 3 postahens. Magnifico como sempre, fico feliz que nao desistiu. Amei seu conto

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Que legal! Acho bom que o Guga esteja se relacionando com o Flávio e não com o Adriano. Agora que os três estão juntos no mesmo ambiente, será legal o Gustavo abriri o jogo sobre o Adriano. Um beijo carinhoso para ti e para o ruivo,Pllutão

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a Guga o Flavio pow cara o guto na mo na sua e você faz uma dessa com ele e Flavio mo fura olho em gostei não... mais guto tem que contar sobre o Adriano logo estou adorando cada dia mais esse conto mais demora não por favor seu conto é ótimo... torço pra Guga e Guto...

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Acho q Flávio tem algo a ver com o pessoal lá do esquema. Só não consegui ainda decifrar essa do Adriano... Mas o negocio ta bom.

Adoro esse mistério 😁

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Eita sera que vai rolar barraco? rs Sei lá esse Flavio. Abraços, cara!!

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