Sankofa: o retorno e o recomeço (cap. 8)

Um conto erótico de Mmaah
Categoria: Homossexual
Contém 1254 palavras
Data: 23/05/2015 22:40:49
Última revisão: 23/05/2015 22:41:54

Me mudei dia 25 de dezembro. Sim, exatamente no Natal. Como tradição, passamos a noite anterior na casa da minha vó materna (a que faleceu era paterna). No dia seguinte, por volta das 15h, meu irmão foi deixar minha mãe em casa e eu fui pegar minha pequena “mudança”. Havia deixado tudo pronto, só faltava mesmo colocar no carro. Chegando em casa, tomei um banho enquanto meu irmão fazia um lanche. Depois carregamos as coisas para o carro e era hora de me despedir. De fato, não era longe. Estaria morando a apenas 60km de casa, 1h de ônibus. Mas sair de dentro da casa dos pais tem um peso muito maior do que supõe nossa vã filosofia. Já no portão de casa, vi meu pai sentado na calçada, como se esperasse alguma coisa da minha parte. Eu não havia chegado nesse ponto, no outro conto. Talvez em algum momento eu chegue a detalhar o motivo pelo qual não nos falamos mais, desde junho de 2014. Hesitei entre me despedir ou não. Minha mãe depois chegou a me contar que o olhar dele enquanto me via ir embora foi de dar dó. Mas a verdade é que eu não olhei pra trás. Ela me acompanhou até o carro. Coloquei tudo na mala, algumas coisas no banco de trás, era hora de partir. Abracei minha mãe, lhe dei um beijo na testa e disse um “Eu te amo” embargado. Segurei para não chorar e dificultar mais aquele momento. Ela nem conseguiu responder. Entrei no carro e pude ver ela secar as lágrimas pelo retrovisor. Vim o caminho inteiro sem falar nada, e meu irmão também entendeu que eu não estava pra prosa. Estava anoitecendo quando fomos nos aproximando da capital. Lembrei da minha infância, de quando eu era criança e vinha aqui com meus pais a passeio ou para resolver coisas, do quanto eu gostava do trânsito (coisa de criança), do movimento, da pressa, dos ônibus, dos prédios altos. Tudo era motivo de curiosidade e apreciação minha. Me passou um filme pela cabeça, sim eu estava verdadeiramente amadurecendo, ou no mínimo tentando. Eu não fazia ideia do que me esperava aqui, das coisas que ainda iria passar. Mas uma coisa era certa: não ia ser fácil. Coloquei todos os meus sonhos numa sacola e fui lá. Eu não sabia exatamente onde era a localização, por isso quando cheguei no bairro, liguei pra Thy.

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Ela: Oi.

Eu: Estamos aqui estacionados no banco. Como faço pra chegar aí?

Ela: Pera, eu vou de carro e vocês me seguem.

Eu: Tá bom.

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Uns minutos depois vi o carro dela parar e buzinar bem na nossa frente. Meu irmão entendeu e seguimos ela. Descemos a avenida, fizemos o contorno, entramos numa ruazinha e finalmente chegamos. Sai do carro dando aquela sacada em tudo. De cara: bairro de idosos e fofoqueiros. Putz, velhinhas sentadas na frente de casa já inclinavam a cabeça pra ver quem era aquela menina esquisita que tirava caixas do carro. Fui colocando tudo na varanda e quando nada mais restou, meu irmão me avisou que estava indo. Me olhou com aquela cara de: qualquer coisa, me liga que eu venho correndo te pegar, rs... Restou apenas Thy, eu e algumas caixas.

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Ela: Vem, vou te levar pro teu quarto.

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Fomos entrando e eu conheci meu quarto. Havia algumas prateleiras, um espelho, um colchão e meu banheiro.

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Ela: Eu ia montar sua cama, mas não encontrei todos os parafusos, rs..

Eu: Sem problemas. Depois a gente vê isso.

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Eu fui encontrando meu próprio jeito de tocar minha vida. Na primeira noite, pensei que não ia conseguir dormir, mas dormi tão bem, que acordei com a sensação de realmente estar em casa, no dia seguinte. A Ruth, mãe da Thy, me chamou uma hora num cantinho pra gente conversar.

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Ela: Olhe Mah, de hoje em diante você passa a ser minha filha, entendeu? Não quero que você se sinta uma estranha nessa casa. Abra a geladeira, pegue o que quiser. Vou mandar fazer uma chave pra você.

Eu: Não olhe... Não precisa de chave. É por pouco tempo. Vou lhe dizer meus horários direitinho e não teremos problemas.

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Acertamos as coisas do aluguel, e ela me abraçou. De fato, era um aconchego de mãe.

Nesse tempo, Ci e eu ainda namorávamos, mas nossa relação já ia de mal a pior. Aqui há de se ter sabedoria, e reter o que é bom. Penso eu que quando seu parceiro (a) reclama muito de uma coisa, é bom você começar a se ligar realmente naquilo. Por mais que você ame alguém, e eu acredite piamente que o amor suporta sim, muita coisa, o princípio do amor ao próximo nasce com o amor por nós mesmos. E eu aprendi a me amar. Como assim, Mah, você não se amava? Sempre me contentei em dar mais do que receber. Amei tanto Ci, que por vezes coloquei os interesses dela por cima dos meus, quase cometi o mesmo erro com minha mãe, como quando enfrentei ela por causa da D... Nunca pensei que iria diante de uma família, completamente desconhecida pra mim, num lugar que eu nunca havia ido antes, enfrentar a mãe dela e dizer: “Sim senhora. Eu amo sua filha e pretendo me casar com ela, não estou brincando”. Mas pra quê isso tudo? Do que adiantava meu esforço, se era como correr atrás do vento? Ela não conseguia passar um mês sem se endividar, sem comprar mais do que podia pagar, continuava relapsa com os estudos e mudava de emprego como quem troca de roupa. Nossos planos e projetos eram refeitos praticamente toda semana. Isso é um desgaste e não tem amor que sustente uma coisa dessas. Eu amei ela por nós duas. Terminar não foi fácil. Meus sonhos estavam enraizados nesta relação, mas eu não achei espaço pra aprofundar nossas raízes e assim estar forte pra quando os problemas de verdade surgissem. Talvez eu pudesse ter insistido mais, porém quando decidi terminar, meu coração estava em paz. Não me restou dúvidas de que eu havia feito de tudo pra gente dar certo e que o peso daquele fim não me pertencia.

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Com essa bagagem, eu volto ao ponto em que estávamos outrora. A thy estava ao meu lado, chorando.

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Ela: Eu não acredito que tu fez isso. Cara, tu é muito tonta. Aliás, tonta sou eu. Mah, você tem noção do quanto me magoou?

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Eu poderia até ser tonta sim, mas nessa altura eu já entendia o que ela dizia. Tava na cara que ela gostava de mim. Se era óbvio? Não sei. Nossa amizade sempre foi assim. Nós nos amávamos, como amigas. Mas por respeito ao meu namoro, e ao namoro que ela havia tido (que havia findado em meados de abril do ano passado), nunca tocamos no assunto. Em diversas ocasiões pensei: A gente é bem igual mesmo, e acho que se não fosse por Ci, eu teria me apaixonado por ela. Nunca fomentei o pensamento, porque eu sabia que isso era algo que nunca ia acontecer. Primeiro porque eu amava Ci e tinha planos de casar com ela, segundo porque sabia que ela gostava de mim como amiga, e só. Não havia liberdades, nem nunca alimentei coisas que até então nunca iria acontecer. No entanto, nessa situação toda, pela primeira vez eu havia me dado conta de que não existia mais nenhum argumento que me fizesse não pensar em tê-la de uma maneira diferente.

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Continuamos ali, e agora em silêncio.

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Boa noite, pessoal.

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Beijos.

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Mah

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Sankofa


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