O sol estava forte, a estrada empoeirada, mas eu e Flávio estávamos protegidos do mundo exterior dentro do Palio da empresa, com ar condicionado no máximo. Quem está acima do peso sabe como a combinação de calor e uma camada de gordura sob a pele pode fazer os miolos de qualquer urso ferver. E, vamos encarar os fatos, eu estava mesmo acima do peso: 1,80m, 95 kg, branco... não fui feito para encarar o sol.
Para Flávio, o astro-rei era ainda mais implacável: além de ser tão branco quanto eu, tinha 1,85m de altura e 130 kg. Sua barriga, coberta de pelos (que eu percebia por entre os botões da camisa) era grande mas firme, dura, como se quisesse fingir que, ao invés de tecido adiposo, o abdômen estava coberto de músculos que, por acaso, cresceram para a frente e para os lados.
A estrada era longa e ainda tínhamos 2h de viagem pela frente. O caminho era torturante por dois motivos:
1 – o carro não tinha rádio e a paisagem era árida, sem nada para se ver.
2 – Eu não conseguia parar de pensar em agarrar aquele ursão lindo, alto, com cabelos lisos sobre a testa, sorriso cativante com dentes brancos perfeitamente alinhados, que dirigia o carro ao meu lado.
O problema do item 2: Flávio era casado, tinha um filho e não dava a menor dica de curtir homens. O estereótipo da bichinha cult, preocupada com a aparência e em usar roupas da moda, estar antenado e ser fã dos filmes do Almodóvar definitivamente não se encaixava nele. O que só piorava meu desejo de agarrá-lo. Seu estilo era como a de um fazendeiro: sempre estava com calça jeans e uma camisa social por dentro da calça, e sapatos pretos. Eventualmente, se permitia usar camisas pólo, sem abrir mão do jeans.
Não, este desejo não surgiu de súbito dentro daquele Palio velho. Flávio e eu nos conhecemos há cinco anos, quando fui contratado pela empresa onde ele já trabalhava. No início, achei o gordinho simpático, com cabelos grisalhos e muito lisos, que me tratava com muita gentileza, apenas isso: um gordinho simpático. Os meses foram passando e, aos poucos, fui percebendo que Flávio era um pouco mais do que aquilo.
Extremamente “gente boa”, como dizemos em Sergipe, foi me conquistando sem querer. De repente, percebi que estávamos sempre nos encontrando nos corredores da empresa (trabalhamos em setores diferentes). E, a cada encontro, trocávamos abraços apertados. Todas as vezes. Todos os dias. Às vezes, mais de uma vez por dia.
E não era um abraço entre brothers, como acontece quando dois amigos heteros se encontram. Sabe aquela coisa de você encontrar um amigo, virar levemente de lado e abraça-lo apenas nos ombros? Pois bem. Com a gente era muito diferente. Nos abraçávamos de frente. As barrigas, nada discretas, se tocavam, assim como meu rosto no dele. E não apenas colocávamos nossos braços ao redor das costas do outro. Nos apertávamos, embora as mãos não circulassem pelas costas (apesar de minha vontade de alisá-lo da nuca ao cóccix). Mas os braços comprimiam as costas um do outro, forçava nossos corpos a se aproximarem.
Eu tinha dúvidas sobre as reais intenções daquele gordinho extra-simpático. Extremamente másculo, casado... ele estava mesmo me paquerando, ou era coisa da minha cabeça? Ele sabia que eu era gay? Nunca falei nada para ele, mas imagino que este tipo de assunto corre rápido na rádio-corredor. E eu nunca fiz questão de esconder nada.
Esta situação se prolongava por meses. Um dia, durante a festa de final de ano da empresa, resolvi arriscar um pouco mais. Quando eu já estava saindo, nos abraçamos mais uma vez. Mas, desta vez, eu não me contentei com um abraço. Beijei-o no rosto, para ver qual seria a reação. Ele me beijou de volta. No rosto também, claro. Aquilo pagou meu dia.
A partir daí eu comecei a cantar Flávio mesmo. Chamei para tomar uma cerveja à noite, para almoçar, para o futebol... e nada. Ele negava todas a vezes. Qual é a desta gordinho? Ele está a fim e não tem coragem, ou ele apenas gosta de me provocar?
Percebi que, quanto mais intensamente eu o cantava, mais ele se retraía. Resolvi desistir. E, à medida que EU me retraía, ele avançava. O gordinho me deixava louco!
Certa vez, em uma outra festa, mais formal, ele fez meu coração parar. Era um evento de gala, eu estava no fundo do salão de festas, quando ele passou pela porta usando uma roupa que excita 10 entre 10 gays: terno e gravata. O que tem neste tipo de roupa que me gera tanta fascinação? Estava ainda mais charmoso que o normal. Atravessou o salão falando com as pessoas, mas sempre seguindo firme em minha direção. Quando chegou perto, eu deveria estar já hipnotizado por aquele ursão usando uma calça social que realçava o contorno de seu pau e de sua bunda, a barriga saliente forçando a camisa de forma suave, a gravata que parecia ser uma seta, com a ponta sobre sua cintura, a apontar para seu membro claramente visível mas dormente e virado para o lado esquerdo.
O golpe de misericórdia na minha sobriedade, entretanto, não estava nas roupas. Apesar de estar impecável, com sapatos pretos engraxados e limpíssimos, terno e camisa sem sequer uma dobra, cabelos metodicamente penteados... Flávio não fez a barba, deixando-a com aquela aparência máscula, até certo ponto canalha. Sabe como é, aquela barba que está nascendo, nos primeiros dias, que dão um ar de desleixo ao dono? A barba “por fazer” emoldurava aquele sorriso lindo. E a forma como ele me olhava... parecia que eu era o único ser vivo do planeta. Não consegui ficar parado. Apesar de estar rodeado de gente, levei minha mão até seu rosto, toquei de leve em sua barba e consegui balbuciar alguma coisa como “essa barba é linda”. Ele apenas sorriu. Meu coração disparou. A vontade era de beijá-lo, muito mais com paixão do que com tesão. De sentir seu rosto contra o meu, seu cheiro, sua pele, sua coxa na minha.
Consegui me controlar e me contentei em dar mais um abraço, passando as mãos por dentro do paletó. E passei o resto da noite pensando naquela barba.
Agora estou eu aqui no carro, em dúvida sobre o que fazer? Esta nossa paquera dura anos. E, com os anos, o que começou como curiosidade de minha parte, se transformou em tesão e agora é uma paixão. Sou louco por ele. Queria abraça-lo, beijá-lo, sentir seu cheiro, seu peso sobre mim... devo me declarar? E se ele disser que é coisa de minha cabeça? Não existe nada mais constrangedor do que tomar um fora, especialmente se for gay e estiver se declarando para um hetero.
O que fazer?
Ainda estou dentro do carro, caro amigo. Aceito sugestões.