Mesmo um tanto abalados, meus pais tiveram que ser informados a respeito da situação atual. Ambos ficaram horrorizados com as palavras que o pai do Murilo havia usado para se referir ao filho.
Pela primeira vez desde que tinha chegado, ele contou mais detalhes sobre tudo. Não era uma grande novidade ouvir que eu era considerado o “agente” do mal. Mesmo assim, isso não era nada comparado com os termos a nós dedicados. No momento, pensei que ser chamado de veado ainda seria um elogio diante de alguns nomes muito mais pesados.
O Murilo chorou muito, mas acabei ficando feliz quando meus pais foram até ele e o abraçaram, como se fossem outro filho. Minha mãe ainda dizia algumas coisas sobre as dificuldade as quais iríamos enfrentar além do pai do Murilo. Talvez essa fosse sua principal preocupação.
Acredito que ainda que tenham sido um golpe sujo, minhas duras palavras serviram para que minha mãe refletisse melhor sobre a situação. Meu pai por outro lado, me deixou com “a pulga atrás da orelha”. Descobrir que ele já sabia sobre mim foi um choque. Ainda assim, o comportamento calculista dele era ainda mais surpreendente.
Esperamos por algum bom tempo. Até que ouvimos um carro parando em nosso portão. Meu pai se levantou, olhou para todos nós e disse:
_Vamos tentar ser civilizados. Entenderam? Pelo bem do Murilo, e de todos nós, precisamos ouvi-lo, e depois partir para um debate construtivo. Devemos atrasa-lo o quanto pudermos, até que a mãe do Murilo chegue. Ela é a chave para uma conversa definitiva, que reslva de uma vez por todas essa situação.
Todos assentimos, e dito isso ele foi até a porta, e com o controle do portão em mãos, deu o sinal para que o visitante se aproximasse. Saímos todos, com meu pai a frente. O Murilo enxugou as lágrimas, olhou para mim e avançou até ficar lado a lado com meu pai. Minha mãe aparentava estar preocupada, e ficou junto a mim e ao Matheus, que por sinal estava tremendo.
_Calma maninho. Vai dar tudo certo.
_Assim espero.
O pai do Murilo não parecia raivoso, mas avançava pelo jardim de minha mãe com olhar determinado. Seu olhar passava de mim para seu filho, e depois, antes de ficar frente a frente com meu pai, observou a todos.
Meu pai tentou ser amistoso, deu um bom dia firme e seguro oferecendo um aperto de mãos.
O pai do Murilo o encarou por um tempo, estudando a reação mas retribuiu a todos os cumprimentos.
_Acredito que sei o motivo pelo qual o senhor tenha vindo até minha casa.
_É claro. Mas eu só quero conversar com meu filho. E com o seu, se possível.
Minha mãe segurou no meu braço e se pronunciou.
_Vamos entrar, acredito que seja uma boa ideia termos uma conversa mais aberta.
Por um momento pensei que ele iria negar, mas olhou para o Murilo, e depois assentiu.
Ao entrarmos, meu pai pediu que todos nos sentássemos na sala mesmo, já que era mais espaçosa do que o seu escritório. O clima estava um pouco pesado, mas minha previsão de gritos, choro e palavrões ainda não havia se consumado.
Após meu pai apresentar nossa família, pediu que o pai dele começasse a falar.
_Eu vim até aqui para levar o meu filho de volta.
_Ele é muito bem vindo aqui, e caso ele prefira, pode, sem problema algum ficar aqui.
Meu pai dizia tudo com uma voz fria e calculista. Era assim que ele ganhava as discussões com a minha mãe.
_Não me entenda mal. Mas eu não sou igual vocês que estão tentando fingir que nada está acontecendo.
_E o que o senhor acha que está acontecendo?
_O seu filho..... é uma má influência para o meu.
_A é? Por que? Pode ser mais específico?
_Ele... confundiu, corrompeu os pensamentos do meu menino.
_Ainda não estou entendendo onde o senhor pretende chegar.
_O seu filho gay está levando meu filho pro mundo da veadagem.
_O meu filho gay, é namorado do seu filho. Ninguém namora ninguém estando confuso. Portanto, ao meus olhos, isso não é decorrente de influência.
_Se você não tem vergonha por ter um filho assim o problema é seu. Murilo, vamos parar com essa palhaçada, pegue suas coisas e vamos embora.
_Pai...
Meu pai o interrompeu.
_Murilo, fique onde está. Você já é maior idade, portanto não tem que atender a essa ordem. E quanto ao senhor, é melhor medir suas palavras.
_E quem é você? Advogado das bichas?
_Não. Eu sou um pai.
_kkkkkk eu também sou pai. E é por isso que estou aqui, para salvar meu filho.
_Salvar o seu filho ou fugir de suas responsabilidades? Eu sou pai, e estou me comportando como tal. O senhor é outro caso. Sentir vergonha do próprio filho? Os filho são uma parte de seus pais, sentir vergonha deles é debochar de si mesmo.
_Olha, eu já disse que não vim aqui discutir com vocês. Só quero meu filho. Nada mais.
_O seu filho, que você tanto ofendeu veio até aqui buscar refúgio, fugir de um pai que não sabe entende-lo. E se preciso for, eu vou intervir nessa situação. O seu filho é muito mais do que você pensa. Desde o primeiro dia que ele nos visitou nos encantou por ser um menino doce e feliz. Feliz porque tem meu filho ao seu lado. Diferentemente do que você pensa, nenhum dos dois é má influência ao outro. A má influência é o senhor, que tem a capacidade de dizer que seu filho virou um veado, uma bicha. Olhe bem para ele, será que nada do que você passou com ele valeu a pena? Ele ainda é o seu filho.
_Eu não criei meu filho...
_Para ser veado? Isso é ridículo. Um pai que diz isso não sabe ser pai. Rafael venha até aqui.
Me levantei da minha poltrona e fiquei em pé ao lado do sofá em que meu pai e o Murilo estavam sentados.
_Olhe bem para o meu filho. Ele, assim como o outro que está ali sentado com a mãe, são meus maiores tesouros. Hoje, com medo de seus comentários depravados, ele revelou a nós sua orientação sexual. É claro que foi um choque, mas e o que nós podemos fazer? Dar apoio! Quando um pai percebe que seu filho caminha em direção errada, deve guiar até o caminho correto. Mas isso é diferente. Ninguém deve ser julgado por ser diferente. Murilo, levante-se.
O Murilo postou-se ao meu lado.
_Esses dois são mais que amigos, eles compartilham uma vida juntos, e isso nenhum de nós, pais, podemos mudar.
Ao nos ver próximos um do outro, o pai do Murilo esboçou um olhar de nojo. Parecia lutar contra seus pensamentos.
Resolvi me sentar de volta junto a minha mãe, e o Murilo foi se sentar ao lado do pai.
_Pai, eu sei que não é fácil. Mas eu não posso mudar. Eu sou assim. Eu não quero que o senhor passe a ser defensor dos gays, mas um pouco de compreensão pode ajudar.
_Não me faça lhe dar a surra que eu nunca te dei até agora. Entre no meu carro, e vamos para casa.
Meu pai assistindo a tudo, resolveu intervir.
_Aqui o senhor é um convidado. Por enquanto nada mais que isso, mas o seu filho é diferente. Diante dos fatos, se o senhor não o tratar como filho, eu o farei. E como pai, não irei permitir que meu filho sofra.
_Por que? Por que protege-los? Não consigo entender.
_É simples. Quando minha esposa me deu meus dois filhos, eu percebi o quanto a vida tinha sido generosa. Perde-los seria o meu fim. Renegar um filho é perde-lo, e isso eu não suportaria. Portanto, eu passo por cima do que for preciso para ter os meus garotos sempre por perto.
Dito isso, ouvimos mais um carro estacionando frente a nossa casa. Minha mãe saiu e foi até o portão. Mas a conversa prosseguiu.
_Você está me dizendo que vai fingir que o seu filho não é um morde fronha?
Essas palavras, proferidas na minha frente doeram como uma facada. Meu pai pareceu não ter gostado também.
_Eu estou dizendo que eu não sou um otário, um idiota que não aceita o próprio filho. E quanto ao seu termo “morde fronha”...
_Deixa pai.
Todos me olharam.
_Você garoto, eu te acolhi em minha casa, te tratei como um filho. E você retribui fazendo isso com meu filho?
Pessoas “cabeça-dura” são as mais difíceis mesmo. Ouvir aquilo me magoou profundamente. Não por mim, mas pelo Murilo. Ouvir o próprio pai dizer algo tão absurdo era horrível.
_Pai, vá embora. Eu não vou voltar com o senhor. Se o senhor não me quer como filho, eu só lamento. Mas eu vou respeitar. Se for preciso, eu paro com a universidade pra você não ter que gastar comigo. Mesmo assim, eu vou continuar gostando de outro homem, eu vou continuar sendo gay, bicha, morde fronha, ou qualquer coisa que você possa chamar. E mais uma coisa, eu perdoo tudo o que você me disse, mas essas coisas que você está falando aqui, na casa dessas pessoas que sempre me trataram bem, é inadmissível.
_Murilo, eu estou perdendo a paciência, se você não voltar comigo eu vou....
_Você não vai nada.
A pessoa que tanto esperamos havia chegado. A “sogra”.
_Peço desculpas pelo meu atraso. E também pelo meu marido, ele não sabe o que diz. Levante-se, você irá embora em breve.
_O que você está fazendo aqui? Vai acobertar o seu filho?
_NOSSO filho. O filho que juramos amar. Você se esqueceu do seu garoto? Você me deu um filho, e por isso eu sou eternamente grata a você, mas eu não posso permitir que você o julgue por quem é. Eu também não entendo muito a respeito, mas sei o quanto esses rapazes sofreram por nós, pais opressores. Veja o exemplo que os pais do Rafael estão nos dando. Isso é tão novo para eles quanto para nós, e nem por isso disseram coisas horríveis a ele ou ao nosso menino. Seja homem, honre o seu nome, e acima de tudo, ame o seu filho.
Aquelas palavras foram suficientes para que todos os presentes ficassem em silêncio. A mãe do Murilo foi até ele e o abraçou, limpando as lágrimas do filho. O pai dele observou a cena, abaixou a cabeça e permaneceu em silêncio.
Depois de um tempo em que só se ouvia os soluços do Murilo, o pai dele me encarou. Porém, com uma expressão diferente no rosto.
_Murilo, o que te atrai tanto a esse rapaz?
_Pai, ele é especial. No começo éramos amigos, depois fomos nos tornando mais íntimos. Depois eu percebi que ele era algo a mais, que eu precisava dele, que eu precisava das piadas que ele conta, precisava dos abraços que ele me dava, do sorriso dele para mim. Percebi que tudo aquilo que eu esperava encontrar em uma garota estava no mesmo apartamento. Mas o Rafael é mais do que isso. Ele é uma ótima pessoa, e você sabe. Você mesmo me disse isso quando ele esteve lá. Não é porque você descobriu sobre nós que pode julgar a situação.
_Eu temia que isso acontecesse. Parece que eu perdi. Para mim mesmo. Perdi a alegria de ter o meu garoto - Dito isso ele começou a chorar- Me desculpe.
_Pai, eu te amo. Eu ainda sou o seu garoto. Eu ainda posso assistir futebol com você, ainda posso te ajudar nas suas lojas, eu ainda posso te ajudar a fazer churrasco. Eu estou aqui pai, igual eu sempre fui.
_Me permita, mais uma vez ser o seu pai.
_Mas é claro.
Os dois se abraçaram e choraram mais alto. Foi até bonito de ver. A mãe do Murilo se juntou a eles e ficaram ali curtindo o momento deles. Meu pai pediu que todos nós saíssemos dali para dar mais espaço a eles.
Fomos para a cozinha. Meus pais me abraçaram também, assim como meu irmão, me mostrando que família é fundamental. De lá escutávamos os soluços do três, que estavam construindo uma nova família.
Após algum tempo, eles foram até nós. Então o Murilo veio até mim e me abraçou forte, na frente de todos. Depois me deu um beijo na bochecha. Todos observaram a cena, e principalmente a reação do pai dele.
É claro que ele ainda não estava acostumado com a ideia, mas não disse nada. Olhou para os meus pais e disse:
_Acho que lhes devo um grande pedido de desculpas.
Depois disso, fomos todos para a área de lazer lá de casa, conversar um pouco mais sobre tudoPessoal, gostaria de mais uma vez agradecer aos comentários. Continuem.
PS: Acredito que em dois capítulos, termino de contar tudo. :) Até a próxima!