- Pelo amor de Deus, que gostosos! - falou Lisa quando veio buscar eu e Carlos no motel de estrada na segunda de manhã. Os garotos universitários estavam andando para seus carros, guardando os barris de bebida, bagagens e claro, a maioria sem camisa.
- Você não tem namorado? Falei entrando no carro.
- E você não tinha vergonha? Como veio parar aqui afinal?
- Longa história. Respondi.
- Ótimo, longa estrada. Pode começar a contar.
Ao meu lado, um Carlos sóbrio e feliz pegou minha mão e apertou. Sorri de volta, estranhando o aquilo significava. As memórias da noite passada vinham e sumiam como flashes. O que será que tinha acontecido? Sempre que bebo faço besteira. É minha marca registrada.
Comecei a despejar toda a história de meu pai com os dois. Aquilo era doloroso, porém, era melhor compartilhar do que fingir que estava tudo bem. Quase dei o vacilo de comentar que Christopher era o garoto da boate daquela noite, mas esse detalhe eu teria que contar em Off para ela. Nem imagino o que Carlos pensaria se soubesse...
****
Christopher
****
- Aonde será que ele está? Devo chamar a polícia? Perguntou a mãe de Gabriel enquanto andava de um lado para o outro na cozinha de sua casa.
Ontem, depois que sai da casa do meu pai eu parei em quase todos os hotéis e motéis da estrada para ver se o encontrava, mas não tive sorte. Talvez ele tivesse apenas vindo pra casa, eu pensei, e então eu vim.
- O que exatamente aconteceu lá? Perguntou ela soando aflita.
- Parece que ele e meu pai brigaram, ou coisa assim, e ele ficou chateado e fugiu.
- Ele não está aceitando muito bem essa história. Pelo menos sei que meu filho pode se virar.
Algo martelava na minha cabeça. A mãe de Gabriel também achava que ele não estava se esforçando para se acertar com meu pai, mas isso não era toda a verdade, meu pai não estava colaborando muito. Não fez nem um telefonema para saber se ele já havia aparecido ou estava bem. A mágoa de Gabriel tinha fundamento afinal.
- Na verdade, acho que Gabriel está certo. Eu falei sem pensar.
- Como assim? Em fugir? Perguntou a mulher abraçada ao telefone.
- Não, digo, quanto ao meu pai. Ele é ótimo e eu o amo, mas com Gabriel... A história é diferente. Ele nem se importou quando eu disse que o filho dele tinha sumido e nem ao menos telefonou depois pra saber.
A mãe de Gabriel se sentou pensativa na bancada ao meu lado.
- Não entendo. Seu pai me procurou, disse que queria ter o Gabriel na vida dele novamente e eu pensei que estava sendo ótimo...
A porta da frente se abriu e nós dois pulamos. Corri para a sala de estar, e vi Gabriel jogando a mochila no chão e seu amiguinho músculoso atrás dele. Fui até ele com passos largos e passeis meus braços em volta dele com toda força. Oh, não queria soltá-lo nunca mais.
- O que está acontecendo? Alguém morreu? - perguntou ele com a voz sufocada. Eu tive que rir. Esse garoto não existe. Carlos me encarava de cara feia, mas eu ignorei. Que se dane seu mané!
Finalmente soltei meu pequeno e ele respirou fundo. Meus olhos estavam marejados e eu não conseguia parar de rir. Estava feliz demais por ele estar bem. Parece que eu me importo mesmo com ele.
- Você quer me matar? Eu estava louca de preocupação! Falou a mãe dele passando por mim e tomando o em seus braços.
- Posso explicar. Disse ele.
- E vai mesmo, agora vá tomar um banho enquanto eu faço café.
E ele se encolheu e subiu as escadas. Carlos como um bom e estupido cão fiel subiu logo atrás dele.
- Não acha que é hora de ir para casa? Falei para as costas dele.
Ele se virou sorrindo.
- Você não ouviu a mamãe? Hora de tomar banho.
Eu juro que a raiva que senti parecia uma chama acesa dentro do meu peito, queimando tudo rapidamente. Queria subir lá e socar a cara dele... E depois entrar no chuveiro com Gabriel, claro.
*****
Gabriel
*****
Já passava das oito da noite quando um filme insuportável de guerra terminou. Havia perdido no par ou impar com o Carlos e ele escolheu o filme. Agora? O lindo estava dormindo ao meu lado enquanto eu esperava loucamente para o último soldado com as duas pernas morrer. Ele não morreu, se querem saber.
Christopher podia ter ficado e feito companhia, mas por alguma razão ele saiu sem dizer tchal.
A campainha tocou e me virei pra o escritório de minha mãe. A luz estava acessa, mas eu sabia que ela não ia se mexer pra abri a porta. Tal mãe, tal filho. Me arrastei até a porta e suspirei quando abri.
Lucas estava parado bem ali, tentando sorrir. Seu rosto anguloso e bonito estava corado novamente, estava usando uma camisa preta e uma bermuda xadrez e chinelos. Tão simples, tão gato...
- O que está fazendo aqui? Perguntei, já me sentindo horrível por estar usando meu velho blusão de dormir e um short velho que usava na época que tentei gostar de futebol. Quase gostei... Até dar de cara com a trave.
Ele sorriu, e recuou.
- Não me quer aqui?
- Boa, agora responde a pergunta. Falei cruzando os braços.
- To precisando conversar. Foi só o que ele disse.
- Perai.
Corri até a cozinha, peguei duas latas de Coca-Cola e nos sentamos no degrau da frente. Antes de tudo, quando Lucas e eu éramos apenas amigos, e ele tinha tipo um milhão de namoradas, fazíamos isso quase toda noite.
- Meu pai tá me tirando do sério. Falou ele.
- Porque?
Lucas quase riu.
- Depois que a gente... Enfim, ele quer arrumar uma namorada pra mim. Acha que pode me "concertar" agora que você saiu da minha vida.
- E eu sai? Perguntei abrindo a lata. Eu sabia que aquela não era uma pergunta justa, mas eu tinha que saber. Eu ainda gostava muito dele, doía ouvir que eu não fazia mais parte de sua vida. Por mais que eu merecesse...
Lucas ficou olhando o vazio por um tempo.
- Você me magoou muito Gabriel.
- Eu sei, é só que... Não sei o que fazer. Não posso curar essa dor assim do nada.
- Você me amava? Lucas perguntou me encarando.
Pensei bem no que poderia dizer. Eu já havia feito coisas demais com aquele menino, ele não merecia nem um pouco. Na verdade, eu que merecia.
- Sim, te amei. Mas, não sei, acho que passou.
- Porque não terminou comigo? Precisava mesmo transar com um estranho pra isso?
- Eu acho que fiz isso pra ter um motivo para terminamos.
- Como assim?
- Lucas acorda, você é perfeito. Fez tudo por mim, enfrentou sua família por mim e tudo mais. Eu não tinha porque terminar com você, só não estava feliz.
Ele riu realmente pela primeira vez naquela noite e meu coração deu uma cambalhota. Talvez, só talvez, eu ainda o amasse.
- Acha mesmo isso de mim? Ele perguntou.
- Se contar por aí eu nego - falei tomando mais refrigerante. - Não tenho conselhos sobre o seu pai, só que você sabe como ser feliz, só precisa ser esse cara que você é.
- Você tá mal ne? Perguntou ele se aproximando e passando o braço forte em volta de meus ombros.
- Não, To feliz que ainda podemos ter essas conversas.
Eu ajeitei minha cabeça no seu ombro. Caramba, eu era um lixo de pessoa. Como eu não havia notado isso antes? Sou egoísta, impaciente, irresponsável e... Acho que eu também não iria me querer como filho... Ou namorado, afinal.