O Casarão - Parte 2

Um conto erótico de Whirled
Categoria: Homossexual
Contém 4856 palavras
Data: 06/08/2014 14:34:56
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Sexo

Não estava sendo fácil essa mudança repentina para eles, mas Pedro não fazia nenhuma questão de amenizar o desconforto no relacionamento com Igor. Aliás, Pedro não tinha vergonha em esconder sua antipatia. Despediu-se do pai e entrou no casarão. Já Igor, que não havia feito quase nada o dia todo, nem mesmo tomado banho, foi do jeito que acordou para um restaurante com Silveira. Pediram uma macarronada e esperaram em uma mesa pela comida.

- Você está com medo de ficar no casarão?

- Não. Esses roubos não me assustam. Quando o ladrão perceber que a casa agora tem gente, não vai mais se arriscar tanto.

- Tomara, Igor, tomara. E você e o Pedro?

- O que tem?

- Vocês não se dão bem, não é?

- Não, na verdade a gente não se conhece ainda. Creio que haja muita timidez tanto minha quanto dele. É questão de tempo.

A diplomacia e o carinho por Silveira não permitiram que Igor confirmasse o pensamento do tio de consideração. Ele achou por bem mentir, embora ele realmente tivesse esperança de que esse desentendimento fosse vencido pelo passar do tempo.

- Assim espero. Vocês têm que entender que futuramente, inevitavelmente, vocês terão um relacionamento muito próximo. O hotel vai ser o ganha-pão de vocês e juntos deverão tocar o negócio.

- Tio, posso ser sincero? Não ajuda muito o senhor e o meu pai falarem isso o tempo todo. Isso cansa demais. Pedro e eu sabemos disso, que é para o nosso bem, que é para assegurar o nosso futuro. Temos ciência disso e somos muito pé no chão, pois veja só: Pedro faz Engenharia e eu começarei Arquitetura; nós temos sonhos com esses cursos e, se pudermos, seremos engenheiro e arquiteto. Mas sabemos que não se vive de sonhos apenas e acho que falo pelo Pedro quando digo que nos sentimos seguros por termos uma segunda opção. Mas se vocês continuarem insistindo em nos lembrar que é para o nosso bem, acho que vamos acabar odiando tudo isso. Vamos administrar o hotel com a frustração de não termos conseguido ser engenheiro e arquiteto. Mas essa parte da frustração eu falo por mim apenas.

Silveira ouvia com atenção, como se fosse um garoto querendo aprender os segredos da vida com um ancião experiente. E justamente por saber que Igor não era um idoso, achava-o um jovem esperto, merecedor de muito respeito e consideração. Em retribuição as palavras de Igor, Silveira sorriu, baixou a cabeça e voltou a conversa.

- É, Igor, você tem razão, eu não havia pensado nisso. Como pode você ter apenas dezoito anos e ser tão seguro dos seus desejos?

- Ah, tio, não é verdade. Não há tanta segurança assim em mim. Talvez sobre o que eu desejo sim, mas todas as minhas escolhas são inseguras.

- Igor, não vou discutir, pois sobre isso eu já tenho uma opinião muito formada já sobre você.

- Ninguém imaginaria que pudesse haver uma amizade assim entre um garoto eE um outro garoto!

Era inevitável para Igor rir com Silveira. Apesar da idade tão distinta, eles conseguiam se entender muito bem e se respeitavam. A macarronada foi posta a mesa e os dois não perderam tempo conversando. Igor estava com muita fome e repetiu o prato. Pediram a conta logo em seguida e voltaram para o casarão.

- Igor, antes que eu me esqueça, aqui estão as chaves da casa.

- Tio, tem certeza que eu devo ficar com elas?

- São só cópias, Pedro também tem cópias.

- Sim, eu imaginei que fossem, mas mesmo assim será que devo ficar com elas?

- Claro que sim. Como você vai poder sair e voltar se não tiver chaves? Você vai precisar sair para estudar, comprar alguma coisa, se divertir e você não pode ficar dependendo do Pedro para voltar pra cá. Afinal ele também precisará sair algumas vezes.

- Está certo, obrigado!

- Tchau, Grande.

Pedro assistiu a chegada de Igor pela varanda e voltou para sua cama. Igor entrou na casa visualizando o que faria nas próximas horas: ficaria deitado em sua nova cama, esperaria pelo jantar e por fim dormiria. Não era nada agradável para alguém que gostava de praticar sua liberdade e de conversar com as pessoas, mesmo que fosse tímido.

Ao chegar ao quarto, viu Pedro deitado na cama, com as mãos debaixo da cabeça e olhando fixamente para o teto.

- Cheguei.

- Hum...

Igor ainda sorriu para Pedro, mas este não tirou os olhos do teto. Então Igor se descalçou e sentou na sua cama. O que fariam até o fim do dia? Igor se deitou e virou as costas para Pedro para poder observar a rua, já que estava próximo da varanda. Ver o mundo era um passatempo monótono, mas sempre deixava Igor muito ocupado. Ele poderia passar horas numa viagem de carro vendo as coisas que passavam por sua janela.

Já Pedro parecia não ter a mesma paciência, então resolveu ligar a televisão. Igor perdeu um pouco da atenção com o barulho da TV, mas logo se voltou para a rua. Minutos depois, Igor escutou um barulho dentro do quarto e girou para ver do que se tratava. Era Pedro que mudava a televisão de lugar, pois com a luz do sol entrando não conseguia enxergar muito bem.

- Quer ajuda, Pedro?

Mas antes que pudesse responder de volta, Pedro já havia resolvido o problema girando um pouco a TV para a direita. Só que ele ignorou que na nova posição era impossível para Igor conseguir ver alguma coisa do aparelho.

- Se ao menos tivéssemos cortinas poderíamos fechá-las e tudo estaria resolvido, não é?

Pedro estava decidido a não falar com Igor, então, voltou para a cama, esticou as pernas, pôs as mãos debaixo da cabeça e começou a ver um filme. Igor, vendo sua tentativa de fazer amizade com o companheiro de quarto falhando mais uma vez, olhou bem para o corpo de Pedro – que vestia apenas cueca – baixou os olhos e voltou a ver a rua. Dormiu, por fim.

Pedro continuou a ver televisão, entediou-se com o filme e começou a passar os canais em busca de algo mais interessante. “Porra de TV aberta!”, pensou com a mesma fúria que atacava os botões do controle remoto. Não havia nada mais interessante, então o filme foi assistido até o fim. Depois, Pedro estranhou a quietude de Igor e foi vê-lo. É, ele realmente dormia. Olhou mais um pouco para aquele corpo deitado e se perguntou como ele conseguia se encolher tanto. Entortou a boca, seguiu para uma cadeira onde estava sua roupa, vestiu-se e desceu as escadas. Ainda era tarde, mas o sol já anunciava que aqueles eram os seus últimos raios do dia. Trancou a porta principal e saiu. O barulho do carro não acordou Igor, que permaneceu dormindo por muito tempo.

Pedro dirigiu sem destino. Pensou em ligar para os amigos, mas preferiu ficar só. Havia coisas que ele precisava pensar, mas não sabia exatamente no que.

- Rebeca?

- Você me ligando? Que surpresa boa!

- Se eu te pedir um favor, você me atende sem perguntar o porquê?

- Depende do favor, não é?

- Posso te buscar? Me faz companhia?

- Ué, está carente?

- Mais ou menos. Se você me deixar ir até ai, eu te explico pessoalmente.

- Então venha!

Rebeca, assim como algumas outras garotas, era a segunda opção de Pedro quando ele estava inquieto. E hoje era ainda mais grave por não saber o porquê de estar assim. Então após algumas horas no motel, deixou-a em casa e seguiu para um fast-food. Lá, comeu seu jantar e pediu outro para viagem; passou em um posto de gasolina, encheu o tanque da van e comprou uma garrafa de dois litros de refrigerante. Se pudesse, ele ainda faria uma dezena de outras coisas para não ter que voltar tão cedo para a sua nova casa, mas a voz de seu pai que lhe invadia a cabeça era mais persistente que sua vontade.

Ao voltar, teve dificuldades em subir a escada por causa da escuridão. No quarto, tirou a camisa e a bermuda, descalçou-se e deitou. Quando o relógio digital no pulso de Igor avisava que já se passava da meia-noite, ele acordou. Sua barriga reclamava de fome e em sua cabeça lhe restava a opção de comer umas fatias de pizza geladas, mas ao se levantar da cama e andar um pouco em direção a porta, viu que em cima da cômoda havia uma sacola plástica.

“Aqui tem sanduíche, na geladeira tem refrigerante”

Igor nem precisava de muita luz para ler aquele breve recado. Pôs o papel em cima da cômoda e olhou para Pedro. Este dormia com muita profundidade e já se encontrava todo desenrolado do lençol de tanto se mexer durante o sono. Estava só, mesmo com alguém dormindo ao lado, Igor estava só, mesmo não lhe faltando comida, não tinha como ou para quem agradecer por isso. Igor estava só e a escuridão daquela noite adicionada ao tamanho daquela casa só aumentava o sentimento de solidão no peito dele.

A fome foi aumentando, então desceu as escadas com cuidado, seguiu para a cozinha, pôs o refrigerante em um copo descartável e o tomou junto ao sanduíche, sozinho, naquela cozinha enorme e empoeirada. Era um lugar que não lembrava em nada com uma casa, um lar. Pensou em sua mãe, em sua cama, nos amigos do colégio, que seriam esquecidos pelos novos que viriam com a faculdade. Pensou no seu pai, mas não com saudade, mas com um pouco de raiva. Por fim, sua barriga estava satisfeita. Voltou para a cama, olhou para Pedro, que ainda dormia e, ao se deitar, olhou mais uma vez para a outra cama e sussurrou.

- Obrigado!

O dia seguinte parecia que o mundo poderia cair, acabar de vez e isso não acordaria a Igor. Era mais ou menos isso que estava acontecendo com o casarão. Os pedreiros chegaram cedo e começaram a trabalhar na obra. Pela falta de materiais que foram roubados, só o lado esquerdo do prédio estava em atividade e era justamente o lado em que se encontrava o quarto de Pedro e Igor.

- Igor, Igor, acorde!

Breno já estava furioso pelo sono do filho, pois todos estavam vendo ou fazendo algo da obra, exceto Igor. Aliás, na mente de Breno, todos os homens masculinos e masculinizados estavam lá, menos o filho. E o relógio ainda nem anunciava as oito horas da manhã.

- Igor, não tem vergonha?

- Pai?

- Está todo mundo lá embaixo e você aqui, de princesinha, dormindo.

- Que horas são?

- Já são oito!

- Pai, são sete e meia, está cedo.

- Cedo para uma dona-de-casa, não para um homem!

- Ah, pai, uma dona-de-casa acorda muito mais cedo de qualquer pedreiro.

- Não interessa, Igor. O Pedro está na obra desde que os pedreiros chegaram.

Igor se levantou, sentou a beira da cama, esfregou os olhos e olhou para o pai.

- As vezes eu acho que o senhor quer instalar uma espécie de competição entre Pedro e eu.

- Não inventa, Igor. E se for, está com medo de perder? Vamos, levante-se dessa cama e desça. Essa é a primeira e última vez que venho até aqui te acordar. Se amanhã isso acontecer de novo, te tiro daí com porrada!

Igor viu o pai sair do quarto e, quando a porta foi fechada, ele riu ao pensar “Eu não teria medo de perder para o Pedro, pois eu já perdi para ele há muito tempo, desde que nasci!”. Igor pensava sobre a masculinidade que havia em Pedro e que faltava a si próprio, pois, com certeza era sobre isso o que seu pai reclamava. Então Igor respirou fundo, olhou a luz do dia que invadia o quarto pela varanda e viu que deveria fazer o que fazia sempre: levantar-se e imaginar que toda aquela conversa tinha sido um verso ao invés de uma prosa.

Esticou-se e foi ao banheiro. Escovou os dentes e se olhou no espelho, analisou o rosto para ver se não estava muito marcado pelo travesseiro, se nasceram espinhas, se o cabelo não estava muito desarrumado; tudo aquilo que sempre fez antes do banho. Mas aquele não era o seu banheiro, seu quarto, sua cama... Apoiou as duas mãos na pia e olhou para o ralo. “É muito drama desejar escorrer por esse ralo? Que inferno tudo isso se transformou”. Igor tinha medo de parecer jovem e infantil, embora sua idade dissesse o contrário, mas sabia que infantil ele não era.

Abandonou a bobagem matinal de pensar sobre o último dia e foi tomar banho. Antes que começasse a tirar a roupa, voltou para a sua mala perto da cama e tirou de lá o xampu, o condicionador e a saboneteira. Ele não estava em casa, mas se esqueceu disso por um segundo. Deixou a porta aberta. Quase ao fim do banho, Pedro entrou no banheiro e começou a urinar no vaso, mas o barulho do chuveiro não permitiu que Igor notasse qualquer coisa, além do mais, estava de costas para o intruso. Após urinar, Pedro lavou as mãos e bateu forte no box do chuveiro, assustando a Igor, que quase caiu devido ao piso estar escorregadio.

- Seu pai pediu para te chamar!

Igor não conseguiu responder nenhuma palavra, continuou assustado e começou a respirar pela boca, na mesma velocidade em que seu coração batia. Pedro não teve sensibilidade para perceber o quanto Igor ficou tenso com aquelas batidas no vidro. Então, os dois tiveram um terceiro momento, um pouco mais longo que os anteriores. Eles se olharam mais uma vez e continuaram assim. Pedro esperava por uma resposta de Igor, que não viria, pois as palavras tropeçavam em sua garganta, então Pedro supôs que o recado estava dado e saiu. Igor o seguiu com o olhar até que aquele corpo intruso saísse e desaparecesse depois da porta.

Igor ainda tremia, mas começou a encolher o corpo e se encostou na parede para recuperar o fôlego. Pela primeira vez Igor não se envergonhou por alguém o ver nu. Percebeu isso quando olhou para o seu próprio corpo e o viu descoberto. Era tarde para se envergonhar, então se enfureceu. Mas também era tarde para fúrias. Tirou todo o sabão que ainda o cobria e saiu do banheiro. Vestiu-se de desceu.

- Oi Grande!

- Viu o meu pai?

- Está lá fora conversando com o arquiteto.

Igor, que nunca foi de não responder a um cumprimento de seu tio, desceu os últimos degraus da escada sem olhá-lo de novo e seguiu para o jardim. Silveira percebeu que Igor não estava muito confortável naquela manhã e o chamou a atenção de novo.

- Igor!

- Oi...

- Não vai me dar bom dia?

- Tio, é que... desculpe, bom dia.

- Acabou de acordar?

- Sim.

- E já tomou o café da manhã?

- Não há tempo para isso.

- Como não? Você é tão magrinho, precisa se alimentar e...

- É, eu não sou como o Pedro.

- E nem poderia, vocês são tão diferentes em tudo.

- Não sei se isso é bom ou ruim.

- É bom, você é quem é.

- É, infelizmente. Sou o que sou, mas se pudesse...

- Se pudesse, tomaria café antes de tudo. Vá!

Igor fez uma cara de cansaço com todo aquele vai-e-vem e seguiu para a cozinha. Silveira foi ter com Breno e o arquiteto, enquanto Pedro saiu com a van para ver com a mãe as compras domésticas.

- Silveira, viu o Igor?

- Está tomando café.

- Ainda?

- Breno, o garoto acabou de acordar.

- Ah, mas ele já acordou tarde...

- Deixa o garoto comer. E depois, o que ele vai fazer aqui? Levantar parede?

- Ele não quer ser arquiteto? Bom, ele tem que ver que vai dar duro!

- Ele terá quatro anos para isso.

O resto do dia, que Igor achava que seria divertido, pois conheceria o arquiteto da obra e veria o dia-a-dia do profissional, foi um tédio. E a noite não foi diferente, já que ele e Pedro nem mesmo ousavam se olhar. Sim, Igor, após o susto no banheiro, também passou a ignorar a Pedro e assim foram dormir.

Na manhã seguinte, Igor acordou as cinco da manhã, tomou calmamente o banho – agora com a porta trancada – e se vestiu dentro do banheiro. Desceu e preparou o café da manhã. A cozinha agora tinha microondas, mas ainda continuava suja. Após se alimentar, decidiu limpar a cozinha, mas a faxina durou muito tempo. Os pedreiros chegaram as seis horas e Igor ainda passava a vassoura. As oito Igor ainda limpava as pias, quando seu pai chegou.

- Resolveu acordar cedo?

- Bom dia para o senhor também.

- Mas está lustrando a cozinha. Por que não deixa isso para outra pessoa fazer?

- Quem vai fazer? Não há mais ninguém nessa casa senão Pedro e eu. Sinto muito, mas não acho agradável comer nesse lixo não.

- Aposto como o Pedro não se importa.

- Pouco me importa. Eu me importo. Não vou comer em cima de uma mesa com tijolos e restos de cimento velho. Se você não se importa, venha o senhor para cá dormir aqui e comer nessa podridão e eu volto para casa.

- Igor, você me respeite!

- Eu respeito, mas poxa, me deixa limpar isso aqui. Alguém tem que fazer isso. Eu estou morando aqui e não está fácil. Eu não fico reclamando, estou fazendo de tudo para me habituar, então ao menos me deixe limpar a cozinha, que é exigido, no mínimo, um pouco de higiene.

- Acabe logo com isso e venha para fora. O arquiteto já chegou.

Poderia Igor sair dali correndo? Não, Igor detestava fugir. Isso porque era tudo o que ele mais queria, mas desde muito cedo ele soube que não poderia ter o que quer e se punia quando teimava nisso. Pedro entrou na cozinha, agora limpa, foi até a geladeira e tirou uma das fatias de pizza para esquentar no microondas. Igor terminava de limpar a última pia, enquanto Pedro olhava toda a cozinha. Ele saiu com a pizza na mão e nem sequer comentou a ação de Igor.

Ao fim do dia, Silveira chamou o filho e o sobrinho para uma conversa no quarto.

- O que é de tão sério, pai?

- É que hoje eu recebi uma ligação que parece ser a solução para eu me livrar do estoque de cerâmica. Um restaurante de João Pessoa, que usa a cerâmica... O dono quis saber se eu ainda tinha algumas caixas do piso que ele tem, para poder fazer uma reforma.

- Isso é ótimo, tio, mas o que eu e o Pedro temos a ver com isso?

- Bom, seu pai e eu trouxemos você e Pedro para cá porque estamos sem grana para pagar um vigilante, certo? Bom, nós ainda estamos sem grana e precisamos que alguém leve algumas caixas do piso até lá.

- O que isso significa, pai?

- Que um de vocês dois fica aqui cuidando da casa e o outro vai para João Pessoa!

- Sozinho?

Na mente de Pedro, um alívio, na de Igor, um sufoco. Independente de quem fosse ou de quem ficasse, um ficaria sem a presença desagradável do outro. Mas ambos os pensamentos se diferenciavam, pois para Igor pouco importava quem Pedro era, o que fazia, o que achava; seu medo era por si próprio. Ficar sozinho no casarão seria um tormento sem fim, pois teria que tomar as rédeas de tudo sobre a obra e ainda teria que suportar as implicâncias do pai machista. Porém, ir sozinho para outra cidade, com a responsabilidade de conseguir o dinheiro para aplicação na reforma e ter que tomar conta de si a quilômetros de distância de sua casa parecia ainda mais angustiante.

Para Pedro era simples: ficando, teria a casa só para si e não teria que ver Igor por perto; partindo, ficaria só por alguns dias e poderia aproveitar a outra cidade da forma como bem entendesse. Já para Breno e Silveira estava claro que enviar Igor para João Pessoa sozinho seria muito mais arriscado. O cheiro da insegurança que emanava do garoto poderia ser sentido de longe, além do mais, sua juventude tão aparente poderia afastar o cliente, que por sua vez não confiaria na vantagem da compra dos pisos cerâmicos, se quem efetuava o negócio era apenas um menino.

- Sozinho sim, Igor, mas não se preocupe, você fica na casa e o Pedro é quem vai para João Pessoa.

- E quando vou?

- Amanhã, topa?

- Topo.

Uma das angustias de Igor estava sanada, pois não teria que se deslocar para tão longe, sozinho, numa cidade desconhecida, ou seja, um tormento para qualquer pessoa insegura. Mas o casarão pareceu aumentar duas vezes de tamanho quando Silveira anunciou quem deveria ser a pessoa que ficaria para tomar conta. E Pedro, que não se importava com isso, já pensava no que poderia fazer durante as horas vagas nas ruas de João Pessoa. E assim jantaram, tomaram banho e dormiram. Igor, na verdade tentou dormir, mas por fim o cansaço do dia acabou lhe injetando sono.

Mas antes, ainda naquele mesmo dia, Silveira explicou para o filho como seria a viagem. A ordem era tentar economizar o máximo possível, por isso o transporte usado seria a van, que na verdade já era o automóvel da distribuidora e fornecedora da família. A única dificuldade de Pedro agora seria acertar o caminho de ida e volta, mas não era um fator que o assustava, não era nada que um mapa ou um aparelho de GPS não o ajudasse. E esse também era um dos motivos para que Pedro fosse escolhido, pois tinha carteira de motorista e experiência atrás do volante.

Para Igor, restava acordar cedo, como fez no dia anterior, tomar banho e se alimentar para esperar seu pai, tio, pedreiros e o arquiteto e, como previsto, despertou por volta das cinco da manhã, com uma diferença: fora acordado pelo barulho que Pedro fazia ao arrumar sua mala. Ao abrir os olhos e perceber o que acontecia, continuou na cama, olhou o relógio e vigiou a arrumação do companheiro de quarto. Encolheu-se um pouco mais entre os lençóis e começou a sentir um embrulho na barriga. Algumas horas depois, Igor estaria sozinho no casarão, mas na verdade, não estivera Igor sozinho o tempo todo desde que lá chegou?

Malas prontas, Pedro desceu para estacionar a van mais próxima a casa e carregá-la com algumas caixas do piso cerâmico. O automóvel só possuía o conjunto de bancos da frente, mas o resto era um vão livre, onde sua mala, os pisos e um velho colchão de casal (que já se encontrava lá) seriam levados sem problemas de espaço. Com a saída de Pedro do quarto, Igor tomou coragem para se levantar, tomar um banho rápido e se esconder na cozinha até que as outras pessoas chegassem. Mas antes mesmo de terminar o café-da-manhã, Silveira chegou para dar as últimas coordenadas para o filho, que o encontrou no jardim arrumando o carro.

- Acordou cedo...

- É, quis adiantar as coisas por aqui.

- Olha, acho que você precisa levar mais caixas, pelo menos mais cinco.

- Tantas assim?

- É, não podemos perder a oportunidade. Se o dono do restaurante fechar o negócio, é bom já deixá-lo com boa parte da compra.

- Mas ele não vai comprar de qualquer jeito? Poderemos enviar o que faltar depois.

- Não, ele não vai comprar de qualquer jeito.

- Mas o senhor não disse que fechou o negócio?

- Não, Pedro, você entendeu tudo errado. Ele se mostrou interessado e eu não quero perder tempo, quero me livrar logo desse estoque. Se ele decidir por comprar, já terá boa parte, senão tudo o que precisa, a mão. E ele sentirá confiança se enviarmos logo de cara.

- Mas então o que o senhor está me pedindo não é para simplesmente levar os pisos, mas vendê-los. O senhor quer que eu convença o homem a comprar?

- Isso...

Pedro não aparentava timidez e insegurança. E nem poderia. Sua aparência, seu porte, seu comportamento... Nada disso estampava um rapaz temeroso por simplesmente se relacionar com pessoas diferentes. No máximo, Pedro poderia passar uma imagem de um indivíduo fechado em si mesmo, alguém calado e de poucos amigos. Mas o que ele sabia era que não tinha carisma para vender e não tinha segurança para se apresentar como tal. A viagem logo se tornou um tormento para Pedro também. A responsabilidade em cima dele se tornou maior, talvez do tamanho do casarão aumentado duas vezes, assim como Igor imaginou. Silveira foi até o estoque pegar mais caixas e quando voltou, percebeu que o filho não saiu do lugar desde que conversaram sobre a viagem.

- Não vai ajudar, Pedro? Vá pegar mais caixas!

- Pai, eu não sabia que a venda não estava negociada. Eu... eu não tenho nenhuma habilidade com isso.

- Mas, Pedro, é só mostrar o material, você conhece essas cerâmicas tão bem quanto eu. Fale delas, mostre-as e fale o de sempre, que é mais vantagem para o comprador consertar algumas partes do piso que reformá-lo por completo com outro revestimento.

- Mas tudo isso ele já sabe e aposto que ele sabe também que comprar outro piso também tem vantagens!

Silveira se surpreendeu com o nervosismo de Pedro, pois quase nunca o vira dessa forma. Seu filho sempre demonstrou segurança e o que ele fazia não era muita novidade, exceto pelo fato de que deveria ainda convencer ao cliente de comprar as peças. Mas nada que uma conversa antes não o ajudasse e quem nunca conversou com alguém na vida?

Pedro partiria as quatorze horas, pois ainda precisaria estudar a rota e fazer algumas compras, como alimentos e demais suprimentos. Igor, que ainda se encontrava na cozinha, quis se manter afastado de qualquer coisa que se referisse a viagem. Continuou lá sentado, esperando por seu pai ou pelo arquiteto, mesmo depois de já ter tomado seu café. Os pedreiros chegaram, logo em seguida o arquiteto, com quem Igor ficou em uma conversa em um dos cantos da obra.

As onze horas, os pedreiros começaram uma discussão sobre como se daria o almoço, pois justamente naquele dia a mãe da dona do boteco que preparava as quentinhas para os trabalhadores havia falecido e, portanto, ela não abriria o estabelecimento. Alguns queriam voltar para casa e almoçar e os outros dar o expediente por encerrado as treze horas. Ambas as escolhas resultariam em perdas de tempo, pois os pedreiros moravam em lugares distintos, afinal eram muitos, e parar naquela hora acumularia serviço. Breno chegou para resolver o problema, mas não encontrou solução e o arquiteto, que não era bem quisto pelos operários, reclamava da possível preguiça deles. Igor estava ao lado do arquiteto quando seu pai chegou e tentou amenizar o calor da discussão. Em seguida, Silveira também se aproximou para ver o que acontecia, enquanto Pedro fazia as compras.

- O que está acontecendo aqui, Grande?

- Os pedreiros querem ir embora as treze, pois a dona da vendinha da outra rua não vai abrir hoje.

- É a das marmitas, não é?

- Isso. Ai eles querem ir embora, pois não têm como almoçar hoje e ficar até ao fim da tarde.

- É, é um problema realmente.

- Tio, cadê o Pedro?

Um dos pedreiros pegou sua caixa de ferramentas e gritou que estava indo embora, incitando aos outros a fazerem o mesmo, foi quando antes que Silveira respondesse a pergunta de Igor, o garoto subiu em cima de um latão de tinta e disse em voz alta.

- Esperem, eu tive uma ideia!

- Igor? Isso não é da sua conta, cale a boca!

- Espere, pai, deixe-me falar. Quanto custa uma quentinha? Cinco reais? No supermercado do centro vende uma quentinha a esse preço e é muito boa.

- E o senhor acha que a gente tem tempo e dinheiro pra pegar ônibus, comer lá e voltar para cá?

- Não, não disse isso. A gente pega a van e compra as quentinhas e trazemos para cá. Daqui há pouco o Pedro volta e vamos comprar.

Silveira se adiantou e comentou.

- Na verdade, se for o mesmo supermercado que você disse, o Pedro já está lá, Igor. Eu posso ligar para ele e pedir que compre e já traga.

- E então, vocês concordam em ficar?

- É... a quentinha é cinco sim, mas vinha com um suco...

- Bom, temos água o suficiente na cozinha.

Igor estava empenhado em impressionar o pai, mas acabou deixando a Silveira e o arquiteto boquiabertos. Pedro demorou um pouco mais no supermercado esperando pela encomenda das quentinhas. Quando ele finalmente chegou, os pedreiros logo abandonaram as ferramentas e fizeram uma fila próxima a porta traseira da van, resultando num silêncio instantâneo na obra. Pedro antes tirou suas compras e, logo em seguida, deixou o carro aberto para que cada um se servisse.

- Pai, dá uma olhada nas compras. Será que eu estou esquecendo alguma coisa?

- Está esquecendo sim.

- Mas o senhor nem olhou as sacolas...

- Está esquecendo o seu companheiro de viagem.

- Quem?

A solução dos problemas subiu em um latão de tinta e anunciou uma boa ideia. Quem sabe não seria também ideal para abrandar o medo de Pedro em relação a venda? Foi isso o que Silveira pensou quando Igor acalmou os ânimos dos pedreiros na obra. O carisma que faltava em Pedro, Igor tinha de sobra, só a insensibilidade poderia impedir de se enxergar isso.

- O senhor vai comigo na viagem?

- Não, Pedro, quem vai é o Igor.


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Comentários

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Veio em nossa cidade Maravilhosa João Pessoa. Abraço adorando.

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Pelo conto não ser meu, fica meio difícil eu descrever os personagens, o autor fez o conto como um livro e não como conto, com descrições e apresentações primeiro... Mas ao decorrer da história você consegue ver as características dos personagens.

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No próximo será que você poderia descrever como eles são?

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