O conto estava apresentando problema pra ser aberto, então tive que restaurar. Queria agradecer à quem comentou avisando sobre o problema e também à todos os outros comentários e notas.
Abraços.
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- Embora? De vez?
- É.
- Mas e a faculdade?
Ele riu.
- Recife também tem faculdades, Lucas...
O encarei, sem saber mais o que falar. Mas ele sabia.
- Você acha que faria diferença pra eles?
- Saber que você vai embora?
- É.
- Pra Alice e pro Rafael, talvez. Pra Sabrina, não acho que faça. Acho que ela preferiria assim. – respondi, sincero.
- É, era com isso que eu estava contando.
- Você não tá fazendo isso só porque acha que ela vai ficar feliz né?
- Não. – ele riu. – Mas fico feliz que minha ausência torne as coisas menos difíceis pra ela. Pra todos vocês.
- Não pra mim!
Ele sorriu. Ficamos em silêncio por um momento, mas aí me veio uma ideia.
- Você acha que se ela tivesse... sabe... se você e a Sabrina tivessem dado certo...
- Se eu ficaria se eu e ela namorássemos?
- Bem, é. Você acha?
- Acho que sim, quem sabe? Eu definitivamente tentaria ficar. Alugar algum lugar, sei lá.
E aí fui pego de surpresa. Eu, sinceramente, queria que Sabrina e Danilo tivessem dado certo. Era a mãe de todas as ironias: que, no final das contas, eu acabasse desejando que eles tivessem ficado juntos, quando, no passado, só a ideia daquilo acontecer havia me feito tão mal. “Se eles tivessem ficado juntos, todo mundo ainda ia ser amigo, e o Danilo não ia embora. E o pior que ia acontecer comigo era sofrer. Mas eu estou sofrendo agora, assim como os meus amigos.”, pensei.
Enfim, ele quebrou o silêncio.
- Não conta pra ninguém, viu?
- Mas...
- Não, Lucas. Eu não quero que eles saibam.
- Ok.
- Sabe, eu sei que é quase impossível de acontecer, mas eu queria que a gente continuasse amigo.
- Nós vamos. – respondi, sorrindo, mas cheio de dúvidas: “Será mesmo?”, pensei.
- E queria passar o maior tempo que puder com você, antes de ir.
- Quando você vai?
- Em um mês, mais ou menos.
- Já? – perguntei alarmado. – Mas é uma mudança grande.
- Vou na frente, pra aproveitar as férias lá.
- Nesse caso, prometo que vamos aproveitar o tempo que a gente ainda tem. – falei e forcei um sorriso.
Mais uma vez, segurei as lágrimas, e voltamos ao silêncio.
Eventualmente, meu pai chegou, e eu tive que ir embora. Em casa, mal comi e fui direto deitar. Me sentia sufocado. “O Danilo vai mesmo embora”, era só o que eu conseguia pensar. “Porra, logo agora que eu estava esquecendo ele...”. E eu queria esquecê-lo. Mas não queria perde-lo. Eu queria meus amigos de volta, todos eles, como era antes. E eu queria gostar de Danilo só como amigo.
“Porra Lucas, você precisa parar de pensar nisso. Você precisa...” e aí, como um estalo, pensei: “Rafael”.
Peguei meu celular e vi que estava no silencioso. Notei algumas chamadas não atendidas, e duas mensagens. As chamadas: uma da Alice, uma da minha mãe, uma do Rafael. As mensagens: uma do Danilo, que só dizia: “Obrigado por hoje”. Outra do Rafael: “Me liga”. E eu liguei. Demorou, mas ele atendeu.
“Opa”.
“Você mandou ligar, eu liguei”.
“Ah, verdade”, ouvi sua risada do outro lado da linha, “Era só pra saber se queria sair pra comer alguma coisa, mas, uma hora dessas, já deve ter jantado...”
“Que horas são?”, perguntei, estranhando.
“Quase nove”.
“Caralho!”, havia passado a tarde inteira – e quase a noite – deitado na cama, pensando.
“Que foi?”
“Nada não, dormi quando cheguei e só acordei agora.”
Ele riu.
“Isso significa que não comeu ainda?”
“É, basicamente isso.” respondi, rindo.
“Passo aí em vinte minutos”.
“Rafael...”, mas ele já havia desligado.
Corri para o banheiro e tomei um banho rápido. Estava me vestindo quando ouvi a buzina do carro. Me apressei, e desci correndo.
- Vai sair? Uma hora dessas? – minha irmã me perguntou, na sala.
- Vou só comer alguma coisa.
- Com quem?
- O Rafael.
- Mãe deixou jantar pra você, guarda na geladeira quando voltar.
- Cadê ela?
- Com o pai, saíram.
Ia perguntar pra onde, mas Rafael buzinou novamente. Peguei as chaves e saí.
- Que demora...
- Eu ainda tava de farda.
- Eca, que nojo. – e apertou o nariz, me fazendo rir.
- Tomei banho, né.
- Ah. – ele falou, se aproximou e cheirou meu pescoço. – Gosto assim.
- Enfim... – falei, envergonhado. – Vamos pra onde? Tem uma lanchonete no fim da rua. Dá até pra ir a pé.
- Nada de lanchonete hoje.
E ele falou sério. Rafael me levou pra um restaurante na orla da cidade. Quis me recusar a entrar porque estava de bermuda e chinelos e o lugar não era simples, mas ele disse que mal iam me ver. E, mais uma vez, ele havia falado sério. Entramos e o garçom nos levou diretamente para uma área com pouca luz e pouca gente, todos casais.
- Rafael... eu não...
Ele entendeu.
- É por minha conta, Lucas.
- Mas...
- Faz assim, você paga a de amanhã, beleza?
- A gente vai sair amanhã?
- Se você quiser.
E eu sabia que eu queria.
Pedimos a comida, que não demorou. Ela era muito boa, mas o que mais me impressionou foi o ambiente. Era escuro, mas as luzes, que imitavam velas, iluminavam o suficiente para ver um pouco da decoração das paredes, das mesas, do bar: era tudo lindo.
Quando acabamos, ficamos conversando e bebendo. Eu quase não via Rafael, mas percebi quando ele se inclinou em direção ao meu rosto. Me afastei, alarmado, e olhei ao redor.
- Lucas. – ele sussurrou - Tem um motivo de eu ter escolhido essa parte do restaurante.
- Além de esconder que eu não estou vestido apropriadamente? – perguntei, rindo.
- É. – ele também riu – Além disso.
E me beijou. Dessa vez, não me afastei.
Quando saímos do restaurante, resolvemos andar pela orla. Não andamos de mãos dadas, mas, quando sentamos na areia, ele voltou a me beijar. Fiquei apreensivo, mas, além de ter pouca gente próximo, a maioria parecia ser turista.
Ele acabou sentando atrás de mim, e eu entre as pernas dele. Eu encarava o mar, e ele me abraçava por trás, com o queixo apoiado em meu ombro.
Então, lembrei.
- Como você sabia do restaurante?
- Hã?
- Que era escuro e discreto? Já tinha levado alguém lá? Outro cara?
- Não. – ele riu – nada assim. Esse é o restaurante preferido da minha mãe. No aniversário de casamento dela, meu pai sempre leva ela pra lá.
- Ah.
- Se eu não soubesse melhor, diria que você ficou com ciúmes.
- Não, eu só queria saber. – “Mas, se não fosse ciúme, porque eu teria me importado?”
- Ok. Olha, já passou das onze.
- Porra. – praguejei, já me levantando e tirando a areia da roupa.
- Pois é, melhor ir né? – ele não parecia apressado, parecia desapontado.
- Só se você prometer me levar lá de novo outro dia.
Ele sorriu, e pareceu mais feliz depois daquilo. E eu me peguei pensando que eu não havia dito aquilo só pra alegrar ele, eu realmente queria voltar lá.
Chegamos na minha casa rápido, mal havia trânsito. Ele estacionou na calçada, mas não destrancou o carro. Ao invés, me puxou para um beijo.
- Minha mãe. – falei, entre beijos.
- Que? – ele parou e me encarou.
- Minha mãe. – eu ri – Ela deve estar preocupada, já é quase meia noite.
- Ah, ok. Mas amanhã tá de pé?
- Tá sim. Mas olha, eu não garanto nada tão... você sabe.
Ele riu.
- Qualquer lugar com você tá ótimo.
Se minha pele fosse mais branca, eu tinha certeza que teria ficado como um pimentão. Pra ele não ver que eu tinha corado, saí logo do carro, acenei para a janela, e entrei.
O efeito do Rafael, infelizmente, só durou até a manhã seguinte, quando cheguei na sala de aula. Meus amigos estavam sentados no nosso lugar de sempre, e o Danilo sentava sozinho. Então, me lembrei de tudo: “ele vai embora. Só mais um mês, e eu não vou mais ver o Danilo”. E aquilo me levou a sentar do lado dele. Um rápido olhar para trás me mostrou uma Sabrina com uma expressão indignada, uma Alice com um olhar de interrogação, e um Rafael que não olhava para mim. Já Danilo, parecia surpreso.
- Você tem certeza que quer sentar aqui?
- Absoluta. Eu prometi que íamos passar o máximo de tempo juntos, não foi? Então nós vamos.
Também passei o recreio com ele, por isso, só obtive as reações dos meus amigos ao final da aula, quando me juntei a eles após Danilo ir embora.
- Que porra foi essa, posso saber? – Sabrina perguntou, alterada. Alice e Rafael permaneceram calados.
- Ele já senta todo dia sozinho, passa o recreio sozinho, pensei em fazer companhia pra ele, pelo menos hoje.
- Eu... que... do que... você... – Sabrina gaguejava – Vai se foder, Lucas! Depois de tudo o que ele falou...
- Mas aí é que tá, Sabrina, ele falou aquelas coisas pra você, não pra mim.
- Mas você é meu amigo!
- Sou, e por isso eu ignorei ele todos aqueles dias. Mas ele também é meu amigo.
- Não tem essa! Lucas! Você fica de um lado, ou do outro.
- Eu não vou ficar de nenhum lado, Sabrina.
- Não existe essa opção! E já que você não quer tomar uma, eu decido pra você: fica do lado dele. – ela falou, levantando.
- Eu vou ficar, mas não porque você mandou. Vou ficar porque não quero ver nenhum dos meus amigos sofrendo sozinhos. Você já tem dois do seu lado pra te ajudar. O Danilo agora tem ao menos um.
Ela não respondeu, e saiu. Aquela foi a deixa de Alice.
- Sério, Lucas? Do nada isso? Dias ignorando o cara...
- Agora é diferente.
- O que mudou?
- Eu não posso falar.
- De novo isso? Sempre os segredos...
Me irritei.
- Que tal você descobrir esse sozinha também? É a sua especialidade, não é?
Ela me encarou por um momento, levantou, e, assim como Sabrina, foi embora. Só restou Rafael, que continuava calado. Quando percebi que ia falar, o interrompi.
- Por favor, Fael, você também não, procura me entender...
- Eu entendo, Lucas. Só me pergunto se não tem mais nenhum motivo por você querer andar com o Danilo, só você e ele...
Entendi o que ele estava insinuando, e o cortei logo.
- Não é isso, de verdade.
- E eu imagino que você não pode me contar o motivo.
- Não posso.
- Como sempre. – percebi o tom irônico.
- Dessa vez o segredo não é meu, Rafael. E eu não vou imitar a Alice te contando meias verdades sobre segredos que não são dela. Faça como fez comigo, se quer a verdade, vá direto à fonte: pergunta pro Danilo.
Ele pensou, e relaxou. “Ganhei ao menos essa”, pensei.
- Enfim – ele mudou o assunto – que horas passo pra te pegar hoje?
“Porra, esqueci.”
- Ah, tem um problema...
- Qual?
- Não dá pra ser hoje.
- Sua mãe proibiu? – ele brincou.
- Não, vou sair com...
- O Danilo – ele adivinhou.
- É.
- E eu imagino que você tenha esquecido que íamos sair hoje quando marcou com ele.
- É, mas Fael...
- Não Lucas, tá beleza.
- A gente sai amanhã, pode ser?
- Pra que, né? Não tem mais motivos, você já desistiu de esquecer ele. Afinal, era só pra isso que a gente tava saindo...
- Claro que não!
- Não era? Tem certeza?
Fiquei calado. “Era?”, me perguntei. Não parecia ser. Embora eu realmente houvesse procurado ele na noite anterior para esquecer que o Danilo ia embora, eu tinha gostado muito de sair com o Rafael.
- Olha pelo lado positivo – ele continuou – Agora você tem ele só pra você. – e saiu.
Olhei para os lados. “É”, pensei, “mais ninguém pra afugentar”.
Eu havia escolhido o Danilo naquele dia e, em recompensa, parecia haver afastado todo o resto. “Só me restou você, Danilo.”, pensei. Mas aquilo não era verdade, era? Danilo logo iria embora.
“Um mês”, pensei, “um mês e aí não vai me restar nada.”