Eu chequei a fechadura só ganhando tempo e verificando que ela estava sim trancada. Mexi no chaveirinho em formato de torre Eiffel de alumínio escuro de tão velhinho e me virei devagar. Me sentia uma criança que parecia ter feito algo errado e precisava olhar pra cara do pai em seguida.
- Quem é Luan, Igor? – Kaio perguntou de novo. Como se eu precisasse sem lembrado do que ele acabou de perguntar.
Eu não sabia “quem era o Luan”. Ele havia ido embora há muito tempo. Ninguém mantinha contato com ele. Nem eu e nem ninguém do nosso ensino médio. A família dele é muito religiosa e “recatada”, não fica exatamente dando notícias sobre os entes sumidos. Muito pelo contrário, eles somem com seus entes. Mas isso eu explico depois...
- Ele era um amigo meu.
- Só amigo?
- Só...
- Porque esse susto todo quando sua mãe disse o nome dele?
- Porque eu não ouvia falar dele há muito tempo.
- Hoje você só dorme depois que me explicar quem é esse tal de Luan.
Eu suspirei.
- Volta pra cama.
Eu procurei pelo controle da TV. Liguei e não sei o que apareceu na tela. Me deitei na cama e Kaio veio pro meio das minhas pernas porque era difícil ficar deitado lado a lado uma cama de solteiro. Coloquei um travesseiro na minha barriga e ele se deitou. Fiquei acariciando o cabelo dele procurando as palavras.
- Tô escutando... – ele disse.
- A gente se conheceu no colegial. Quinta série.
- Eita e tem história assim? – ele disse com ciúme.
- É que a gente não se gostava. Nossas mães é que eram amigas. Na quinta série a gente acabou indo estudar na mesma escola e...
- E...
- E com o tempo acabamos virando amigos. Ele não era tão chato quanto eu pensava. Tinha alguns momentos em que eu o achava um mala mas no fim eu gostei mesmo dele.
- Claro que gostou, né...
- Kaio, por favor! – eu dei um tapa na cabeça dele. – O tempo foi passando e nós viramos, tipo, melhores amigos. Daqueles que não se separam por nada. Sempre fazíamos trabalhos juntos, sempre nos mesmos grupos, sempre convidados pras mesmas coisas... Mas foi só na oitava série do colegial que eu realmente comecei a gostar dele. Gostar, digo...
- Sim, eu entendi! Anda... – ele disse sem paciência.
- Só que bem nessa época ele começou a namorar a Marina. Era uma menina da nossa turma. Ele gostava dela. Eu gostava dele então não gostava dela... Só que ele parecia mesmo feliz com ela. Então eu comecei a achar errado essa coisa de gostar dele. Até que a puta da Marina, que nunca me cheirou bem, traiu o Luan com o Gabriel na festa de aniversário da Beatriz! Na cozinha da casa da Beatriz, Kaio! Quase na frente de todo mundo! Foi um absurdo! Um A-B-Surdo! Tudo bem que o Gabriel era um pouco mais velha que o Luan e tinha um corpo mais legal também mas...
- Igor...
- Tá... O Luan ficou arrasado. Foi horrível mesmo. Ainda bem que foi no fim do ano e no ano seguinte nós mudamos de escola. Na escola nova havia muita gente desconhecida então foi aí que nossa amizade aumentou ainda mais. – eu terminei de falar baixinho e dei um tempo lembrando de tudo. Fazia um bom tempo que eu não mexia nessas memórias.
- Igor, eu não dormi.
- Tá. Lá na escola nova o Luan de fato deixou a Marina pra trás e tudo o que tinha acontecido. Daí os hormônios começaram a aflorar, Luan ficou mais forte, mais bonito... Começou a ficar com todas as meninas.
- E você morrendo de ciúme, eu presumo.
- Sim... Muito ciúmes. Mas nunca contei que gostava dele. Só que ele sabia sim que eu gostava de meninos. Ele até avaliava quando eu dizia achar algum menino bonito. Ele dizia que eu só podia ficar com os meninos que ele aprovassem. Porque ele conhecia todos os caras então sabia dizer os que eram ou não boa pinta, os que poderiam ou não curtir algo com outro cara, os que cederiam ou não a uma cantada, sabe? Mas aí no segundo ano agente ficou.
- Finalmente chegamos onde eu queria. Então ficaram mesmo.
- Foi. Estávamos aqui em casa fazendo um trabalho qualquer e ele perguntou se eu havia ficado com um garoto lá... Eu disse que não e a conversa se desdobrou sobre a sensação de beijar um cara. Eu disse que ele poderia experimentar comigo. Eu era o melhor amigo dele e aquilo não ia sair dalí. – Senti o corpo do Kaio retesar – Desculpa, eu sei que não foi nada legal. Mas eu gostava dele na época, eu tentei e deu certo. Ele me beijou. Daí finalmente ganhei o que eu tanto queria. Pra mim aquele beijo foi como se tivéssemos ficado. Eu pensei que no dia seguinte o Luan ia me tratar diferente. Só que pra ele era como se nada tivesse acontecido. Ele nem comentou mais sobre isso. Continuávamos os mesmos amigos. Muito tempo depois o Luan disse que queria tentar um lance comigo.
- VOCÊS TRANSARAM IGOR??? – ele disse ameaçando levantar.
- Cala a boca! – eu puxei o cabelo dele pra baixo o fazendo deitar de volta – Não idiota! Claro que não! O “lance” que ele se referia era sobre ficar comigo. Ele disse que iríamos ficar pra ver no que ia dar. Porque como eu era o melhor amigo dele, era mais fácil ficar comigo que com qualquer menina. O fato é que eu nem liguei pro que ele disse, topei na hora! Pronto, foi como se estivéssemos namorando.
- Claro! Apaixonado desde a oitava série...
- Não sei se eu estava apaixonado. Mas eu gostava muito dele. Era só beijo e mão boba por aí. Era muito bom. Ter o Luan só pra mim? Sentando do meu lado? Vindo aqui em casa direto? Fiel e sem pensar em nenhuma menina da escola? Era muito bom! Eu não queria mais nada. Nós saíamos muito, estudávamos um na casa do outro e depois sempre saíamos pra algum lugar. Vivíamos ainda mais juntos. Só que aí o problema nasceu... Demos pinta demais.
- Pinta demais como?
- Saindo demais. Juntos demais. Luan não escondia de ninguém eu gostava de mim. Ele finalmente tinha alguém de quem ele gostava e gostava dele. Alguém fiel e tudo mais. Ele ficou feliz demais, sabe? Luan me encontrava no meio da escola e me dava bom dia com um abraço mais que demorado me suspendendo do chão. Dizia que me amava sem parar e vez ou outra alguém escutava. Ele parou de andar com os amigos héteros dele e vivia comigo. Não cedia a nenhuma cantada das meninas e nem sentia falta delas. A brincadeira maluca de ficar com o melhor amigo gerou o relacionamento que ele tanto queria! Só que a família dele era evangélica e não gostava nada nada dele desafiando e querendo ir me encontrar. Um dia o Luan tava doente e faltou na escola. Eu voltei pra casa só. Quando cheguei em casa a avó do Luan estava aqui e me fuzilou com um olhar terrível. Eu notei o tom de voz da minha mãe alterado ao falar com ela. Entrei no quarto pra me trocar e quando saí ela havia ido embora. Ela veio perguntar o que tanto eu fazia junto com o Luan e minha mãe disse que éramos só amigos. Ela disse que o pastor da igreja não estava gostando daquilo e queria que eu e Luan nos afastássemos.
- E depois?
- Bom... Luan estava doente e precisou faltar toda aquela semana. Na semana seguinte faltou de novo. Só que parou de me mandar mensagens. O número dele não chamava nem nada... Ele não ficava online no MSN. Passei na casa dele e estava fechada. Ninguém na escola sabia dizer o paradeiro dele. Minha mãe disse que ele não havia ido no hospital. O status do MSN dele continuava o mesmo “Eu sei que vou te amar...” Eu passei a semana toda preocupado. Ele só estava gripado, não podia ter ficado tão sério a ponto de sair da cidade. Um dia eu recebi uma ligação de um número diferente. Era ele. Eu fiquei desesperado... Só que ele falou rápido. Só disse que a família o havia mandado pra São Paulo pra morar com a mãe. Que não era bom ter os boatos de nós dois correndo por aí. Pediu pra que eu não mudasse de número de celular pra ele sempre me ligar. Disse que ia sentir minha falta, que não ia me esquecer e que não importasse a distância ainda seríamos melhores amigos. Foi a pior coisa do mundo a se ouvir... Eu me senti impotente, sabe? Eu não podia fazer nada. Nós só tínhamos 16 anos e não adiantava espernear mesmo. Meu pai até achou bom no começo porque ele também estranhava eu e o Luan tão juntos, mas depois até ele viu que fiquei triste.
- Ele sumiu assim?
- Não... Ele ainda me ligou algumas vezes perdidas. Todas de um número privado. Era muito rápido. Ele perguntava rápido como eu estava, perguntava dos nossos amigos, dizia que estava bem e que havia ido em al lugar, comprado tal coisa... Era muito superficial. Depois dizia que sentia minha falta, que queria estar aproveitando aquilo tudo comigo e desligava. Todas as vezes que eu via um número privado, corria pra atender. 2010 passou assim. Em novembro ele me ligou pela última vez e disse que havia desistido. Desistido de voltar, desistido de me ver um dia... Enfim, já ia fazer um ano que ele havia ido embora. Eu não fiquei com ninguém durante aquele ano. Eu tinha um receio estranho... Ele disse que também não ficou com ninguém. A única coisa que ele havia feito muito além de estudar era trabalhar. Ele disse que não ia mais ligar porque ele só se sentia mais mal a cada ligação. Eu ainda tentei falar algo mas ele estava decidido. Disse que não ia mais ligar e pronto. Que eu seguisse minha vida. Nunca mais ouvi falar dele. Nem ele ligou de novo.
- Nossa... Sinto muito.
- Daí eu sofri por algum tempo feito um desgraçado. Aquele foi o pior Natal e Réveillon da minha vida inteira. Quando 2011 começou eu estava no terceiro ano. Era o meu ano, né? Ano de todos do terceiro ano. A melhor turma. A última turma. Os mais velhos da escola. Os mais “descolados”... Decidi deixar aquilo pra trás. Fiquei com algumas garotas da escola e no fim transei com todas.
- Eita... – ele riu.
- É... Foi assim mesmo. Foi aí que eu tive as minhas experiências, digamos. – eu ri – Fiquei com alguns meninos também mas nunca rolou sexo mesmo, o que me rendeu muitos foras... No fim do ano eu passei no vestibular e fui embora. Aí sim eu senti que esqueci o Luan. O tempo torna as coisas mais fáceis e ele saiu da minha cabeça. Nunca falei nesse assunto por nem ver tanta importância.
- Pelo o que sua mãe falou, ele deve vir aqui amanhã, sabia?
- O que você vai fazer?
- Não sei... Não sei como vou reagir ao vê-lo.
- Não sabe? Você ainda gosta dele?
- Não pai... De forma alguma.
- Posso ficar tranquilo então? Eu não vim pra cá pra te dividir com ninguém não.
- Deixa de coisa... Eu amo você.
- Eu amo você também. – ele pegou o controle e desligou a TV. Me deu um beijo sério e se ajeitou pra dormir. A cama era solteiro então dormimos de conchinha.
8h da manhã. 4 batidas na porta. Minha mãe.
- Meninos! Bora tomar café!
- Já vamos... – eu disse da cama. Espaçosa demais até.
Kaio havia desistido e ido pro chão. Eu coloquei a cabeça pra fora da cama e ele estava acordando coçando os olhos.
- Bom dia grandão... – eu mexi no cabelo dele.
- Somos parecidos mas eu não sou o Marcos.
- Vou começar a usar esse apelido contigo também.
- Hum... Bom dia – ele disse meio a um bocejo – Que horas são?
- Dez. – eu menti pra apressá-lo.
- Sua mãe deve pensar que sou um marmanjo. Ah... – ele fez cara de dor e se virou – minhas costas estão me matando. Que cama pequena, Igor. Você é muito espaçoso, sabia? Vou ficar com meu humilde colchãozinho mesmo. – rindo. – Me faz uma massagem?
Eu desci da cama e sentei encima da bunda dele. Fiz a tal massagem que ele queria pra acordar. Eu entrei no banheiro e ele veio atrás. Deu um empurrão no peito dele.
- Eu vou escovar os dentes!
- Eu também!
- Comigo? Tá doido. Me espera do lado de fora. Meu pai tá por aí.
Eu entrei e fechei a porta. Não podia dar esse mole!
Terminei e mandei que ele entrasse. Na cozinha todos já estavam à mesa. Até o Jorginho que dorme feito uma pedra. Aquela confusão matinal se formou. Passa o café. Passa o leite. Passa a manteiga. Me dá. Tira a mão... Enfim, coisa de família. Meu irmão havia chegado com a esposa.
- A gente vai pro clube hoje? – Mari perguntou olhando pra mim.
- Nem pensar! Hoje é sexta-feira santa! Dia de ficar quieto em casa. Amanhã todo mundo vai e fica o quanto quiser.
- Que chatice tia... – Jorginho reclamou mordendo um pão.
Como não podíamos sair de casa ficamos assistindo uns filmes legais do notebook do Jorginho e nos empanturrando de tudo que estivesse na geladeira. Meu pai contou umas histórias malucas, que só ele acredita que sejam verdade, sobre a época do exército. No almoço eu preparei um filé pra abrilhantar a mesa! Eu até esqueci do Luan... Pensei que ele fosse dar plantão lá em casa às 8h da manhã, mas não. Nem sinal dele. Eu fiquei mais tranquilo. Almoçamos divinamente bem e quando todos saíram pra sala eu fui ajudar minha mãe na louça. Enxugar os pratos era bom. Era a melhor tarefa de todas porque eu batia muito papo com minha mãe e quando via já havia limpado tudo. Kaio ficou na mesa me esperando e comendo um pouco de uma sobremesa gelada.
- Ligou pro Luan? – minha mãe disse já colocando o sabão líquido na esponja.
- Não... Como foi que ele apareceu?
- Menino, eu quase não reconheci. Parou um carro bonito aí na porta. Desceu um garoto magro, alto e loiro. Ele veio aqui pra calçada. Eu fiquei olhando sem reconhecer de imediato. Até porque eu lembrava dele como um garoto do ensino médio. Daí ele veio e disse “Boa noite tia Flávia. Boa noite tio Carlos. Como estão?” – ela imitou a voz – Ele sorria divinamente! Daí Jesus deu um tapa na minha cabeça e eu lembrei. Igor, era ele. Eu fiquei olhando boba pra ele de tão lindo aí ele disse “Tanto tempo que nem lembra mais de mim, não é? Luan, tia!”. – ela começou a sorrir.
Kaio continuava de cabeça baixa olhando pra sobremesa.
- E ele falou o que tanto?
- Ah... Perguntou sobre você. Daí falei que você havia saído, né? Seu pai mandou ele sentar e nós começamos a conversar. Ele disse que está estudando, cursando Farmácia, já trabalha na área e tudo mais... Pretende parar de morar com a Estela. – mãe dele – Veio sozinho. Mas perguntou muito de você. Ele tá tão bonito, Igor... Loiro branquelo de sempre. Só que agora ele tá com um sotaque um pouco diferente. Tá mais forte, ganhou uns músculos, mas ainda é magro.
- Hum...
- Foi bom ele ir embora. – ela me olhou esperando resposta.
- É?
- É. Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. Então? Deu tudo certo pra ele lá em São Paulo.
Talvez fosse verdade. Ele comprou um carro, não é? Cursa Farmácia. Veio sozinho. Quer sair da casa da mãe... É, talvez tudo tenha se resolvido mesmo pra ele.
- Enxuga menino! – ela disse me acordando. Eu comecei a enxugar as panelas e guardar tudo.
- Porque não chama ele pra almoçar aqui? Eu esqueci ontem.
- Pra quê?
- Pra pôr o papo em dia. Vocês eram muito amigos, Igor.
- Não sei...
- Chame! Mostre que não há mágoa dele ter ido embora de repente. Diga que aqui ele sempre vai ser bem recebido.
- Eu nem conheço mais o Luan, mãe...
- Falei, tá falado. É pra chama-lo pra almoçar aqui qualquer dia desse feriado.
Kaio soltou um sorriso triste e terminou de engolir o que faltava da sobremesa. Me entregou o prato e foi pro banheiro com a toalha no ombro. Eu fiquei terminando de ajeitar a cozinha com minha mãe até que o Jorginho veio da sala sem camisa e parou no corredor.
- IGOR! Tem alguém te chamando aqui fora... – ele disse e se virou indo de volta pra sala.
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Disconhecido: Nossa, que legal! Qual país você está?
LUCKASs: Coisa de pais. De certa forma eu gosto desse cuidado. É muito bom ter pessoas assim pela gente.
Higor Melo: Eu só não reclamo isso do dedo porque foi um acordo nosso então dá de aguentar. Mas há determinadas casos em que nós dois temos que usar as alianças no dedo certo. Pra afastar cantadas, sabe?
ale machado: kkkkk Ôh se ficou... Mas o que o Luan causou eu vou narrar nos próximos capítulos. Não posso adiantar.
LiloBH: Nem sei se chamo isso de treta.
Drica Telles(VCMEDS): Sim, meu futuro! Eu vou explicar tudo no conto. O Luan ainda vai dar o que falar.
Jhoen Jhol: Não kkkk Quando eu performo essa música é no banho e não tem carro lá não. Sim, foi meu primeiro namorado. Meus pais não sabem não, mas suspeitavam na época do colegial.
B Vic Victorini: kkkk Sou impressionado com essa coisa de chamarem a gente de casal isso casal aquilo. Porque eu tenho os meus contos preferidos e eu adoro os "meus casais". Se vocês sentirem por mim e pelo Kaio o que eu sinto pelos casais que eu gosto dos contos então muito obrigado mesmo. A verdade que você fala eu acho que se dá por conta da forma como eu vejo minha escrita. Eu só tento relatar como se eu estivesse contigo agora numa mesinha legal do restaurante que gosto, com o Kaio pagando Coca-Cola pra gente, sabe? Acho que por isso sai mais natural. Eu não penso muito em um texto rígido. Eu penso mais em um texto impessoal onde eu converse contigo mas que não soe vulgar e descuidado. É isso :)
kelly24, Ru/Ruanito, negamalandra, Agatha(1986)/Agatha28, Geomateus, esperança: Sempre aqui! Obrigadão.
Abraço a todos vocês. Até mais.