Por um momento, por um breve momento, ele se entregou pra mim. Por um momento pude sentir sua boca colada na minha, por um momento senti seu corpo com o meu, por um momento senti seu cabelo macio por entre meus dedos, por um pequeno momento, rápido e incrível, aquele beijo era a única coisa que importava no meu mundo, e talvez no dele... Até ele me afastar com um empurrão brusco. Ele me olhava incrédulo, as lágrimas continuavam a correr por seu rosto, mas agora ao invés de alegria, eu via fúria. Ele tampava sua boca com a mão, como que para se proteger de outro beijo, não tirava os olhos de mim, sem acreditar no que havia acontecido. Eu não sabia o que fazer, não sabia o que havia feito! Fiquei parado, sem me mover um milímetro sequer, apenas retribuindo seu olhar, mas tudo o que meus olhos transmitiam era medo. Medo do que estava por vir, medo do olhar que Felipe lançava sobre mim, medo de que alguém tivesse nos visto, medo, medo, medo...
Ele permaneceu me olhando daquele jeito por um longo minuto, após o que saiu correndo, sem olhar para trás, sem dizer nenhuma palavra, me deixando no escuro, perdido em pensamentos, preso no arrependimento. O que eu havia feito?! O QUE?! Ele nunca mais olharia na minha cara, nunca mais eu poderia conversar com ele a caminho de casa, coisa que eu amava tanto, que me tranquilizava, ficar ao lado dele, era tudo e só agora eu via. Percebi naquele momento o que estive escondendo até de mim mesmo, de repente, de forte e cruel como um soco, sem avisar, simplesmente do nada eu percebi: Eu gostava de Felipe. Sim, eu estava me afastando dele, sem perceber, mas me afastando mesmo assim. Eu me afastava quando sentia um calor indescritível no peito quando estava com ele, me afastava quando o som de suas palavras acalmavam meu coração, me afastava quando sentia o toque de seu corpo no meu, fosse num aperto de mão, fosse quando me sentava ao seu lado, bem perto. Mas porque? Porque eu havia me afastado? Porque eu havia trancado isso em mim mesmo pra que nem mesmo eu pudesse descobrir esse sentimento? A resposta, novamente, veio de súbito em minha mente: Medo. Sim, o velho, porém assustador, medo de perder um amigo ao declarar seus sentimentos, medo de um sentimento que ia tão além do simples desejo, medo de perceber naquela hora de que nunca havia gostado de alguém como gostava de Felipe.... Medo de admitir pra mim mesmo que "gostar" era uma palavra muito fraca para descrever tal sentimento.
Me dei conta de onde estava e do que havia acabado de fazer, uma dor invadiu meu corpo, uma dor que não era física. Eu me ajoelhei e fiz a única coisa que me veio a mente fazer: chorar.
Chorei muito, por muito tempo, e assim que senti um pouco de força voltar ao meu corpo me levantei e fui pra casa, pensando no que havia acontecido, pensando em como me desculpar, pensando em como faze-lo voltar a falar comigo.
Depois desse dia eu não tive mais coragem nem vontade de voltar a escola por dois dias. Quando voltei, Felipe não estava lá, segundo outros colegas meus ele não vinha há três dias. E assim continuou por mais uma semana. Me afundei em tristeza, em arrependimento e culpa. Fiz o que fiz sem pensar em nada, sem pensar no que isso poderia causar a ele, e se ele resolvesse sair de uma escola tão boa como era a nossa por causa de minha atitude? E se alguém tivesse visto e pensado alguma coisa que talvez ele não quisesse que pensassem?
Durante aquela semana me mantive afastado de Igor, em parte por não estar bem, em parte por me sentir culpado, afinal não estávamos namorando, mas o que tínhamos era mais que um simples rolo. Mas depois daquilo não poderia mais ficar com Igor. Senti, no momento em que os lábios de Felipe tocaram os meus, que era apenas ele que eu queria, sempre havia sido. Eu precisava falar com Felipe, ao menos tentar fazer com que ele voltasse a escola, tentar fazer com que ele pudesse me perdoar. Quando cheguei na escola após uma semana sem ver Felipe, eu me decidi. Cansei de esperar encontra-lo na escola, eu não poderia me segurar por mais tempo. Precisava dizer pra ele tudo o que eu sentia, precisava, acima de tudo, me desculpar. Decidi matar as aulas daquele dia e ir até sua casa, ele teria que me ouvir. Saí da escola e fui em direção ao ponto de ônibus. Durante todo o caminho, planejei o que diria a ele.
Cheguei em seu bairro e fui rápido á caminho de sua casa. Chegando na sua rua, vi que ele se encontrava sentado na calçada, estava só sentado lá, olhando pra algum lugar, pensando em seja o que for. Fui rápido, mas devagar e silencioso, com medo de que se ele percebesse talvez tentasse fugir pra algum lugar. Eu fiz o certo, pois na hora que me viu, ele se levantou e foi correndo para o portão de sua casa, mas eu já estava perto demais e o agarrei firmemente pelos braços, ele se debateu, até me deus uns chutes, mas eu não o soltei e disse:
- Me ouve, por favor me ouve. - Ele não olhava nos meus olhos, mantinha sua cabeça baixa, mas parou de tentar se desvencilhar de mim. Ainda de cabeça baixa ele me respondeu:
- Eu não quero ouvir nada, eu só quero entrar em casa, só isso - Eu ainda o segurava, ignorando o comentário, continuei:
- Felipe, eu não fui sincero com você, fui burro e egoísta quando fiz o que fiz. Eu menti ontem, eu estava mesmo me afastando de você, eu não queria que você se afastasse, mas-
- Espera! Olha, por favor, ao menos vamos conversar dentro de casa, alguém pode me ver aqui, eu não quero isso, por favor.
- Ok, então vamos - Soltei ele para que abrisse o portão e me deixasse entrar, fomos para a sala e ele se sentou, sem dizer nada. - Aqui é melhor mesmo? E sua família?
- Meus pais estão o culto - Ele disse, sem nenhuma emoção, sem nem mesmo me olhar.
- Ok. Olha, cara.... Eu.... Eu menti sobre algumas coisa naquele dia, eu não quero você longe de mim, eu estava sim me afastando de você por que eu achei que seria melhor pra nós dois se eu me afastasse, se eu continuasse guardando uma coisa que nem mesmo eu sabia que guardava até.... Me desculpa, eu olhei pra você naquela hora, tudo o que você me disse.... Aquilo tudo mexeu comigo, eu me deixei levar, me perdoa, Felipe.... E só que eu percebi que te amo... - Nesse momento ele me olhou, rapidamente, como se não quisesse que eu o visse olhando, mas pude ver em seus olhos surpresa. Talvez ele tivesse pensado que eu simplesmente havia dado um beijo nele por o achar bonito ou coisa do tipo. Amor talvez fosse ainda pior. Me arrependi de ter usado essas palavras. - Olha, eu só vim dizer pra você não se preocupar, não precisa perder aula por culpa de uma estupidez minha. Eu vou ficar longe, eu juro, eu não vou mais incomodar você, o que aconteceu ontem nunca mais vai acontecer.... Eu nunca mais vou chegar perto de você.... - Não achei que dizer aquilo doeria tanto, lágrimas vieram ao meus olhos e eu não pude resistir, comecei a chorar. Era necessário, eu iria pagar pelo meu erro, pagar por ter causado tanta angustia a Felipe, pagar, pois a dor que eu sentia, talvez também existisse nele, a dor de perder alguém especial, um amigo especial. Estava chorando de cabeça baixa, até que levantei meus olhos pra olha-lo mais uma vez antes de me despedir. Foi então que senti uma dor escruciante na minha bochecha direita. Não entendi o que havia acontecido de início, fiquei atordoado por um momento. Olhei para cima e vi Felipe, de pé diante de mim, lágrimas correndo incontrolavelmente por seu rosto. Fiquei muito assustado, olhando pra ele. Talvez eu merecesse aquele tapa, mas não o esperava de fato.
- O que-
- CALA A BOCA! - Ele gritou chorando - NUNCA MAIS FALAR COMIGO? ME DEIXAR EM PAZ? SEU IDIOTA! NÃO É ISSO O QUE EU QUERO! VOCÊ É UM IDIOTA! - Eu não sabia o que estava acontecendo. O que ele estava falando? - EU NÃO QUERO QUE VOCÊ SE AFASTE DE MIM! EU.... eu.... Por isso me afastei... por isso não tive coragem de te encarar essa semana...Eu estava confuso por que aquele beijo... foi a melhor coisa que já me aconteceu... eu também te amo, Enzo - Eu não consegui acreditar, eu fiquei mudo, completamente sem ação. Ficamos parados, ambos olhando um pro outro, ambos chorando sem nada fazer a não ser retribuir o olhar um do outro. Quando me dei conta Felipe havia sentado ao meu lado e me olhando com amor com os mesmos olhos que haviam me lançado fúria. Seu rosto foi se aproximando do meu, eu poucos segundos eu podia sentir sua respiração, sua mão foi gentilmente até minha cabeça, me puxando para mais perto enquanto meu coração de enchia de uma felicidade indescritível por começar ame dar conta do que estava acontecendo. E sem mais nada a dizer, ele me beijou.